Influências francesas de Sieyes para o constitucionalismo

24/11/2018 às 17:57
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Este artigo visa a mostrar que as noções elaboradas por Sieyes no século XVIII contribuíram fortemente para o desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo.

1. INTRODUÇÃO

O abade Emmanuel Joseph Sieyes viveu em um período marcado por um conjunto de ideias que se originaram na Inglaterra e na Holanda, em fins do século dezessete, conhecido por Iluminismo. Este movimento destacava, entre as principais ideologias, a fé inabalável na razão humana, a contestação das concepções tradicionais e o desejo de mudança inspirada na confiança da capacidade humana para transformar o mundo.

Sieyes elaborou vários escritos, como “Ensaios sobre os Privilégios”, porém o mais importante foi “O Que É o Terceiro Estado?”, por ser a obra considerada um verdadeiro grito de guerra contra o Antigo Regime e o arauto da Revolução Francesa, de forma que, após a sua publicação em Janeiro de 1789, decorreram apenas seis meses para a Tomada da Bastilha pelo povo de Paris.

Este pensador francês teve uma influência política decisiva na conversão da secção popular dos Estados Gerais em Assembleia Nacional, na elaboração do projeto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na abolição da monarquia absoluta e das ordens privilegiadas, na implantação do liberalismo político, na defesa do constitucionalismo e na forte construção do nacionalismo nos países da Europa continental. Teve um papel determinante nas reuniões da Assembleia Constituinte entre 1789 e 1791, e desenvolveu, naquele período, aspectos de sua Teoria Constitucional os quais influenciaram a Teoria da Constituição de Carl Schmitt, embora as noções fundamentais já tenham surgido desde os escritos do “O Que É o Terceiro Estado?”.

As bases do constitucionalismo lançadas por Sieyes projetaram noções sobre nação, cidadania, constituição, poder constituinte, júri constitucionário e controle de constitucionalidade das leis conforme se entende hoje. Foi, também, um dos principais fundadores do Direito Público Moderno, através de noções basilares que se mantêm vivas, ainda, na atualidade, como as de soberania nacional, unidade do Estado, democracia representativa, princípio da legalidade e oponibilidade dos direitos individuais ante o Estado.


2. CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA NO ESTADO MODERNO

No início, o Estado Absolutista conseguiu atender as exigências de estabilidade e de segurança da burguesia emergente, porém, com o tempo, o poder ilimitado estatal retirou a previsibilidade e a segurança esperada pelo novo modelo econômico burguês[1]. Então, devia-se uma correção à teoria absolutista de Hobbes, a fim de se caminhar rumo à formação de um Estado Liberal, através da imposição de limites ao poder e da proteção dos direitos ante os atos abusivos do Estado. Assim, o liberalismo político, por meio da separação das funções do Poder do Estado em diferentes órgãos estatais, bem como pela garantia dos direitos naturais oponíveis contra o Estado, formou os primeiros elementos definidores do constitucionalismo moderno.

John Locke iniciou liberalismo político na Inglaterra juntamente com a Revolução Gloriosa, e sua obra influenciou toda Europa, principalmente, a França, em fins do século XVII e início do século XVIII, e, também, os Estados Unidos da América do Norte (as colônias inglesas). Contrariamente a Hobbes, Locke defendia, numa acepção jusnaturalista, que os direitos naturais e políticos dos indivíduos limitavam o Poder Estatal, de forma que este só se legitimava quando respeitava os direitos inalienáveis como a vida, a liberdade e a propriedade. Foi nesse contexto que surgiram as declarações de direitos como contratos entre o povo e o Estado para limitar a intervenção do Estado na vida privada. Para Locke, o legislador não cria direitos, pois apenas expressa os limites ao exercício dos direitos adquiridos outrora[2]. Ademais, o Estado protegeria esses direitos mais eficientemente por intermédio de uma Constituição capaz de mitigar o poder absoluto. Portanto, a limitação do poder e a proteção dos direitos pelo constitucionalismo moderno originaram-se do liberalismo político a partir de Locke que, somando-se às ideias Montesquieu acerca da descentralização do poder, inauguraram as bases do Estado Liberal e do Constitucionalismo.

Contudo, a questão acerca da titularidade do poder soberano ainda se mantinha pertencente ao monarca absolutista, segundo as ideias de Bodin e de Hobbes, de forma que somente com Rousseau que se atribuiu esta titularidade ao povo.

Para Rousseau, somente a lei que se elaborou pelo povo garante a liberdade pública, de maneira que, ao povo, concede-se a titularidade do poder soberano. Assim, a soberania popular é inalienável, pois não pode ser representada, e, deste modo, apenas a democracia direta assegura a liberdade; é absoluta e indivisível, ao considerar apenas a vontade geral do povo, de forma que nem mesmo os direitos naturais são limites à soberania popular. Para ele, a lei e o legislador possuem mais prestígio que a Constituição, uma vez que estes são reflexos constantes da soberania popular absoluta, ilimitada e incondicionalmente. Finalmente, a defesa da soberania do povo foi o legado de Rousseau para o Estado Moderno e a Democracia, influenciando deveras as ideias democráticas sustentadas pela Revolução Francesa. Portanto, a limitação do poder proclamada por Locke e Montesquieu juntamente com a soberania popular reivindicada por Rousseau formam os alicerces da Democracia e do Constitucionalismo do Estado Moderno Liberal.

Destarte, apesar do Estado Moderno se caracterizar pela Democracia e pelo Constitucionalismo, observa-se que estes buscam finalidades bem distintas. Enquanto este pretende limitar o poder soberano independentemente de quem o exerça, por considerar que, ainda que visem às melhores intenções, concentrando-o, tender-se-ia à tirania, aquela, baseada na soberania popular, objetiva centralizar todo o poder soberano no povo, de forma ilimitada, inclusive sem os limites almejados pelo constitucionalismo liberal. A tensão entre estas duas correntes do pensamento político - Constitucionalismo e Soberania Popular – desenvolveu-se durante os séculos XVI e XVII, e consolidou-se no fim do século XVIII, sob influência das doutrinas jusnaturalistas e contratualistas, tendo sido objeto de muitos debates e disputas no momento de ruptura com o Absolutismo e de instauração do Estado Liberal, isto é, nas Revoluções Americana e Francesa.

A maneira como cada uma destas revoluções liberais efetuou a integração entre Democracia e Constitucionalismo levou os Estados Unidos e a França a trilharem caminhos diferentes quanto ao desenvolvimento do controle de constitucionalidade das leis democráticas.

O povo norte-americano, após a independência dos Estados Unidos da América do Norte, vivenciou um período bastante conturbado depois da frustrada experiência da adoção da soberania popular transformada em soberania legislativa de cada um dos estados que compunha a confederação. Verificou-se que uma grande maioria com interesses semelhantes se aproximou, perigosamente, do poder legislativo, que passou a ser representado por homens sem instrução, inexperientes e sem princípios os quais, movidos por paixões violentas, vieram a alcançar frequentemente propósitos injustos. Concluiu-se, então, naquela época, que não havia temor de abusos de poder de uma minoria sobre uma maioria, mas, contrariamente, receava-se que muitos homens sacrificassem os direitos de poucos, ou seja, que os direitos de uma minoria não fossem protegidos dos conluios opressores da maioria.

Os americanos, então, reavivaram a ideia dos trabalhos desenvolvidos, há, aproximadamente, um século, pelos Levellers [3] acerca dos dois corpos do povo, ou seja, da existência da vontade de um Povo a qual limitasse a vontade dos representantes do povo. Para os americanos, o povo fazia jus a uma representação diferente da ordinária e mais seletiva que esta, recuperando, assim, a ideia presente na Revolução Gloriosa de se convocar uma Convenção, porém, desta vez, com a finalidade de se elaborar uma Constituição, com ratificação popular, cuja força normativa fosse superior a das leis ordinárias. Esta ideia foi aplicada a cada um dos estados integrantes da confederação, não se mostrando, todavia, como um remédio eficiente para combater os graves problemas do sistema.

Somente, depois, com o advento do movimento federalista que estabeleceu um Governo e uma Constituição centrais, exterminaram-se as turbulências à Democracia. Desta forma, os problemas das legislaturas estaduais resolveram-se com a instauração do federalismo, apesar da natureza minoritária da Constituição de 1787. Então, as legislaturas estaduais subordinaram-se à supremacia da Constituição Federal, às leis da federação e aos tratados, devendo os juízes atenderem, obrigatoriamente, à compatibilidade das leis dos estados-membros à Constituição Federal.

Na França, a integração entre Constitucionalismo e Democracia não se desenvolveu tranquilamente. A Revolução Francesa liderada pelo Terceiro Estado proclamava a soberania do povo francês, rompendo com o Ancien Regime e instituindo uma Assembleia Nacional Constituinte. Logo após, proclamou-se a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, promovendo maior ligação do movimento revolucionário com os ideais constitucionalistas de limitação do poder, ao dispor que a sociedade que não garantisse os direitos nem estabelecesse a separação dos poderes não tinha Constituição. Todavia, referida garantia de direitos não consubstanciava as ideias de supremacia constitucional e de governo limitado como realizada pelos norte-americanos, visto que era mais uma garantia contra o poder absoluto, não vinculando o povo soberano.

Assim, a Declaração indicava a função predominante do legislador e da vontade geral como garantidores dos direitos, de forma que a elaboração da Constituição se assentava na soberania popular que deveria ser transferida aos poderes instituídos pela Constituição, de modo que a soberania do povo se consolidasse permanentemente.

Apesar dos caminhos diferentes seguidos pelas Revoluções Liberais, para inaugurar uma nova ordem e dos resultados diversos que alcançaram[4], é certo que elas acabaram com a herança medieval e instituíram as bases principais do Constitucionalismo Moderno e Contemporâneo: institucionalização estatal por meio da Constituição, limites e descentralização do poder, proteção aos direitos naturais e o modelo democrático.

2.1 As Bases do Constitucionalismo de Sieyes na França

Foi determinante a influência exercida por Sieyes para orientar e legitimar a atividade da Assembleia Nacional Constituinte.

A soberania que, para Rousseau, encontrava-se nas mãos do povo, Sieyes transferiu-a para a Nação, por considerar que esta abrangia tudo através do Terceiro Estado (este não incluía os privilegiados da nobreza, do clero e os membros da monarquia). Por esta razão, a legitimidade para se convocar a Assembleia Nacional Constituinte só poderia ser do Terceiro Estado, ou seja, da Nação. Nesse sentido, as influencias das ideias de Sieyes acerca da soberania nacional extrai toda a sua legitimidade da Nação, ao asseverar que ela é a origem de todo poder e a única fonte capaz de legitimar o exercício da autoridade política.

Embora Rousseau tenha fundado o processo democrático sobre a igualdade política dos cidadãos e o sufrágio universal, a sua teoria de soberania popular (cada indivíduo titular de uma fração da soberania, com milhões de soberanos em cada coletividade) cedeu lugar à concepção de Sieyes que originou o conceito de soberania nacional o qual se fundamenta na ideia de uma pessoa privilegiadamente soberana: a Nação. Assim, Povo e Nação formam uma só entidade, distinta e abstratamente personificada, com vontade própria e superior às vontades individuais que o compõem. A Nação, assim constituída, apresenta-se, nesta doutrina de soberania nacional, como um corpo político vivo, real e atuante, que detém a soberania e a exerce através de seus representantes.

Sieyes defende a legitimidade dos representantes para elaboração da Constituição por considerar que: a) a vontade da Nação não lhe é retirada através da representação, porque esta consiste, apenas, num poder delegado, e a vontade nacional é inalienável; b) aos representantes, o povo delega, somente, a porção do poder necessária para se garantir a boa ordem e c) os representantes não podem alterar a medida do poder que receberam por delegação.

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A fim de se fundamentar o governo representativo da Nação, Sieyes esboçou uma teoria acerca das três épocas de formação das sociedades políticas. Segundo esta teoria, na primeira época, os indivíduos isolados procuram se reunir e combinar as suas vontades individuais, de forma que já existem todos os direitos naturais de uma Nação, pois esta surge com o direito natural de se associar e de se dar um governo segundo uma vontade comum. Na segunda época, forma-se esta vontade comum, pois os associados reúnem-se e chegam a um acordo sobre as necessidades públicas e as medidas necessárias para satisfazê-las. Aqui, o poder pertence ao público, existindo um autogoverno em que todos os indivíduos participam. A Constituição nasce nesta segunda época, embora se refira, apenas, ao governo. Na terceira época, como os associados são demasiadamente numerosos, e estão dispersos numa superfície muito extensa para, facilmente, exercerem esta vontade comunitária, resolvem separar tudo o que é preciso para atender os trabalhos públicos e confiam o exercício desta porção da vontade nacional a alguns entre si (os representantes políticos), originando-se, finalmente, um governo exercido por procuração. Assim, esta vontade comum representativa tem duas características indeléveis, a saber: os delegados não a exercem como um direito próprio, visto que é direito de outrem (da Nação), e, assim, esta vontade está, apenas, em comissão. A vontade não é plena e ilimitada no corpo dos representantes, e consiste, somente, em uma porção da vontade comum nacional, uma vez que o direito de se elaborar a Constituição é inalienável, e, por isso, a Nação só pode delegar parte deste direito.

Destarte, a Nação atravessa as três épocas, e manifesta-se em todas através de uma intencionalidade imanente: vontade de se associar e de exercer o direito natural de passar à segunda época para se completar. Na segunda época, vontade de se organizar num governo representativo e de se dar um direito positivo, ou seja, de exercer o direito natural de passar à terceira época. Enfim, cada época é incompleta, e tende a completar-se na seguinte, passando a Nação de um estado virtual, mas ativo, à sua manifestação concreta e atual, governado por procuração.

Afinal, o sistema representativo baseia-se na ideia de que, por ser o Estado demasiadamente grande e populoso, não é possível que milhões de pessoas participem diretamente na organização da sociedade política. Ademais, já que as funções exercidas pelo povo consistem no motor do progresso da Nação, torna-se impossível que todos aqueles que exercem algum ofício, deixem-no, a fim de exercerem a atividade política, motivo por que é necessário que a Nação delegue aos seus representantes esta atividade governativa.

Nesse sentido, Sieyes nomeia de “extraordinária” a representação popular para se elaborar a Constituição com poderes ilimitados, diferenciando-a da “ordinária” onde o poder dos representantes encontra-se limitado pelos dispositivos da Constituição.

Assim, ao diferenciar as duas representações acima, Sieyes traçou os contornos do Poder Constituinte e do Poder Constituído, a fim de remediar os conflitos porventura existentes na legislatura ordinária, visto que o exercício desta vontade soberana nacional limitar-se-ia pela superioridade da vontade soberana nacional anteriormente disposta na Constituição.

Todavia, a chave para entender a proposta de Sieyes é esta: a soberania da Nação não se exaure através do exercício do Poder Constituinte. Disso decorre que se pode rever, revisar, modificar e substituir a Constituição a qualquer instante, bastando que o Poder Constituinte se manifeste através de seu titular, o povo soberano, o que pode ocorrer, inclusive, por meio da Assembleia Legislativa, onde se encontram os legítimos representantes populares.

Nesse contexto, o poder dos representantes da Nação apresenta natureza peculiar, diferente dos poderes constituídos, pois seu limite é político, e, não, constitucional, uma vez que, apenas, a Nação soberana pode controlar seus representantes por meio do poder de reconvocação.

A soberania nacional é inalienável, não sendo possível a existência de restrições ao exercício do poder soberano, de forma que a manifestação desta soberania nacional é garantida ininterrupta e continuamente.

O princípio da soberania nacional foi proclamado nos Direitos do Homem de 1789, ao afirmar que o princípio de toda soberania encontra-se essencialmente na Nação e que alguém apenas poderá exercer uma autoridade se esta se originar naquela. A Constituição Francesa de 1791 reiterou o mesmo pensamento, ao afirmar que a soberania é una, indivisível, inalienável, imprescritível e pertencente à Nação.

Portanto, verifica-se que, embora a Constituição limite os Poderes Constituídos, existe um poder absoluto que não sofre limitação: o poder da soberania nacional. Assim, a tensão entre Democracia e Constitucionalismo resolve-se somente de forma parcial, visto que a soberania ilimitada da Nação pode se impor ante os dispositivos da Constituição a qualquer momento.

Nesse contexto, promulgou-se a Constituição de 1791, fruto do Poder Constituinte da Nação soberana, caracterizando-se pela primazia do Poder Legislativo (a Assembleia Legislativa representativa da Nação ganhou contornos mais amplos que um simples Poder Constituído) e quase sem sistema de equilíbrio entre os Poderes, possibilitando várias alterações do texto. Pode-se afirmar que esta Constituição exaltou a soberania popular ao mesmo tempo em que desprestigiou o Constitucionalismo, o que elevou à mesma hierarquia as leis ordinárias e a Constituição.

A Constituição de 1793 substituiu a figura da Nação soberana pelo povo soberano, incluindo todos os cidadãos franceses, e, ainda, reformulou o procedimento legislativo que deixou de ser apenas parlamentar para submeter todos os projetos de lei ao referendo do povo. Criou, também, a revisão constitucional que se originava somente nas Assembleias primárias onde se reunia o povo.

Após a Revolução Francesa, as duas primeiras Constituições tinham estrutura monista, isto é, representavam o povo soberano no Poder Legislativo, que controlava os outros Poderes (Executivo e Judiciário).

Durante o domínio dos jacobinos, instaurou-se um período de instabilidade na França em consequência da Constituição sofrer constantes alterações de acordo com a vontade da soberania popular. Então, Sieyes, contrariamente, ao que havia defendido até 1789 (poder soberano ilimitado), revelou-se contra o Poder Constituinte centrado no Poder Legislativo, dada a fonte de instabilidade política que havia provocado. Destarte, passou-se a entender a Constituição como um meio de organização e de limitação dos Poderes Constituídos, e, a partir da Constituição de 1795, o Poder Legislativo passou a atuar dentro das limitações dispostas na Constituição, o que lhe garantiu valor normativo. Apesar disso, a superioridade do Poder Legislativo continuava devido à falta de um sistema de freios e contrapesos.

Todavia, diferentemente dos norte-americanos, a ideia de um sistema de freios e contrapesos não condizia com o cenário histórico francês naquele momento, visto que a França não visava a limitar as extravagâncias democráticas do legislador, posto que sua intenção era derrubar o Antigo Regime. Assim, necessitava de um forte Poder Legislativo capaz de traduzir a vontade geral do povo.

A limitação do poder e a proteção aos direitos fundamentais não esgotam a ideia sobre Constitucionalismo, sendo, sim, o marco inicial do Constitucionalismo Moderno. No mesmo sentido, Democracia não se restringe à mudança do poder soberano para as mãos do povo, tendo, sim, concepção mais ampla. Durante toda Idade Moderna, Constitucionalismo e Soberania se enfrentaram em busca de mediação e de equilíbrio. Então, o que se constata é que tanto o Constitucionalismo quanto a Democracia não vivem isolados, e, sim, convivem em uma relação tensa, adquirindo contornos diversos, de acordo com os conceitos que adquirem.

Enfim, estas mudanças no relacionamento entre Constitucionalismo e Democracia afetam a importância da Jurisdição Constitucional bem como nos seus limites de competência.


Notas

[1] Jorge Miranda lembra que se faz importante ressaltar que a origem do constitucionalismo vincula-se aos interesses econômicos e políticos da burguesia, ao tomar as rédeas do poder. (Direito Constitucional, I, 7ª ed. Coimbra, 2003, p. 88).

[2] Para Locke, o legislador, mesmo assumindo uma posição de destaque na organização do Estado, limita-se pelo direito natural. Assim, a supremacia do Legislativo limita-se àquilo que lhe foi devidamente confiado. Por isso, Oscar Vieira Vilhena entende que Locke já apontava para uma teoria constitucional onde se diferenciava o poder constituinte soberano pertencente ao povo do poder constituído, entregue aos representantes do povo por meio de uma Constituição. (A Constituição e sua reserva de justiça, Malheiros, São Paulo, 1999, p. 38).

[3] Luís Pedro Pereira Coutinho, A Autoridade Moral da Constituição, Da Fundamentação da Validade do Direito Constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p.278-280 e p.285-286. Os Levellers anteciparam a ideia dos dois corpos do povo: o corpo supremo e o corpo parlamentar, de forma que o primeiro limitava o segundo, defendendo-o de si próprio, ao ser representado no parlamento. Este foi o aspecto que mais antecipou o dualismo (Povo constituinte e o povo que se subordina à Constituição) do constitucionalismo moderno. Os Levellers desenvolveram um projeto de um acordo denominado “Agreement of the People”, afirmando que a autoridade política do parlamento tinha natureza derivada e limitada.

[4] Na França, os direitos derivam da lei, e, nos Estados Unidos a lei deriva dos direitos. Na França, existe a soberania da lei, enquanto que, nos Estados Unidos, há a soberania do direito. (Gustavo Zagrebelsky, El derecho dúcil: ley, justicia y derechos, Tradução: Marina Gascón, 7ª edição, Trotta, Madrid, 2007, p. 55).

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Sobre a autora
Juliana Vasconcelos de Castro

Possui mestrado e especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa onde atualmente estuda doutoramento em Direito Privado Romano. Membro da Associação Nacional de Advogados de Direito Digital, onde atua em grupos de trabalho em startups, healthtechs e relações de trabalho digital. Sócia-fundadora do Juliana Vasconcelos Advogados, nas áreas de Direito Digital e de Startups. Compliance officer. Palestrante, docente e autora de e-books e de livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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