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Da cobrança dos credores frente ao espólio do devedor falecido

20/07/2005 às 00:00

Resumo:


  • A morte de uma pessoa física não extingue dívidas assumidas em vida, e o espólio responde por essas obrigações, conforme Código Civil e Código de Processo Civil.

  • Para a cobrança de dívidas do falecido, é necessário respeitar formalidades processuais, incluindo a apresentação de documentos que comprovem a dívida e, em caso de impugnação pelos herdeiros, a possibilidade de remeter a cobrança para os meios ordinários.

  • Se a dívida estiver bem documentada e não houver contestação de quitação pelos herdeiros, o juiz pode reservar bens do inventariante para garantir o pagamento do credor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1 – DA POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE CRÉDITOS EM FACE DO ESPÓLIO.

            Para todos os efeitos legais, a morte da pessoa física não extingue obrigações pecuniárias assumidas em vida perante terceiros.

            Nesse sentido, temos os ditames dos artigos 1.997 do Código Civil e 1.017 do Código de Processo Civil, que tratam da cobrança das dívidas do falecido:

            "Artigo 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".

            "Artigo 1.017. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis".

            Sobre a natureza da cobrança frente ao espólio, temos as palavras do mestre Sílvio de Salvo Venosa [01]:

            "O espólio pode conter débitos contraídos pelo morto. Esses são os débitos propriamente ditos da herança. São débitos cuja origem, cujo fato gerador, está situado na vida do de cujus. Não existe uma classificação de créditos exposta na lei, a exemplo do que ocorre na falência, específica para o espólio. Cabe aos princípios gerais, em analogia com outras situações semelhantes, estabelecer um quadro de devedores e um quadro de credores".

            Nesses termos, pode o credor apresentar um pedido de pagamento no bojo do inventário do devedor, visando o cumprimento das obrigações inadimplidas por este em vida.


2 – DO PROCESSO DE COBRANÇA DOS DÉBITOS DO DEVEDOR FALECIDO.

            Não obstante o direito do credor de obter em juízo os valores devidos pelo devedor falecido, ressalta-se a existência de formalidades processuais a serem respeitadas, conforme itens a seguir.

            2.1 - DOS DOCUMENTOS QUE LASTREARÃO O PROCESSO DE COBRANÇA.

            Primeira formalidade que se insurge no processo de cobrança frente ao espólio é a qualidade das provas que embasarão o pedido de recebimento.

            Nesse lastro, temos a primeira parte, do § 1º, do artigo 1.017 do Código de Processo Civil:

            "Artigo 1.017, § 1º. Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação...".

            Por mera observação literal do artigo supracitado, tem-se o elenco dos requisitos legais para a apresentação do pedido de cobrança frente ao inventário, quais sejam:

            a) prova preferencialmente documental;

            b) a observância das formalidades legais no tocante aos documentos de dívida expressos nas legislações em vigor, e;

            c) documentos que atestem a existência de obrigação arcada pelo credor em favor do devedor.

            Elucidando o tema, citamos os ensinamentos do professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro [02]:

            "O legislador não exige que a prova literal da dívida se estribe em documento que autorize o processo de execução, mas sim que ele contenha os elementos necessários que constituam prova suficiente da obrigação e de seu valor, caso contrário, deverá remeter as partes para as vias ordinárias".

            Conforme repisado no entendimento supra, os documentos carreados na cobrança frente ao inventário devem, dentre outros requisitos, atestar cabalmente a existência da obrigação pecuniária.

            Caso os documentos apresentados não atestem de maneira irrefutável a existência do crédito, restará o apelo ao rito processual ordinário, no qual o credor poderá utilizar vasto conjunto probatório para comprovar seu direito.

            Maiores comentários acerca da via processual ordinária serão tecidos no decorrer desse estudo.

            2.2 – DA CONCORDÂNCIA DOS HERDEIROS NO TOCANTE À COBRANÇA.

            Ainda no tema "formalidades da cobrança em inventários", ressalta-se a importância da anuência dos herdeiros do espólio em relação aos documentos de crédito apresentados pelo credor.

            Na hipótese de apresentação da cobrança e aceitação por parte de todos os herdeiros, o juiz, de pronto, reserva bens do espólio visando cobrir a integralidade dos papéis apresentados pelo credor.

            Esta é a hipótese do § 2º, do artigo 1.017, do Código de Processo Civil:

            "Artigo 1.017, § 2º. Concordando as partes com o pedido, o juiz, ao declarar habilitado o credor, mandará que se faça a separação de dinheiro ou, em sua falta, de bens suficientes para o seu pagamento".

            Comentando essa hipótese (aceitação dos herdeiros), citamos novamente o professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro [03]:

            "O juiz só poderá declarar habilitado o credor e autorizar o pagamento da dívida com a concordância das partes. Nesse aspecto, o inventariante deverá se pronunciar expressamente sobre tal pedido, até porque é sua a obrigação de pagar as dívidas do espólio, podendo até ser removido em caso de omissão. Quanto às demais partes do inventário, o eventual silêncio delas implicará em concordância".

            Apesar da previsão legal, a hipótese supracitada é de difícil aplicação na prática forense, haja vista o interesse pecuniário dos herdeiros em manter intacto o monte hereditário, rechaçando a maioria das cobranças existentes.

            Nesse sentido, aponta-se o caminho processual a ser trilhado na hipótese de apresentação de oposição por parte de algum dos herdeiros no tocante ao crédito requerido pelo credor - artigo 1.018 do Código de Processo Civil:

            "Artigo 1.018. Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será ele remetido para os meios ordinários".

            Explanando sobre o tema, temos as palavras do consagrado Paulo Cezar Pinheiro Carneiro [04]:

            "Bastará a simples discordância de qualquer das partes sobre o pedido de pagamento para que o juiz remeta o credor para as visas judiciais próprias".

            Esmiuçando ainda mais a hipótese, trazemos as palavras de Sílvio de Salvo Venosa [05]:

            "O art. 1.018 fala em concordância de todas as partes quanto ao pedido do credor. A insurgência de qualquer interessado não pode ser meramente emulativa. Cabe ao juiz coactar esse tipo de irresignação. Cumpre o exame do caso concreto. O herdeiro, ou o interessado, que resistir injustificadamente ao pagamento de um crédito no inventário, deverá ser responsabilizado perante a massa pelos prejuízos a que der causa".

            Conforme ensinamentos supracitados, a impugnação apresentada pelo herdeiro inconformado deve conter um mínimo de argumentos juridicamente comprovados, sob pena de responsabilização pessoal do impugnante que postergar o processo sem o devido motivo.

            Corroborando tais ensinamentos, temos o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

            "Agravo de Instrumento. Habilitação de crédito em Inventário. Impugnação apresentada por herdeiro testamentário. Remessa dos interessados à via ordinária. Inconformação (sic) do credor habilitante com o procedimento judicial. Nos casos de controvérsia simples e de fácil solução desenhada, como a dos autos, não há necessidade de serem as partes forçadas a procurar o Juízo Cível, para o deslinde do impasse, pois a medida só representará aumento de tempo e de gastos. O disposto no art. 1018, deve ser interpretado em consonância com o estabelecido no art. 984, ambos do CPC, até por que este constitui disposição geral incluída no capítulo sobre o inventário e a partilha. O Juiz da sucessão, pode decidir todas as questões de direito e, também, as de fato, quando este se achar provado por documento, e só remeterá para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas. Conhecimento e provimento do recurso, para desconstituir a decisão alvejada".

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            (Tipo da Ação: AGRAVO DE INSTRUMENTO - Número do Processo: 1997.002.02718 - Data de Registro: 15/01/1998 - Órgão Julgador: QUINTA CAMARA CIVEL - Des. DES. RONALD VALLADARES - Julgado em 30/10/1997).

            Atendendo ao enunciado do julgado, trazemos à baila os ditames do artigo 984 do Código de Processo Civil:

            "Artigo 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas".

            Nesses termos, a apresentação de impugnação por parte dos herdeiros deve conter o mínimo de conteúdo fático / probatório, sob pena de prosseguimento da habilitação de crédito no bojo do inventário e responsabilização pessoal da parte que obstruiu injustificadamente o processo.

            Não obstante os argumentos supra, e caso acolhida a impugnação apresentada pelo herdeiro inconformado, o processo de habilitação de crédito proposto pelo credor no bojo do inventário é remetido ao juízo cível, seguindo o rito processual ordinário (artigos 282 / 475 do Código de Processo Civil).

            Sobre o procedimento ordinário, temos as palavras de Alexandre Freitas Câmara [06]:

            "Este é, portanto, a ‘vala comum’ para onde deságuam todas as causas para as quais não haja procedimento especificamente previsto. Não se pode deixar de falar que o procedimento ordinário é um ‘modelo’ quase perfeito de processo de conhecimento, com a delimitação das diversas fases que o compõem, e a mais ampla possibilidade de apresentação de alegações e provas que se possa imaginar".

            Temos como conseqüência lógica da enorme abrangência probatória do rito ordinário a morosidade na condução dos atos processuais, agravada pela situação atual do Judiciário brasileiro.

            Constata-se, pois, que a apresentação e a aceitação por parte do juízo de alguma oposição dos herdeiros do espólio acarreta no envio dos autos da cobrança ao juízo cível, hipótese em que a recuperação dos créditos resta postergada, em virtude do vasto conteúdo probatório do rito ordinário.


3 – DA RESERVA DE BENS, MESMO SEM A ANUÊNCIA DOS HERDEIROS, PARA GARANTIA DA COBRANÇA.

            Além da hipótese de anuência dos herdeiros no tocante à cobrança, a legislação em vigor elenca outra hipótese de reserva de bens do monte hereditário visando o pagamento de credores do falecido.

            Nesse sentido, temos os ditames da parte final do § 1º, do artigo 1.997 do Código Civil e o parágrafo único do artigo 1.018 do Código de Processo Civil:

            "Artigo 1.997, § 1º. Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na alegação de pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair oportunamente a execução".

            "Artigo 1.018 – Parágrafo Único. O juiz mandará, porém, reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar o credor, quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação".

            (grifo nosso)

            Analisando o tema em tela, citamos as palavras do mestre Humberto Theodoro Júnior [07]:

            "Há, porém, uma medida cautelar que o juiz toma, ex officio, em defesa do interesse do credor que não obtém sucesso na habilitação: se o crédito estiver suficientemente comprovado por documento e a impugnação não se fundar em quitação, o magistrado mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o credor, enquanto se aguarda a solução da cobrança contenciosa".

            Nesse sentido, ressalta-se que a qualidade dos documentos que representam a dívida, combinada com a inexistência de argumentos no tocante à quitação da obrigação pode ocasionar a reserva de bens do espólio para pagamento do credor, a ser realizado no processo de execução frente ao inventário (em caso de sucesso da demanda no rito ordinário).


4 – CONCLUSÃO.

            Conforme ditames legais, é plenamente cabível a cobrança da dívida de um devedor já falecido, mediante a habilitação dos respectivos créditos no inventário do de cujus.

            Respeitando as formalidades legais, tal processo de habilitação deverá ser munido preferencialmente com documentos que atestem, de maneira irrefutável, a existência do crédito e a falta do pagamento do mesmo.

            Não obstante, qualquer lacuna no tocante aos documentos a serem apresentados pelo credor pode ser suprida por outros meios de prova, elencados no rito processual ordinário.

            Havendo a concordância dos herdeiros no tocante à cobrança proposta, o valor correspondente ao débito reclamado será separado do monte hereditário, conforme comando judicial nesse sentido.

            Havendo oposição por parte de qualquer dos herdeiros, a cobrança anteriormente apresentada no bojo do inventário será remetida às vias ordinárias.

            Mesmo que submetido ao rito ordinário, o credor, desde que munido de prova suficiente e não havendo argüição de pagamento anterior por parte dos herdeiros, poderá requerer ao juízo do inventário a reserva de bens do monte na equivalência de seu crédito (visando garantir futura execução nesse sentido).


BIBLIOGRAFIA:

            Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1995. Página 738.

            PINHEIRO CARNEIRO, Paulo Cezar. Comentários ao Código de Processo Civil – vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.


NOTAS

            01

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. Página 372.

            02

PINHEIRO CARNEIRO, Paulo Cezar. Comentários ao Código de Processo Civil – vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Página 167.

            03

Ob. Cit. Página 168.

            04

OB. Cit. Página 172.

            05

Ob. Cit. Página 374.

            06

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – Volume I. Editora Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2002. Página 312.

            07

THEODORO JÚNIOR. Humberto.
Curso de Direito Processual Civil – Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Página 245.
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Sobre o autor
Milton Gomes Baptista Ribeiro

advogado no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Milton Gomes Baptista. Da cobrança dos credores frente ao espólio do devedor falecido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 746, 20 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7037. Acesso em: 22 dez. 2024.

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