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Questões polêmicas sobre o Tribunal do Júri

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23/07/2005 às 00:00
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11 - Desclassificação do crime na fase da pronúncia: vincula o juízo ao qual foram remetidos os autos?

            Entendemos que não, haja vista que a convicção do Juízo ao qual os autos foram remetidos pode ser outra, devendo haver, sempre, decisão fundamentada a respeito.

            Com efeito, até a fase de pronúncia, é possível que o Juiz, ao invés de pronunciar o réu, convença-se da existência de crime que não seja doloso contra a vida, o que desloca a competência para outra Vara que não a do Júri, exceto Comarca com Vara única.

            Assim entendendo, será reaberto ao acusado prazo para defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, após encerramento da inquirição das testemunhas, de acordo com os artigos 499 e 500 do Código de Processo Penal, não podendo ser arroladas testemunhas já anteriormente ouvidas, "ex vi" do artigo 410 do Código de Processo Penal.

            "Ad exemplum", se o réu for denunciado por tentativa de homicídio e, após o término da instrução probatória, na fase de pronúncia, o Juiz entende que não se trata de tentativa de homicídio, mas de lesão corporal, pois não houve prova da intenção de matar ("animus necandi"), o Juiz prolatará a sentença desclassificatória, mas não deve dizer qual é a infração penal, bastando dizer que se trata de infração penal que não dolosa contra a vida.

            Caso o Juiz mencione, "apertis verbis", que a infração penal é a de lesão corporal, entendemos que o Juízo ao qual os autos forem remetidos poderá, após a oitiva de testemunhas, entender que o crime não é o de lesão corporal e sim que se trata de outra infração penal não dolosa contra a vida ("verbi gratia" artigo 132 do Código Penal).

            Nesse sentido temos RT 538/387; 550/297; 550/324; 570/395; RTJ 104/589.


12 - É possível que o libelo mencione conduta distinta daquela inserta na sentença de pronúncia?

            Não, sob pena de nulidade absoluta.

            Com efeito, na sentença de pronúncia, que submete o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri, o Juiz deverá constar a conduta do réu, descrevendo o "delitum" que será objeto de análise pelos jurados na Sessão de Julgamento.

            E a sentença de pronúncia deve se ater aos limites da denúncia, pois o réu sempre se defende dos fatos descritos na denúncia.

            Por sua vez, o libelo-crime acusatório deverá conter a exposição do fato criminoso tendo como base o conteúdo da sentença de pronúncia e esta se baseou nos fatos descritos na denúncia, pois deles é que o réu se defendeu.

            Assim, "ad exemplum", se o réu foi denunciado porque atirou na vítima e a matou e se foi pronunciado pelo mesmo fato, não pode, sob pena de nulidade absoluta, o libelo-crime acusatório descrever a conduta do réu como sendo aquele que emprestou o revólver a um terceiro, a fim de que este o utilizasse para atirar e matar a mesma vítima.

            Concluindo, o libelo-crime acusatório é "bitolado" pela sentença de pronúncia, jamais podendo estar em desacordo com esta, sob pena de nulidade absoluta.

            É o que diz a Jurisprudência (RJTJSP 3/424; 9/588; 51/361; 90/550; RT 547/394; RTJ 97/588).


13 - Sentença de pronúncia: podem ser usados termos exagerados e com análise profunda das provas?

            Não, sob pena de nulidade.

            Com efeito, nos processos de competência do Júri, o Juiz Singular, após regular instrução probatória, caso se convença da existência do crime e da ocorrência de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento, "ex vi" do artigo 408, "caput", do Código de Processo Penal.

            Como toda decisão judicial e em cumprimento ao determinado no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, a sentença de pronúncia deve ser fundamentada sempre, mas, sob pena de influenciar o Conselho de Sentença, não pode jamais usar termos exagerados e nem analisar profundamente as provas, sob pena de nulidade.

            E assim o é, pois, caso o Juiz usasse tais termos, extravazaria de sua competência, exercendo atribuições próprias dos jurados, o que destoaria da norma Constitucional que prevê a competência para tanto do Egrégio Tribunal do Júri (artigo 5º, inciso XXXVIII, letra "d", da Constituição Federal).

            Resumindo-se, a pronúncia deve ser fundamentada, mas devem ser usados termos comedidos, sem exagero e sem análise profunda das provas, sob pena de nulidade.

            Nesse sentido, na Jurisprudência temos RJTJSP 16/397; 31/334; 40/300; RTJ 23/23; RT 462/407; 471/331; 521/439; 522/361; 557/369; 644/258.


14 - Conexão de homicídio com disparo de arma de fogo: é possível?

            Entendemos que não, haja vista a norma expressa ("apertis verbis") do artigo 15, "in fine", do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03).

            Com efeito, é possível que seja oferecida denúncia pela prática de um homicídio (artigo 121 do Código Penal) e em conexão, na mesma denúncia, com o crime do artigo 15 da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), interpretando-se que a existência da conexão ou não e a eventual absorção do segundo crime pelo homicídio são matérias que dizem respeito ao mérito ("meritum causae"), cabendo ao Tribunal do Júri analisar tais facetas.

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            Todavia, a parte "in fine" da norma do artigo 15 indigitado expressamente ("apertis verbis") considera subsidiária a infração penal de disparo de arma de fogo em via pública, quando tal conduta tenha como finalidade a prática de outro "delitum", "in casu" o homicídio.

            Assim, entendemos não ser admissível a denúncia pela prática do crime de homicídio e também pela prática do crime de disparo de arma de fogo em via pública, haja vista a norma expressa indigitada, que tem redação de melhor técnica em relação ao mesmo crime que era tipificado no artigo 10, § 1º, inciso III, da Lei 9437/97, norma esta que mencionava "desde que o fato não constitua crime mais grave", não se atendo à finalidade.

            E outras posições a respeito de matérias relativas ao Tribunal do Júri podemos encontrar nos nossos Livros "Júri na Jurisprudência, editora Iglu", "Juizado Especial Criminal no Júri, editora Leud" e "Direito Penal Comentado", editora Letras & Letras.


15 - Desclassificação na fase de pronúncia: sempre é possível?

            Entendemos ser possível por exceção e tão somente na hipótese da existência de prova cristalina a respeito, sob pena de infringência à norma Constitucional de competência do Tribunal do Júri (artigo 5º, inciso XXXVIII, letra "d", da Constituição Federal).

            Com efeito, é possível que, "ad exemplum", alguém tenha sido denunciado por uma tentativa de homicídio por ter desferido um único tiro na vítima e na perna desta, constando, na denúncia, que a vítima só não morreu, pois houve circunstâncias alheias à vontade do réu (verbi gratia" a vítima foi socorrida eficazmente).

            Em alegações finais, "ex vi" do artigo 406 do Código de Processo Penal, a Defesa pede a desclassificação do "delitum" para lesão corporal.

            "In casu", entendemos ser possível o acatamento da tese defensiva tão somente na hipótese de prova cristalina, sem sombra de dúvidas, de que não houve o "animus necandi" do réu na sua conduta.

            E tal poderia ter ocorrido na hipótese de haver testemunhas comprovando que o réu possuía várias outras balas de revólver no tambor, era um exímio atirador e, no momento do disparo, por sua livre e espontânea vontade, somente desferiu um tiro e de perto, mirando tão somente a perna da vítima e, para arrematar, testemunhas ainda disseram que o réu, antes de tudo isso, ainda disse à vítima que era um tiro "só para assustar".

            Em tais circunstâncias, o réu, "apertis verbis", não tentou matar a vítima e sim só a machucou, devendo responder pelo que fez, crime não doloso contra a vida, tendo havido prova cristalina e inconteste de tal.

            Portanto, concluímos que só se opera a desclassificação, se esta vier cristalinamente provada, sem sombra de dúvidas, o que é cediço na Jurisprudência (RT 566/304; 583/422; 584/319; 587/296).

            Esta e outras posições a respeito de matérias relativas ao Tribunal do Júri podemos encontrar nos nossos Livros "Júri na Jurisprudência, editora Iglu", "Juizado Especial Criminal no Júri, editora Leud" e "Direito Penal Comentado", editora Letras & Letras.

            Essa é a nossa interpretação, "ad referendum" dos Doutos.

            "Quid multa"?

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Sobre o autor
Décio Luiz José Rodrigues

Juiz de Direito em São Paulo (SP), professor da Egrégia Escola Paulista da Magistratura, autor das seguintes obras: Juizados Especiais Cíveis (editora Fiuza), Juizado Especial Criminal no Júri (Editora Leud), Processo Civil e Direito Comercial Resumidos (editora Leud), Direito Penal Comentado (editora Letras & Letras), Júri na jurisprudência(editora Iglu), A propriedade e os direitos reais na Constituição de 1988 (editora Saraiva, coord. Carlos Alberto Bittar), Registro de imóveis na jurisprudência (editora RT), Registro de Imóveis (editora Leud), Leis Penais Comentadas (editora Leud), Lei dos Juizados Cíveis comentada(editora Leud), Crimes eleitorais(editora Madras), Estatuto da Cidade comentado(editora Madras), Principais inovações do novo Código Civil(editora Leud), Manual da propaganda eleitoral(editora Leud), Crimes do Código de Trânsito(editora Leud), Direitos do torcedor e temas polêmicos do futebol(editora Rideel)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Décio Luiz José. Questões polêmicas sobre o Tribunal do Júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 749, 23 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7047. Acesso em: 25 abr. 2024.

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