Princípio da Insignificância no Direito Penal Militar

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01/11/2018 às 17:39
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Aplicação no direito castrense do princípio bagatelar com fulcro na isonomia, demonstrando para isso a tese da prevalência do princípio da mínima intervenção penal sobre o da hierarquia e disciplina, quando configurado um crime impropriamente militar.

1. INTRODUÇÃO

De maneira a não se esgotar o tema ou aprofundar-se nos estudos científicos históricos que deram início a teoria do tipo no Direito Penal Moderno, este artigo tem por objeto o instituto denominado pela doutrina e jurisprudência de princípio da insignificância e sua aplicabilidade no Direito Penal Militar.

De tal princípio se deduz que, em uma conduta formalmente típica, se não se apresentar uma lesão significativa ao bem jurídico tutelado penalmente, o fato será considerado atípico materialmente e, logo, não será punível criminalmente, ocorrendo assim à possibilidade, na seara castrense, de haver simplesmente uma punição no viés administrativo. Neste artigo é importante destacar a discussão sobre a admissibilidade da hipótese de aplicação do princípio da insignificância em crimes militares. Mesmo que haja a existência de tamanha rigidez típica das relações entre militares, esta hipótese admite a prevalência dos princípios penais constitucionais.

Dentre estes princípios podem-se elencar os da proporcionalidade, razoabilidade, subsidiariedade, anterioridade, reserva legal e, principalmente, o da legalidade, conforme expresso no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), em seu inciso XXXIX, e também no artigo 1º do Código Penal Militar (1969).  Quanto ao primeiro artigo do código castrense, entende-se majoritariamente este como a base do ordenamento jurídico militar, independentemente da condição do indivíduo de subordinação às corporações militares, cujas condutas destes servidores estão pautadas nos princípios da hierarquia e disciplina, capacitados de força normativa em seu âmbito de atuação.

Desta forma, cabe uma série de questionamentos referente ao tema em análise e suas nuances, pois será cabível a aplicação deste princípio tão controverso doutrinariamente e nas jurisprudências de nosso ordenamento jurídico em qualquer tipo de crime militar, ou seja, nos próprios ou impróprios? Aqueles praticados por servidores militares ou por qualquer cidadão? Ou ainda naqueles em realizados em tempos de paz? E até mesmo em casos mais extremos como nos realizados em tempos de guerra? Em busca de um real esclarecimento ao final deste artigo científico, faz-se necessário introduzir no mundo jurídico castrense, nas doutrinas e jurisprudências, em busca de conceitos, características, elementos, princípios e fundamentos legais trazendo essa elucidação para melhor compreensão sobre o tema que cerne esse estudo. Estabelecendo assim uma abordagem sobre o crime militar em relação ao crime comum, demonstrando que sempre a mais que se aprender referente a um tema especial e ao mesmo tempo com um nível alto de complexidade quanto a sua aplicabilidade no caso concreto.


2. DESENVOLVIMENTO

 Conforme entendimento do teórico Rampazzo (2013, p. 49), “a pesquisa é um procedimento reflexivo, sistemático, controlado e crítico que permite descobrir novos fatos ou dados, soluções ou leis, em qualquer área de conhecimento”. Dessa forma, faz-se entender a grande relevância dada à estruturação de uma pesquisa, e dentre essas etapas cabe destacar o método utilizado para se compreender todo o caminho laborado até o resultado final, tendo assim alcançado todos os objetivos em questão.

Neste artigo cientifico foram utilizadas técnicas baseadas no método bibliográfico, ou seja, na busca de uma problematização de um projeto de pesquisa a partir de referências publicadas, analisando e discutindo as contribuições culturais e científicas. Constituindo, dessa maneira, uma excelente técnica para fornecer ao pesquisador a bagagem teórica, de conhecimento, e o treinamento cientifico que habilitam a produção de trabalhos originais e pertinentes. A pesquisa bibliográfica consistiu: na identificação das fontes documentais (documentos audiovisuais, documentos cartográficos e documentos textuais), na análise das fontes e no levantamento de informações (reconhecimento das ideias que dão conteúdo semântico ao documento). Além do mais, houve uma abordagem qualitativa com o objetivo de trazer uma compreensão ao tema em análise, qual seja o princípio da insignificância, compreendendo os fenômenos com base nos contextos de tempo e espaço, sem alterar a realidade dos fatos jurídicos e doutrinários investigados.

Conforme bem assevera Rampazzo (2013, p.60), “[...] os dados da pesquisa qualitativa não são coisas isoladas, acontecimentos fixos, captados em um instante de observação. Eles se dão em um contexto fluente de relações [...]”. Diante do exposto, podemos entender que o tema estudado, qual seja a aplicação do princípio da insignificância nas relações militares, se constituem recorrentemente de maneira diferenciada em cada caso concreto.

Assim, faz-se necessário uma análise criteriosa em cada situação específica, pelas autoridades incumbidas em decidir sobre a aplicação ou não deste instrumento jurídico, de forma a não exarar decisão aleatória evitando causar prejuízos ao acusado, ao Estado e até a si próprios. Pois, se estes servidores responsáveis por tais investigações agirem em contradição com lei vigente no ordenamento jurídico pátrio no momento da apuração, investigação e condenação, poderão ser exemplarmente sancionados por suas ações e omissões no exercício da atividade.

Portanto, mostra-se importante trazer alguns documentos e textos pesquisados, com o intuito de demonstrar toda a logística na realização desta pesquisa. Primeiramente, foram consultados grandes doutrinadores contemporâneos, como por exemplo, Jorge Cesar de Assis, Fernando Capez, Ronaldo João Roth, Francisco de Assis Toledo, Luiz Flávio Gomes e alguns clássicos doutrinadores que merecem seu destaque como Claus Roxin, Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifingir. Além da grande contribuição doutrinária, foi de suma importância o conteúdo extraído da legislação penal comum e militar, e principalmente da jurisprudência pátria correlacionada ao tema, exaradas pelos tribunais estaduais e superiores.


3. DISCUSSÃO

3. 1. Do Direito Penal Militar     

O Direito Penal Militar é um ramo especializado do direito público, sendo um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a definição das infrações penais militares, as respectivas sanções decorrentes da violação às normas, buscando proteger a hierarquia e a disciplina, princípios basilares das instituições militares. Trata-se de um conjunto de normas que definem os crimes contra a ordem jurídica militar, cominando penas, impondo medidas de segurança e estabelecendo as causas condicionantes, excludentes e modificativas da punibilidade.

Importante salientar que, assim como o Direito Penal Comum, o castrense tem suas fontes, sendo estas compreendidas como os modos de formação das normas jurídicas, ou seja, a sua entrada no ordenamento jurídico. Dividem-se em fontes materiais (de produção) e formais (de conhecimento). A fonte material do Direito Militar é o Estado. Em se tratando de Direito Penal, incluindo o Militar, somente a União pode legislar sobre a matéria, conforme mandamento contido no artigo 22, I, da Constituição Federal (1988). Já a fonte formal é o modo como o direito se articula com os seus destinatários, ou seja, é a exteriorização das normas castrenses e dividem-se em imediatas ou principais (é a lei em sentido estrito) e mediatas ou acessórias (são aquelas que complementam as principais ou suprem a sua ausência).

A distinção preponderante entre o crime comum e o crime militar está no bem jurídico a ser tutelado. No Direito Penal Militar (ASSIS, 2014, p.?) [C2] “existe uma proteção precipuamente à administração militar e aos princípios basilares da hierarquia e disciplina, tratando de um conjunto de normas que definem os crimes contra a ordem jurídica militar”.

No Direito Penal comum a tutela é destinada aos bens jurídicos fundamentais, como exemplo à vida, à liberdade, a honra, ao patrimônio, sendo estes elencados pela lei como de suma importância para uma vida harmônica em sociedade. O teórico e doutrinador Francisco de Assis Toledo (TOLEDO, 2002, p.13-14) expressa em sua obra que: “a tarefa imediata do direito penal é, portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos”. Dessa maneira coaduna o entendimento do ilustre mestre em direito Fernando Capez (2011) em sua doutrina:

O Direito penal é um segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação (CAPEZ, 2011, p.19).

O Brasil adotou para definir como crime militar o aspecto formal, ou seja, critério “ex legis”, o legislador enumera, taxativamente, por meio de lei, as condutas tidas como crime militar. O artigo 124 da Magna Carta (1988), expressamente define que: “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (grifo nosso). Assim, em regra, crime militar são condutas descritas no Código Penal Militar – CPM, Decreto-Lei nº 1.001 de 21 de outubro de 1969, coadunando com o definido na Constituição Federal.

3.1.1        O princípio da insignificância em crimes militares
3.1.1.1     Princípios norteadores do direito penal militar

O Direito penal militar compreende todo um sistema jurídico que, de alguma forma, envolva as Forças Armadas Brasileiras, e suas forças auxiliares, quais sejam, as policias militares e corpo de bombeiros militares vinculados aos Estados e ao Distrito Federal (ASSIS, 2012). O conceito e as atribuições destas autoridades estão expressamente previstos na Constituição Federal (1988), em seu artigo 142:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (grifo nosso).

As forças auxiliares, não menos importante, encontram fundamento legal quanto a sua existência e organização no artigo 42 da Magna Carta (1988), conforme expresso a seguir: "Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (grifo nosso)".

A esse propósito, o teórico Jorge César de Assis (2012) assevera que os militares, federais, estaduais e do Distrito Federal se organizam sob uma legislação especial própria, sob a exigência do respeito à hierarquia e a disciplina, além das demais legislações comuns que também lhes são atribuídas como cidadãos brasileiros, conforme entendimento abaixo:

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Se a sociedade e a Pátria lhes outorgaram a condição de mantenedores da ordem e defensores das Instituições, curial que ao lado de tais garantias que muitas vezes escapam ao servidor público civil lhes seja exigido com maior rigor o cumprimento de seus deveres (ASSIS, 2012, p.24).

A corroborar os dispositivos explícitos na Constituição Federal, encontra-se no artigo 14, do Estatuto dos Militares Federais, Lei 6.880/90, os seguintes termos: “A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico” (grifo nosso). No Estado de Minas Gerais, em sua legislação específica, Lei 5.301/1969, no artigo 8º, encontra-se a referência sobre a hierarquia, conforme a seguir: “hierarquia militar é a ordem e a subordinação dos diversos postos e graduações que constituem carreira militar”.

Importante destacar que o Código de Ética das instituições militares do Estado de Minas Gerais também corrobora na explicitação destes princípios basilares, quais sejam o da hierarquia e disciplina. Especificamente no capítulo II, da Lei 14.310 de 2002, em seu artigo 6º e parágrafos encontra-se a definição destes princípios conforme expresso a seguir:

Artigo 6º - A hierarquia e a disciplina constituem a base institucional das IMEs (Instituições Militares Estaduais).

§1º - A hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das IMEs.

§2º - A disciplina militar é a exteriorização da ética profissional dos militares do Estado e manifesta-se pelo exato cumprimento de deveres, em todos os escalões e em todos os graus de hierarquia, quanto aos aspectos:

I- pronta obediência às ordens legais; II- observância às prescrições regulamentares; III- emprego de toda a capacidade em benefício do serviço; IV- correção de atitudes; V- colaboração espontânea com a disciplina coletiva e com a Efetividade dos resultados pretendidos pelas IMEs.

Os princípios atinentes à organização militar, dentre eles a disciplina e a hierarquia, são antigos, claros e diretos, que visam à defesa dos valores atinentes às instituições militares e permeiam a relação do profissional desta área com esses dois princípios, manifestados pelo “dever de obediência e subordinação”, que não encontram semelhança nas relações civis, conforme Wilson Valla (2003, p. 116). Em referência ao princípio da subordinação, em seu artigo 7º a Lei 14.310 de 2002, expressamente define como: “o princípio da subordinação rege todos os graus da hierarquia militar, em conformidade com o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – EMEMG”.

3.1.2        Aplicação do princípio da insignificância em crimes militares

De certo que o Direito Penal Militar precisa ser mais explorado doutrinariamente por seu vasto e importante conteúdo, não só para os que vivem na caserna, e tem que conviver com este ramo do direito diuturnamente, mas também para todos os cidadãos que compreendem a existência de autoridades estabelecidas em âmbitos especiais. Observa-se que existe um desinteresse geral da população e principalmente das instituições educacionais de ensino superior em transmitir este conhecimento, tendo em vista que as disciplinas “Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar” não constam nas grades curriculares.

Desta forma, faz-se necessário a exploração da aplicabilidade deste instrumento jurídico no âmbito castrense, mas antes é importante ressaltar o princípio da intervenção mínima que decorre, como corolário, a característica de subsidiariedade e fundamenta a aplicação ou não da insignificância no âmbito penal comum e militar. Com efeito, o ramo penal só deve atuar quando os demais campos do Direito e os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela. Sua intervenção só deve operar quando fracassar as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito. Pressupõe, portanto, que a intervenção repressiva no círculo jurídico dos cidadãos só tenha sentido como imperativo de necessidade, isto é, quando a pena se mostrar como único e último recurso para a proteção do bem jurídico, transferindo a ciência criminal, a tutela imediata dos valores fundamentais da convivência humana a outros campos do Direito, e atuando somente em último caso.

Conforme exemplo conferido por Flávio Gomes (2013, p. 150), lapidar nesse sentido o entendimento expendido no acórdão conforme voto do excelentíssimo Ministro Enrique Ricardo Lewandowski, no Habeas Corpus n. 100.625, fazendo remissão ao Habeas Corpus n. 91.759-3 MG, o relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito discorre que: "o entendimento desta Corte mantém-se no sentido da não aplicação do princípio da insignificância aos crimes relacionados a entorpecentes (no âmbito militar)". Doutrina e jurisprudência majoritárias caminham no sentido de que a quantidade de droga é irrelevante para a configuração deste delito. Destaque para as decisões do Superior Tribunal Militar – STM:

Ementa: entorpecente. Porte e consumo. Quantidade ínfima. Princípio da insignificância ou bagatela. Atipicidade do ato solitário de usar ou fumar. Consumo e porte de substancia entorpecente (cannabis sativa l.) Em lugar sujeito a administração militar. Inaplicabilidade do princípio da bagatela vez que a circunstância de ser mínima a quantidade apreendida não afasta a configuração do crime, vinculado este as propriedades da droga, ao risco social e de saúde pública, não à lesividade em cada caso concreto (doutrina e precedentes da suprema corte). A lei penal militar não pune o agente pelo só fato de ter feito uso do entorpecente, mas sim por guardá-lo ou traze-lo consigo. A rubrica marginal do art. 290 do cpm não produz consequências incriminadoras porque não contemplado no elenco do preceito primário o nucleo 'usar'. Improvido o apelo e mantida a condenação do agente que portava a droga e em poder de quem apreendida. Provida a iresignação por atipicidade quanto ao agente que apenas fez uso eventual e instantâneo da substância. Decisão unânime (STM, ACÓRDÃO n. 1992.01.046850-1, 1993).

Ementa: entorpecente (maconha) guarda, para consumo próprio, de pequena quantidade. Improcedência do princípio da bagatela, por não estipular o tipo penal a quantidade que caracteriza o delito. Impossibilidade da revogação, pela lei 6.368/76, do artigo 290, do código penal militar, por ser lei especial, cuja revogação (derrogação ou ab-rogação), somente, pode ocorrer por outra lei especial que, especificamente, o declare. Recurso improvido. Decisão uniforme (STM, ACÓRDÃO n. 1993.01.046875-7, 1993).

Com relação ao crime de furto no âmbito militar, necessário se faz mencionar o ilustre teórico Jorge César (2014) que versa sobre os deveres feridos por tal atitude em desconformidade com a lei:

Aquele, ao se apossar do que não lhe pertence fere, ao menos, três deveres igualmente importantes: seu dever de ofício, comum a todos os funcionários públicos [...]; seu dever de lealdade com a pátria e com a sociedade que prometeu defender em juramento solene [...] e seu dever com a Força a que pertence lastreada na disciplina e na hierarquia (CÉSAR, 2014, p.121).

 Antes de adentrar no âmago em si da aplicabilidade, faz-se necessário destacar que no Decreto Lei 1.001, de 1969, existem diversos artigos que merecem ser mencionados para devida comprovação de que o princípio da insignificância encontra-se expresso em lei castrense, não precisando nem mesmo da doutrina ou jurisprudência para definir se deve ou não ser aplicados ao caso concreto, diferentemente do Direito Penal comum.

Referida norma materializa o expresso reconhecimento, no âmbito do Direito Penal Militar, do princípio da insignificância ou bagatela, hoje tão difundido e discutido pela doutrina e jurisprudência penalistas. Tal princípio atua como instrumento integrador das normas penais excessivamente abertas, que acabam abarcando uma série de condutas para as quais a aplicação de sanção penal tornaria desproporcional a reprimenda estatal, em face da irrelevância da conduta do agente ou da lesão ao bem jurídico protegido pela norma legal.

Este instrumento, idealizado por Claus Roxin, em 1964, consolida o princípio do “nullum crimem sine iniuria” (Não há crime sem dano). Em outras palavras, não há crime sem ofensa (lesão ou perigo concreto de lesão) relevante à bem jurídico. Doutrina e jurisprudência nacionais são unânimes em reconhecer a existência e a importância do princípio da insignificância. Sua aplicação a inúmeros crimes comuns (como nos crimes contra a administração pública), no entanto, ainda é motivo de acalorado debate acadêmico.

Nas hipóteses elencadas nos artigos da lei penal militar, preenchido os requisitos legais, quais sejam a primariedade do agente e o pequeno valor da coisa sobre a qual recai a infração (artigo 240, §1º, CPM), para constatação do princípio em análise, o fato passa a ser atípico materialmente e se torna uma sanção administrativa, ou seja, uma infração disciplinar, com punição no âmbito interno a instituição militar (grifo nosso). Os crimes a seguir estão expressamente positivados em lei castrense, conforme elucida Fábio Amaral (2012) demonstrando a aplicabilidade direta do princípio bagatelar próprio em sua essência:

a) Furto atenuado (artigo 240, §1º e §2º); b) Apropriação indébita (artigo 250); c) Estelionato e outros tipos de fraude (previstos nos artigos 251 e 252); d) Receptação simples (artigo 254); e) Perdão judicial no caso de receptação culposa (artigo 255, § único); f) Dano atenuado (artigo 260); g) Emissão de cheque sem fundos (artigo 313); f) E por fim, não menos importante, um crime que traz muita divergência na seara castrense, a lesão corporal (artigo 209, caput), conta com seu §6º, do artigo 209 que prevê expressamente “no caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar a infração como disciplinar." Desta forma, em todos estes artigos o magistrado poderá aplicar o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 240, ou seja a substituição da pena de reclusão por detenção, dimunição de 1(um) a 2/3 (dois terços) ou considerar a infração como disciplinar. (grifo nosso)

Não existe uma pacificação doutrinária quanto ao conceito de lesão levíssima. Portanto, somente o caso concreto será capaz de estabelecer está definição referente a esta lesão considerada incapaz de ferir o direito material, sendo assim considerada insignificante. Nesse sentido aponta a jurisprudência:

Crime de lesão corporal – lesão contusa na região occipto-parietal com corte de 4 cm – impossibilidade de considerar-se lesão levíssima e desclassificação para transgressão disciplinar, nos termos do art. 209, § 6º, do CPM – impossibilidade de absolvição pela prescrição executória retroativa, nos termos do art. 439, letra “f” do CPPM.

O Código Penal Militar (1969) não define o que venha a ser lesão levíssima, conceito que ficará, pois, em cada caso concreto, ao critério subjetivo do juiz, dentro de seu convencimento pessoal e, sobretudo, igualmente dentro do princípio da razoabilidade (TJMMG - APELAÇÃO Nº 2.358, 2005).

Destarte, em nosso entendimento, nem todos os crimes militares admitem a ideia de insignificância, pois o grau da lesão ou ofensa ao bem jurídico tutelado é impalpável ou imensurável, como por exemplo, nos casos de crimes contra o serviço e o dever militar, ou nos crimes contra a autoridade ou disciplina militar. Nestes casos, evidentemente, a legislação penal militar mostra-se muito mais consentânea com a moderna doutrina e jurisprudência, uma vez que reconhece expressamente a existência do princípio da insignificância.

Assim, em se verificando a tipicidade formal de tais delitos, fica ao julgamento do magistrado a aferição do demérito da ofensa e eventual descaracterização da conduta de crime para infração disciplinar, analisando ao caso concreto que condutas que geram resultados insignificantes, de bagatela, não merecem a reprimenda do direito penal castrense.

Isso porque, ontologicamente, crime militar e transgressão disciplinar possuem a mesma natureza, posto que ofendem os mesmos valores ou deveres funcionais. No entanto, em atendimento ao princípio da proporcionalidade, a insignificância da conduta (ou do resultado) pode ensejar outra resposta sancionatória por meio do Direito Administrativo Disciplinar.  Sendo assim, ao invés de ser considerado crime, será reclassificado como infração disciplinar.

Em consonância com esta linha de pensamento estão os teóricos Antônio Pagliaro e Paulo José da Costa Junior (2008):

Ao lado do ilícito penal coloca-se o ilícito administrativo, que não dispõe de suficiente gravidade para ser erigido em ilícito penal. A diferença entre ambos, portanto, não é ontológica: somente de grau. A falta disciplinar representa um minus com respeito ao crime. E a pena criminal um plus com relação à sanção disciplinar (PALGIARO; COSTA JÚNIOR, 2008, p.19).

A indagação que se faz após a comprovação da aplicabilidade deste aludido princípio, em casos que expressamente há previsão legal, é que da mesma forma pode-se aplicar nos demais crimes militares que não existam esta possibilidade definida em legislação especial. A doutrina e a jurisprudência pátria estão bem divididas quanto a este assunto. Alguns autores, como o magistrado Ronaldo João Roth (2008), defendem a possibilidade de sua aplicação a todos os crimes militares indistintamente, conforme expresso a seguir:

[...] como princípio, devemos reconhecer a aplicação da insignificância também nas lesões corporais culposas e em outros delitos ainda que expressamente não o prevejam, como ocorre nos delitos contra a Administração Pública (peculato, falsificação, etc.), nos delitos contra a honra, etc. (ROTH, 2008, p. 30-38).

Outros doutrinadores e teóricos, como Neves e Streifinger (2005, p.41) demonstram que sua aplicabilidade é relativa, quando se trata de crimes fora dos elencados expressamente em lei, conforme entendimento: “ficando ao jugo do operador, mormente o juiz, aplicar tal princípio quando a lei, atendendo ao critério da subsidiariedade, deixar ao discricionarismo do magistrado invocar a bagatela”.

De maneira contrária a este entendimento existem estudiosos jurídicos que entendem sua aplicação na seara castrense sob a alegação de que os crimes militares ofendem valores diversos além daqueles protegidos pelo tipo penal comum, em decorrência dos artigos 9º e 10 do CPM, qual seja, a uniformidade, disciplina e a ordem das instituições militares.

Conforme ementa do Habeas Corpus n. 84.412/SP – STF, de relatoria do excelentíssimo Ministro Celso de Mello, foi estabelecido um marco para a aplicabilidade deste princípio jurídico, através de requisitos cuja presença permite o reconhecimento desse postulado, mostra-se em perfeita consonância com o Direito Penal Militar, sendo que a sua aplicação deve levar em consideração: à mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Estes vetores de formulação jurisprudencial visam o reconhecimento de que o caráter subsidiário e fragmentário que o sistema penal impõe deve ser aplicado em conformidade com o princípio da intervenção mínima, analisando cada caso concreto. Sendo que antes da sua aplicabilidade será feito esta análise através de investigações, inquéritos, sindicâncias e até mesmo uma ação penal, mas esta poderá ser arquivada ou até mesmo a denúncia poderá ser rejeitada, conforme o que dispuser a apuração dos fatos.

Portanto, cabe destacar que em consonância ao tema em análise está o entendimento do jurista Cleber Masson (2011) citado pela professora mestre em Direito e doutrinadora Cristiane Dupret em seu artigo “Princípio da Insignificância próprio e impróprio: Origem, aplicação e controvérsias”, ao qual exara seu conhecimento conforme a seguir:

Veja-se que, ao contrário do que se verifica no princípio da insignificância (própria), o sujeito é regularmente processado. A ação penal precisa ser iniciada, mas a análise das circunstâncias do fato submetido ao crivo do Poder Judiciário recomenda a exclusão da pena (MASSON, 2011, p. 36).

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Sobre o autor
Luiz Alberto A. G. Santos

2016 - Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira 2017 - Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá; 2018 - Pós graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá; 2019 - Pós graduado em Direito Penal Militar pela Facibra;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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