Criminologia: a seletividade do sistema penal e o crime de tráfico de drogas praticado por mulheres

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3. LEI 11.343/06

A Lei 11.343/06, denominada como Lei de Drogas, foi sancionada com o intuito de criar medidas de prevenção, de modo a evitar o uso e o tráfico de entorpecentes:

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.

Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. (BRASIL, Lei 11.343 de 2006).

Esta lei, além de instituir diversos mecanismos que visem à prevenção do uso impróprio de drogas, e repreender veemente o tráfico destas, propõe ainda, a reiteração do usuário (dependente químico de substância entorpecente), na sociedade, conforme delineados nos artigos a seguir:

Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com: I – a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas; II – a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

[...]

Art. 5º O Sisnad tem os seguintes objetivos: I – contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados; II – promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no país; III – promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal, Estados e Municípios; IV – assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das atividades de que trata o art. 3º desta Lei. (BRASIL, Lei 11.343 de 2006).

É de sobremodo observar que, os objetivos delineados no artigo 5º da Lei 11.343/06, buscam o combate do tráfico ilícito de drogas, com a criação de programas direcionados a prevenir e educar a população sobre o uso impróprio de drogas, de forma a disponibilizar tratamento adequado ao dependente/usuário. Nesse sentido, César Mariano Dário da Silva ( 2016, p.24), aduz:

Não há como implantar esses objetivos sem uma política pública setorial envolvendo todas as esferas de poder (Federal, Estadual e Municipal). A união desses entes é imprescindível para que um programa antidrogas possa ser bem-sucedido. E ao Sisnad cabe coordenar, integrar e articular as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social daquele que é dependente ou usuário de drogas, bem como a repressão da produção ilegal e ao tráfico de drogas. Sem essa organização no nível dos três Poderes e de todos os entes da Federação, a inglória luta contra o narcotráfico e suas consequências para a sociedade não será viável.

Destarte que, para fazer a análise de qual substância se enquadra na Lei de Drogas, deve-se consultar a portaria nº 344 de maio de 1998 da ANVISA, que especifica as substâncias que são entorpecentes e causam dependência química.

3.1. DO USO INDEVIDO DE DROGAS

O artigo 28 da Lei 11.343/06 dispõe sobre o uso indevido destas, da seguinte forma: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal 2, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas [...]. O caput faz uma breve ressalva ao reforçar que aquele que infringir a lei , praticando qualquer das condutas acima mencionadas, com intuito de utilizar o entorpecente par consumo próprio será punido, sempre que possível, de forma de diversa da prisão, o que se há de verificar pelos incisos e parágrafos subsequentes:

I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (BRASIL, Lei 11.343 de 2006, art.28).

Convém ressaltar que, os parâmetros para avaliar se o sujeito é de fato usuário ou traficante é demasiadamente falho, isto porque, as condutas descritas no verbo núcleo do tipo penal de uso, são as mesmas do tráfico, que diferem apenas, pela ressalva do consumo próprio. Levando-se em consideração a condição, a quantidade e as condições em que a droga foi apreendida, é plenamente possível que um usuário seja preso como traficante e um traficante ser preso como usuário.

Diante disso, mesmo que na própria legislação se enumere critérios para definir e enquadrar determinado sujeito na conduta praticada de forma a não cometer injusto, é inevitável que estes ocorra m isto porque, a análise das circunstâncias passa primordialmente pela autoridade policial e posteriormente pelo judiciário, que podem interpretar o contexto fático, caso a caso. Esta apreciação das circunstâncias por inúmeras vezes é injusta e se utiliza da balança do preconceito enraizado no próprio sistema.

Tal sistema, quão grandemente mencionado é seletivo, e como consequência, sempre haverá uma enorme quantidade de negros, pobres e favelados, sejam homens ou mulheres, subjugados como traficantes.

3.2. DO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS

O tráfico ilícito de drogas é regulamentado pela Lei 11.343/06, ao qual proíbe o uso de determinadas substâncias tóxicas e nocivas a saúde que causam dependência. A lei de drogas define em seu artigo 33 o crime de tráfico, vejamos:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (BRASIL, Lei 11.343 de 2006, art.33).

Nesse sentido, César Silva (2016, p.74) salienta que o objeto jurídico principal é a saúde pública e a vida, já o objeto secundário é a integridade física e tranquilidade das pessoas, o objeto material é a própria droga, sendo necessário que haja uma norma que especifique quais são as substâncias entorpecentes, no Brasil tal especialidade é encontrada na portaria nº344/1998.

Assim, todas as substâncias químicas contidas na resolução acima mencionada, descritas como entorpecentes e que causam dependência física ou psíquica, são consideradas drogas. Destarte, ainda que a substância cause dependência e não esteja entre o rol da portaria nº 344/1998, não será considerada droga.

Há de se verificar que a conduta típica consiste na pratica de um ou de vários verbos núcleo do tipo, como Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer e etc. Assim quem pratica um ou mais verbos do núcleo do tipo, pratica crime único, por se tratar de um tipo penal misto alternativo.

No Brasil, o tráfico de drogas é um dos grandes responsáveis pelo elevado número de presos. O gráfico a seguir, de Percentual de presos por tráfico de drogas no país3, disponibilizado pelo portal do G1, demonstra detalhadamente dados referentes a 22 (vinte e dois) Estados brasileiros, que juntos compõem um percentual de 32,6% (trinta e dois vírgula seis por cento) de presos em virtude do comércio ilegal de drogas ilícitas:

Este gráfico4 não distingue os presos pelo sexo, fazendo uma análise geral, entre homens e mulheres, presos provisórios e condenados.

De acordo com a análise do gráfico, o Estado que possui maior número de presidiários pela prática de tráfico de entorpecentes é o Paraná seguido por Santa Catarina. A matéria trazida pelo portal do G1 traz como título a informação de que um em cada três presos no Brasil responde pelo crime de tráfico de drogas, portanto é considerado um número elevado.

A tendência é aumentar o número de presos por tráfico, isto porque, diariamente, cada vez mais, pessoas ingressam para o comércio dos entorpecentes. São inúmeros os motivos que fazem com que as estimativas sejam elevadas, podemos citar como exemplo a busca pelo dinheiro "fácil", a facilidade para conseguir revender a droga; a dependência, pois muitas vezes o usuário começa a vender a droga para manter o vicio, e inúmeros fatores que serão discorridos no tópico a seguir.

3.3. DOS FATORES SOCIAIS QUE CONTRIBUEM PARA O TRÁFICO

No Brasil, existem fatores sociais que contribuem para a prática do tráfico ilícito de drogas. Estes fatores estão associados a diversos motivos, desde a evidente desigualdade entre as diversas camadas de classes sociais, bem como, a corrupção dentro dos mais elevados órgãos estatais.

Diferente do que se propaga o tráfico de drogas não é praticado apenas pela classe baixa, mas, está bem presente entre a classe média e alta, ao qual se esquiva sorrateiramente de uma punição. Destarte, a mídia desenvolve um papel muito importante na estimulação da seletividade do sistema penal, fazendo com que a sociedade alienada, crie uma falsa realidade de que apenas os marginalizados e favelados é que praticam o tráfico de entorpecentes.

Convém ressaltar, que embora a extrema pobreza seja um fator considerável, a corrupção é um dos grandes problemas que contribuem para o tráfico de drogas, vejamos a matéria5 abaixo:

Brasília – A corrupção é um dos principais fatores que contribuem para o aumento do tráfico de drogas no mundo. De acordo com o Relatório 2010 da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), divulgado hoje 2, as zonas de narcotráfico intenso costumam apresentar elevados índices de violência e corrupção.

O estudo aponta ainda que as organizações criminosas que conseguem construir um império do narcotráfico tornam-se forças políticas, com o poder e a autoridade de instituições legítimas. Nesse caso, as próprias autoridades estabelecidas para controlar e reprimir o narcotráfico acabam comprometidas por causa da corrupção.

“Os países em desenvolvimento e países emergentes de conflitos são especialmente vulneráveis à corrupção relacionada com a droga”, diz o relatório. Segundo a Jife, a corrupção facilita o comércio ilícito de drogas e, se nada for feito, poderá desestabilizar a economia e o sistema político dos países afetados pelo tráfico.

Além disso, os lucros gerados pelos mercados de drogas ilícitas ultrapassam frequentemente os recursos financeiros de instituições públicas. “Um fato que não pode ser esquecido é que a intimidação e a corrupção de agentes públicos facilitam a exploração desses mercados ilegais por organizações criminosas”, afirma o estudo.

De acordo com a Jife, não é fácil medir o alcance real da corrupção. Os dados oficiais dos países sobre o tema costumam ser extraídos das estatísticas nacionais relativas à delinquência e indicam com mais ênfase o êxito das iniciativas de luta contra a corrupção do que a prevalência das ações ilícitas.

O relatório aponta ainda que a corrupção deteriora a credibilidade e a eficiência do sistema de Justiça criminal e debilita o Estado de Direito. Os países nos quais o narcotráfico existe são especialmente vulneráveis. “[Com] o uso de violência e intimidação sistemática, a corrupção e a extorsão de funcionários públicos, os grupos criminosos ricos e poderosos têm sido capazes de enfraquecer os sistemas policiais e judiciais”, diz o estudo.(JINKINGS, 2011).

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A citação acima menciona a realidade brasileira, ao deixar claro que os grandes traficantes estão inseridos dentro das instituições públicas, gerando corrupção, de forma a facilitar o enriquecimento próprio. Esta prática dentro das instituições públicas patrocina a criminalização e o encarceramento das camadas menos favorecidas, fazendo com que a aplicação da lei penal seja feita seletivamente, consequentemente, o resultado é uma Justiça Criminal dúbia e desmoralizada, que gera inúmeros prejuízos ao Estado Democrático de Direito.

O não processamento e a falta de condenação para determinada classe social, “a burguesia”, estimula a sensação de impunidade, atraindo um público composto por: mulheres, pobres, favelados, marginalizados, negros e analfabetos; para o tráfico de drogas, por almejarem o enriquecimento fácil e a conquista por um status social vendido na mídia. Tal ilusão cria uma percepção de que para ser “bem sucedido na vida”, é necessário ter posses e ostentar um determinado padrão social, consequentemente, jovens estão sendo atraídos para a criminalidade.

Deste círculo vicioso, faz parte também, aqueles que por extrema necessidade e falta de emprego buscam o sustento para a sua família, não obtendo por meios lícitos, o faz por meios ilícitos, a fim de que os seus tenham minimamente o essencial para sobreviver. Ocorre que, uma vez “dentro do tráfico”, dificilmente se consegue sair.

Outro fator importante e que contribui efetivamente para o tráfico, é a reinserção na sociedade de condenados por crimes, que infelizmente não se dá isto porque, a civilização é demasiadamente preconceituosa e não perdoa um ex-presidiário, dificultando assim, sua inserção no mercado de trabalho, de tal forma que este volte a denegrir.

A condenação e a prisão de réus primários também estimulam e fortalecem as facções criminosas, que buscam por domínio em áreas cada vez maiores, recrutando, assim, os novos presos que busca nas facções uma espécie de proteção, esta que não é fornecida pelo Estado dentro das prisões. Vejamos alguns trechos do artigo6 abaixo:

No Brasil, a situação do sistema carcerário é tão precária que no Estado do Espírito Santo chegaram a ser utilizados contêineres como celas, tendo em vista a superpopulação do presídio. Tal fato ocorreu no município de Serra, Região Metropolitana de Vitória. A unidade prisional tinha capacidade para abrigar 144 presos, mas encontrava-se com 306 presos. Sem dúvida, os direitos e garantias individuais que o preso possui não foram respeitados. Dessa forma, os presos são literalmente tratados como objetos imprestáveis que jogamos em depósitos, isto é, em contêineres. Afinal, para parte de uma sociedade alienada, o preso não passa de "lixo humano".

A demora acentuada na concessão de benefícios aos condenados é um dos fatores que contribuem para a evidente fragilidade do sistema prisional brasileiro 7 . [...]

Enfim, a superlotação e suas nefastas consequências encontram-se visíveis a todos da sociedade, não sendo preciso ser um expert em sistema prisional para concluir o evidente déficit de vagas existentes nos estabelecimentos penais. A título de exemplo podemos destacar os dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional, que indicam um déficit de mais de 180.000 vagas em todo o País. São quase 500 mil presos no país, em um sistema prisional que só tem capacidade para 260 mil detentos.

Um fenômeno rotineiro nas prisões é a corrupção, em que alguns agentes públicos recebem vantagens indevidas (propinas) oferecidas pelos presos para a obtenção de certos privilégios. Isto acontece ora por parte da população carcerária privilegiada com determinadas vantagens pessoais, ora porque as relações existentes na prisão celebram-se com o envolvimento de dinheiro e do tráfico de drogas. A corrupção é verificada pelos órgãos de segurança quando realizam vistorias e operações internas em busca de objetos proibidos.

Em 21 de agosto de 2002, o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco realizou uma grande operação no Presídio Professor Aníbal Bruno, bairro Curado, em Recife, onde encontrou 3.450 detentos, basicamente presos aguardando julgamento. Nessa operação foram encontrados em poder dos reclusos telefones celulares, barrotes de madeira, filmadora, cachimbos para o uso de crack, maconha e "chunchu" (facas artesanais), além de dois aparelhos de telefones convencionais, segundo noticiou à época o jornal Diário de Pernambuco.

Tal fato comprova o poder de comunicação dos detentos com as pessoas que se encontram fora dos presídios, culminado muitas vezes em sequestro, comando do tráfico de drogas e em extorsões, além da corrupção efetiva dos agentes de segurança prisional no tocante à entrada de entorpecentes e objetos escusos que indubitavelmente adentram aos presídios durante as visitas familiares e íntimas.

Em decorrência dessa rede de corrupção surgem alguns privilégios para os detentos. Contudo tais regalias só são oferecidas aos que podem pagar por elas, uma supremacia do mais forte sobre o mais fraco. O Diário de Pernambuco denunciou no ano de 2006 as mordomias que alguns presos tinham no Presídio Professor Aníbal Bruno: os detentos chegavam a pagar até três mil reais para ter privilégios e para reformar a própria cela, podendo assim usufruir de suítes de luxo, com direito à luz de neon, toda em cerâmica, equipada com aparelho de televisão de tela plana e home theater. Além disso, acesso à TV por assinatura e chuveirões para se refrescar do calor, sem falar no serviço de entrega de pizza "em domicílio" e plantação particular de maconha. Na contramão dos que dispõem de tanto luxo, alguns reclusos são obrigados a conviver em celas apertadas e alguns chegam a dormir até no banheiro por falta de espaço nas celas. (RIBEIRO, 2014).

A falta de controle estatal dentro do sistema carcerário, demostra a incapacidade do Governo de ressocialização, bem como a ineficiência dos meios utilizados para garantir a segurança pública, a saúde e o bem estar social. Diante de tamanho desastre, ocorre o favorecimento da criminalidade, que se utiliza da má gestão da Administração Pública para fortalecer-se e expandir o comércio ilegal. Nesse sentido, Ribeiro (2014) aduz:

O surgimento das facções criminosas tem sua origem mais conhecida em 1860, nos Estados Unidos, com o sindicato do crime - ou máfia, formada basicamente de imigrantes italianos, uma das mais antigas e conhecidas facções criminosas. Essas embrionárias facções criminosas são as raízes do crime organizado de hoje, uma vez que suas finalidades se confundem entre elas. Desse modo, atuam com fortes investimentos ilegais, narcotráfico, prostituição, jogos ilegais e contrabando de armas.

No Brasil, o primeiro registro de facção criminosa é com o Comando Vermelho (CV), criado em 1979, no Presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, localizado no Rio de Janeiro. Tudo começou a partir da convivência entre presos comuns e militantes de grupos armados, que na época combatia o outro mal que era a ditadura militar. A formação de facções criminosas ganhou mais força com o nascimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado de São Paulo, precisamente na Casa de Custódia e Tratamento Dr. Arnaldo Amado Ferreira, de Taubaté, em agosto de 1993. Tal facção ganhou mais notoriedade após a rebelião simultânea ocorrida em 2001, no Estado de São Paulo. Cabe salientar que essas organizações criminosas tendem a se disseminar principalmente pela constante transferência de presos para outros estabelecimentos penais.

Diante de uma síntese exemplificativa de algumas facções criminosas, está comprovado que tais organizações proliferam por todo o País. Cabe salientar que agora de fora para dentro dos presídios. A formação de grupos mafiosos em um sistema marcado pela macrocomunidade prisional é uma das mazelas derivadas da superlotação.

A proliferação dessas facções criminosas também é resultado da má administração e da precariedade dos sistemas prisionais estaduais. Nessas facções sempre emergem líderes e liderados, organizando grupos para comandar as penitenciárias brasileiras 8 .

Os fatores acima elencados fazem parte de um extenso rol exemplificativo, ao qual contribuem efetivamente para o constante aumento da criminalidade, em especial o tráfico de drogas.

3.4. A MULHER TRAFICANTE

Na sociedade hodierna, embora, o sexo feminino tenha se dotado de empoderamento e alcançado diversos lugares de destaque, a mulher, constantemente, deixa-se levar por suas paixões avassaladoras, que são capazes de destruir uma vida.

É sabido que por séculos, as mulheres foram rebaixadas apenas aos afazeres domésticos, sendo designadas para cuidar de seus pais, irmãos, maridos e filhos. Para tal função, se confiava a elas, além dos serviços diários, a harmonia do lar, de modo que lhes eram propagado o auto sacrifício em busca do bem estar alheio.

Esta cultura milenar, fez com que inconscientemente as mulheres se submetessem aos seus amores. Tanto é que, atualmente as mulheres em busca de um lar e de um casamento perfeito, arriscam a própria pele, ao ingressar no crime organizado. Vejamos a seguir:

Tratar do envolvimento da mulher no tráfico de drogas e sua relação com as representações sociais que o sujeito carrega consigo acerca de sua identidade no contexto do amor significa adentrar num universo simbólico tipicamente feminino, permeado por ideias que não são exclusivas da mulher traficante de drogas, mas fazem parte da construção social da categoria mulheres, como resultado daquilo que elas apreenderam ao longo de sua trajetória histórica. Como tivemos por proposta o estudo das práticas femininas relacionadas às drogas a partir da sua ligação com um sujeito masculino – marido, namorado, companheiro, irmão –, inserimos nossa pesquisa no campo de estudos de gênero, cuja posição, no universo das Ciências Sociais, exige certo cuidado, sob pena de se repetir o equívoco do sexismo no estudo das relações entre masculino e feminino. [...]

De fato, um estudo como o que realizamos – que teve por escopo compreender o universo representacional feminino no contexto de suas relações afetivas e sua consequente relação com as práticas ilícitas ligadas às drogas – não pôde deixar de ter por referencial de construção da identidade feminina o outro masculino – o homem traficante. Ou seja, é no contexto das relações sociais com o homem traficante e a partir das representações sociais que formulam acerca do papel feminino na relação afetiva que as mulheres traficantes justificam suas práticas relacionadas ao crime, mais precisamente ao tráfico de drogas, ainda que esse envolvimento seja esporádico ou relacionado ao uso da droga. De fato, a submissão feminina ao homem nas relações de afeto pode ocorrer tanto dentro do casamento ou nas suas formas assemelhadas – união estável, por exemplo – como num namoro sem grandes compromissos. Partindo da perspectiva das questões de gênero historicamente estabelecidas, questionamos como a mulher traficante de drogas se posiciona enquanto sujeito e quais as implicações da compreensão de sua própria identidade dentro do universo representacional em que vive. Pretendemos demonstrar que no contexto de sujeição do feminino ao masculino, a mulher traficante passa a conceber a sua própria identidade a partir do outro com o qual se relaciona afetivamente, de modo que até mesmo práticas ilícitas passam a povoar o seu cotidiano. Para compreender como e por que a dominação masculina ainda é uma realidade contemporânea que se expressa nas mais variadas dimensões da convivência humana, é necessário considerar as práticas de consentimento feminino às representações dominantes. Em outras palavras, entendemos que a dominação do masculino sobre o feminino é fruto da aceitação das próprias mulheres – ainda que não direta, nem tampouco conscientemente – de práticas de sujeição reveladas nos seus discursos, que, por sua vez, são formados a partir de conteúdos ideológicos que estabelecem os papéis da mulher e do homem na sociedade e, mais especificamente, nas relações de afeto9. (COSTA, 2008).

Notavelmente, a mulher ingressa no tráfico ilícito de drogas, na maioria das vezes, por meio de uma figura masculina, isto se dá, porque o sexo feminino tem uma tendência à proteção, e consequentemente ao tentar proteger os seus se coloca em risco.

Com frequência se é noticiado nas mídias, que mulheres foram flagradas ao tentar entrar no presídio com drogas escondida, é o que aduz a matéria a seguir:

Cerca de 180 gramas de material ilícito foi apreendido na manhã desta quinta-feira, 21, no Complexo Penitenciário Advogado Antônio Jacinto Filho, durante revista para visita dos internos na unidade. Três mulheres identificadas como Liliane Antanes dos Santos, Alicia da Silva Santos e Natalia Milena Souza Militão, foram apreendidas após passarem pelo aparelho de scanner corporal.

Alicia, Liliane e Natalia que visitavam seus companheiros em custódia, foram paradas pelos agentes após o aparelho de scanner detectar a presença de objetos estranhos na região da pélvis. As três foram chamadas para uma conversa com o diretor, onde negaram e se recusaram a retirarem os objetos, até que foram convencidas e levadas a um local apropriado onde realizaram a retirada e entregaram a responsável.

Os pacotes continham cerca de 60 gramas cada. As carteirinhas de visitantes foram enviadas com as três para uma delegacia próxima na região, onde será lavrado o flagrante e perderão a validade, assim as três suspeitas não poderão realizar vistas na unidade.

Os companheiros das suspeitas, Anderson Araujo da Silva, Odiney Nogueira dos Santos e Edverton dos Santos, serão ouvidos em processo administrativo da unidade, para descobrir para quem era destinada a droga e se elas foram forçadas a realizar a tentativa de entrega10.(G1,2017).

No mesmo sentido, a matéria abaixo também evidência outra situação de flagrante, em que mulheres estão envolvidas:

Cinco pessoas foram flagradas tentando entrar com drogas durante as visitas aos presos nas penitenciárias da região neste fim de semana. Todos os parentes detidos tiveram seus nomes suspensos do rol de visitas da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) do Estado de São Paulo.

De acordo com a SAP, na manhã de sábado, 21, os agentes penitenciários encontraram duas gramas de maconha no bolso de um jovem de 18 anos, que estaria indo visitar o pai, no P1 de Tremembé "Penitenciária "Tarcizo Leonce Pinheiro Cintra".

No mesmo presídio, mas no domingo, 22, uma mulher de 19 anos confessou que levava um invólucro com 31 gramas de maconha escondido dentro do órgão genital. O material foi detectado quando a visitante passava pelo scanner corporal.

Ainda no domingo, uma visitante de 20 anos, que iria ver o companheiro no CDP de Taubaté (Centro de Detenção Provisória "Dr. Félix Nobre de Campos"), foi flagrada com 10 gramas de maconha no forro da calcinha depois de passar pelo scanner. A mulher confessou que levava o produto após ser levada para uma sala reservada e ter sido interrogada pelas agentes de segurança da penitenciária.

Em Caraguatatuba, no CDP "Dr. José Eduardo Mariz de Oliveira", duas mulheres, de 34 e 36 anos, foram apreendidas com maconha misturada em cigarros. Ambas confessaram que iriam entregar a droga aos companheiros presos.

Todos visitantes foram encaminhados para a delegacia de Polícia Civil e a s direções dos presídios registraram Boletim de Ocorrência, além de enviaram comunicados para a Vara de Execuções Criminais, como instauraram Procedimento Disciplinar Apuratório em todas as unidades11. (KELLER, 2018)

Convém notar que a incidência de mulheres no tráfico é tão comum, que existem vários julgados na jurisprudência pátria, como exemplo:

PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - MULHER PRESA EM FLAGRANTE DELITO QUANDO, AO SER REVISTADA PARA VISITA AO SEU COMPANHEIRO QUE SE ENCONTRAVA PRESO, TRANSPORTAVA, NA BOCA, MACONHA, PARA CONSUMO DO PRESO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE AUXILIO A ALGUÉM AO USO INDEVIDO DE DROGAS. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA QUE NÃO SERVE PARA FIXAÇÃO DA PENA EM PATAMAR ABAIXO DO MÍNOMI LEGAL. 1- MALGRADO TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS APRESENTAREM-SE FAVORÁVEIS À APELANTE E ELA TENHA CONFESSADO ESPONTANEAMENTE O CRIME, NÃO HÁ COMO FIXAR SUA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL, DIANTE ATÉ MESMO DE NORMA EXPRESSA A QUAL ESTABELECE LIMITES (MÍNIMO E MÁXIMO) PARA A REPRIMENDA, CORRESPONDENTE AO RESPECTIVO TIPO PENAL. 1.1. A LEI LIMITA A QUANTIDADE DA PENA, QUE POR ISSO NÃO PODE FICAR AQÜÉM DO MÍNIMO E NEM ALÉM DO MÁXIMO. 2. ENUNCIADO 231 DA SÚMULA DA JURISPRUDÊNCIA INTEGRANTE DO C. STJ. "A INCIDÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NÃO PODE CONDUZIR À REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL". 3- PRECEDENTE DA TURMA. 3.1. . EMENTA - PENAL. PENA FIXADA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE, MESMO NA PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. SÚMULA Nº 231 DO STJ. O ART. 53. DO CP ESTABELECE QUE "AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE TÊM SEUS LIMITES ESTABELECIDOS NA SANÇÃO CORRESPONDENTE A CADA TIPO LEGAL DE CRIME". E DETERMINA O ART. 59, II, A APLICAÇÃO DA PENA "DENTRO DOS LIMITES PREVISTOS". ASSIM, A COMINAÇÃO ABSTRATA MÍNIMA DO PRECEITO SECUNDÁRIO DA NORMA PENAL INCRIMINADORA INDICA A REPROVAÇÃO INFERIOR MÁXIMA ESTABELECIDA NO TIPO PENAL, PELO QUE, INEXISTINDO CAUSA DE DIMINUIÇÃO, NÃO PODE SER ROMPIDO ESSE PATAMAR MENOR FIXADO, PENA DE SE FERIR O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DAS PENAS ( CF , ART. 5º , XXXIX ). NÃO COLHE O ENTENDIMENTO DE QUE O COMANDO DO ART. 65. DO CÓDIGO PENAL , AO DIZER QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES "SEMPRE" ATENUAM A PENA, LEVARIA À POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. A EXEGESE ADEQUADA É A DE QUE ATENUARÃO A PENA "SEMPRE QUE POSSÍVEL", NOS TERMOS DA LEI.

TJ-DF - APR 0087691-39.2007.807.0001, Data de publicação: 14/10/2009

A jurisprudência acima se trata da condenação de mulher que foi presa após transportar em sua boca maconha, com o intuito de fornecer ao seu companheiro que se encontrava preso.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGA. MULHER PRESANO AEROPORTO INTERNACIONAL DE BRASÍLIA AO PASSAR PELO SCANNER DURANTE ESCALA DE VÔO. APREENSÃO DE MAIS DE DOIS QUILOS DE COCAÍNA NA MALA. TRÁFICO INTERESTADUAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELA OITIVA DE UMA TESTEMUNHA SEM A PRESENÇA DA RÉ. PRECLUSÃO. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. DESCONTO DA PENA BASEADO NO ARTIGO 33 , § 4º , DA LEI 11.343 /2006. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Rejeita-se a alegação de nulidade por cerceamento de defesa se a oitiva de testemunha sem a presença da ré teve a concordância tácita do Defensor, que não impugnou ao ato, incorrendo em preclusão. Também não há nulidade sem a prova cabal do prejuízo, na forma do artigo 156 do Código de Processo Penal . 2. Antevista o desconto da pena com base no artigo 33, § 4º, da Lei Antidrogas, a natureza e a quantidade de drogas devem ser apreciadas na fase final da dosimetria para determinar-se a fração redutora. A pena-base deve ser fixada no mínimo legal quando favoráveis todas as circunstâncias judiciais, sendo, por isso, inócua a atenuante da confissão, ante a redação da Súmula 231/STJ. Na fase final, é justo o aumento de um sexto em razão do tráfico interestadual. 3. Sendo a ré primária aos vinte e quatro anos, há que se reconhecer que o crime foi um evento isolado na sua história de vida. Não havendo prova de que se dedicasse exclusivamente ao crime ou de que integrasse organização criminosa, tudo indica que a ré foi cooptada para desempenhar o papel de "mula", tratando-se de mais uma dessas infelizes que, devido à baixa instrução e às dificuldades financeiras, se deixam seduzir por promessas ilusórias de ganhos fáceis, aproveitando-se o mandante justamente de sua inocência e boa aparência, por não despertar suspeita 12. Considerando a quantidade expressiva de cocaína - dois quilos - apreendida no aeroporto, reconhece-se a benesse do artigo 33 , § 4º , da Lei 11.343 /06 na fração mínima. 4. Apelação provida em parte

TJ-DF - 0003875-16.2017.8.07.0000, Data de publicação: 27/03/2018

A jurisprudência acima destaca um caso muito comum em que a mulher é usada como mula para transportar drogas para outro país, como mencionado no acórdão, as "mulas" deixam-se seduzir por promessas de dinheiro fácil, e, por normalmente serem pessoas de baixa renda, aceitam transportar a droga.

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