Resumo: Atualmente, vigora no Brasil o estatuto do desarmamento, que restringe o uso de armas pelos civis. Devido ao aumento generalizado da violência um projeto de lei foi criado visando reformar o estatuto e ampliar o acesso de armas pela população. O intuito desse trabalho é expor a inviabilidade de tal projeto no contexto brasileiro mostrando que apenas levaria a um aumento ainda maior da violência.
Palavras-chaves: Desarmamento. Porte. Armas.
Introdução
Nos últimos anos é inegável o crescimento da violência no Brasil. Hoje, cada vez mais pessoas são vítimas da violência urbana e estão sendo obrigadas a viverem confinadas em suas casas devido à sensação de insegurança que predomina nas cidades brasileiras. Devido a isso muitos indivíduos têm reivindicado a possibilidade de se armarem para que assim consigam se defender. Atualmente, o projeto de lei 3722/2012 busca realizar mudanças consistentes no estatuto do desarmamento brasileiro e assim facilitar o acesso de civis às armas.
Não obstante, a política de armar cidadãos não é nada mais do que uma solução ineficaz ao combate a violência, podendo ter um efeito contrário daquele a qual se propõe. Uma boa parte da população, diga-se uma das partes mais afetadas pela violência, não teria acesso a uma arma devido à falta de recursos para compra-la ou para realizar um treinamento adequado. É válido mencionar que outra parcela da população composta por pardos e negros, que também sofrem muito com a violência, ficariam ainda mais vulnerável. Para mais, o porte não serviria para impor medo aos criminosos, que já não demostram temer nem mesmo as forças policiais.
O porte de armas nada mais é do que uma solução simplista ao combate à violência e gerará não mais do que uma falsa sensação de segurança entre os indivíduos, que continuarão a viver acometidos pelo ciclo do medo e da insegurança.
Desenvolvimento
No Brasil o porte de armas é regulado pelo estatuto do desarmamento (lei 10.826/2010), que vigora desde dezembro de 2003 e que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Ele restringe o acesso de armas pelos civis e só permite sua posse e porte mediante o cumprimento de certos requisitos como comprovação de idoneidade por meio da apresentação de certidão negativa, ocupação lícita, aptidão psicológica, capacidade técnica e a presença de uma declaração que exponha os fatos e circunstâncias que justifiquem a necessidade de uma arma, como acontece com pessoas que exercem cargos de risco ou que se encontram em perigo de vida.
Com o crescimento da violência em todo país muito se tem questionado sobre a possibilidade de substituição de alguns artigos do estatuto. Assim, surgiu o projeto de lei 3.722/2012 que visa de maneira geral aumentar o acesso de armas pela população estabelecendo novas regras que modificam o estatuto. Caso seja aprovado ele estabelecerá que o registro de armas não seja renovado a cada 5 anos, como acontece atualmente, e sim passe a ser permanente. Além disso, ele aumentará o limite de compra de munições e permitirá o porte para cidadãos maiores de 25 anos que tenham capacidade técnica e psicológica para o manuseio, que tenham ocupação lícita, residência fixa, comprovem idoneidade e que não estejam respondendo a processos criminais.
Muitos defensores do porte de armas pela população alegam que a lei 3.722/2012 faria com que as pessoas pudessem se defender dos criminosos, que só atacam devido à impossibilidade de defesa das vítimas. No entanto, o que não se leva em consideração é que os cidadãos que mais sofrem com a violência, ou seja, aqueles mais hipossuficientes, não teriam condições de possuir uma arma. Atualmente, segundo uma pesquisa divulgada em 2017 pelo IBGE (instituto brasileiro de geografia e estatística) cerca de 50 milhões de brasileiros vive na linha da pobreza. Tal valor corresponde a 25,4% do total da população que vive com uma renda de aproximadamente R$387,07. Nesse interim, seria improvável tal população ter acesso a uma arma cujo preço mínimo é em torno de R$4.000,00 reais.
Ademais, apenas ter o dinheiro não é suficiente, sendo necessário também um treinamento eficaz para preparar o indivíduo ao manuseio. O uso despreparado e indevido de armas de fogo tem sido motivo de grande preocupação até mesmo entre policias, que são profissionais teoricamente bem treinados. Casos de PMs que assassinam acidentalmente civis são, cada vez mais, comuns nos meios de comunicação, o que demostra que se até profissionais possuem dificuldade no manuseio das armas, não há de se esperar bons resultados caso seja instaurada uma política de munir cidadãos comuns. Pelo contrário, seria provável um aumento ainda maior da violência. Dados divulgados em 2015 pelo IPEA (instituto de pesquisa econômica aplicada) fazem uma equiparação entre o número de homicídios antes e depois da entrada em vigor do estatuto. Antes dele, entre 1995-2003 a taxa de homicídio cresceu 21,4% enquanto que depois do estatuto o crescimento foi de apenas 0,3%. As regiões em que mais tiveram políticas de controle foram aquelas em que o a estagnação foi maior.
É válido ressaltar que o Brasil é um país que apesar de altamente miscigenado ainda é muito marcado pelo preconceito racial. Ainda prevalece no imaginário da população o estereotipo do negro como bandido e o simples fato de ver um indivíduo negro entrando em um ônibus já é motivo de medo para grande parte dos cidadãos, que logo imaginam um assalto. Sem dúvidas, armar a população colocaria em uma situação ainda mais vulnerável a população negra brasileira que segundo um relatório divulgado em 2017 pela ONU (organização das nações unidas) já são os que mais sofrem com a violência. Tal documento mostra que os negros têm 12 vezes mais chance de serem assassinados e que 7 em cada 10 assassinados são negros.
Outro argumento muito utilizado pelos apoiadores da lei 3.722 é que o porte de armas daria uma maior segurança aos indivíduos, pois já que o estado tem falhado com seu dever de garantir segurança aos seus cidadãos, caberia a cada um o papel de defender a si próprio. Todavia, isso levaria apenas a uma falsa sensação de segurança entre os indivíduos e presumidamente a um caos social.
Sem dúvidas o Brasil vive uma situação complicada em relação à segurança pública. Hoje, as pessoas estão sendo obrigadas a ficarem confinadas em suas casas devido ao medo da violência urbana que atinge cada vez mais cidades. Sob essa perspectiva é compreensível o desejo de parte da população em querer ter uma forma de se defender, não obstante, a revogação do estatuto não é a solução, pois dará apenas uma falsa sensação de segurança. Se hoje o indivíduo sofre com o medo de ser assassinado por um criminoso, com a legalização do porte de armas o medo será de ser morto por qualquer um. É difícil imaginar que um indivíduo que entre em confronto com um bandido tenha êxito, pois a possibilidade de ele machucar a si mesmo ou um terceiro inocente é grande. Para os que alegam que o porte intimidaria os criminosos que se aproveitam da impossibilidade de defesa dos desarmados é até possível que isso aconteça, entretanto, outra possibilidade é que os criminosos se tornem ainda mais violentos visto que eles não tem se intimidado nem mesmo com a atuação das forças policiais. Tal fato pode ser comprovado pelos recentes ataques e assassinatos de policiais que são constantemente retratados nos noticiários.
Luís Flávio Sapori, professor e coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC Minas, que exerceu os cargos de Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais e Secretário de Segurança Pública do Município de Betim, afirma que o porte aumentará o número de homicídios e latrocínios uma vez que as pessoas reagirão mais a assaltos. Para o autor é necessário que haja um fortalecimento do estatuto em vez de sua revogação, sendo preciso aumentar a impunidade que existe com indivíduos que são pegos com o porte de armas, além de se buscar formas de diminuir o acesso de criminosos a tais instrumentos. Uma pesquisa feita pelo instituto sou da paz revelou que a maior das armas usadas para a prática de delitos são armas nacionais, que migram do mercado legal para o ilegal. Assim, uma política mais eficiente seria buscar maneiras de evitar essa migração bem como aumentar a punição para indivíduos que praticarem roubo ou extravio de armas. Igualmente, deve-se investir na educação, que é o meio mais adequado ao combate a violência e que infelizmente encontra-se altamente desvalorizada e ameaçada devido a imensos cortes de gastos.
Conclusão
O acesso às armas pela população é regulado atualmente pelo estatuto do desarmamento, em vigor desde 2003, e quem tem mostrado resultados pertinentes ao combate do crescimento do número de homicídios. Nos dias que correm, tal estatuto vem tendo sua vigência ameaçada devido à apresentação do projeto de lei 3722/2012, que visa revogá-lo.
Apesar do momento sensível em que se vive ampliar o número de armas para a população não é a melhor solução. Como já foi esclarecido, aqueles que mais sofrem com a criminalidade, os hipossuficientes e a população negra ficariam ainda mais vulneráveis. Além disso, armar uma população despreparada, além de colocar em risco um grande contingente de inocentes, não intimidaria os criminosos que já não temem nem mesmo os agentes de segurança.
O porte de armas nada mais é do que uma solução ineficaz ao combate à violência, cuja verdadeira forma de combate passa por investimentos em tecnologias, desarmamento dos criminosos, aumento da rigidez das leis e uma política forte de educação.
Referências bibliográficas
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DE OLIVEIRA, Nielmar; IBGE: 50 milhões de pessoas vivem na linha da pobreza. Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-12/ibge-brasil-tem-14-de-sua-populacao-vivendo-na-linha-de-pobreza >. Acesso em 15 de setembro de 2018.
SAPORI, Luiz Flávio; Armas de fogo geram falsa sensação de segurança. Disponível em <https://ufmg.br/comunicacao/noticias/armas-de-fogo-geram-falsa-sensacao-de-seguranca-e-protecao-afirma-especialista>. Acesso em 15 de setembro de 2018.