4. A MULHER COMO CRIMINOSA
Há de se constatar que o número de mulheres no crime tem se elevado gradativamente. Constantemente se é divulgado que uma mulher cometeu algum tipo de crime, e não mais assusta a população que convive diariamente com este tipo de noticia.
Neste tópico, faremos uma abordagem especifica de inúmeros crimes cometidos por mulheres, a começar pelo caso da Defensora Pública do Estado de Pernambuco que foi condenada por ser a mandante do assassinato de seu marido, conforme matéria abaixo:
Defensora acusada de matar marido é condenada a 28 anos pelo crime Maria Paula Cavalcanti de Siqueira Campos, que está foragida, também foi afastada e perdeu cargo na Defensoria Pública
A defensora pública Maria Paula Cavalcanti Siqueira Campos de Oliveira, 53, acusada de ser a mandante do assassinato do marido há 17 anos, o advogado e empresário Mário Celso Cavalcanti, foi condenada a 28 anos e seis meses de prisão. O júri terminou essa madrugada na Vara do Júri de Caruaru e foi presidido pela juíza Priscila Vasconcelos. A magistrada solicitou a prisão preventiva da acusada, que ainda não foi encontrada pela Polícia, que se encontra foragida.
S egundo a Secretaria da Vara do Júri de Caruaru, Maria Paula recebeu a intimação para ser julgada, mas não compareceu a sessão na última quinta-feira. Segundo a Justiça, a ré também foi afastada da defensoria pública e perderá o seu cargo. O crime ocorreu no dia 15 de setembro de 1999 e teve grande repercussão na cidade do Agreste. Mário Celso Cavalcanti tinha 50 anos na época e era empresário do ramo imobiliário. Ele havia sido secretário de Transportes durante a 1ª gestão do ex-prefeito José Queiroz. A vítima foi morta quando chegava com a esposa e o filho mais velho, de 12 anos, na época, na porta de casa, no bairro de Maurício de Nassau.
Mário Celso foi surpreendido quando retornava do trabalho com a mulher e o filho mais velho, que na época, tinha apenas 12 anos. Ao estacionar o carro na garagem, ele foi atingido por três tiros e morreu na hora. Enquanto isso, Maria Paula já havia descido do carro e deixado o filho dentro de casa. Além de Maria Paula, também participaram do crime o taxista Ednaldo Cavalcante da Silva, que pegou uma pena de 25 anos.
Foram presos também a mãe-de-santo Maria Aparecida de Menezes, 34, o amante dela, o taxista Luís Vieira, 36, além do pistoleiro José Aélson dos Santos, 22, que teria sido o autor dos disparos, e do seu comparsa, Ednaldo Cavalcante da Silva, 34. Este último, segundo a vara do Júri de caruaru, foi condenado a uma pena de 25 anos e seis meses, mas está cumprindo em liberdade. Maria Paula era defensora pública do Juizado de Pequenas Causas de Caruaru.
A polícia chegou aos acusados fazendo o rastreamento das ligações do celular de Maria Paula, autorizado durante as investigações, pela juíza de Agrestina Luzicleide Maria Muniz Vasconcelos. Descobriu-se que a maioria das ligações partiram do celular pertencente à mãe-de-santo. Foram registrados 157 telefonemas de Maria Paula para Maria Aparecida e vice-versa em três semanas após o dia do crime.
Na época, o delegado Romano Costa, responsável pela investigação, informou que o crime teria sido motivado por questões financeiras, pois a vítima estava negociando a desapropriação de um terreno de 30 hectares na área do distrito industrial, avaliado entre R$ 350 mil e R$ 400 mil, além de vir tratando da partilha dos bens deixados pelo pai, o que renderia R$ 700 mil, de acordo com os familiares. Pelo serviço, as pessoas envolvidas receberam R$ 5 mil, sendo R$ 2 mil antes do crime. ( DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2016).
No caso delineado acima, o crime fora praticado por interesse econômico, o que nos remete ao caso de Suzane Von Richthofen, jovem que foi condenada juntamente com os irmãos Cravinhos pelo assassinato de seu pai, vejamos alguns trechos do livro O quinto mandamento:
Depois de fechar as portas da garagem com o controle remoto, Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos de Paula e Silva e Cristian Cravinhos de Paula e Silva, ainda dentro do “cavalo de tróia”, repassaram as etapas planejadas meses antes, com cuidado. Suzane retirou da bolsa as meias de nylon e as luvas cirúrgicas (que a mãe usava para tingir os cabelos) e as distribuiu aos dois irmãos: “Vistam isso para não deixar nenhuma prova da passagem de vocês aqui. Não podemos deixar nenhum vestígio”. Daniel emendou: “Fica tranqüila, tudo vai ser como combinamos. Vamos entrar e verificar se os ’velhos‘ estão mesmo dormindo”. Cristian retirou do porta-malas os bastões que Daniel havia construído com a habilidade de quem passou a vida montando aeromodelos complicados. Os bastões foram feitos com perfilados de obra de ferro, aqueles com furinhos, parecidos com prateleiras reguláveis na altura, daquelas que ocupam as paredes de centenas e centenas de escritórios por aí. São barras em formato de ”u” com as bordas retas, de forma que duas delas se encaixam perfeitamente quando colocadas de frente. Daniel ainda teve o cuidado de preencher o meio das barras com madeira, para que elas ficassem mais pesadas e eficientes. Na ponta da madeira foi feito um punho, na base do bastão, para que os assassinos executassem suas vítimas de forma competente, sem barulho e sem machucar as mãos. [...]
Suzane subiu em silêncio e verificou que seus pais dormiam tranquilamente, a sono solto. Voltou para o patamar intermediário, onde fez sinal para que os rapazes subissem. Conforme o previamente combinado, Daniel ficou do lado esquerdo da porta do quarto; Cristian, do lado direito, e Suzane, ao lado do interruptor de luz do hall, um pouco mais atrás. Tudo estava muito escuro e o silêncio era absoluto. A filha do casal deu a voz de comando: “Vai”, disse ela, enquanto acendeu a luz que guiaria o caminho dos algozes de seus pais e desceu as escadas para não assistir à carnificina. [...]
Sem assistir aos fatos que se desenrolavam no andar de cima da casa, Suzane cumpriu sua parte no plano. Vestiu uma luva cirúrgica apenas na mão esquerda, porque é canhota, e dirigiu-se para a despensa. Ali, pegou os sacos de lixo pretos que estavam num pacote aberto e os deixou em cima do tapete azul, como haviam combinado. Andou a passos rápidos para a biblioteca, sentou-se no sofá vermelho e tapou os ouvidos para não correr o risco de ouvir seus pais gritarem. [...]
Suzane, no andar de baixo, pegou a pasta de couro na qual os pais guardavam todo o dinheiro vivo da casa, abriu o segredo, retirou a caixinha branca que ali ficava, colocou-a na prateleira e fechou a pasta novamente. [...]
. Ao chegar sozinho à sala, Cristian encontrou Suzane, que imediatamente lhe perguntou: — E aí, Cris, vamos desarrumar o que agora? — Vamos pegar as coisas do armário da biblioteca e jogar no chão. Os dois estavam trabalhando freneticamente quando chegou Daniel. Suzane se levantou, olhou nos olhos do namorado e perguntou: — Já acabou? — Já. — Deu certo? Tudo bem? — Tudo bem 13 .( CASOY, 2009, p.13-15)
O caso Von Richthofen é apenas mais um dos crimes que envolvem mulheres. É de se verificar que existem inúmeros delitos que contam com a participação feminina, tal qual o homicídio, o furto, roubo, tráfico de drogas entre outros. O caso listado abaixo trata-se de uma mulher que fora presa por furto:
Mulher condenada por furto é capturada por PMs no cemitério
A ajudante geral Cristina Gomes da Silva Lima, 35 anos, moradora no bairro Concórdia, foi capturada no final da tarde desta quinta-feira no cemitério da Saudade, em Araçatuba. Ela estava condenada a mais de dois anos de prisão acusada de furto qualificado.
A mulher estava no cemitério quando policiais militares cumpriram o mandado de prisão e a apresentaram no plantão policial, onde ela ficou detida e seria encaminhada para uma unidade prisional feminina do Estado.(REGIONAL PRESS, 2018)
As noticias delineadas acima traduz uma realidade constante, ao qual entoam inúmeras mulheres que se envolveram no crime.
4.1. PARTICULARIDADES DO TRÁFICO DE DROGAS COM AS MULHERES
O tráfico de drogas, atualmente, é um dos crimes mais comuns entre os praticados por mulheres. Isto porque, com o passar dos anos a mulher começou a buscar novos desafios, deixando de ser coadjuvante para assumir o papel de protagonista principal na vida real.
Este empoderamento feminino, embora muito apreciado e necessário, faz com que muitas mulheres, esposas ou companheiras de traficantes, deixem de desempenhar atividades domésticas como cuidar da casa e dos filhos, para ingressar no tráfico de drogas ao lado de seu par. O desejo por vivenciar momentos de adrenalina e de poder, bem como a presença da mídia, em especial telenovelas e filmes, influencia demasiadamente o ingresso de mulheres na criminalidade, senão vejamos a reportagem14:
O diretor do Departamento de Repressão ao Crime Organizado (Draco), delegado Marcelo Sansão, disse que, ultimamente, tem notado um volume maior de mulheres no crime. “A gente não via essa demanda antes. Antigamente, a mulher no tráfico era somente a mulher do bandido. Hoje, tem sido habitual o traficante morrer e a mulher assumir o lugar dele”, explicou Sansão.
Ele ressalta que, apesar de serem mulheres, não há tanta diferença na atuação feminina. “Às vezes, até com um emprego maior da violência.” De acordo com a polícia, entre as dezenas de homicídios ordenados direta ou indiretamente por Jasiane Silva Teixeira, a Dona Maria, de Conquista, destacam-se um duplo e um triplo que vitimaram integrantes da uma facção rival.
Para o diretor do Draco, a ficção pode inspirar a realidade. “Não duvido que as novelas tenham esse papel, de influenciar de algum modo a realidade.” Tanto é que, nas redes sociais de Marilza Batista Matos, a Mary, foi encontrada uma montagem dela com uma personagem de A Força do Querer.
“Ao que tudo indica, há uma atração pela adrenalina, pela atividade ilícita, a ostentação nas comunidades, o fato de serem a patroa”, complementou o diretor do Draco.
A professora da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Ufba, Maria Carmem Jacob, pondera: “É possível ter influência. Talvez algumas pessoas se inspirem, mas não que todos vão fazer. Muitas vezes, as pessoas se identificam porque já vivem a condição. A personagem (Bibi) foi fruto de muitas pesquisas da Gloria Peres, que tem muito cuidado”, afirma a pesquisadora. (CARDOSO, 2017)
Há de se verificar que, a atração pelo “mundo do crime” tem levado inúmeras mulheres a cometer inflações penais e consequentemente tem-se aumentado a população carcerária feminina.
4.2. CÁRCERE FEMININO E O ABANDONO MORAL
Segundo pesquisa publicada no portal Huffpost, matéria escrita por Fernanda Cunha (2017), a maioria das presidiarias brasileiras é negra ou parda, possuem idade entre os 18 e 34 anos e não possuem diploma universitário.
O Brasil possui a quarta maior população carcerária feminina do mundo, contando com mais de 42 mil mulheres presidiarias15. Este número chega a ser assustador, tendo em vista que a situação nos presídios brasileiros é bem peculiar.
Há de se verificar que, as grades das penitenciarias femininas escondem inúmeras histórias e passados sombrios, dos quais alguns casos são relatados no livro Cadeia: Relatos sobre mulheres de Debora Diniz (2015, p.26-27), senão vejamos:
Liliane é habitante antiga do presidio. Escreveu seu próprio catatau, o ritmo era do crack. Recém-chegada para a segunda temporada de prisão, “Foi 157”, disse ela, “Roubo com arma”. As mãos que escreveram o catatau acolheram letras marcadas à faca, Uéliton e Rosy, nome de dois de seus seis filhos. A gravidez só existia no bilhete, talvez exagero para furar a fila da escuta. O pedido verdadeiro era a visita da filha de um ano, cuja data de nascimento a mulher sem dentes desconhece. "Sei que ela têm um na, fui no aniversário dela”, resignou-se após várias tentativas de descobrir o ano de nascimento da menina. Seu Lenilton registrou dúvida: “Filha de dois anos?”
Liliane morava na rua antes de cair no bonde do presidio. Usa crack há três anos: “Só não usei quando presa.” Ela se lembrava da abstinência e das encrencas a cela, implorava a seu Lenilton vida no Seguro, pois só ali não arrumaria confusão para aumentar cadeia. A droga era sobrevivência no corpo mirrado, “Quero viver, usar crack na cadeia é furada, pedra pequena, cara e os bicho te esperam lá fora”, e repetia salvação no Seguro. O colete preto da porta estranhou pedra no presidio, Liliane se corrigiu, abstinência foi modo de falar, o sentimento era outro.
Seu Lenilton insistia em saber dos filhos. Um vive com parentes, uma o Conselho Tutelar levou, um terceiro vive com família desconhecida e três nasceram mortos. Conselho Tutelar é braço de policia; se a mulher vai para a cadeia, os filhos vão para o abrigo. Ela conta ter esguelhado o processo do filho roubado pelo Conselho Tuelar, lá tinha foto de quarto de rico, família feliz e pedido de guarda. Seu Lenilton se intrigou, “Adoção, lembra desse nome?, “Acho que era adoção. O Conselho Tutelar disse que eu abandonei ele. Eu não abandonei filho, seu Lenilton”, arreliou-se com os olhos afundados nos ombros. Um silencio seco tomou conta da sal, seu Lenilton esperou o texto, mas a crackeira falante emudeceu. Ela já sabia do filho com a nova família, mas lutava contra a ideia de ser mãe que abandona. Não tinha mais filho, restou muita vergonha. Repetiu sem audiência antes de sair: “Eu não abandonei ele, não, seu Lenilton.”
O relato acima narrado traz a baila o caso de Liliane, uma moradora de rua que foi presa pela segunda vez, por ter praticado o delito descrito no artigo 157 do Código Penal Brasileiro. A história desta presidiaria, diariamente, se confunde com tantas outras iguais, que por falta de estrutura social, ingressam para a criminalidade e consequentemente veem suas famílias separadas.
É evidente que o cárcere feminino, acarreta inúmeros prejuízos à mulher presidiária, isto porque, há um histórico de abandono material e moral, que lhes causam abalo físico, psíquico e emocional, como se percebe no caso de Tainara:
Tainara Dias do Nascimento foi outra ex-detenta que também deu à luz dentro do sistema prisional. Ela conta que, durante o trabalho de parto, foi deixada sozinha, algemada, na parte de trás de uma ambulância. "Quando eu fui para ganhar dar à luz à minha filha, eles me trataram que nem bicho." Ela também conta que teve o direito de amamentar negado, e a própria maternidade contestada, pois alegavam que a criança não tinha o mesmo tom de pele da mãe, que é negra.(REDE BRASIL ATUAL, 2018)
Nesse sentido, Mariana Silva (2017) aduz para os riscos presentes dentro do cárcere feminino:
Para avaliar a qualidade desses dados, é necessário ponderar que o espaço da delegacia de polícia, de modo geral, está muito longe de ser um ambiente acolhedor e seguro para as mulheres, tendo em vista as várias violações de direitos a que podem ser submetidas nesses locais, como abusos sexuais, torturas, flagrantes forjados, xingamentos.
De fato, há um evidente abuso e violação dos direitos humanos, principalmente nas unidades prisionais e delegacias, isto se dá por falta de fiscalização por parte do Estado, que se mantém omisso e inerte diante das atuais circunstâncias. No entanto, é de se verificar que o excessivo número de mulheres presas é o resultado nefasto de uma má atuação dos órgãos públicos no desempenho de suas atribuições, vejamos:
O oferecimento da denúncia manifestou o maior silêncio em relação às mulheres indiciadas. A atuação do Ministério Público deveria assumir a responsabilidade de aplicar as Regras de Bangkok e cumprir sua função de fiscal da lei, deixando de denunciar mulheres por meio do reconhecimento, por exemplo, de excludentes de ilicitude, como legítima defesa em casos de tensão entre homicídio e feminicídio; excludentes da tipicidade, como o princípio da insignificância; e ocorrência de prova ilícita, como nos casos de prisão por meio da prática de revista vexatória também em casos de invasão de domicílio, conhecida como entrada franqueada.
Detectamos, assim, uma produção de invisibilidade das mulheres em seus processos criminais. As poucas e precárias informações sobre essas mulheres vão sendo diluídas durante toda a fase de instrução processual. É dessa forma que mais um silenciamento imposto a mulheres contribui para acentuar o controle da população feminina selecionada pelo sistema penal. As trajetórias e condições de vida contadas por elas precisam ser instrumentalizadas para garantir a liberdade. Essa proposta acena para um horizonte concreto de fomento ao desencarceramento em massa de mulheres. (SILVA, 2017).
Nota-se que, a inércia do poder público diante do cárcere feminino contribui, de fato, para a superlotação dos presídios e a ingerência, deixando de oferecer o suporte necessário para a mulher presidiaria, neste sentido vejamos o artigo abaixo publicado na Carta Capital (2017):
Diante da perspectiva equivocada de se criar mais vagas no universo prisional pelo processo de superencarceramento feminino, o Estado apenas reabre uma antiga unidade, sem realizar reformas estruturais. Com isso, boa parte das prisões femininas apresenta péssimas condições físicas, acarretando situações de aprisionamento altamente degradantes, senão torturantes.
As paredes e muros dos estabelecimentos para mulheres, bem como os uniformes destinados a elas costumam apresentar cor rosa ou outro tom pastel, estimulando e indicando como “adequado” um comportamento dócil. Além disso, as prisões de mulheres são mais asseadas se comparadas com as masculinas. A crítica a isto tem relação ao fato de a administração prisional punir disciplinarmente as presas que não possuem suas celas limpas, o que não acontece com os homens presos, reforçando a ideia de que as mulheres devem ser “caprichosas” e sempre aptas a desenvolver atividades domésticas, de limpeza da casa.
De igual forma, as opções de trabalho, bem como os cursos profissionalizantes destinados às privadas de liberdade reforçam a perspectiva de que as mulheres devem desenvolver atividades profissionais que seriam nada mais do que uma espécie de projeção das tarefas típicas da vida doméstica, voltadas ao cuidado do outro e da manutenção do lar. Portanto, em muitas unidades são desenvolvidos cursos e oferecidos trabalhos de corte e costura, beleza e artesanato. Geralmente não é disponibilizada qualquer possibilidade profissional de acordo com os interesses das mulheres, dificultando a criação de planos de vida mais emancipatórios, distantes de papeis de gênero tradicionais.[...]
Por outro lado, apesar destas exigências, os órgãos do Estado não oferecem materiais de higiene essenciais às mulheres, como absorventes íntimos, shampoo etc., nem fornece atenção à saúde adequada. Poucas são as presas atendidas regularmente por um ginecologista e outros profissionais de saúde. E, se não recebem visitas, as mulheres estão à mercê do comércio desenvolvido na unidade de privação de liberdade ou da generosidade de outras colegas privadas de liberdade.
Contudo, apesar de apresentarem dependência de suas famílias, as mulheres são praticamente esquecidas durante a privação de liberdade, sobretudo, por seus companheiros. A mulher toma para si a tarefa de fornecer apoio emocional abundante ao membro da sua família encarcerado, deslocando determinadas atividades típicas da vida doméstica aos ambientes das prisões2. Por sua vez, a mulher deixa de receber visitas de sua família, especificamente, de seu companheiro, no momento em que é condenada a privação de liberdade. Desse modo, o homem não assume a tarefa de zelar e cuidar de sua companheira presa. Essas tarefas são percebidas como tipicamente femininas.
Essa falta de apoio familiar durante o encarceramento denota, entre outros aspectos, uma espécie de punição social da mulher por seu “mau comportamento”, por ter cometido um crime. No imaginário social dominante, espera-se que a mulher seja obediente, comprometida com o mundo doméstico, linda e sempre disposta ao outro. Ao não cumprir essas tarefas, isto é, ao desviar de seu papel tradicional, há todo um empenho social em docilizá-la. É possível dizer, assim, que ao cometer um crime, a mulher é duplamente penalizada, pois ela estaria rompendo tanto com a lei penal quanto com um código social.
O artigo acima retrata um esboço da condição ao qual a mulher presidiaria é submetida, desde a penalização pelo código penal até o abandono moral por parte de seus familiares. Esta é a realidade do cárcere feminino, causando inúmeros danos e traumas psicológicos irreversíveis.
4.3. DA DIFICULDADE DO REINGRESSO NA SOCIEDADE
Após anos perdidos atrás das grades, sem haver real aproveitamento do tempo, e estímulos sociais para que as mulheres aprendam um novo oficio, é hora da tão sonhada liberdade, tais mulheres sonham em voltar para o seio familiar, recuperar o afeto de seus parentes e restabelecer-se.
Para que tudo caminhe bem, é necessário que estas sejam inseridas em um ambiente de trabalho, que tenham a oportunidade de estudar e se profissionalizar, no entanto os incentivos governamentais e sociais são escassos e as deixa a deriva.
De fato, a sociedade é preconceituosa e arbitrária, não aceita com facilidade uma ex-detenta, não abre as “portas” do mercado de trabalho para uma mulher com maus antecedentes, não acolhe e nem abriga, dificultando o reingresso destas mulheres na sociedade. Vejamos:
A reinserção de ex-detentas na sociedade é um cenário repleto de obstáculos. Um passado no crime é um dos principais motivos pelos quais essas mulheres não encontram trabalhos e sofrem preconceito. A falta de experiência e de diploma também afeta no julgamento das empresas na hora de empregar as ex detentas. O Paraná tem cerca de 600 mulheres no sistema prisional como apontam os dados do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen).
A partir dos mesmos dados, se sabe que das 600 mulheres que estão nas prisões do Paraná, cerca de 200 estão no mercado de trabalho, ou seja, apenas um terço das mulheres conseguiram um emprego. As que conseguiram, o fizeram devido às parcerias da Depen com as entidades privadas. (FERNANDES, 2018).
Ressalta-se que, a dificuldade na reinserção de ex-presidiárias no meio social, por vezes, contribui para que estas voltem a denegrir, isto porque a falta de apoio moral, social, psicológico e material acabam por limitar suas alternativas e encontram facilidade na criminalidade. Não obstante, muitas ex-detentas possuem medo de sair da prisão, uma vez que sabem a dificuldade para se restabelecer, conforme é possível verificar na história de Viviane:
Rio de Janeiro – A história de Viviane Cristina de Oliveira, de 37 anos, poderia ser facilmente confundida com a de muitas outras mulheres casadas com presidiários no Rio de Janeiro. Isso se não fosse por uma diferença: por causa da prisão do marido, ela acabou se envolvendo com atividades ilícitas para sustentar a casa.
Presa por tráfico de drogas e condenada a 16 anos e dez meses, Viviane teve que passar quase quatro anos e meio presa em regime fechado na Penitenciária Talavera Bruce, no Complexo de Bangu. “Pensei que tudo tinha acabado para mim, que tinha perdido tudo, meus filhos. Tenho dois filhos [hoje com 21 e 14 anos] e eles tiveram que ficar com a minha sogra. Ela acabou me ajudando muito, porque eu estava arrasada lá dentro”, conta.
Por meio de uma agente penitenciária que conheceu antes de ser presa, quando ainda ia visitar seu marido no complexo prisional, Viviane acabou reorganizando sua vida e voltou a costurar dentro do presídio. “Ela me botou na cozinha e, quando saiu minha sentença, me transferiu [para a oficina de costura]”.
O trabalho na oficina de costura do presídio deu certa segurança a Viviane. Mas, quando ficou sabendo que sua pena poderia progredir para regime semiaberto (quando o preso ganha o direito de passar o dia na rua e voltar para a prisão apenas para dormir), foi tomada por um grande medo. Ela sabia que não seria fácil arrumar um emprego fora da cadeia.
“Quando estava para passar para o semiaberto, eu ia negar. Eu falei: 'estou para ir para o semiaberto, mas não quero ir, porque as condições lá são nenhuma. Se eu ganhar [o semiaberto], eu vou acabar evadindo [fugindo do sistema]”, disse.
Com a garantia de que conseguiria um emprego como costureira na Fundação Santa Cabrini, órgão do governo fluminense responsável por ajudar presos e ex-presos a arrumar trabalho, Viviane saiu do regime fechado. Há sete meses no semiaberto, hoje ela pode sair às ruas e ainda ganhar dinheiro para realizar o sonho de montar uma confecção de roupas.
“Me envolvi no tráfico mais ou menos para ter dinheiro. Acabei me envolvendo muito e não dava para voltar. Mas já tinha essa vontade [de montar uma confecção]. Já tenho máquinas e vou comprar outras, porque isso é o que eu quero fazer. E, com a confecção, vou ver se consigo resgatar mulheres como eu”. (EBC, 2013).
A história de Viviane se repete tantas vezes com outras mulheres, o fato é que nem todas possuem a mesma sorte que Viviane, pois não conseguem arrumar emprego. Nesse diapasão, segue a trajetória de Hannah após sair da cadeia:
Tentativas de reintegração à sociedade Já faz cinco anos que saí da prisão e ainda não consegui trabalho, por ser ex presidiária e mulher de preso. Eu chego a ser contratada, mas quando descobrem que eu visito meu marido na cadeia e que eu também já fui presa, me mandam embora. Já passei por isso três vezes. Falam que não podem continuar comigo, porque meu passado me coloca como uma pessoa de caráter e conduta duvidosos. Hoje eu vivo com ajuda da minha mãe e com o dinheiro de alguns bicos de faxina que faço. Meu marido trabalha na penitenciária e ganha um dinheirinho também, o que me ajuda”. (UNIVERSA, 2017).
Hannah foi apreendida pela primeira vez com 15 (quinze) anos por tráfico de drogas. Na segunda vez ela foi presa acusada de assalto por ter sido encontrado em sua residência uma arma, esta de propriedade de seu esposo, autor do delito. Após provar sua inocência Hannah foi colocada em liberdade, e, desde então tem inúmeras dificuldades para conseguir emprego, tendo sido demitida de todos ao tomarem conhecimento de que ela é esposa de um presidiário e que esta não possui a ficha limpa. (UNIVERSA, 2017).
Assim como Hannah, é a realidade de muitas mulheres que tentam o reingresso no mercado de trabalho. De fato, existem ONGs e associações que prestam auxilio à ex-presidiárias, porém não são suficientes para atender à todas, é necessário que o governe implante politicas de reingresso, fazendo parceria com empresas para que estas comecem contratar ex-detentos.