O PAPEL CONSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO.
Verdadeiramente o poder político no Estado, apesar de ser tripartido, é uno e indivisível. Há apenas um poder político, que é o poder do Estado, que é o poder revelado na ordem jurídica com força de constranger à obediência, de coordenar e impor uma decisão. Mas esse poder político do Estado tem três funções básicas: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. O poder Legislativo se encarrega de gerar a lei, o Executivo, da atividade administrativa e o Poder Judiciário, da jurisdição, dissolvendo conflitos. A rigor não existe, portanto, divisão de poderes, mas de funções que para ser exercitadas há necessidade de criação de poderes através de órgãos, mas o Poder é um só: uno, indivisível, imprescritível, etc. E essas funções são, em regra indelegáveis, na ideia da existência da repartição constitucional de competências.
O Poder Judiciário é órgão fundamental na formação de um Estado Democrático de Direito, pois cabe a ele, com autonomia e independência, velar pela guarda da Constituição, especialmente pela observância dos princípios da igualdade e da legalidade. De fato, seria inimaginável um Estado Democrático de Direito sem um Poder Judiciário independente, com a relevante função de administrar a Justiça, como fiscal da aplicação da Constituição e das Leis. Por outro lado, o Poder Judiciário é apontado por parte da doutrina como verdadeiro direito fundamental dos cidadãos, pois a estes é assegurado o direito de ser julgado por Juízos e Tribunais independentes e imparciais. A espinha dorsal do sistema judicial brasileiro muito dela é cláusula pétrea e baseada no princípio da unidade da jurisdição, inafastabilidade do controle jurisdicional, garantias da magistratura e independência do Judiciário.
Antigamente, com o Estado Liberal, o Poder Judiciário não tinha muitos poderes, nem muitas atribuições sendo apenas um órgão subsidiário do Estado e praticamente não interferia na sociedade. Com a Constituição de 1988 o Poder Judiciário ficou fortalecido. A partir desse momento, esse Poder passou a ficar em pé de igualdade com os demais poderes e, consequentemente, passou a controlar todos os assuntos da sociedade e por isso passou a ser mais procurado.
A atual Constituição incrementou o Judiciário, reforçou suas garantias, dotou tal poder de uma série de instrumentos e mecanismos que visam possibilitar uma prestação jurisdicional independente, imparcial e insubmissa à vontade dos donos do poder. Não há paralelo em outras Constituições, já que o nosso sistema é o que mais reforça a magistratura. As garantias funcionais e as garantias institucionais dos magistrados são amplas: inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de subsídios, o autogoverno etc. Esse último permite que o Judiciário escolha seus dirigentes, e é por isso que o presidente do Supremo Tribunal Federal é escolhido por ele mesmo e os chefes dos órgãos dirigentes dos tribunais são escolhidos por cada tribunal.
Os órgãos que integram o nosso Poder Judiciário foram enumerados pela Constituição Federal, no seu art. 92: o Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; o Superior Tribunal de Justiça; os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Veremos alguns deles com mais detalhes.
O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze membros, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, dentre cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade. A competência do Supremo precípua é a da guarda da Constituição, logo é um órgão que tem como finalidade principal a tutela da Constituição. Além dessa função, ele agrega outras, ele é, por exemplo, árbitro dos conflitos federativos, em uma ação de um Estado contra outro ou de um Estado contra a União. Ele exerce também a função de tutelar os direitos fundamentais através, sobretudo, da competência para apreciação de remédios constitucionais, como o Habeas Corpus, Mandato de Segurança, Habeas Data, mesmo que a questão, eventualmente, não envolva matéria constitucional.
O Supremo Tribunal Federal é nosso órgão de cúpula de toda a Justiça. O Supremo Tribunal Federal atua no âmbito do controle difuso ou incidental, quando aprecia, em última instância, as controvérsias concretas suscitadas nos Juízos inferiores, e também realiza, originariamente, o controle concentrado ou abstrato, quando aprecia a constitucionalidade, em tese, de leis e atos normativos federais e estaduais em face da Constituição Federal.
Enquanto o STF é guardião da Constituição Federal o STJ é considerado o guardião do direito, sendo sua competência dividida em originária, quando o STJ é acionado diretamente, nas ações em que cabe a ele julgamento originário, e recursal, quando o STJ aprecia recursos ordinários ou especiais. As competências do STJ estão enumeradas no art. 105 da Constituição Federal.
Os demais Tribunais Superiores integram a chamada Justiça Especializada, pois só atuam num dado ramo do Direito, especificamente. Assim, o Tribunal Superior Eleitoral só aprecia matéria eleitoral; o Tribunal Superior do Trabalho, só matéria trabalhista; o Superior Tribunal Militar, os crimes militares. Jurisdicionados pelos Tribunais Superiores, temos os órgãos de segunda instância da Justiça, organizados regionalmente, nas diferentes unidades da Federação. Temos, nesse grau, os Tribunais de Justiça (2ª instância da Justiça Estadual); os Tribunais Regionais Federais (2ª instância da Justiça Federal); os Tribunais Regionais do Trabalho (2ª instância da Justiça Especializada do Trabalho); os Tribunais Regionais Eleitorais (2ª instância da Justiça Eleitoral); os Tribunais Militares (se instituídos em lei, nos termos do art. 122, II, da Constituição Federal). Finalmente, temos os órgãos locais da Justiça, distribuídos pelos Municípios da nossa Federação: Juiz de Direito (justiça estadual); Juiz Federal (justiça federal); Juiz do Trabalho (justiça trabalhista); Juiz Eleitoral (justiça eleitoral).
A Constituição Federal outorgou importantes garantias ao Poder Judiciário, como meio de assegurar-lhe autonomia e independência para o imparcial exercício da jurisdição. Essas garantias, portanto, não são privilégios dos magistrados, mas sim prerrogativas que asseguram, ao Poder Judiciário, independência no exercício de suas relevantes funções constitucionais, sem a ingerência dos Poderes Legislativo e Executivo. Para se ter uma ideia da relevância dada pelo legislador constituinte ao tema garantias do Poder Judiciário, basta lembrarmos que constituem crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra o livre exercício do Poder Judiciário e que referido assunto não pode sequer ser objeto de medida provisória tampouco de delegação legislativa.
A Constituição Federal outorga ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira (CF, art. 99), dispondo que os tribunais elaborarão suas próprias propostas orçamentárias, desde que dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. Prescreve também a possibilidade da escolha dos dirigentes dos tribunais e as garantias aos seus membros com a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio.
Pelo visto acima, o Poder Judiciário tem base para atuar na efetivação dos direitos sociais pois, além de contar com a legitimidade Constitucional direta, como visto acima, há a legitimidade indireta, pois a seleção dos juízes é por concurso público, um mecanismo eminentemente democrático. Não se pode esquecer que os juízes dos tribunais superiores são escolhidos pelo Poder Executivo e referendados pelo Senado Federal, fora diversos mecanismo de participação da sociedade no poder judiciário como a figura do amicus curiae, na composição popular do CNJ, o quinto constitucional composto por advogados e a participação popular nas súmulas vinculantes. Outro eficiente meio de controle da atividade do Poder Judiciário é na obrigatoriedade da fundamentação de suas decisões o que permite um controle por outros juízes, por outras instâncias e pela própria sociedade garantindo uma decisão justa e democrática.
Os direitos fundamentais são aqueles considerados indispensáveis para uma vida digna em sociedade. Eles são tratados no texto constitucional como forma de garantia de uma maior proteção em razão da rigidez constitucional, ou então, para que sejam preservados através da cláusula de imutabilidade. São as chamadas cláusulas pétreas, previstas no art. 60 § 4º da Constituição atual, que prescrevem que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.
O Princípio da Efetividade dos Diretos Fundamentais ou da Aplicabilidade Imediata dos Direitos Fundamentais está consagrado no art. 5º, § 1º da Carta Magna, que prescreve que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Essa aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais deve ser entendida como uma diretriz exegética para o intérprete buscar extrair da norma a maior carga de efeitos que ela pode dar. Então, o intérprete diante de uma norma constitucional especial que consagra direito fundamental deve pensar no que ele pode fazer para tirar daquela norma o máximo de efeitos possíveis.
O grande problema da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais diz respeito aos direitos humanos de conteúdo prestacional. Com relação aos direitos individuais de defesa, tem se entendido que a aplicabilidade imediata vale incondicionalmente, como é o caso do Mandado de Injunção. Quanto aos direitos sociais o foco da questão é que são direitos que dependem de prestações, dependem também de recursos. O problema é que os recursos são limitados e a visão clássica é de que, no quadro de escassez, as escolhas ou prioridades devem ser feitas não pelo Poder Judiciário em suas sentenças, mas por poderes que têm legitimidade conseguida da vontade popular direta, através das eleições, como o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Até por que, constitucionalmente o Legislativo faz o orçamento e o Executivo executa o orçamento.
Com isso, a concepção tradicional, negava eficácia imediata aos direitos fundamentais prestacionais, afirmando que os direitos individuais eram exigíveis e que os direitos prestacionais não eram, dependeriam de legislação. Essa é a visão que durante muito tempo prevaleceu e que está ligada com uma certa equiparação dos direitos sociais às normas programáticas, e a leitura de normas programáticas como normas que possibilitam que se oponha a uma conduta do Estado, mas não que se exija uma prestação a partir dela.
No entanto surgiram outras compreensões em relação à questão. Uma tese existente afirma que mesmo nos direitos prestacionais, que estão consagrados de forma mais abstrata, como saúde, moradia, em que o texto constitucional não define a prestação, existe um mínimo de direitos que deve ser tutelado, um mínimo existencial, e que somente o que ultrapassar esse mínimo vai depender de lei, vai depender de ato da administração com previsão no orçamento, ou seja, vai ficar ao sabor das autoridades políticas, mas o mínimo está garantido.
A ideia da existência do mínimo existencial neutraliza algumas das alegações feitas contra a eficácia dos direitos prestacionais. Por exemplo, uma das alegações que se faz é que essa concepção de dar ao Poder Judiciário a tutela dos direitos prestacionais gera uma concepção antidemocrática de Governo de Juízes, de forma que o Poder Judiciário vai começar a interferir nas escolhas das prioridades dos gastos, das políticas públicas, o que não é democrático nem republicano.
Só que a concepção contemporânea de democracia afirma que a democracia pressupõe o mínimo e que governo democrático não é só o governo em que ocorram eleições periódicas. Vão existir pressupostos para essa democracia, e, dentre estes pressupostos, estaria a existência do mínimo existencial para que se possa participar conscientemente do debate democrático. Assim, se o mínimo é pressuposto da democracia, assegurá-lo não pode ser contrário à democracia, o que neutraliza a crítica democrática. Esse argumento neutraliza de certa maneira também a crítica liberal uma vez que a liberdade só pode ser assegurada quando há o mínimo de condições materiais para isso.
Por outro lado, a efetividade dos direitos na Constituição é máxima por natureza e assim não haveria motivo para se falar em mínimo em relação ao direito social. Será que essa tese do mínimo existencial não traz uma hierarquização em que se coloca antes os direitos individuais e depois os direitos sociais, num retorno ao individualismo egoísta de outrora? Na verdade, o problema da aplicabilidade dos direitos sociais pode ser equacionado através de uma ponderação em que de um lado coloca-se o direito social e do outro lado a justiça e a democracia.
No lugar do direitos humanos pode-se colocar a dignidade humana. Para a realização da dignidade da pessoa humana é essencial a efetivação dos direitos humanos. Assim o problema do mínimo existencial é muito importante, mas não é o único critério.
Alguns chegam a defender a construção do novo conceito de discricionariedade baseado na teoria do Garantismo Jurídico. Existe uma divergência entre a normatividade e a efetividade, e o garantismo seria forma de fazer a junção entre elas, garantindo os direitos humanos. Isso vai implicar na necessidade de que só seja permitido ao agente público fazer uso da discricionariedade a partir do momento em que a Administração tiver satisfeito as necessidades básicas dos cidadãos, ou seja, a garantia do mínimo necessário à sua dignidade, representado pelo atendimento aos direitos fundamentais. Com isso, assegurar o mínimo necessário à dignidade humana significa atender às demandas geradas pelos direitos fundamentais das populações, especialmente as mais pobres, e que se constituem nas principais destinatárias das políticas públicas para suprir necessidades vitais de sobrevivência minimamente digna. Do ponto de vista de uma visão garantista do controle da Administração, dado que esta deve atuar, em todos os momentos, tendo a pessoa como centro de suas realizações, cabe ao Judiciário a avaliação dos atos administrativos, sempre sob a perspectiva dos direitos fundamentais constitucionais.
Se, não é possível transferir para o Poder Judiciário a possibilidade de escolher quais políticas públicas são as mais importantes, por outro lado ele é tão legitimado quanto os outros Poderes para a efetivação dos direitos fundamentais. A ideia dos direitos fundamentais é a concretização do meta-valor da dignidade da pessoa humana, isto é, tratar o homem sempre como fim e nunca como meio, o homem como valor fonte de todo o ordenamento jurídico e o Poder Judiciário é o guardião dele.