2. A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Como visto anteriormente, a prescrição intercorrente sempre foi alvo de grande discussão quando aplicada na Justiça do Trabalho. Neste capítulo serão detalhadas as características deste tipo de prescrição nesta justiça especializada, explicitando seu histórico e suas peculiaridades. Também serão abordadas as recentes alterações da legislação trabalhista trazidas pela Lei nº 13.467/17
2.1 Interpretação histórico-evolutiva do §1º do art. 884 da CLT
Um dos argumentos utilizado para defender a possibilidade da utilização da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho é a existência do §1º do artigo 884 da CLT. Tal artigo disciplina os embargos à execução, e, em seu §1º lista as matérias possíveis de serem discutidas por meio destes embargos, quais sejam, “as alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida”.
Logicamente, a única prescrição a ser arguida em sede de execução haveria de ser a intercorrente, o que, por conseguinte, comprovaria a admissão desta modalidade de prescrição pela própria CLT.
É necessário, entretanto, se utilizar de uma interpretação histórico-evolutiva para compreender tal artigo.
Conforme Cassar (2008), a regra contida no citado artigo foi prevista, inicialmente, no Decreto-Lei nº 39/37. Quando da edição de tal norma, a Justiça do Trabalho ainda era administrativa, um mero prolongamento do Ministério do Trabalho, sendo, portanto, parte do Executivo. Suas decisões, por serem administrativas, não possuíam poder de execução. Ainda segundo Cassar, o credor de tal decisão de ordem administrativa da dita “Justiça do Trabalho” deveria cobrar, judicialmente, a respectiva dívida junto à justiça competente. Caso houvesse a demora do credor em buscar o cumprimento de tais decisões junto ao juiz cível competente, poderia haver a prescrição, a ser alegada em fase de execução.
Convém aqui transcrever os primeiros artigos do Decreto-Lei nº 39/37, in verbis:
“Art. 1º Os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, enquanto não for regulada em lei a Justiça do Trabalho, de que cogita o art. 139 da Constituição, serão conhecidos e julgados pelas Comissões Mixtas de Conciliação e pelas Juntas de Conciliação e Julgamento nos têrmos dos decretos ns. 21.396, de 12 de maio de 1932, e 22.132, de 25 de novembro de 1932.
Art. 2º O cumprimento dos julgados das Comissões Mixtas de Conciliação e das Juntas de Conciliação e Julgamento far-se-á perante o Juiz civel competente da localidade em que tenha sede a Comissão ou Junta, segundo o rito processual estabelecido para a execução de sentença, não sendo admitidas outras defesas sinão as referentes a nulidades, pagamento, ou prescrição da dívida, e correndo o processo independente de custas, pagas afinal pelo vencido.
(...)”
Desde 1946, entretanto, a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário, o que conferiu às suas decisões o poder coercitivo necessário para as devidas execuções, que se tornaram um mero prosseguimento do processo de conhecimento. Desde então, de acordo com o entendimento de Cassar, a prescrição a que se refere o artigo 884, §1º não mais existe, razão pela qual dever-se-ia desprezar a menção à prescrição neste artigo, excetuando-se a prescrição dos títulos executivos extrajudiciais, por se tratar de um processo de execução autônomo.
Ainda que não se concorde com a interpretação histórico-evolutiva sugerida por Cassar, há outros entendimentos que harmonizam a existência do citado §1º do artigo 884 da CLT com a inaplicabilidade da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho.
Este é o posicionamento de Delgado (2016), para quem a prescrição a ser arguida nos embargos à execução é aquela que se dá pela omissão do exequente que deixa de praticar algum ato que torne fisicamente possível a continuidade do processo. A prática de tal ato, de exclusiva competência do exequente, não poderia ser suprida, de ofício, pelo juiz. Um exemplo seria a inviabilidade do início da execução por falta de liquidação de sentença quando derivada da omissão do credor. Tal situação poderia ser arguida na forma do §1º do artigo 884 da CLT, podendo ser acatada pelo juiz executor.
Vê-se, portanto, que, quer se considere ou não o citado parágrafo que trata de embargos à execução, não há, em tal texto, a aceitação irrestrita da prescrição intercorrente pela Justiça do Trabalho.
2.2 Divergência Sumular: Supremo Tribunal Federal x Tribunal Superior do Trabalho
A divergência de opiniões sobre a aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho não se restringe, entretanto, somente à doutrina. Existem até mesmo Súmulas de tribunais superiores que aparentemente divergem entre si sobre o tema. Este é o caso da Súmula nº 327 do STF e da Súmula nº 114 do TST.
Em dezembro de 1963, época em que o Supremo Tribunal Federal podia apreciar em Recurso Extraordinário as decisões ou interpretações de outros Tribunais que violassem qualquer lei federal, além da própria Constituição, foi editada a Súmula 327 do STF, que compreende a simples frase “O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente. ”
Segundo Schiavi (2010), a Súmula 327 do STF traz como fundamento o §1º do art. 884 da CLT, já que, conforme o seu entendimento, a prescrição prevista em tal artigo só pode ser a intercorrente.
Para a formulação de tal Súmula, entretanto, o STF apontou como referência legislativa os arts. 11, 765 e 791 da Consolidação das Leis do Trabalho. Percebe-se, portanto, que tal posicionamento foi baseado em dispositivos que tratam da prescrição bienal, da liberdade do Juízo na direção do processo e do jus postulandi na Justiça do Trabalho.
Deste modo, apesar de grande parte da jurisprudência, além de inúmeros doutrinadores, apontarem o § 1º do art. 884 da CLT como fundamento para a formulação da Súmula nº 327 do STF, bem como justificativa para a aceitação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, na verdade tal artigo não foi sequer mencionado como referência na edição da referida Súmula. Ademais, é forçoso admitir que, caso o art. 884 realmente previsse a prescrição intercorrente, este artigo seria usado como justificativa para a formulação da Súmula em comento, ou, no mínimo, haveria de ser citada em algum dos precedentes colacionados para a sua edição, visto já ser vigente à época.
Na verdade, a análise dos julgados que serviram de precedentes à Súmula nº 327 traz o entendimento de que a prescrição ali prevista ocorre quando, por exclusiva omissão do exequente, este deixa de praticar algum ato do qual a execução dependa, tornando impossível o seu prosseguimento. Ou seja, em situações em que o impulso oficial é incapaz de sanar tal omissão, como é o caso, já citado aqui, da apresentação do cálculo de liquidação de sentença, a ser feito pela parte.
Esta discussão, entretanto, não mais se dará no âmbito do Supremo Tribunal Federal, visto que este não tem conhecido de recursos extraordinários que tratem de análise de decisões que pronunciaram a prescrição intercorrente nas relações de trabalho, pois tal assunto trata de matéria infraconstitucional não sendo, portanto, de sua alçada.
Deste modo, o assunto da prescrição intercorrente deverá ser discutido perante a Justiça do Trabalho, que tem como jurisprudência norteadora a Súmula nº 114 do Tribunal Superior do Trabalho, cujo texto diz, de maneira sucinta, que “É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente. ”
Esta Súmula do TST foi aprovada em Sessão Plenária Ordinária em 22 de outubro de 1980, ou seja, quase dezessete anos após a Súmula nº 327 do STF versar sobre a prescrição intercorrente aplicada à Justiça do Trabalho. Atualmente, mesmo após 28 anos da sua edição, o TST mantém a Súmula nº 114 inalterada, apesar de diversas outras Súmulas passarem por renovações ou cancelamentos durante estas quase três décadas.
Diferentemente da Súmula do STF, os precedentes que levaram à edição da Súmula nº 114 do TST mostram uma coesão absoluta quando se trata da justificativa para a não aplicação da prescrição intercorrente no âmbito da Justiça do Trabalho. Esta justificativa pode ser condensada no seguinte trecho retirado do voto do Ilmo. Min. Orlando Coutinho nos Embargos em Recurso de Revista nº 1831/1974:
“No processo civil, a extinção do processo, pela paralisação do feito pela negligência das partes, só tem lugar se o inerte, intimado pessoalmente, não supre a falta em 48 (quarenta e oito horas) (arts 267, II e parágrafo 1º do CPC).
No trabalhista, quem responde pela celeridade processual é o próprio Juiz ou Tribunal que conhece a causa (Russomano), como dispõe o artigo 765 da CLT, não revogado pelo artigo 4º da Lei 5.584/70, que apenas reforçou o entendimento. Tem o Juiz a iniciativa da condução do processo, uma vez formulada a reclamação. Não se pode responsabilizar o titular do direito por “uma inércia que não lhe pode ser imputada” (Câmara Leal).”
Como visto no excerto acima, a justificativa utilizada na edição da Súmula do TST para a não aplicação da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho se resume no entendimento de que recai sobre o juízo a responsabilidade do impulso de ofício na execução trabalhista e da iniciativa de condução do processo.
A fundamentação para este posicionamento, entretanto, não é plenamente aventada nos referidos precedentes. Quando muito, é feita menção ao art. 765 da CLT, que dispõe:
“Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”
Como se vê, o artigo transcrito acima não disciplina, textualmente, o deslocamento da responsabilidade do impulso processual, de modo a isentar a parte interessada e obrigar o juízo. Antes, tal artigo apenas propicia ampla liberdade ao juízo, de modo que este possa, obrigatoriamente, velar pelo rápido andamento do processo. Tal obrigação, apesar de dar grande importância ao impulso oficial no processo trabalhista, não parece justificar a alegada regra de que somente sobre o juízo recai a responsabilidade integral da condução do processo.
Na verdade, há nos precedentes da Súmula nº 114 um uso quase axiomático da ideia da inaplicabilidade da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, não havendo maiores preocupações em agregar outras justificativas e argumentos sobre o assunto, aceitando-se, tão somente, a alegada obrigação do impulso de ofício, isentando a parte interessada de qualquer responsabilidade pela sua desídia.
Vê-se, portanto, que apesar da antiguidade e amplo uso da citada Súmula nº 114, a justificativa para a sua edição não apresenta um suporte legal robusto o suficiente para a sua utilização irrestrita. Afinal, atualmente todas as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Não parece razoável, portanto, que uma Súmula siga em vigor sem esta fundamentação, enquanto dá guarida à inúmeras decisões. Mesmo que tal Súmula não seja vinculante, não faz sentido uma norma fundamentar decisões, sem que possua, ela mesma, uma fundamentação bem alicerçada, agindo, na verdade, como uma justificativa em si mesmo.
Caso tal Súmula permaneça sendo aplicada indiscriminadamente, várias situações de insegurança jurídica poderão ser criadas, bem como aberrações incompatíveis com a Justiça, como uma lide que manter-se-ia perpetuamente, independentemente de culpa da parte que se quedou inerte de maneira desidiosa.
Como exposto acima, há uma aparente contradição entre as Súmulas editadas pelo STF e pelo TST. Com o passar dos anos, porém, houve o entendimento de que as duas Súmulas poderiam ser interpretadas de maneira conjugada, sem que haja o conflito aparente.
Como já citado anteriormente, Delgado (2011) entende que essa harmonização das duas Súmulas é possível no caso “da omissão reiterada do exequente no processo, em que ele abandona, de fato, a execução, por um prazo superior a dois anos, deixando de praticar, por exclusiva omissão sua, atos que tornem fisicamente possível a continuidade do processo”.
Seguindo este posicionamento, a incidência da prescrição intercorrente deveria ser analisada caso a caso, sendo necessário identificar o responsável pela inércia do processo. Em se tratando de situações em que o impulso do processual dependa de algum ato do juiz do trabalho, não haveria de se falar em prescrição, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 114 do TST. Já em caso de o impulso processual ser totalmente dependente da parte, da sua inércia decorreria a prescrição, sendo aplicada, então, a Súmula nº 327 do STF.
Delgado ressalta, porém, que quando a ausência de atos executórios derivar da falta de bens do executado tal situação não ensejaria a decretação da prescrição intercorrente. Isto por que, nestes casos, a inércia processual não poderá ser imputada ao exequente. Em tal situação, dever-se-ia aplicar a alternativa prevista no art. 40, §§ 2º e 3º da Lei nº 6.830/80, que é aplicável ao processo do trabalho por força do art. 889 da CLT.
A despeito da importância deste posicionamento, nota-se que o mesmo foi engendrado a fim de compatibilizar duas orientações jurisprudenciais que, quando analisadas nas suas fundamentações, se mostram totalmente opostas. Tal compatibilização de modo algum é orgânica ou harmoniosa, visto que são fundamentadas em entendimentos diametralmente opostos da mesma norma.
Esta, portanto, é a situação das orientações dos principais tribunais superiores que já trataram do assunto da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. Tanto STF como TST mantêm em vigor as Súmulas que tratam do assunto, mesmo que estas apresentem defeitos, tanto de fundamentação como na sua aplicação.
É flagrante que se faz necessária uma reforma profunda na legislação trabalhista, a fim de que, dentre outros pontos, se encerre o dissenso entre os dois tribunais. Tal reforma deve contemplar e harmonizar tanto os argumentos dos trabalhadores - hipossuficientes e lesados em seus direitos -, como dos empregadores - que muitas vezes estão condenados a uma eterna disputa, mesmo sem possuir qualquer bem que satisfaça a execução.
Este é, portanto, o cenário de fundo para as recentes mudanças efetuadas na Consolidação das Leis do Trabalho por meio da Lei nº 13.467/17, que alterou significativamente diversos pontos da legislação trabalhista, inclusive no que se refere à prescrição e à execução de ofício. Este é o assunto que abordaremos a seguir.
2.3 A Reforma Trabalhista
Instituída pelo Decreto-Lei nº 5.452 e sancionada em 1º de maio de 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho foi editada, segundo Martins (2012), como uma compilação de normas esparsas que já existiam no período anterior à 1943 e que tratavam tanto de direito individual, coletivo e tutelar do trabalho, bem como normas de processo do trabalho, além de trazer regras sobre fiscalização, segurança e medicina do trabalho. Houve, entretanto, a adição de inovações no âmbito trabalhista, o que, de acordo com Nascimento (2011) aproximou a CLT de um verdadeiro código, e não somente de uma compilação.
Nos últimos anos, porém, a CLT foi alvo de muitas críticas, sendo taxada de ultrapassada, e acusada de engessar o mercado de trabalho com seu viés exageradamente garantista e “pró-trabalhador”. Não obstante estas críticas, a principal lei trabalhista já passou por mais de 500 alterações desde que foi sancionada, conforme os dados desta norma disponibilizados pelo sítio da Câmara dos Deputados. Parte destas alterações foi feita, inclusive na própria constituição de 1988.
Uma das maiores e mais recentes destas mudanças foi trazida pela Lei nº 13.467/17, que instituiu o que ficou conhecido como “Reforma Trabalhista”. Encaminhada ao Congresso prevendo mudanças em sete artigos da lei trabalhista e somente para dispor “sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário”, o projeto de lei que originou a Reforma Trabalhista teve aprovado um substitutivo que modificou 104 artigos da CLT, sob a justificativa de “de adequar a legislação às novas relações de trabalho”
Não obstante as inúmeras alterações trazidas pela Lei nº 13.467/17, que afetaram profundamente os direitos trabalhistas e a Justiça do Trabalho, o projeto de lei que a originou tramitou em caráter de urgência no Congresso Nacional, passando por pouquíssimas discussões, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.
Tal foi o déficit de debates, que entre o despacho inicial para a tramitação do projeto de lei na Câmara dos Deputados, em 3 de fevereiro de 2016, e a sua aprovação pelo senado, em 10 de julho, pouco mais de 5 meses se passaram. Durante este período, diversas autoridades manifestaram seus entendimentos contrários às mudanças propostas, sempre em audiências públicas esvaziadas pelos políticos que apoiavam a reforma. Políticos estes que, em votação, desconsideraram as opiniões contrárias à aprovação do projeto de lei, sob o argumento, precipuamente falacioso, de que o excesso de proteção social e trabalhista da CLT, encarece os custos da atividade empresária no Brasil e levando os agentes econômicos a despedir mais trabalhadores.
De acordo com Ronaldo Curado Fleury, atual procurador geral do trabaho, no prefácio ao livro de Krein, Gimenez e Santos (2018), as características da tramitação do Projeto de Lei que culminou na Reforma Trabalhista comprometem a legitimidade da Lei nº 13.467/17, tanto pelo seu açodamento como por ter sido baseada em informações distorcidas e premissas equivocadas, além do grande retrocesso social que esta lei trouxe aos trabalhadores.
No que se relaciona com o assunto proposto pelo presente trabalho, a Reforma Trabalhista trouxe grandes mudanças relacionadas à prescrição a ser arguida na fase de execução trabalhista. Deste modo, foi introduzido na CLT o artigo nº 11-A, que adotou a possibilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho. De acordo com tal artigo:
“Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.
§ 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.
§ 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.”
Percebe-se que o texto introduzido na CLT pela Reforma Trabalhista admitiu a prescrição intercorrente no curso da execução trabalhista, bastando para tal que o exequente deixe de cumprir, por dois anos, alguma determinação judicial em seu no curso da mesma. Ademais, trouxe a possibilidade, antes discutível, da declaração de ofício pelo juízo, em qualquer grau de jurisdição.
Tal artigo, entretanto, parece carecer de discussão doutrinária a fim de que possa ser utilizado de acordo com os princípios do direito do trabalho, bem como determinar a necessária delimitação de quais “determinações judiciais” levariam à aplicação deste tipo de prescrição, algo que o texto da emenda não procurou esclarecer, além de não passar por qualquer discussão legislativa.
Afinal, não parece justo ou adequado ao processo do trabalho que qualquer despacho exarado nos autos, mesmo que genéricos e sem ligação direta com o objeto da execução, tenha o condão de disparar o prazo prescricional, caso o exequente não o atenda. Isto, entretanto, poderá ocorrer caso o artigo 11-A da CLT seja aplicado indiscriminadamente na execução trabalhista.
Um agravante à esta situação é a alteração do art. 878 da CLT, que anteriormente permitia a que a execução fosse “promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente”, mas que após a Reforma Trabalhista diminuiu drasticamente a possibilidade de o juiz dar andamento à execução sem ser instigado pelas partes, nos seguintes termos:
“Art. 878. A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.”
Deste modo, a obrigação de promover a execução passou a recair exclusivamente sobre as partes do processo, exceto na situação do jus postulandi, única situação que autoriza o juízo a agir de ofício.
Combinando ambos os artigos transcritos acima, é possível antever situações em que a parte exequente, que normalmente é o trabalhador hipossuficiente, venha a ser grandemente prejudicada, e veja a sua pretensão ser ferida de morte, apesar das obrigações da parte executada, e apesar de o juízo ter várias ferramentas que poderiam satisfazer a execução, como por exemplo as ferramentas eletrônicas que acessam informações patrimoniais da parte, ou seja, o BACENJUD, INFOJUD e RENAJUD.
Tais sistemas se tornaram importantes ferramentas para o judiciário brasileiro, trazendo celeridade e agilidade à execução, visto que consultam diretamente bancos de dados públicos a fim de localizar declarações de renda, veículos automotores e valores em instituições financeiras, além de possibilitar a efetivação, praticamente on-line, das decisões judiciais que determinarem a restrição dos veículos encontrados e o bloqueio de numerários de contas de depósito do executado.
Com a retirada do poder de execução de ofício e a imposição ao juiz do dever/poder de declarar a prescrição, é fácil de vislumbrar a possibilidade de uma execução trabalhista se encerrar sem que se tenha efetuado as pesquisas nos sistemas mencionados, caso o patrono da parte exequente não o solicite no prazo de dois anos após o início da execução.
Apesar de poder ser um caso de desídia do exequente ou do seu defensor, não parece justo ou mesmo moralmente aceitável que o juízo, mesmo tendo em vista o já consagrado princípio da proteção do trabalhador hipossuficiente, que deve permear todo o processo do trabalho, venha a punir esta parte hipossuficiente ainda que tenha em seu alcance os meios que possibilitem a execução do título judicial. Percebe-se, portanto, que isto beneficiaria sobremaneira aquele que originou todo o dissídio, que adveio da já reconhecida ilegalidade do executado, que não adimpliu suas obrigações trabalhistas nem indicou bens para saciar a sentença judicial.
Em tal situação, o juiz se veria de mãos atadas, sem poder tomar nenhum ato que favoreça o trabalhador, mas com o dever de encerrar o processo, em flagrante benefício ao executado.
Tal situação poderia vir a ser amenizada caso o projeto de lei 6.787/2016 não tivesse sido aprovado de maneira apressada, de forma a calar todas as opiniões contrárias à sua aprovação. Isto porque, em meio à diversas emendas propostas ao projeto enquanto este tramitava na Câmara dos Deputados, há uma que propõe uma alternativa à adoção da prescrição intercorrente de forma irrestrita.
É a Emenda de Plenário nº 21, proposta pelo deputado Izalci Lucas, do PSDB/DF, que propunha acrescentar o § 3º ao artigo 11-A, a fim de prever que em casos de falta de bens do executado aplicar-se-ia o disposto nos §§ 1 e 4 do art. 921 do CPC, a fim de suspender o processo por um ano, prazo em que não correria a prescrição, que se iniciaria após este lapso temporal, caso o exequente não se desincumba de dar prosseguimento ao feito.
Tal texto, apesar de talvez não ter a melhor redação possível ao exequente, poderia diminuir a possibilidade de prejuízo ao trabalhador, pois acrescentaria um período maior durante o qual poderia tentar encontrar bens a serem penhorados.
Esta emenda, como todas as outras emendas propostas, foi retirada ou rejeitada, não tendo nem mesmo a sua votação mencionada no sítio da Câmara dos Deputados.
Assim, parece que os nobres deputados e senadores que aprovaram o mencionado projeto de lei não conhecem as características fáticas de um processo de execução trabalhista, onde é extremamente comum que o devedor se esquive de todos os modos possíveis para não pagar o crédito trabalhista, chegando a fechar a empresa após a demissão de todos os empregados, e transferir todos os seus bens para outras pessoas, se servindo dos conhecidos “laranjas” para continuar o seu empreendimento comercial.
Estes fatos comuns à Justiça do Trabalho deveriam ser sopesados em qualquer tentativa de reformulação da legislação trabalhista, visto se tratar do último recurso do trabalhador que muitas vezes teve seus direitos espoliados, e que se vê desamparado após dedicar anos de esforço ao seu empregador.
Na verdade, a Reforma Trabalhista parece ter invertido o espírito da CLT. Agora, parece haver uma presunção de que o trabalhador age de má-fé, não sendo mais, portanto, a parte vulnerável a ser protegida.
Vimos, assim, que esta é uma das principais características da Reforma Trabalhista: transformar a CLT, antes escrita em prol do trabalhador, em uma legislação que muito beneficia os empregadores em total detrimento dos direitos da parte mais fraca da relação trabalhista. Ou seja, ao invés de equalizar direitos e limitar exageros, a reforma criou novos excessos, desta feita totalmente benéficos àqueles que recebem os lucros advindos do trabalho alheio e se aproveitam das brechas na lei para lucrar ainda mais. Os mesmos empregadores que têm as condições e a obrigação de se adequar às normas, parecem agora levar ainda mais vantagem sobre aqueles cujo papel é se subordinar aos patrões, aceitar suas exigências e suportar os desmandos do empregador, agora revestidos de legalidade.
Há, portanto, a necessidade premente que se discuta a viabilidade, aplicabilidade e constitucionalidade da Reforma Trabalhista, incluindo nessa discussão uma alternativa mais justa à redação dada ao art. 11-A, de modo a harmonizar os interessas de empregadores e trabalhadores, sem privilegiar ou desfavorecer quaisquer das partes.