CONTRAORDEM AO CHEQUE E PRESCRIÇÃO

14/11/2018 às 11:07
Leia nesta página:

O ARTIGO ABORDA O INSTITUTO DO CHEQUE DIANTE DE RECENTE DECISÃO DO STJ.

CONTRAORDEM AO CHEQUE E PRESCRIÇÃO

Rogério Tadeu Romano

Consoante o informado no site do STJ, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a prescrição de cheque datado após a contraordem ao banco e reafirmou a jurisprudência do tribunal que prevê como marco inicial para a contagem do prazo prescricional a data expressamente consignada no espaço reservado para a emissão, conforme tese fixada no Tema 945 dos recursos repetitivos.

No recurso especial, o recorrente alegou que recebeu o cheque de terceiro de forma incompleta – isto é, sem o preenchimento da data de emissão – e totalmente de boa-fé. Assim, colocou como data de emissão fevereiro de 2013, não sabendo que quatro anos antes já havia sido feita contraordem ao banco.

O titular do cheque pediu o reconhecimento da prescrição, por entender que a situação violaria a boa-fé e as disposições da Lei do Cheque, já que a revogação ou contraordem de pagamento representa a manifestação da vontade do emitente de impedir o saque do título.

Para a relatora, a questão em julgamento se encontra em uma lacuna legislativa, uma vez que o parágrafo único do artigo 35 da Lei 7.357/85 dispõe que a contraordem produz efeitos após a expiração do prazo de apresentação do cheque, que é determinado pela data nele constante.

A ministra ainda citou que a doutrina sobre o assunto leva à conclusão de que “o direito deve privilegiar a mais livre e ampla circulação dos títulos de crédito, garantindo a seu portador a segurança de sua aquisição e que o valor nele constante, dentro das regras vigentes, será solvido, independentemente de situações particulares que possam existir no momento em que aquele título foi emitido ou em que ele é apresentado”.

Em seu voto, a relatora entendeu que seria incabível presumir a má-fé do credor pelo fato de o preenchimento do campo designado para a data ter ocorrido após a emissão da contraordem, a qual tem validade apenas quando expirado o prazo de apresentação, que por sua vez depende do preenchimento correto da data de emissão.

“Não pode o julgador deduzir a existência de má-fé pelo portador do cheque pelo simples fato de o preenchimento da data de emissão ocorrer após a contraordem para revogação do cheque, a não ser que determine expressamente a existência de má-fé pelo exequente, ora recorrido”, declarou.

A relatora também apontou em seu voto que os riscos da emissão de cheque incompleto recai sobre seu emitente. Assim, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para afastar a prescrição e determinar o retorno dos autos ao primeiro grau para análise das demais questões.

A matéria foi objeto de discussão no REsp 1.647.871.

Cheque é o documento pelo qual o titular de uma conta corrente emite ordem para o banco ou entidade congênere pagar ou creditar certa quantia a seu favor ou a favor de outra pessoa(beneficiado). Da leitura da Lei 7.357, de 2 de setembro de 1985.

A primeira referência, no Brasil, do uso do cheque é a constante do Regulamento do Banco da Província da Bahia, aprovado pelo Decreto º 438, de 13 de novembro de 1845. Quinze anos depois, veio a Lei 1.083, de 22 de agosto de 1860, contendo providências sobre os bancos de emissão, meio circulante, diversas companhias e sociedades.

A matéria foi objeto de disposição pela lei 2.591/12, que se compunha de 17 artigos, dos quais o 1º e o 2º conceituavam o titulo como uma ordem de pagamento à vista, caracterizavam os fundos disponíveis sobre os quais o sacador podia emitir a ordem de pagamento e estipulavam os requisitos que os cheques deveriam conter. O artigo 3º regulava a forma por que o cheque podia ser passado – ao portador, nominativo, e com ou sem a  cláusula à ordem,,  estatuindo a sua circulação por endosso em branco ou em preto. O prazo da apresentação. Ao sacado, primitivamente fixado em 5 dias, quando pagável na mesma praça da emissão e em oito dias, em praça diferente e as consequências da não apresentação(perda do direito regressivo contra endossantes e avalistas) foram regulados nos artigos quarto e quinto. Os artigos 6º e 7º tratavam das penalidades pela emissão de cheques sem data ou com data falsa, da contraordem sem motivo, capaz de frustrar o pagamento do cheque e da emissão dos cheques sem a suficiente provisão de fundos, resolvendo o artigo 9º as diferenças existentes na quantia escrita por extenso e em algarismos.

Veio o direito uniforme sobre o cheque.

O Brasil não participou da Conferência de Genebra em 1931, mas em 1942 aderiu às convenções dela resultantes e o Poder Executivo pelo Decreto 55.95, de 7 de janeiro de 1966, mandou que as mesmas fossem cumpridas no Brasil, fazendo reservas aos artigos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo, décimo-primeiro, décimo-segundo, décimo-quarto, décimo-quinto, décimo sexto e ainda os seguintes artigos: 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 29 e 30 do Anexo II da Convenção para a Convenção de uma Lei Uniforme sobre o cheque.

A matéria de reserva no direito internacional foi estudada por Adolfo Maresca(IL diritto dei trattadi,  Milão, 1971, pág. 280). Mas para alguns autores, como Fábio Konder Comparato,1978, pág. 269) a análise dos tratados-leis ainda está por se fazer.

Seja como for, de acordo com a definição da recente Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, “reserva significa uma declaração unilateral, qualquer que seja sua redação ou denominação feita por um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar os efeitos os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado(artigo 2º, n.1, d).

O Supremo Tribunal Federal se manifestou a respeito no sentido de que no Brasil, no direito interno, rege o Decreto 57.595.

A matéria hoje é regida no Brasil pela Lei 5.357/85.

Art . 1º O cheque contêm:

I - a denominação ‘’cheque’’ inscrita  no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido;

II - a ordem incondicional de pagar quantia determinada;

III - o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);

IV - a indicação do lugar de pagamento;

V - a indicação da data e do lugar de emissão;

VI - a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.

Parágrafo único - A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.

Art . 2º O título, a que falte qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não vale como cheque, salvo nos casos determinados a seguir:

I - na falta de indicação especial, é considerado lugar de pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado; se designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão;

II - não indicado o lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome do emitente.

O cheque é emitido contra o banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque.

Para tanto, o emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir o cheque(artigo 3º da Lei).

Fundos disponíveis são:

a) os créditos constantes de conta-corrente bancária não subordinados a termo;

b) o saldo exigível de conta-corrente contratual;

c) a soma proveniente de abertura de crédito.

O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa “a ordem”, é transmissível por via de endosso, que pode ser feito ao emitente ou a outro obrigado, que podem novamente endossar o cheque.

Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento.

Pode o endossante proibir novo endosso; neste caso, não garante o pagamento a quem seja o cheque posteriormente endossado.

O detentor de cheque "à ordem’’ é considerado portador legitimado, se provar seu direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo que o último seja em branco. Para esse efeito, os endossos cancelados são considerados não-escritos.(artigo 22). 

. Quando um endosso em branco for seguido de outro, entende-se que o signatário deste adquiriu o cheque pelo endosso em branco.

O endosso num cheque passado ao portador torna o endossante responsável, nos termos das disposições que regulam o direito de ação, mas nem por isso converte o título num cheque ‘’à ordem’’

Podendo, contudo o cheque trazer  o nome do beneficiário, a sua transmissão se faz pelo endosso, tenha ou não a cláusula à ordem. Se, entretanto, o emitente do cheque não deseja que o mesmo seja transmissível pelo endosso, poderá apor no título a cláusula não à ordem. A inserção dessa cláusula não significa que o cheque não possa ser transferido: a sua transmissão se fará, entretanto, na forma de uma cessão ordinária de crédito, o que altera o caráter cambiariforme do cheque vez que, havendo cessão o cedente garante ao cessionário apenas a existência do crédito por ocasião da cessão, mas o cessionário não terá o direito regressivo contra os obrigados anteriores no título, como acontece com o cheque à ordem.

Pode o endosso designar o endossatário e em tal o endosso é pleno, nominativo ou endosso em preto. Pode ser feito o endosso a uma pessoa não determinada. Pode, por último, o endosso constar da simples assinatura do endossante(endosso em branco). Já a lei uniforme admitia que se fizesse um mandato sem alienar a propriedade do cheque, ficando o endossante com a titularidade dos direitos do titulo, mas podendo o endossatário, em nome do endossante, exercer esses direitos em proveito daquele. É o endosso-mandato.

 O aval, garantia, pode garantir o cheque, no todo ou em parte, por aval prestado por terceiro, exceto o sacado, ou mesmo por signatário do título. O aval, como ensinou Fran Martins(Títulos de crédito, volume II, 1980, 81) representa uma garantia suplementar do título, já que  este, em princípio, conta com a garantia sempre da garantia do pagamento por parte do sacador.

Fran Martins ensinou que o cheque tem sido rotulado como título de crédito impróprio, jungido ao caráter peculiar de sua circulação, sujeitando todos aqueles envolvidos no seu desdobramento ao regramento específico que o orienta(O cheque segundo a nova lei, 1987, pág. 11).

Se o cheque é dado ao pagamento, sendo o meio natural do cumprimento da obrigação cambiária, no caminho natural da circulação da cártula.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O pagamento do cheque é a regra. A revogação na admissão de uma exceção, possibilitando ao emitente ou ao portador do cheque retirar de forma temporária a validade do título que foi confeccionado.

Vamos a leitura dos artigos 35 e 36 da Lei 7.357/85, que, dentro do contexto jurídico, nos dão a ideia de revogação e oposição de pagamento.

Art . 35 O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo, mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar, ou por via judicial ou extrajudicial, com as razões motivadoras do ato.

Parágrafo único - A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 desta Lei.

Art . 36 Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.

§ 1º A oposição do emitente e a revogação ou contra-ordem se excluem reciprocamente.

§ 2º Não cabe ao sacado julgar da relevância da razão invocada pelo oponente.

A morte do emitente ou sua incapacidade superveniente à emissão não invalidam os efeitos do cheque.

Ensina Carlos Henrique Abrão (Contraordem e oposição no cheque, 1990, pág. 7) a oposição e a revogação do cheque revelam problemas na causa do título ou relacionados com a própria circulação, com ressonância normativa, sem empecilhos outros que importem na perda do seu âmbito de validade.

A revogação ou contraordem de pagamento representa a manifestação singular de vontade do emitente, no sentido de obstaculizar o saque do respectivo título, por razões fundadas.

É interessante o ensinamento de Cunha Peixoto(Do cheque, pág. 147) que o cheque desempenha perfeitamente suas funções, mas a possibilidade de renovação, por parte do sacador, faz com que o beneficiário se apresse culminando o desconto.

De forma diversa da sistemática anterior, com a reserva da Lei Uniforme de Genebra, permitindo a revogação a qualquer momento, a legislação atual inovou nesse aspecto, restringindo o procedimento da contraordem. A antiga regulamentação provinha do artigo 16, Anexo II, possibilitando a revogação sem que fosse completado o prazo destinado à apresentação do título.

Entretanto, o dispositivo elencado no artigo 35 da Lei 7.357/85 perfilhou uma nova orientação, de modo a conferir a devida eficácia somente depois de expirado o prazo de apresentação. É o que se viu da previsão legal.

Fazer contraordem no cheque significa desautorizar o seu pagamento, baseado em razão de ordem subjetiva do emitente e problema afeto a essência do titulo.

A contraordem tanto poderá ser feita diretamente à agência bancária, onde o correntista mantém a sua conta, abrindo-se, outrossim, a via judicial para o impedimento do pagamento.

A legitimação é exclusiva do emitente que apresentará certa eficácia de conteúdo limitado, obrigando-se ao término do prazo relacionado com a apresentação do cheque. Esse prazo se o cheque for da mesma praça, será de 30(trinta) dias, se o cheque for de praza distinta, 60(sessenta) dias.

É a contraordem no cheque um bloqueio que se faz no cheque emitido, associado à instituição financeira.

O artigo 36 da Lei do cheque fala em oposição.

Na contraordem é conditio sine qua non de sua validade a expiração do prazo vinculado à apresentação do cheque, ao passo que na oposição, de forma contrária, há imediata produção de efeito. A oposição é medida de cunho automático e eficácia plena, devendo ser elaborada por escrito e dirigida à instituição financeira.

Observa-se assim que a contraordem e a oposição são causas externas ao nascimento do título cambiário, apontando-se um vício ou outro defeito que se revela como prejudicial à satisfação do crédito.

Na hipótese daquele julgamento, constou a existência de um cheque sobre o qual incidia uma contraordem, nos termos do art. 35, caput e parágrafo único, da Lei 7.357/85, conforme o dispositivo legal mencionado, in verbis: Art . 35 O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo, mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar, ou por via judicial ou extrajudicial, com as razões motivadoras do ato. Parágrafo único - A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 desta Lei.

Segundo a doutrina, a “revogação ou contraordem de pagamento representa a manifestação singular de vontade do emitente, no sentido de obstaculizar o seu do respectivo título, por razões fundadas”. Ademais: Contraordenar o cheque significa desautorizar o seu pagamento baseado em razão de ordem subjetiva do emitente e problemas afeto a ratio essendi do título.

(...) Não se afigura, portanto, a qualidade substancialmente de impedir, por qualquer que seja o motivo, a natural satisfação do crédito. Normalmente, o elemento que desencadeia todo esse procedimento é ligado à alguma causa de ordem extrínseca, não conhecida no momento da criação do título, ou emergente no curso de sua circulação. (...) A legitimação é exclusiva do emitente e, dessa maneira, apresenta certa eficácia de conteúdo limitado, obrigando-se ao término do prazo relacionado com a apresentação do cheque. Esse será de 30 (trinta) dias se o cheque for da mesma praça ou de 60 (sessenta) dias se de praça distinta.

A contra-ordem significa um verdadeiro bloqueio que se faz no cheque emitido, associado à instituição financeira, sendo de pouco alcance se o prazo de apresentação continuar fluindo regularmente, dentro da ótica da validade. (Carlos Henrique Abrão. Contra-ordem e oposição no cheque. São Paulo: LEUD, 2003, 4ª ed., 30-33).

Para a solução da controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento citado  rememorou  os princípios que orientam a utilização e, por conseguinte, a interpretação dos títulos de crédito, na lição de Rubens Requião, com fundamento em Cesare Vivante: 505.

CARACTERÍSITICAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO. A definição de Vivante merece ser analisada mais a fundo, dada as luzes com que ilumina a matéria. Dela defluem três requisitos básicos do título: a) a literalidade; b) a autonomia; c) a cartularidade (documento). Poder-se ia admitir mais um elemento, que, todavia, não é geral - a independência ou substantividade. a) Literalidade. O título é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu conteúdo. O título de crédito se enuncia em um escrito, e somente o que está nele inserido se leva em consideração; uma obrigação que dele não conste, embora sendo expressa em documento separado, nele não se integra. b) Autonomia. Diz-se que o título de crédito é autônomo (não em relação à sua causa como às vezes se tem explicado), mas, segundo Vivante, porque o possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor. Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais. 507. ABSTRAÇÃO Vivante ainda explica que os títulos de crédito podem circular como documentos abstratos, sem ligação com a causa a que devem sua origem. [...] É bom acentuar que a obrigação abstrata ocorre apenas quando o título está em circulação, isto é, "quando põe-se em relação duas pessoas que não contrataram entre si, encontrando-se uma em frente a outra, em virtude apenas do título". Isso, como veremos, constitui o âmago da teoria de Vivante. [...] Não é possível estabelecer critério unitário para dar explicação a questão tão complexa. [...] Tomamos de Vivante as suas próprias palavras: "Para explicar aposição distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de sua vontade, fazer a análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e reconhecer que se ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, seja vendedor ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não obstante, conservar intatas contra ele as defesas que o direito comum proporciona. Mas a disciplina do título deve adaptar-se a essa diferente direção da vontade que lhe deu origem, devendo a condição de devedor regular-se conforme a relação jurídica total que deu origem ao título, quando se encontra ante aquele com quem negociou; e se deve, em troca, ajustar a sua vontade unilateral, tal como se manifestou no título, quando se encontra frente aos subsequentes portadores de boa-fé". Assim, em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma relação contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais que o direito comum lhe assegura; em relação a terceiros, o fundamento da obrigação está na sua firma (do emissor), que expressa sua vontade unilateral de obrigar-se a essa manifestação não deve defraudar as esperanças que desperta em sua circulação. (...) 514. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição. É necessário que na circulação do título, aquele que o adquiriu, mas que não conheceu ou participou da relação fundamental ou da relação anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulação, fique assegurado de que nenhuma surpresa venha perturbar o seu direito de crédito por quem com ele não esteve em relação direta. O título deve, destarte, passar-lhe às mãos purificado de todas as questões fundadas em direito pessoal, que porventura os antecessores tivessem entre si, de forma a permanecer límpido e cristalino nas mãos do novo portador. A segurança dos terceiros de boa-fé é essencial na negociabilidade dos títulos de crédito. O direito, em diversos preceitos legais, realiza essa proteção, impedindo que o subscritor ou devedor do título se valha, contra o terceiro adquirente de defesa que tivesse contra aquele com quem manteve relação direta e a favor de quem dirigiu sua declaração de vontade. Por conseguinte, em toda a fase da circulação do título, o emissor pode opor ao seu credor direto as exceções de direito pessoal que contra ele tiver, tais como, por exemplo, a circunstância de já lhe ter efetuado o pagamento do mesmo título ou pretender compensá-lo com crédito que contra ele possuir. [...] Esse princípio, que resulta do conceito já exposto da autonomia das relações cartulares (nº 505 supra), pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio,e não derivado da relação anterior, está consagrado em algumas normas da lei. [...] Se, todavia, o adquirente do título agir de má-fé, estando, por exemplo, conluiado com o portador anterior, a fim de frustrar o princípio da inoponibilidade da exceção de defesa que contra ele tivesse o devedor, este tem direito de opor-lhe a defesa que teria contra o antecessor. A inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor contra o credor constitui a mais importante afirmação do direito moderno em favor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito. (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27 ed.: Saraiva, São Paulo, v. 2, 2010, p. 415-423. Grifou-se).

A  doutrina especializada é clara ao afirmar que os riscos da emissão de cheque com claros recai particularmente sobre seu emitente, considerando que inoponibilidade de exceção de abuso no preenchimento do cheque quando ele é feito por terceiro portador de boa-fé. Veja-se, assim, a lição doutrinária abaixo:

O problema surge quando completado por terceiro em desacordo com o pactuado com o emitente, porque “tal fato (embora envolva ilicitude) não pode ser oposto ao portador, a não ser que este tenha adquirido o cheque de má-fé”, como prevê o art. 16 da Lei Internet; caso de má-fé do portador, em que o emitente responde, mas até o limite do que ficara pactuado.

 O risco, portanto, volta-se para o emitente do cheque com claros, que não pode opor ao portador a defesa de preenchimento irregular ou excessivo pelo beneficiário. Só a aquisição de má-fé do cheque pelo portador, e não a emissão de boa-fé, afasta a regra de inoponibilidade da exceção de abuso no preenchimento do cheque, caso em que o emitente garante residualmente o pagamento no limite do valor a que se obrigara e que ficara avençado com o beneficiário. (...)

 O preenchimento posterior do cheque contrariamente aos acordos realizados não pode servir de motivo de oposição da exceção de preenchimento abusivo ao portador de boa-fé que não tenha cometido sequer falta grave na sua aquisição. A exceção de abuso no preenchimento do cheque só pode ser oposta nesse caso contra aquele a quem tenha sido entregue originariamente o cheque incompleto. (...) O ônus da prova em contrário cabe ao obrigado, assim mesmo em relação a quem tenha abusado no preenchimento do cheque ou o tenha adquirido de má-fé ou cometido falta grave; esta, residualmente, pela supletividade útil da Lei Uniforme (art. 13º, final), visto que no t exto do art. 16 da Lei 7.357/85 está suprimida a expressão “ou, adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave”. (Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe. Lei do cheque e novas medidas bancárias de proteção aos usuários. São Paulo, Malheiros, 5ª ed., 2012, p. 154).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos