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Reclamação e os diversos desdobramentos advindos do CPC/15

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4 Legitimidade

A legitimidade para o aforamento da reclamação, na forma do caput do art. 988 NCPC, é da “parte interessada” ou “do Ministério Público”.

Quanto à expressão “parte interessada”, é preciso guardar correlação, por analogia, com a legitimidade para recorrer. Vale dizer poderá ajuizar reclamação a parte – autor, réu e terceiro interveniente - , assim como o terceiro prejudicado – aquele que poderia figurar como terceiro interveniente, mas não o fez, tendo sido atingido em sua esfera jurídica pela decisão, ou aquele que poderia agir como substituto processual (par. único art. 996 NCPC). Na prática, nos casos de eficácia erga ogmnes, qualquer pessoa que se veja beneficiada pela decisão, deterá legitimidade, na qualidade de terceiro prejudicado, para aforar a reclamação.

Já o Ministério Público, na linha do art. 996 caput NCPC, poderá ajuizar a reclamação na qualidade de parte do processo ou por ter sido atingido pela decisão paradigma, ou mesmo como fiscal da ordem jurídica.


5 Procedimento

O procedimento pode assim ser sintetizado:

  • O reclamante formulará a petição inicial da reclamação, a qual, tal qual prevê o art. 319 NCPC, deverá consubstanciar, sob pena de indeferimento pelo relator: 1) a causa de pedir (a existência de competência, decisão ou enunciado que estejam sendo desrespeitados – incisos do art. 988 NCPC; a demonstração do ato que pratica tal desrespeito; o confronto entre ambos, de modo a revelar a afronta à competência ou à autoridade que se pretende garantir). 2) os fundamentos jurídicos, que deverão revelar, em especial, a identificação da espécie a um dos permissivos que autorizam a imediata intervenção do tribunal, por meio da reclamação. 3) o pedido, que deverá ser, conforme adianta o art. 992 NCPC, para cassar a decisão exorbitante ou determinar medida adequada para a solução da controvérsia (que deverá ser especificada, na petição inicial). 4) o requerimento de citação do beneficiário da decisão impugnada, acompanhado, obviamente, dos dados necessários à sua identificação (art. 319 II NCPC); 5) o requerimento de liminar, caso assim pretenda o reclamante, para a suspensão do processo ou ato impugnado (art. 989 inc. II NCPC). 6) o valor da causa (arts. 291 e 319 V NCPC), que, a rigor, será aquele mesmo adotado na petição inicial do processo onde proferido o ato hostilizado, ou, na ausência deste, aquele que identificar-se com o conteúdo econômico da causa.
  • O reclamante anexará os documentos que comprovem o desacato ou usurpação de competência (§ 2º art. 988 NCPC), valendo anotar ser desnecessário o requerimento de provas na petição inicial, exatamente porque, em tais casos, o direito haverá de ser líquido e certo, ou seja, não exigirá dilação probatória. A rigor, para que haja a perfeita identificação da usurpação de competência ou desrespeito à autoridade judiciária, serão necessários os documentos que instruem o processo originário e os que comprovem a existência da decisão desacatada.
  • A competência para julgamento da reclamação será do tribunal cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir (§ 1º art. 988 NCPC).
  • O relator, em sua manifestação inaugural, na forma do art. 989 NCPC, requisitará informações da autoridade que praticou o ato impugnado; se for o caso (probabilidade de concessão ao final da reclamação e perigo de dano), determinará, liminarmente, a suspensão do processo ou do ato impugnado; determinará a citação do beneficiário, para que ofereça a contestação no prazo de 15 (quinze) dias.
  • Tratando-se a reclamação de ação, proposta por meio de petição inicial, poderá ser, após oportunizada a emenda ou complementação (se for viável – art. 321 NCPC), indeferida pelo relator (art. 330 NCPC) ou mesmo ser objeto de improcedência liminar do pedido (art. 332 NCPC). De tal decisão, caberá agravo interno ao colegiado competente, consoante permissivo do art. 1.021 NCPC, no prazo de 15 (quinze) dias.
  • A contestação será oferecida, no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que o art. 990 admite que “qualquer interessado” poderá impugnar o pedido do reclamante, referindo-se aí, naturalmente, àquele que será atingido, na sua órbita jurídica, pela decisão do tribunal.  Esse terceiro, à míngua de previsão ou vedação legal, poderá ingressar a qualquer instante antes do julgamento. Aliás, antes mesmo da vigência do novo código, o STF já sustentava que “admite-se, em reclamação, que intervenha terceiro juridicamente interessado ou prejudicado, com direito de exercer poderes processuais a partir do momento da intervenção, entre os quais o de fazer sustentação oral” (recl. 2772 – DF, rel. Min. Cézar Peluso, DJ 05.05.2006).
  • Superados os prazos para informações e contestação, será ouvido o Ministério Público por 5 (cinco) dias, naqueles casos em que não for o autor da reclamação (art. 991 NCPC).
  • O órgão jurisdicional competente julgará a reclamação, oportunizando, antes, a sustentação oral aos advogados (art. 937 inc. VI NCPC).
  • O julgamento de procedência da reclamação, conforme dicção do art. 992 NCPC, significa que o tribunal “cassará” “a decisão exorbitante de seu julgado”, ou seja, não haverá imediata reforma, mas determinação de que a autoridade ou órgão reclamado profira nova decisão em conformidade com o ato paradigma. Diz o referido dispositivo legal, ainda, que o tribunal poderá determinar “medida adequada à solução da controvérsia”, como é o caso de impor que o feito de origem seja processado pelo órgão efetivamente competente. Destaque-se que, pelo interesse público que permeia a manutenção da autoridade e competência dos tribunais, a decisão de procedência da reclamação deve ser cumprida, de imediato, independente da lavratura e publicação do acórdão (art. 993 NCPC).
  • O julgamento de improcedência importa em consequente revogação da liminar eventualmente concedida, restando incólume o ato hostilizado.
  • Como se trata, na formatação do novo código, de efetiva ação com possibilidade, inclusive, de oferecimento de contestação, deverá o tribunal, a rigor, condenar o sucumbido a arcar com honorários sucumbenciais (art. 85 NCPC)[12]. Não é despiciendo anotar que, neste caso, a autoridade não é parte, sendo inviável sua condenação ao pagamento de tal verba (arts. 82 § 2º e 85 NCPC).

6 Prazo

O prazo ao ajuizamento da reclamação é o mesmo previsto para a interposição do recurso adequado, no caso em que o ato impugnado é judicial. Já em se tratando de ato administrativo, o prazo é o mesmo previsto para o ajuizamento da ação apta a infirmá-lo.

A súmula 734 do STF, ao que se verifica, foi prestigiada pelo novo código. O enunciado daquela súmula já consubstanciava o entendimento de que “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Com efeito, estabelece o § 5º inc. I art. 988 NCPC, quando se tratar de ato judicial, que “é inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão”. Isso se justifica, pois, do contrário, haveria uma verdadeira insegurança jurídica a perpetuar o conflito, já que, em qualquer instante, a reclamação poderia gerar intervenção abrupta na decisão já atingida pelo trânsito em julgado.

No tocante ao ato administrativo, a rigor, o prazo para a reclamação é o de 5 (cinco) anos, eis que, passado esse tempo, o ato, mesmo viciado, convalida-se. É o que, em outras palavras, acentua o 54 da lei nº 9.784/99: “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

Já o inciso II do art. 988 § 2º NCPC, com a redação imposta pela Lei 13.256/15, estabeleceu ser inadmissível a reclamação, se  “proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”.  Vale dizer: o prazo à reclamação, contra inobservância de decisão em sede de recurso extraordinário com repercussão geral ou recursos extraordinário e especial repetitivos, só inicia-se quando decidido em definitivo pela instância ordinária.  Uma vez proferido o acórdão do tribunal, por exemplo, e iniciado o prazo ao recurso especial e/ou extraordinário, a partir daí também tem início o prazo à reclamação. Destaque-se, todavia, que, consoante assinalado alhures, os Tribunais Superiores têm mantido entendimento mais rigoroso sobre este dispositivo, de forma que só admitem a reclamação, após não superada pelos recursos extraordinário e/ou especial a triagem feita pelos tribunais de 2º grau.

O fato é que essa alteração atendeu ao reclamo dos Tribunais Superiores, de forma que manteve a obrigação dos prejudicados tentarem obter, pelas vias recursais, a incidência dos julgados vinculativos do STJ e STF. Só se o resultado não for positivo nas instâncias ordinárias, é que o prejudicado poderá se valer da reclamação.


7 Coexistência com Recurso

A reclamação pode coexistir com o recurso adequado à impugnação contra o ato. É o que diz, em outras palavras, o § 6º do art. 988 NCPC. Ou seja, nada obsta o julgamento da reclamação o eventual não conhecimento ou efetivo exame de mérito do recurso, que também atacou o ato judicial[13].

Com efeito, tendo em vista a reclamação não ser recurso, deixa de incidir em relação a ela o princípio da singularidade recursal.


8 Recursos Cabíveis

Os recursos contra a decisão que julga a reclamação são os mesmos previstos no sistema processual. Nada obsta a interposição de recuso contra acórdão ou decisão monocrática que examina a reclamação, à míngua de vedação legal.

Portanto e à guisa de exemplo, contra o acórdão que julga, em 2ª instância, a reclamação, pode ser interposto recurso especial e/ou extraordinário, conforme a natureza da matéria em discussão.


9 Conclusão

A reclamação, com o advento do CPC/15, assumiu coloração processual de verdadeira ação, com todos os desdobramentos daí advindos, inclusive incidência de honorários sucumbenciais.

Essa ação mereceu o espaço específico que lhe foi dedicado pelo código processual recente, sobretudo pelo seu relevante papel de instrumento garantidor da estabilização da jurisprudência, cujo alcance perpassa o campo judicial, alcançando, também, os atos administrativos.

Nesse diapasão, justifica-se a revisão da jurisprudência dos tribunais superiores, com relação a alguns pontos ao redor do tema. É o caso, por exemplo, da necessidade de admissão da invocação da ratio decidendi adotada pelo precedente usado como paradigma na reclamação. Ora, a unicidade do sistema e a segurança jurídica justificam tal tese. Além disso, não se revela razoável exigir que o reclamante tenha que interpor, antes de ajuizar a reclamação, o recursos extraordinários e/ou especial e os agravos internos que lhe seguirem, quando, na verdade, a lei não estabelece esta restrição.

Enfim, cabe aos tribunais, nos termos do ordenamento jurídico que regula a reclamação, assegurar que ela cumpra o seu relevantíssimo papel de instrumento da estabilização da jurisprudência e da própria segurança jurídica.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Luiz Fernando Valladão. Reclamação e os diversos desdobramentos advindos do CPC/15. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5686, 25 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70422. Acesso em: 16 abr. 2024.

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