Populismo penal legislativo: o direito penal como ilusão de proteção para os agentes de segurança pública

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RESUMO: Os números da violência são amplamente divulgados pela imprensa, muitas das vezes esse “divulgar” não está necessariamente ligado ao interesse de informar e, infelizmente, isso tem seu peso perante à população. A mídia e a opinião pública acabam sendo os maiores referenciais para a elaboração de leis ou atuações dos órgãos estatais, em especial, os órgãos policiais, os quais, muitas das vezes, acabam desrespeitando direitos fundamentais, em especial, os da população pobre. Tal situação acaba afastando premissas legais e constitucionais, deixando de lado conceitos básicos da Ciência Penal, constituindo em uma política pautada no populismo, que seria atender os reclames do povo por mais rigor penal, tal situação desagua no que pode ser chamado de “direito penal simbólico”, o qual teria o condão de tranquilizar a população, sem interesse em alcançar um fim estabilizador dos delitos. Os números da violência não param de crescer, em especial, homicídios, como não poderia deixar de ser, os agentes de Segurança Pública também são vítimas, como solução apresentada para conter as mortes de seus servidores da Segurança Pública, em sentido lato, o maior rigor penal é apresentado como solução. Como base teórica para o presente trabalho, fez-se uso de literatura jurídica, dados estatísticos, além de análise empírica pós aprovação de Leis presentes no presente trabalho e que estão dentro do contexto que primam unicamente por maior rigor penal.

Palavras-chave: Violência. Mídia. Segurança Pública. Rigor Penal.


1 INTRODUÇÃO

A relevância do presente trabalho reside exatamente na análise dos elevados números de homicídios e de lesão corporal que atingem os profissionais de Segurança Pública e de qual seria a resposta do Estado perante tal situação.

Preliminarmente fez-se necessário uma análise quanto à mídia: uma breve análise histórica, sua característica “mercantil”, seu poder de influência, isso, de maneira geral, e, interesse maior da presente pesquisa, no tocante à difusão de notícias relacionadas à violência, sua força na opinião pública e sua influência nos Legislativos e nas formações de nossas leis penais.

No segundo momento, por meio de análise bibliográfica, além da análise de aprovação de leis pautadas em um punitivismo endêmico, discorreu-se sobre o populismo e mais à frente, especificamente, o populismo penal e o direito penal simbólico.

Em um terceiro momento, analisou-se o porquê desse rigor legislativo penal hodierno, passando por uma breve análise da evolução histórica de nossas codificações penais até nosso atual Código Penal de 1940, analisou-se ainda, o perfil dos parlamentares componentes de nosso Congresso Nacional, análise de algumas normas penais que nasceram dentro desse contexto, além da análise da Lei de Crimes Hediondos e de leis que nasceram sob a ótica hedionda.

Finalmente, para se chegar ao quarto momento da presente pesquisa, que seria o rigor penal como única e ineficaz proteção para os agentes de segurança pública, há que se fazer uma análise inter relacional de tais situações apresentadas e trazer algumas indagações a serem respondidas no presente trabalho: a mídia teria algum interesse em relação à difusão de notícias relacionadas à violência? Esse populismo penal estaria intimamente ligado à mesma mídia? Esse rigor legislativo penal atual teria relação com essa atuação da mídia? E, finalmente, a utilização do direito penal como única “proteção” para os agentes de segurança pública, pautada no maior rigor penal, teria relação com esse populismo penal legislativo?

Enfim, dentro de um contexto lógico-dedutivo, embasado em dados estatísticos acerca da violência, além da análise bibliográfica, não só do campo jurídico, mas de outras afins, tentaremos mostrar a ineficácia de tal solução apresentada.


2 MÍDIA: BREVE ANÁLISE DE SUA FORÇA E INFLUÊNCIA

Entre outros conceitos, poderíamos assim conceituar mídia, como sendo um aparato que teria o condão de informar, exercendo assim, verdadeiro serviço público, utilizando para tal, de diversos meios, como jornais, televisão, internet, entre outros.

Enfim, o cerne de atuação da mídia, seria o de informar, isso deveria ser de maneira isenta e imparcial, porém, incorreríamos em verdadeiro erro, pois o interesse sempre haverá, antes dos demais (caso haja outros), o econômico, sempre existirá, pois, conforme Fonseca (2014, p. 14), os órgãos de mídia objetivam o lucro, são, eminentemente, capitalistas, além do mais, ele nos traz um fator que seria único da mercadoria “notícia”, que seria sua danosidade, sim, pois o mau uso da notícia poderá acarretar prejuízos (ou lucros) para determinadas pessoas, distorções de imagens pessoais, distorções de fatos, acontecimentos ou fenômenos, enfim, uma gama de situações positivas ou negativas poderão advir dessa utilização da notícia pela mídia.

Com isso, vemos que possíveis “verdades construídas” teriam interesses políticos, econômicos ou outros, perpetrados por proprietários desses meios de comunicação, ademais, Fonseca (2014, p. 15), em seu trabalho acadêmico, apresenta a importância de mecanismos de controle em relação à mídia, ora, se o noticiar tem seu aspecto econômico, por que não deveria também se sujeitar ao controle, tanto estatal, como privado, como o que ocorre com produtos e serviços em geral?

Francisco Fonseca magistralmente define o grande poder da mídia:

Afinal, a mídia representa, por meio de seus órgãos, uma das instituições mais eficazes no que tange à inculcação de ideias em relação a grupos estrategicamente reprodutores de opinião - constituídos pelos estratos médios e superiores da hierarquia social brasileira – caracterizando-se seus órgãos como polos de poder (FONSECA, 2014, p. 16).

Quando se fala em mídia, noticiar, enfim, inexoravelmente tais situações nos remetem à ideia de “liberdade” e Fonseca (2014, p. 17-18), nos traz que a Revolução Francesa, com seu novo ideal de liberdade, esse, relacionado ao mundo privado, graças à redução/retirada de poderes e privilégios da monarquia, inaugurou um novo conceito para o que se entendia por liberdade, alcançando de início, o mercado.

Mais à frente, o citado autor nos traz a preocupação de pensadores e filósofos, como Stuart Mill e Tocqueville, que com esse “menos Estado, mais privado”, decorrente dessa liberdade, pois, para frear o Estado, erigiu-se mecanismos de freios e contrapesos frente ao mesmo, ou seja, fortaleceu o privado, reduziu o poder do Estado, enfim, o temor desses pensadores seria o que poderia advir dessa situação de transição, que poderia ser uma outra tirania: a tirania da maioria.

Ora, o que se temia, ocorreu: “a opinião de semelhante maioria, imposta como lei à minoria, em questões de conduta estritamente individual, tanto pode ser certa como errada” (MILL, 1991 apud FONSECA, 2014, p. 18). Não há como negarmos o poder da mídia, seu poder de impor opiniões, ela determina verdades, faz oscilar mercados, a opinião da maioria é construída, sendo assim, a opinião pública não seria um consenso, algo que nasce de diálogo, mas sim, uma ficção.

O mesmo Fonseca (2014, p. 18), apresenta outras situações que corroboram tal assertiva, como as ideias impostas à opinião pública decorrente do consenso que a mídia tem, negativamente, em relação à Cuba, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Líbia ou Fidel Castro, difundindo um estigma em relação aos citados, sem levar em conta, seus defeitos e suas virtudes, logicamente que tal situação se dá de maneira sutil.

Já Gomes e Gazoto (2016, p. 264-265), nos trazem a importância da mídia, importância essa, de cunho social, pois, como ela detém o poder de “formação” da opinião pública, ela influenciará também no processo legislativo. A imprensa, exatamente por seu caráter mercantil, se vale do medo, do crime, enfim, das tragédias humanas, usando de uma verdadeira “peneira” do que deve ser ou não difundido.

“A mídia aumenta, dramatiza e manipula (para impactar nas emoções coletivas), mas, normalmente não inventa ex radice a violência” (GOMES; GAZOTO, 2016, p. 15).

E esse medo difundido pela mídia muda radicalmente a vida das pessoas, dando origem a que Andrade [2013], chama de “securização urbana”, com vários aparatos de segurança, como, ofendículos, câmeras de vigilância ou ainda, vigilantes armados. “Ao contrário da saúde privada e da educação privada, a segurança complementar tem caráter apenas complementar e subsidiário [...]”

Há ainda, em relação à essa securização urbana, situações discutíveis, do ponto de vista constitucional, como o projeto de lei “Bairro Seguro”[1], oriundo da Câmara Municipal de Natal/RN, de autoria da vereadora Nina Souza, do Partido PEN, o qual autoriza a população a fechar ruas, além disso, autoriza ainda a instalação de bloqueadores, como cancelas, ora, tal projeto de lei fere o direito das pessoas de ir e vir. Novas situações requerem novos Direitos (aqui, normas legais), desde que respeitem nossa Lei Maior.

Indubitavelmente não temos como negar que a mídia lucra com esse medo, com a exploração de casos específicos, no que diz respeito aos noticiários policiais, análises subjetivas de determinados casos, com sensacionalismo.

E exatamente por seu poder de “construir opiniões”, a mídia também exerce seu poder sobre nosso Legislativo, em especial, em nossas leis penais, como mostram Gomes e Gazoto (2016, p. 274), e isso se dá sobre essa influência na opinião pública, a qual, poderá constituir como um dos maiores “fatores de influência na atividade parlamentar”.

Tal situação se dá, infelizmente, na maioria das vezes, em atuações pontuais, após a ocorrência de crimes de grande repercussão nacional, explorados ao extremo pela mesma mídia, com parlamentares que procuram se valer de tal situação, fluindo em leis duras, que têm o único intuito: agradar a massa, constituindo verdadeiro populismo.


3 POPULISMO PENAL

3.1 POPULISMO

Preliminarmente, há que lembrarmos que o Estado, em sentido lato, seria uma ficção, tendo à frente um ser humano, logo, interesses que não os públicos, poderão ocorrer, situação negativa, pois, por força do Contrato Social, esse não deveria ser o fim almejado.

Já, Boudon, assim define populismo:

O “populismo” designa o movimento dos intelectuais russos que, nos anos de 1850-1880, opondo-se ao czarismo, desconfiados relativamente ao liberalismo ocidental, “queriam educar os camponeses (identificados com o ‘povo’), nos quais viam os guardiões naturais das tradições e da alma russa, para mobilizá-los contra o despotismo e para fundar um comunismo agrário.” Atualmente, por analogia, denomina-se populista todo o movimento ou toda a doutrina que faz apelo de maneira exclusiva ao “povo” ou às “massas” (GOMES; GAZOTO, 2016, p. 288).

Bom, com isso vemos que o populismo anda de mãos dadas com o carisma de determinados políticos, ou seja, não está ligado, necessariamente, a regimes ditatoriais, em geral, ele pede uma Democracia. Batistella (2012), nos traz que o movimento populista aqui no Brasil nasceu na década de 40, com o fim do Estado Novo, e por consequência, com o nascimento de uma estabilidade política e econômica com a industrialização, além do mais, nossa classe operária não tinha aquela consciência forte de classe, aquela nascida com tradições de lutas, diferentemente da classe operária europeia, nossos operários eram massas de manobra, sem um forte sentimento de classe, enfim, terreno fértil para serem manobrados politicamente.

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Batistella (2012), citando Francisco Weffort, o qual em sua obra “O populismo na política brasileira”, define o que seria o “pacto populista”, que seria uma forma de governo e de manipulação de massas que traria a satisfação de atendimento de certas demandas populares.

Ademais, Octávio Ianni, citado por Batistella (2012), traz que entre os anos de 1945 e 1964, tivemos o período conhecido como “democracia populista”, e que tal período teria seu fim anunciado, pois foi uma política pautada no atendimento de demandas populares, porém, sem um estudo de impacto econômico a médio e longo prazo, vindo a desembocar em altos índices inflacionários e desempregos em graus alarmantes.

Entre os líderes populistas nacionais que mais se destacaram nesse período, podemos citar Getúlio Vargas, com a alcunha sugestiva de “pai dos pobres”, o qual melhorou muito a vida dos trabalhadores, com uma forte regulamentação que os assistiu, porém, no contexto histórico dessa época, tínhamos uma polarização política e econômica forte: a Guerra Fria, onde, aquele governo que atendia aos interesses da classe trabalhadora, era mal visto, sendo tachado por comunista, além de dificultar a entrada de capital estrangeiro, sendo assim, por pressões das elites brasileiras, Getúlio chega ao estremo de tirar sua própria vida.

Seguindo um outro viés político, podemos citar ainda, Juscelino Kubitschek, o qual, atendendo ao capital estrangeiro, manteve-se no poder, tivemos um expressivo desenvolvimento econômico, porém, com uma forte desigualdade social.

O populismo teve fim, nesse período, com João Goulart, o qual, com projetos sociais em sua Reforma de Base, as quais, resumidamente, trariam diminuições de desigualdades no campo social, o que trouxe desconfianças entre os grupos conservadores de nosso país, sendo assim, em 31 de março de 1964, os militares assumem o poder.

 3.2.POPULISMO PENAL E DIREITO PENAL SIMBÓLICO

“A ciência jurídica, nas últimas décadas, vem se preocupando com um fenômeno legislativo que tem pertinência com o populismo penal: o chamado direito penal simbólico” (GOMES; GAZOTO, 2016, p. 290).

Como vemos, o populismo penal é uma vertente do populismo, e tem como consequência, um direito penal que tem como única função, um rigorismo, um simbolismo, algo como para se dar uma satisfação à população, a qual, sem um conhecimento das premissas do Direito Penal, é manobrada, tal qual como ocorre com o populismo puro, enfim, há aquela falsa sensação de reafirmação da ordem por força da lei, isso para agradar o povo.

Juarez Tavares, citado por Gomes e Gazoto (2016, p. 292), nos traz a problemática entre o processo de legalização e o uso do símbolo:

A discrepância entre os objetivos manifestos ou direitos e os ocultos ou latentes dá lugar à discussão em torno da questão da ilegitimidade das normas penais e da pretensão à sua legitimação simbólica. Na medida em que a doutrina busca enfrentar as dificuldades de uma racionalização das normas penais a partir da sua identificação com a legalidade, está claro que cada vez mais irá se valer de argumentos e objetivos simbólicos, os quais passam a se entranhar em toda sua produção jurídica. O símbolo passa a fazer parte da argumentação, como meio pelo qual a doutrina se faz comunicar com a realidade, justificando as normas incriminadoras como obra de uma legalidade racionalizada.

Enfim, o que vemos é uma deturpação dos reais fins do Direito Penal, o qual, se assenta em uma intervenção mínima, limitando e delimitando o poder de punir do Estado, esse Direito, não nos custa lembrar, está embasado em garantias constitucionais, caso tais situações sejam desrespeitadas, teremos um Direito Penal invasivo e ineficaz, com um efeito sedativo, caracterizado com meros símbolos de rigor.

Essa forma irresponsável de política criminal, tem consequências negativas, não só para a população, mas também, para quem executa ações de Segurança Pública: as Polícias são vítimas também, quando são sujeitadas às ações midiáticas, muitas das vezes com a imprensa agindo em conjunto, tendo ela, acesso à informações privilegiadas. As Polícias não podem legislar, porém, acabam (não deveriam) mudando suas formas de atuação, cada vez mais enérgicas, e, por consequência, desrespeitando garantias fundamentais, em especial, da população pobre. Ora, as Polícias acabam sendo vítimas duas vezes: primeiro, são usadas com fins não legítimos pelo Estado; segundo, a população, aquela que é vítima desse rigor de atuação, acaba tendo asco dos agentes de Segurança Pública, os quais são, ainda, por consequência, vítimas, de homicídios e lesões cometidos por elementos de organizações criminosas que veem nesses mesmos agentes, os abusos cometidos pelo Estado.

Enfim, esse populismo penal, não consegue surtir o fim prometido, que seria a dissuasão dos crimes, a gênese dos interesses políticos seriam, a curto ou médio prazo, eleitoreiros. “Ao final, concretamente, tudo o que o populismo penal gera é um rigor irracional e desproporcional, que acaba por recair sobre os ombros dos acusados (seletivamente punidos)” (GOMES; GAZOTO, 2016, p. 303).

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Sobre os autores
Vinícius Lúcio de Andrade

Orientador, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Direitos Fundamentais e Democracia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Professor do programa de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal pela UnP

Rotchild de Souza Couto

Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências e tecnologia Mater Christi. Pós graduado, lato sensu, em Direito Penal e Processo Penal. Cabo da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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