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Considerações sobre a imposição de cláusulas de exclusividade aos cooperados integrantes das Unimed (unimilitância)

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27/07/2005 às 00:00
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2)CONSIDERAÇÕES – unimilitância – Novo Olhar:

            SMJ, a leitura atenta dos votos proferidos na decisão mencionada, leva a conclusão diversa ao decidido pela Segunda Seção do STJ, isto porque, o debate travado no âmbito da segunda seção não apreciou a matéria SOB A ÉGIDE da novel legislação setorial em saúde suplementar, regulada por meio da Lei n.º 9.956/98, com a redação da MP n.º 2.177-44 de 24 de agosto de 2001, 9.961/2001, e demais normas infralegais exaradas pela entidade reguladora do setor, ANS, quais sejam: a RDC n.º 24 de 13 de junho de 2000, e RN 42 e 54, todas parcialmente transcritas, no que refere ao objeto do estudo do tema proposto, a saber:

            LEI N.º 9.656, DE 03 DE JUNHO DE 1998. (MEDIDA PROVISÓRIA N.º 2.177- 44, DE 24 DE AGOSTO DE 2001.) - Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

            Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:

            I – Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;

            II – Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo;

            III – Carteira: o conjunto de contratos de cobertura de custos assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer das modalidades de que tratam o inciso I e o § 1º deste artigo, com todos os direitos e obrigações nele contidos.

            § 1º Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:...

             ..........................................................................................................

            Art. 18. A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, implicará as seguintes obrigações e direitos:

            I -.. ..................................................................................................

            II –.. .... ...........................................................................................

            III - a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com número ilimitado de operadoras, sendo expressamente vedado às operadoras, independente de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional. (grifo nosso).

            AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR RDC n.º 24 de 13 de junho de 2000 - Dispõe sobre a aplicação de penalidades às operadoras de planos privados de assistência à saúde.

            Art. 4º Constitui infração, punível com multa pecuniária no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais):

            I - exigir exclusividade do prestador de serviços;

            II - restringir, por qualquer meio, a liberdade do exercício de atividade profissional do prestador de serviços; (grifo nosso)

            AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR RESOLUÇÃO NORMATIVA - RN N° 42, DE 4 DE JULHO DE 2003

            - Estabelece os requisitos para a celebração dos instrumentos Jurídicos firmados entre as operadoras de planos de assistência à saúde e prestadores de serviços hospitalares.

            ..........................................................................................................

            Art. 2º Os instrumentos jurídicos de que trata esta Resolução Normativa devem estabelecer com clareza as condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, aplicando-se-lhes os princípios da teoria geral dos contratos.

            Parágrafo único - São cláusulas obrigatórias em todo instrumento

            jurídico as que estabeleçam:

            I –.. .................................................................................................

            e

            VII – direitos e obrigações, relativos às condições gerais da Lei 9.656, de 1998, e às estabelecidas pelo CONSU e pela ANS, contemplando:

            a) a fixação de rotinas para pleno atendimento ao disposto no art. 18 da lei acima citada;

            e) penalidades pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas; e

            f) não discriminação dos pacientes e da vedação de exclusividade na relação contratual.

            AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - RESOLUÇÃO NORMATIVA – RN N.º 54, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2003 - Estabelece os requisitos para a celebração dos instrumentos jurídicos firmados entre as operadoras de planos privados de assistência à saúde e prestadores de serviços auxiliares de diagnóstico e terapia e clínicas ambulatoriais.

            .............................................

            VII – direitos e obrigações, relativos às condições gerais da Lei n.º 9.656, de 1998, e às estabelecidas pelo CONSU e pela ANS, contemplando:

            a) a fixação de rotinas para pleno atendimento ao disposto no art. 18, da Lei n.º 9.656, de 1998;

            f) não discriminação dos pacientes, bem como a vedação de exclusividade na relação contratual.

            É de se perceber, que todo o recente ordenamento jurídico infraconstitucional e infralegal se inclina em direção ao cumprimento da previsão constitucional posta no caput do artigo 170:

            "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

            ...............................................

            (Grifos nossos)

            A reforçar, a própria Constituição da República é que prevê a repressão às condutas atentatórias ao princípio insculpido no inciso IV (livre concorrência):

            "Art.173:.. .....................................................................................................................

            § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros." (Grifos nossos)

            De outro lado, vale lembrar que à ANS foi outorgada a competência para zelar e estimular a competição saudável no complexo de relações que compõem o setor de saúde suplementar. É o que dispõe o inciso XXXII do artigo 4º da Lei 9961/00, verbis:

            "Compete à ANS:

            ..............XXXII – adotar as medidas necessárias para estimular a competição no setor de planos privados de assistência à saúde;" (Grifos nossos)

            Do ilustrado, não é somente a ótica da garantia da livre concorrência que salienta a incompatibilidade entre a previsão constitucional e a prática da unimilitância. Andam juntos, "par i passu", o primado da valorização do trabalho humano e o direito ao livre exercício da profissão, este último sistematizado dentre os direitos e garantias fundamentais:

            "Art.5º.. ...............................................................................................................

            XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (...)"

            Em mão contrária andam as cooperativas amparadas pelo posicionamento ultrapassado do Superior Tribunal de Justiça, sustentados na possibilidade de estipulação estatutária da unimilitância, em conseqüência da sua natureza jurídica, eis que não submetidas às regras advindas das Leis 9.656/98 e 9.961/2000, ou a qualquer norma infra - legal emanada da entidade reguladora, ANS.

            A essa altura, imperioso é aprofundar a discussão da matéria à vista da necessidade de se observar a realidade do "aspecto formal" que veste as cooperativas ao manto da Lei 5764/71, ainda mais quando tais entidades atuam de maneira marcante, e em âmbito nacional, na exploração mercantil de planos de saúde, consoante bem percebido no voto vencedor do Ministro Aldir Passarinho Junior. ao aduzir que "não pode a natureza da instituição prevalecer sobre toda e qualquer norma direcionada, especificamente, ao exercício de uma atividade vinculada à área da saúde, bem assim as que visam proteger, em essência, o cidadão e o consumidor, cujo bem-estar não pode ser olvidado no exercício da atividade econômica. Seria privilegiar a forma, meramente, em detrimento de princípios maiores, guardados em normas de ordem pública.""

            Assim, ainda que Constituição Federal de 1988 seja a primeira Carta da República a dispor sobre política de estímulo ao desenvolvimento das cooperativas, prevendo, a inexigibilidade de autorização para a criação das sociedades cooperativas, no escopo de protegê-las contra a intervenção estatal em seu funcionamento (art. 5º, inciso XVIII), bem como o apoio e estímulo da lei ao cooperativismo e outras formas associativas (art. 174 e parágrafos), o contrato das sociedades cooperativas, nos termos do art. 3º da Lei n.º 5.764/71, é celebrado entre contratantes que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício de determinada atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, o que deve caracterizá-la como sociedade de natureza civil, melhor dizendo, não empresarial, enquadrada pelo novo Código Civil na espécie sociedade simples.

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            Consoante o novo Código Civil, enquanto as sociedades de natureza empresarial têm por objetivo o intuito do lucro, as sociedades cooperativas, por sua própria natureza jurídica, atuam como sociedades de suporte, intermediando operações entre o mercado consumidor, a mão-de-obra e as fontes produtoras, além de coordenar e distribuir as tarefas para seus associados.

            Em princípio, não devem ser constituídas visando lucro, pois, em tese, as importâncias devolvidas pelas sociedades cooperativas aos seus associados, provenientes exclusivamente da execução de atos cooperados, são consideradas como retorno ou sobras, e, não, como rendimentos ou lucros distribuídos.

            Merece relevo o fato de que as sociedades cooperativas podem adotar qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, vindo a ser classificadas de acordo com o seu objeto, ou, ainda, pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por seus associados.

            A conclusão inafastável é de que as cooperativas de serviços médicos praticam dois tipos de atos, com características diferentes: 1) atos cooperados, consistentes no exercício de suas atividades em benefícios dos seus associados que prestam serviços médicos a terceiros, e 2) atos não cooperados, de serviços de administração à terceiros, que optam, por adesão, aos seus planos de saúde.

            Pode se dizer, então, que as cooperativas de prestação de serviços médicos praticam, no seu relacionamento com os adquirentes dos planos de saúde, atividades empresariais de prestação de serviços remunerados.

            Exatamente pelo argumento exposto, revela paradoxal e conflitante as razões expostas na decisão do RESP 261155/SP, do v.. Superior Tribunal de Justiça, pois que ao mesmo tempo que valida a prática da unimiltância; de outro lado, reconhece a existência da prática mercantil realizada pelas cooperativas em relação aos serviços prestados a terceiros não cooperados, veja-se:

            " TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. COOPERATIVA MÉDICA. ATOS NÃO-COOPERATIVOS.

            1. A UNIMED presta serviços privados de saúde, ficando evidenciada, assim sua natureza mercantil na relação com seus associados, ou seja, vende, por meio da intermediação de terceiros, serviços de assistência médica aos seus associados.

            2. O fornecimento de serviços a terceiros e de terceiros não-associados, caracteriza-se como atos não-cooperativos, sujeitando-se, portanto, à incidência do Imposto de Renda.

            3. Recurso especial provido. (RESP 237348 / SC ; RECURSO ESPECIAL 1999/0100366-0. Fonte DJ DATA:17/05/2004 PG:00165. Relator Min. CASTRO MEIRA (1125) - Data da Decisão 17/02/2004 Orgão Julgador 2ª - SEGUNDA TURMA STJ) "

            SERVIÇO MÉDICO – UNIMED – PLANO DE SAÚDE – LIVRE CONCORRÊNCIA – ART. 170, IV E 173, PARÁGRAFO 4º, DA CF – LIVRE INICIATIVA – DEFESA DO CONSUMIDOR.

            Ainda que a UNIMED seja, formalmente, uma cooperativa sem fins lucrativos que pratica atos cooperativos entre seus associados, não se pode descurar de que ela, quando opera com terceiros, pratica atos comerciais como qualquer outra empresa do mercado. Assim, dúvida não há de que a sua prática é mercantilista, o que contraria de certo modo o espírito da Lei 5764/71, que não foi editada para possibilitar o maqueamento de empresas mercantilistas por unidades cooperadas. Ademais, o que deve ser considerado é a forma real de atuação da UNIMED e a repercussão de sua ação no mercado e não o seu revestimento formal-jurídico/.../. (ApCv 0275064-9, un 4ª CCv do Tribunal de Alçada/MG. J. em 28.04.99).

            Na trilha esposada, a ambivalência da natureza jurídica do sistema das cooperativas que atuam no setor de saúde suplementar, culmina no desvirtuamento da forma (cooperativa) frente aos comandos da legislação mencionada – como restou asseverado nos julgados transcritos, razão pela qual descabe às entidades cooperadas de serviços médicos argüir a inaplicabilidade das leis Pátrias, sob o fundamento da especialidade da norma – mormente porque, como visto, sob a ótica do Poder Judiciário, seus atos culminam nos mesmos objetivos das demais sociedades empresárias, pois, nos termos da decisão supra, "não se pode descurar de que ela, quando opera com terceiros, pratica atos comerciais como qualquer outra empresa/."

            No contexto normativo delineado, quando a cooperativa de trabalho fornece serviços à terceiros, estranhos a relação cooperativada, como é o caso da atividade exercida pelas operadoras de planos de saúde organizadas sob as vestes de cooperativa, cujo objeto consiste na operação de planos de assistência à saúde, passam a integrar o mercado de saúde suplementar, regulamentado por normas específicas, sobretudo em face da submissão descrita no art. 1º, inciso II, da referida lei setorial.

            Do exposto, relevante é a dúvida acerca do alcance da verdadeira natureza jurídica das sociedades organizadas sob a forma de cooperativas, sendo pertinente um novo olhar no que diz respeito ao desvirtuamento da forma enquanto operadoras de planos de saúde, motivo pelo qual os argumentos estribados no aspecto formal da natureza jurídica das cooperativas deve ser sopesado, a fim de não servir como único suporte de modo a criar verdadeira imunidade às normas setoriais em saúde suplementar. Ao revés, deve-se olhar através de sua forma para encontrar seu objetivo, idêntico ao das demais sociedades empresariais que atuam no mercado de saúde suplementar.


3) CONCLUSÃO

            No contexto normativo desenhado, a imposição da unimilitância praticada pelas operadoras organizadas sob a forma de cooperativa, infringem as diretrizes programáticas da Constituição Federal, e as normas reguladoras que regem o setor de saúde suplementar, eis que despidos, o estatuto social ou o regimento interno, da força necessária de modo a legitimar a contrariedade à nova ordem normativa (ainda que os cooperados estipulem unanimemente a prática da unimilitância), pois que tais práticas não podem subsistir sem violar frontalmente ás disposições do inciso III do artigo 18 da Lei 9656/98, e demais normas infra - legais editadas pelo agente regulador do setor, ANS.

            Enfim, não é facultado às cooperativas ou quaisquer associações instituir práticas contra legem fundadas apenas na singeleza da sua natureza jurídica (Lei 5764/71).

            Neste contexto, a decisão de coibir a prática da unimilitância no âmbito da Gerência de Fiscalização Planejada do Setor de Saúde Suplementar, longe de ser apenas uma prática apenas punitiva, prima, em excelência, pela busca da adequação do setor regulado à lei, de modo a viabilizar o Estado Social Democrático, que submete-se formalmente as leis 9.956/98 e 9.961/2001, e de modo subjetivo, a principiologia delineada na Carta Política de 1988, sobretudo, fundado na valorização do trabalho humano, eis que tal princípio sob a ótica da Ordem Econômica, é elevado como fator de desenvolvimento social.

            Ex positis, o modelo jurídico - administrativo em vigor no Brasil, em conformidade com ideário do Estado Democrático de Direito, deve assegurar a quem deles necessita a confiança necessária do respeito à lei e aos demais princípios programáticos que norteiam a atividade administrativa.

            Colocada assim a questão, o primado da nova ordem econômica, deve ser conjugado com enfoque na liberdade do trabalho humano (consoante o inciso III do artigo 1º em sintonia com o caput do artigo 170), cujo norte deve ser a busca permanente da assimilação das normas em saúde suplementar, com vistas a elevar o padrão de vida do cidadão – cliente do Estado Social Democrático.


Nota

            01

Modesto, Paulo – Revista Diálogo Jurídico, Ano I, vol. I, n.º 2, maio de 2001, Salvador, Bahia, Capturado site DP. DireitoPublico.com.br, em 11/10/2004.
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Sobre a autora
Jane de Oliveira Lapa

advogada, especialista em Regulação, pós-graduada em Direito Tributário e em Psiquiatria Aplicada ao Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAPA, Jane Oliveira. Considerações sobre a imposição de cláusulas de exclusividade aos cooperados integrantes das Unimed (unimilitância). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 753, 27 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7030. Acesso em: 20 abr. 2024.

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