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A nova teoria contratual e os contratos de transporte internacionais de carga

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17/07/2005 às 00:00
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Considerações finais

Em que pese alguns autores, como, por exemplo, Cláudia Lima Marques [19], serem contra uma interpretação maximalista do Código de Defesa do Consumidor e defenderem que a Lei nº 8.078/90 não se aplica aos contratos interempresarias, é certo que a jurisprudência no campo do contrato de transporte caminha em sentido contrário, até porque o princípio da boa-fé objetiva, ao lado da tutela do hipossuficiente — hoje consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, mas, inicialmente, tratados apenas pela legislação consumerista —, garantem que parceiros contratuais devem agir com lealdade antes, durante, e após a realização de um contrato.

Nesse contexto, não é mais possível analisar o contrato de transporte sob o enfoque da teoria da autonomia da vontade, pois as cláusulas contidas nesse instrumento não traduzem, com veracidade, a real intenção das partes que integram essa relação obrigacional.

O advento do novo Código Civil — que trata de forma unitária e sem distinções as obrigações comerciais e civis e trouxe expressamente o princípio da boa-fé (o mesmo do CDC) —, pode pôr fim, em certa medida, a discussão sobre a aplicação do CDC aos contratos padronizados de uma forma geral e proteger o aderente ao contrato de adesão, desprezando-se a questão de adequá-lo ao conceito de destinatário final do serviço.

Nesse sentido, o artigos 421 a 425 do Código Civil em vigor que estabelecem, entre outros: a liberdade de contratar respeitados os limites da função social do contrato; que os contratantes devem guardar na conclusão e execução do contrato princípios de probidade e boa-fé; que no contrato de adesão se deve dar a interpretação mais favorável ao aderente; que no contrato de adesão são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio; e, por fim, que as partes têm o direito de estipularam contratos atípicos observadas as regras gerais contidas no Código.

Portanto, independente de se aplicar ou não o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de transporte, com a adoção, pelo Estado social, dos princípios da boa-fé e da tutela do hipossuficiente como novos paradigmas, surge uma nova posição do Estado perante as relações interprivadas, assumindo um papel de balizador dos contratos, optando por implementar, por meio de decisões judiciais, o dirigismo contratual, sendo que os princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor, nesse contexto, dão amparo ao julgador para equilibrar as partes contratuais quando em posições diferentes, tutelando de modo especial o partícipe contratual que julgou ser vulnerável.


Notas

  1. Registros históricos apontam que 4000 a.C. as civilizações mediterrâneas já dominavam as técnicas de navegação, o que permitiu, inclusive, a existência de intensa relação comercial entre os habitantes da Ilha de Creta e o Egito. FARIA, Sérgio Fraga Santos. Fragmentos da História dos Transportes. São Paulo: Edições Aduaneiras, 2001, p. 39.
  2. No Brasil, a legislação comercial marítima que vigorou no país durante muito tempo foi a mesma que em Portugual. O conhecimento marítimo, que é o documento mais importante no comercio marítimo, encontra-se regulado no Código Comercial (Lei nº 556, de 25 de junho de 1850) e recebeu forte influência do Código Napoleônico francês. LANARI, Flávia de Vasconcelos. Direito marítimo. Contratos e responsabilidades. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 53.
  3. NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A Teoria Contratual e o Código de Defesa do Consumidor. Biblioteca de Direito do Consumidor v. 17, São Paulo: Editora RT, 2001.
  4. A evolução do Estado liberal para o Estado social, preocupado em garantir a igualdade real dos contratantes e em realizar a justiça contratual e social, trouxe consigo uma redução do papel e da importância do princípio da autonomia da vontade, pois, para minimizar as desigualdades na relação contratual, em virtude das contratações cada dia mais massificadas, despersonalizadas, objetivadas, este Estado, diante da realidade econômica, passa a intervir nas relações contratuais, impondo determinadas condutas, ocorrendo, então, o chamado dirigismo contratual, que se identifica pela intervenção estatal nos contratos particulares. Nas palavras de Paulo Luiz neto Lôbo "os contratos têm de cumprir uma função social, que é medida por sua conformidade à ordem econômica dirigida e ao conseqüente favorecimento do contratante débil". LÔBO, P. L. Dirigismo contratual. Revista de Direito Civil 52, São Paulo: RT, p. 76.
  5. Com a devida ressalva à Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu ao texto constitucional o artigo 103-A, que estabelece que o Supremo Tribunal Federal pode, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, aprovar súmula que terá efeito vinculante.
  6. TUCCI, J. R. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora RT, 2004, p. 17.
  7. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. Vol. 1, 8ª ed. São Paulo: Editora RT, 2003, p. 63/64.
  8. Arruda Alvim destaca que "esta idéia de segurança, curialmente, não se circunscrevia ao campo do processo, senão que espraiava em outros domínios do direito. V. g., comparece-se a estrutura da invulnerabilidade do contrato, tal como disciplinado no direito privado que se pode denominar, também, de clássico. O princípio do pacta sunt servanda era rigidamente observado, pois o que houvesse sido contratado, haveria de ser cumprido. De outra parte, dificilmente poder-se-ia vulnerar um contrato, pois as nulidades eram taxativas e poucas (art. 145 do CC de 1916, cujo rol foi ampliado no Novo Código Civil, aprovado pela Lei 10.406/2002, e constam dos arts. 166-167 do novo diploma). Se compararmos essa estrutura com o sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, onde o sistema de nulidades é numerus apertus (art. 51, caput), e onde os incisos do art. 51 são ampliadíssimos, e alguns deles, referem-se a conceitos vagos, bastando, para exemplificar, ler o inc. IV desse art. 51, onde são causas de nulidade as cláusulas ‘iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade’, para concluir-se que, em lugar da segurança formal (e, rígida) do contrato clássico, colocou-se a idéia de poder o juiz reequalizar situações contratuais, em nome de valores, tais como boa-fé, equidade e outros. Id., p. 68/69.
  9. Id, p. 77.
  10. DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. Vol. 4. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318.
  11. GILBERTONE, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 191.
  12. THEODORO JUNIOR, Humberto. Contratos..., p. 13.
  13. Cláudio Luiz Bueno de Godoy destaca que a autonomia da vontade se coloca em diferentes termos da liberdade de contratar, que lhe dá sustento, não mais podendo ser compreendida de modo absoluto. "Nem sempre há escolha de contratar ou não e de com quem contratar, bastando lembrar, a propósito, hipóteses como a da complusória renovação da locação, da prestação, em regra irrecusável, de serviços monopolísticos ou do fornecimento de massa (art. 39, II da Lei n. 8.078/90, no exemplo brasileiro das relações de consumo). Da mesma forma, devem ser lembradas as cláusulas gerais de contratos estandardizados, que impedem a livre fixação do conteúdo contratual. Ou seja, completamente modificada a liberdade contratual subjacente à autonomia da vontade, aliás em extensão tal de modo a ensejar se reconheça hoje existente um novo princípio dos contratos, o princípio da autonomia privada". GODOY, Cláudio Luiz Bueno. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13.
  14. Note-se que nos contratos de transporte internacional a superioridade do transportador marítimo nem sempre será econômica, mas sim jurídica, uma vem que somente à ele é assistido o direito de impor as condições do contrato de prestação de serviços que será disponibilizado ao embarcador.
  15. THEODORO JUNIOR, H. Contratos..., p. 18.
  16. Adcoas, 1981, n. 77.035 – "Cuidando-se de transporte de mercadorias, não pode prevalecer a cláusula do contrato que fixa o foro para uma das partes, deixando a outra sem liberdade de escolha. Tal cláusula é abusiva e provoca deformação que desequilibra as obrigações recíprocas das partes (1º TACSP)".
  17. Adcoas, 1981, n. 78.738 – "É competente o foro do local do desembarque, para conhecer das falhas na execução do contrato de transporte, relativamente aos sinistros verificados com as mercadorias ali desembarcadas, nas ações de reembolso ajuizadas pelas seguradoras como sub-rogadas nos direitos da importadora indenizada; como também nas ações de ressarcimento do prejuízo sofrido pela importadora não coberto pela seguradora em razão da cláusula de franquia. Irrelevante o fato de ter a excipiente a sua sede em outro local se reconhecido possuir a mesma , no porto de desembarque, agente marítimo designado, com atribuições específicas relacionadas com o integral cumprimento do contrato de transporte da mercadoria sinistrada, e que seria desembarcada como porto de destinação. Por outro lado, tendo o transportador a obrigação de entregar a mercadoria no destino a salvo de qualquer dano ou falta, se falha a obrigação de resultado no porto de desembarque, ali se identifica o local em que o ilícito contratual da transportadora se tem como verificado, pois ali também deveria exaurir-se o cumprimento da obrigação, destinando-se nesses termos a competência a teor do art. 100, IV, letra d, e inc. V, letra a,do CPC (1º TACSP)".
  18. NOVAIS, A. A. Id., p. 152.
  19. A interpretação finalista defendida por Cláudia Lima Marques tem sua base na vulnerabilidade (presumida ou comprovada) do sujeito de direitos tutelado e restringe conscientemente a figura do consumidor. Segundo sua opinião, "o sistema do CDC foi construído para o fim especial de proteger os vulneráveis, os diferentes, os mais fracos, e sua origem constitucional deve ser a guia de sua interpretação: um direito do consumidor efetivo, que concretize direitos humanos, direitos fundamentais, direitos subjetivos para o mais fraco que mereceu receber essa tutela especial constitucional, o consumidor pessoa física. Nas relações intercomerciantes, o direito do consumidor serve apenas de orientação da conduta profissional, limite à própria liberdade de iniciativa e autonomia privada". Nesse sentido, os artigos Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do Consumidor – A evolução das obrigações envolvendo serviços remunerados direta ou indiretamente, publicado na Revista de Direito do Consumidor, vol. 33, p. 79 a 122, 2000 e Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos, publicado na Revista de Direito do Consumidor, vol. 35, p. 61, 2000.

Referências bibliográficas

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. Vol. 1, 8ª ed. São Paulo: Editora RT, 2003.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. Vol. 4. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003

FARIA, Sérgio Fraga Santos. Fragmentos da História dos Transportes. São Paulo: Edições Aduaneiras, 2001.

GILBERTONE, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

GODOY, Cláudio Luiz Bueno. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 13.

LANARI, Flávia de Vasconcelos. Direito marítimo. Contratos e responsabilidades. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo contratual. Revista de Direito Civil 52, São Paulo: RT.

MARQUES, Cláudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do Consumidor – A evolução das obrigações envolvendo serviços remunerados direta ou indiretamente. Revista de Direito do Consumidor, vol. 33, 2000.

____. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, vol. 35, 2000.

NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A Teoria Contratual e o Código de Defesa do Consumidor. Biblioteca de Direito do Consumidor v. 17, São Paulo: Editora RT, 2001.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Contratos – Princípios gerais – Tendências do direito contratual contemporâneo – Abrandamento dos princípios tradicionais – Intervenção estatal crescente – Impacto do Código de Defesa do Consumidor. RT 765/11-33, jul./99.

TUCCI, José Rogério Cruz. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Editora RT, 2004.

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Sobre o autor
Marcio Roberto Gotas Moreira

advogado em Santos (SP), especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Marcio Roberto Gotas. A nova teoria contratual e os contratos de transporte internacionais de carga. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 743, 17 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7011. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Não é mais possível analisar o contrato de transporte sob o enfoque da teoria da autonomia da vontade, pois as cláusulas contidas nesse instrumento não traduzem a real intenção das partes.

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