RESUMO
O presente trabalho se propõe a tratar de importantes conceitos relativos ao tema de contratos administrativos, expondo seu regime jurídico diferenciado, suas cláusulas exorbitantes e algumas de suas principais características, a fim de mostrar suas mais marcantes distinções com o contrato particular.
Esta obra também aborda sucintamente algumas regras pertinentes ao Direito do Consumidor e faz breve paralelo entre as cláusulas abusivas aplicáveis aos contratos consumeristas e as denominadas exorbitantes, que têm incidência em todos os contratos administrativos, mesmo quando não previstas nos instrumento convocatório.
AbstrAct
El presente estudio se propone abordar conceptos importantes relacionados con el tema de los contratos administrativos, exponiendo su régimen jurídico distintivo, sus cláusulas exorbitantes y algunas de sus principales características, con el fin de mostrar sus distinciones más llamativos con contrato concreto.
Este trabajo también describe brevemente algunas de las reglas relativas al derecho del consumidor y hace breve paralelo entre las cláusulas abusivas aplicables a los contratos de consumeristas y llamados exorbitantes, que tienen un impacto en todos los contratos administrativos, incluso cuando no prevista en el instrumento de la llamada.
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CONTEÚDO
6. CLÁUSULAS ABUSIVAS NO DIREITO CONSUMERISTA..................................... 42
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata dos Contratos Administrativos e tem como objetivo estudar o tema, de modo a permitir a compreensão de suas principais regras, princípios e funcionamento básico, bem como algumas das normas que o distinguem do contrato do Direito Privado.
Uma vez que a presente obra terá como foco uma espécie de contrato, notadamente os regidos pelo Direito Público, faz-se indispensável e da maior relevância o entendimento de idéias básicas e primordiais pertinentes à teoria geral dos contratos, uma vez que esta se aplica supletivamente aos contratos administrativos em tudo quanto não contrariar as regras específicas do regime de direito público.
Pelo fato de também receber regulação diferenciada, optou-se por incluírem neste trabalho, ainda que modo sucinto, breves comentários sobre certas e peculiares regras que regem os contratos consumeristas.
Entende-se que tal relação merece menção porque, assim como nos contratos firmados pela Administração na qualidade de Poder Público, nos ajustes em que são partes consumidor e fornecedor o legislador reconhece que alguns aspectos da relação justificam a criação de normatização própria, a fim de neutralizar desigualdades e garantir proteção contra abusos.
Sob este aspecto, a Lei 8.666.1993, que rege os contratos administrativos, estipula várias cláusulas exorbitantes, ou seja, normas que ultrapassam ou exorbitam do que seria lícito fixar em um contrato privado. Dentre elas, cita-se o poder de aplicar penalidades, executar multas nos casos previstos em lei sem necessidade de intervenção do Judiciário, além do poder de rescindir unilateralmente o contrato em situações autorizadas em lei.
De outro lado, os contratos consumeristas, ou seja, aqueles firmados entre fornecedor e consumidor indicam certa semelhança com os contratos administrativos, no mínimo por se tratar de relação entre partes que não possuem igualdade de condições.
Desse modo, a fim de bem explanar o tema principal, após vistos alguns conceitos doutrinários e princípios sobre a teoria geral dos contratos privados, dar-se-á início ao estudo do contrato administrativo propriamente dito.
Serão feitos comentários sobre a forma de interpretação diferenciada em certos tipos de contrato da Administração Pública e a presença necessária do sujeito administrativo em todo ajuste dessa natureza. São indicados também alguns pontos distintivos entre o contrato administrativo e os contratos privados da administração.
Após a explanação de idéias básicas pertinentes ao tema, sempre fazendo remissão a diversos e renomados doutrinadores, será explicado em que consiste e o que caracteriza o regime jurídico, quando se está tratando de contratos, apontando as principais notas características do regime jurídico de direito público.
No capítulo seguinte, abordam-se as cláusulas exorbitantes, um dos pontos mais interessantes desta obra. É neste capítulo que são mostradas as principais cláusulas ou privilégios, tais como o poder de rescisão unilateral, de aplicação de penalidades e de auto-execução de multas, que, como se verá, são a marca que distingue os contratos administrativos dos contratos entre particulares.
Por fim, é feita breve abordagem versando sobre as cláusulas abusivas e seu sentido no Código de Defesa do Consumidor para, ao final, serem feitas as considerações finais sobre todo o exposto.
2 O CONTRATO NO DIREITO CIVIL
2.1 LINHAS GERAIS
Venosa (2003) explica que contrato é espécie de negócio jurídico. Este, por sua vez, é todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.
Para Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 7), contrato é concebido como:
um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.
Já nas palavras de Pamplona Filho e Gagliano, contrato é:
um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.” De modo que “não se poderá falar em contrato, de fato, sem que se tenha por sua pedra de toque a manifestação de vontade. (2010, p. 47)
Dos conceitos acima expostos, podemos extrair como notas marcantes do instituto em comento: 1) o consentimento das partes interessadas (consensualismo); 2) liberdade para contratar dentro dos parâmetros legais estabelecidos (autonomia da vontade); 3) bilateralidade do contrato; 4) a exigência de respeito aos princípios da boa-fé objetiva e ao da função social do contrato.
O contrato, em síntese, é negócio jurídico bilateral voltado a fim jurídico querido pelos contratantes.
2.2 BREVE HISTÓRICO DO CONTRATO
Contrato, convenção e pacto, hoje, são usados designar o mesmo instituto, mas nem sempre foi assim. No Direito Romano, convenção era termo mais genérico, que se aplicava a toda sorte de ato ou negócio jurídico bilateral. De outro lado, pacto era utilizado para se referir a cláusulas acessórias que aderiam a uma convenção ou contrato, de modo que não tinha a mesma significação deste.
No Direito Romano primitivo, assim como muitos outros atos jurídicos, o contrato também era seguido por inúmeras e rigorosas formalidades sacramentais, não sendo suficiente a simples vontade para a formação do vínculo.
A formalidade era tanta que as convenções e os pactos, que tinham significado de acordo de vontades sobre determinado objeto, não eram suficientes, por si sós, para criarem direitos e obrigações entre as partes. Era necessária, além da manifestação de vontades, a observância de certas formas que pudessem ser exteriorizadas à vista dos contratantes. O sentido desse costume era o de dar força às convenções. O ato conferia credibilidade à palavra empenhada que fosse acompanhada de rituais e solenidades.
Posteriormente, como revela Venosa, o valor conferido às formalidades decresceu e cedeu lugar ao elemento volitivo:
O elemento subjetivo da vontade só vai conseguir sobrepujar o formalismo representado pela exteriorização de fórmulas na época de Justiniano, quando de certo modo se unifica o conceito de contrato com o de convenção. Não se chegou, porém, a ser uma identificação completa (2003, p. 365).
Assim, com o passar do tempo, após o fim da alta Idade Média, as práticas medievais passaram a dar prevalência à forma escrita e o sentido da obrigatoriedade dos contratos cresceu, influenciado pela Igreja, pelo renascimento dos estudos romanos, bem como pelos costumes mercantis, que passavam a dinamizar as relações e tendiam a simplificar as formas contratuais.
Percebe-se que a complexidade das relações sociais, principalmente as mercantis, colaborou para a flexibilização de algumas regras relativas a solenidades.
2.3 A RELEVÂNCIA DO TEMA PARA O DIREITO E PARA A SOCIEDADE
“O contrato está para o civilista, assim como o crime está para o penalista”. Essa foi a forma que Pamplona Filho e Gagliano (2010) encontraram para expressar a importância que entendem merecer o tema para o Direito Civil.
De fato, a existência dos contratos é de suma relevância para a sociedade e é antiga o suficiente para não haver quem lhe marque data de surgimento. ARNOLDO WALD diz que:
Poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escala de valores tão distintas quanto às que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista (p. 43).
Na primeira codificação moderna, o Código Civil napoleônico, promulgado em 1804, o contrato vem disciplinado no livro dedicado aos “modos de aquisição da propriedade”. Venosa (2003, p. 362) ressalta que, como meio de afastar os privilégios da antiga classe dominante, aquele Código elevou a aquisição da propriedade privada ao nível de direito da pessoa.
O contrato, no contexto mencionado, foi um instrumento para se chegar à propriedade, já que o indivíduo poderia, agora, ter total autonomia para contratar bem como para ser proprietário. Ele popularizou a propriedade sobre os bens, que antes somente estava acessível a uma classe privilegiada.
O Código francês teve a liberdade e a propriedade como elementos indissoluvelmente ligados. Não era possível conceber um sem o outro, e eram justamente os contratos as regras que ligavam as pessoas às coisas. De modo que, assim, o contrato, acordo de livre vontade entre as partes interessadas, criava a oportunidade para que a classe, até então desfavorecida, obtivesse bens que classes antigas detinham.
1.4 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CONTRATUAL
1.4.1 AUTONOMIA DA VONTADE OU CONSENTIMENTO
Não pode haver contrato sem vontade ou, melhor dizendo, sem a livre manifestação de vontade não é possível celebrar-se negócio jurídico bilateral. O querer humano é o ponto inicial, a pedra fundamental para que possa surgir o contrato.
Hoje, entretanto, não tem a autonomia da vontade o mesmo sentido de um século atrás. Ela sofreu mitigações tanto por normas legais (como as que vedam as cláusulas abusivas nos contratos consumeristas), como outras de natureza também principiológica, a exemplo da função social do contrato, que embora não possa anular a livre iniciativa, exige uma interpretação conjunta, de modo a se compatibilizar com todo o sistema. É o que diz Arruda Alvim:
Parece, portanto, que a função social vem fundamentalmente consagrada na lei, nesses preceitos e em outros, mas não é, nem pode ser entendida como destrutiva da figura do contrato, dado que, então, aquilo que seria um valor, um objetivo de grande significação (função social), destruiria o próprio instituto do contrato (ALVIM, p. 298)
É de suma importância ter em mente que o princípio em estudo deve ser entendido sob dois aspectos distintos. Por um lado, significa liberdade de contratar, faculdade de celebrar ou não determinado contrato. De outro, representa a possibilidade de dispor sobre o conteúdo do contrato.
1.4.2 FORÇA OBRIGATÓRIA DO CONTRATO
A obrigatoriedade dos termos do contrato decorre naturalmente de sua função social. O Direito Romano, resumindo talvez milênios de evolução da idéia contratual, já enunciara a regra, com o caráter absoluto e irrefragável, de um postulado de sua vida social e política, fundada no mais extremado individualismo (VENOSA, 2003).
Esse princípio é também conhecido como pacta sunt servanda e traduz a obrigatoriedade decorrente dos termos ajustados, o que lhe confere utilidade econômica e social (PAMPLONA FILHO; GAGLIANO, 2010).
Esses autores indicam que de “nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contraentes não tivesse força obrigatória”. De fato, não há qualquer dúvida da imprescindibilidade da vinculação entre os contratantes e sua manifestação de vontade expressada no instrumento respectivo. Sem vinculação não haveria hoje a utilidade social que ele proporciona.
A força obrigatória que é atribuída pela lei aos contratos é, desse modo, pedra angular, pedra de toque da segurança jurídica no comércio, de modo que sem ela a palavra dos homens careceria de força para lhes obrigar a cumprir seus ajustes.
3 CONTRATO ADMINISTRATIVO
Como visto acima, de acordo com a teoria geral dos contratos, o termo contrato designa a relação jurídica formada por um acordo de vontades, em que as partes obrigam-se a prestações concebidas como contrapostas e de modo que nenhuma das partes pode unilateralmente modificar ou extinguir o que se firmou (MELLO, 2010).
Por ser acordo bilateral e consensual, afirma-se que o contrato representa modalidade de composição pacífica de interesses e que estabelece lei entre as partes.
A consensualidade para configuração do vínculo e a autoridade de seus termos, que se impõem aos contratantes são, desse modo, pontos essenciais e nucleares do contrato.
Por seu turno, o contrato administrativo é concebido como o ato plurilateral ajustado pela Administração Pública ou por quem lhe faça as vezes com certo particular (entidades administrativas, pessoas jurídicas controladas direta ou indiretamente etc), cuja vigência e condições de execução a cargo do particular podem ser instabilizadas (afetadas ou alteradas) pela Administração Pública, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante particular (GASPARINI, 2010).
Carvalho Filho, por sua vez, vê o contrato administrativo como um acordo firmado entre Estado e um particular, regulado essencialmente pelo direito público e supletivamente pelo direito privado, no que não for incompatível com os princípios administrativos aplicáveis (conforme art. 54 da Lei nº 8.666/1993), tendo por objeto uma prestação que, de algum modo, deve atender ao interesse público.
Para Di Pietro (2003), é o ajuste que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público.
Essa respeitável autora ainda explica a distinta relação entre uma parte e outra, dependendo do regime adotado para a execução do contrato, se público ou privado.
Ademais, é importante dizer que, normalmente, nos contratos de direito privado, a Administração se nivela ao particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da horizontalidade, enquanto que nos contratos administrativos a Administração age como poder público, com todo o seu poder de império sobre o particular, caracterizando-se a relação pela nota da verticalidade.
No dizer de Bandeira de Mello, contrato administrativo pode ser assim conceituado:
um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros, na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas, ou do tipo de objeto a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado (2010, p. 621).
3.1 SUJEITOS DO CONTRATO
Conforme estabelece o art. 6º da Lei regente (8.666/1993), as partes serão, de um lado a Administração Pública direta (união, Estado-membro, municípios e Distrito Federal), autarquias, fundações, sociedades de economia mista ou empresas públicas, desde que, quanto a estas últimas, trate-se de prestadoras de serviço público, legalmente denominada contratante; de outro, o particular ou contratado (GASPARINI, 2010).
Além desses sujeitos administrativos, a Lei também será aplicável quando em um dos pólos estiver entidade sujeita a controle direto ou indireto de uma daquelas pessoas retro citadas (entidades criadas pela própria pessoa jurídica integrante da administração indireta ou por alguma pessoa política).
Mesmo não sendo comum, é plenamente possível que em ambos os lados do contrato estejam presentes entidades administrativas. Em casos tais, porém, postulados dos contratos administrativos, como o da supremacia de uma das partes não tem incidência por razões óbvias.
Por fim, ainda quanto a este tópico, merece menção o fato de que embora seja insuficiente para, isoladamente, caracterizar o contrato administrativo, o sujeito administrativo (entes federativos, pessoa jurídica da Administração indireta ou entidade controlada direta ou indiretamente por uma daquelas) sempre é elemento presente nos acordos em tela.
3.1.1 LEI COMPLEMENTAR 123/2007
O Constituinte, no art. 170 do texto maior, instituiu o princípio do tratamento favorecido às empresas de pequeno porte e microempresas, e determinou que, em virtude disso, os entes federativos dispensassem-lhes tratamento jurídico diferenciado mediante a criação de uma gama de regras especiais, a fim de reduzir exigências burocráticas desnecessárias, proporcionando-lhes benefícios tais como a simplificação, redução ou afastamento de suas obrigações administrativas, tributárias, dentre outras (CARVALHO FILHO, 2009).
Não incidirão essas regras, porém, em determinadas situações (arts. 24 e 25 da Lei 8.666/93) quando:
a) - Não houver previsão expressa no instrumento convocatório;
b) - Não existirem mais de três microempresas ou empresas de pequeno porte no local ou na região, capazes de se adequarem às exigências do edital;
c) - As regras de preferência não implicarem vantagem para a Administração ou lhe acarretarem prejuízo em relação ao objeto licitado;
d) - For o caso de dispensa ou inexigibilidade de licitação.
3.2. INTERPRETAÇÃO
Assim como na interpretação de leis muitas vezes é necessária a pesquisa do seu real alcance e sentido, nos contratos administrativos suas cláusulas também podem carecer de interpretação, sobretudo em se tratando de termos e expressões genéricos.
Diógenes Gasparini (2010) ensina que, a fim de obter uma correta interpretação dos contratos administrativos, os mesmos devem ser separados em dois grupos: de colaboração e de atribuição.
Enquanto os primeiros são ajustes em que o particular se obriga a uma prestação em face da Administração, os segundos consistem em acordos que investem o particular em algum direito ou privilégio, sendo que o principal beneficiado e interessado é o contratado. Naquele prepondera o interesse público; neste, o interesse privado.
Essa noção é pertinente na medida em que orienta o intérprete na execução do contrato, permitindo que se dê maior importância a um ou a outro enfoque em casos de conflito de interesses. Se no contrato de atribuição a exegese deve privilegiar o particular, em face do fato de que os acordos são concertados predominantemente em favor do interesse privado, no contrato de colaboração a interpretação deve ser em benefício do interesse público (GASPARINI, 2010).
Esse ensinamento é preceito básico de hermenêutica, segundo a qual a interpretação, a busca pelo sentido e alcance das normas, deve ser feita tendo em vista o contexto fático e jurídico.
3.3 PONTOS DISTINTIVOS ENTRE O CONTRATO ADMINISTRATIVO E O CONTRATO DE DIREITO PRIVADO DA ADMINISTRAÇÃO
Os regimes jurídicos, apesar de distintos, não são suficientes para distinguir os contratos privados da Administração e os contratos administrativos, já que tanto nestes quanto naqueles há incidência de normas de direito público.
O regime jurídico administrativo é caracterizado por prerrogativas e sujeições. Aquelas conferem poderes à Administração e colocam-na em posição de superioridade relativamente ao particular. Estas servem de limites à atuação do Poder Público, visando a garantir os direitos dos cidadãos e, sobretudo, o respeito às finalidades públicas (DI PIETRO, 2003).
No que tange às imposições (sujeições) em face da Administração, não há distinção considerável entre os contratos de direito privado e os administrativos. Ambos seguem exigências de forma, procedimento, finalidade e competência.
Referente ao aspecto formal, todos os contratos da Administração (tanto quando atua como Poder público, como quando desempenha atividade sem fazer uso do poder de império) necessitam de forma escrita, ressalvados apenas poucos contratos de pequeno valor e pagamento imediato, nos quais se permite a forma verbal, conforme art. 60º, parágrafo único, da Lei 8.666/93 (DI PIETRO, 2003).
Quanto às finalidades e procedimentos para realização do contrato, também não há diferenças, pois tanto num como noutro existe a sujeição, embora em graus variados, à observância de requisitos previstos na legislação, como condição de validade, como é o caso de autorização legislativa, avaliação, exposição de motivos, licitação, publicação de atos ou aprovação pelo Tribunal de Contas competente.
Tratando das competências (atribuição para a prática de ato com previsão em lei), as regras são as mesmas, devendo toda competência estar pautada em lei (DI PIETRO, 2003).
Distintamente é o caso das prerrogativas, que são previstas por meio das chamadas cláusulas exorbitantes ou de privilégio ou de prerrogativa. Sob este aspecto as diferenças são de interessante relevo.
Essas prerrogativas podem ser especificadas como regras que não são comuns, e por isso seriam ilícitas se constassem de contrato entre particulares, justamente por estabelecerem privilégios a uma das partes em detrimento da outra, o que é objeto de vedação pela lei civil.
Algumas cláusulas seriam ilícitas nos acordos entre particulares em virtude de reconhecerem o poder de império e autoridade apenas à Administração. É o que se dá com a previsão de aplicação de penalidades administrativas, a retomada da concessão e a responsabilização do contratado sem necessidade de recurso ao Poder Judiciário.
Em todos esses exemplos, está presente o atributo de certos atos administrativos (auto-executoriedade), que permite a auto-execução dos atos sem necessidade de intervenção do Judiciário.
Em se tratando de contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes existem implicitamente, mesmo que não previstas contratualmente, já que são indispensáveis para assegurar a posição de supremacia do Poder Público sobre o contratado e a prevalência do interesse público sobre o particular.
Distintamente, quando celebra contratos de direito privado, a Administração costuma não necessitar dessa supremacia e sua posição pode igualar-se à do particular.
Nesses contratos, desde que exista lei que derroge o direito comum, apenas excepcionalmente será possível previsão de cláusulas exorbitantes, devendo constar expressamente do contrato, sob pena de não poderem ser opostas ao contratado (DI PIETRO, 2003).
3.4 DIREITOS DO CONTRATADO
Em decorrência da desigualdade existente entre o interesse público e o particular, várias são as regras e princípios regentes das relações privadas que sofrem mitigação quando o tema é contrato administrativo.
Isso, entretanto, não significa legitimar abusos ou arbitrariedades contra o contratado. Ora, uma vez que no Estado Democrático de Direito vige a regra do império da lei, mais razão há para que a Administração tenha sua conduta pautada no próprio ordenamento.
Assim, por um lado, em razão dessa vinculação entre atuação administrativa e a lei, e também a fim de evitar exageros administrativos no exercício dos poderes-deveres respectivos, a legislação tem estabelecido medidas administrativas e judiciais que homenageiam o contratado (GASPARINI, 2010).
Dentre elas citam-se os recursos administrativos previstos no art. 109 da Lei 8.666/93, a representação ao Tribunal de Contas ou ao Controle Interno competente (art. 113) e o mandado de segurança.
Dentre os direitos exigíveis, alguns dos mais relevantes são:
a) Direito à inalterabilidade do objeto;
b) Direito à intangibilidade da equação econômico-financeira (STJ AgRg na SLS 79/SP);
c) Direito de receber o preço nos termos e condição avençados;
d) Direito de suspender a execução do contrato nos casos do art. 78, XIV e XV, da Lei em estudo.
4. REGIME JURÍDICO
O regime jurídico se refere ao conjunto de regras e princípios que devem reger as relações decorrentes do acordo administrativo. Pode ser de direito público ou privado. Ele é determinante, pois, para se definirem as regras aplicáveis ao contrato.
Desse modo, em sendo predominantemente de direito público, tratar-se-á de contrato administrativo. Em sendo aplicáveis preponderantemente leis do direito privado, estar-se-á diante de contrato privado da Administração Pública.
Bandeira de Mello (2010) diz que o regime jurídico-administrativo é o conjunto de princípios peculiares ao Direito Administrativo, os quais guardam entre si uma relação lógica de coerência e unidade.
De acordo com esse respeitável autor, o sistema de Direito Administrativo se construiria com base nos princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e no da indisponibilidade do interesse público pela Administração. (MELLO, 2010).
O autor ainda cita Garrido Falla, quando este aduz que o Direito Administrativo se erige sobre o binômio "prerrogativas da Administração – direito dos administrados". (VIOLIN; TABORDA, 2003).
Estabelece a Lei de Licitações, nos incisos de seu art. 58, que o regime jurídico dos contratos administrativos, instituído por essa lei, confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: fiscalizar-lhes a execução; aplicar sanções motivadas em casos de inexecução total ou parcial do ajuste; nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, além de modificá-los unilateralmente para melhor adequá-los às finalidades de interesse público, rescindi-los unilateralmente nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei.
A esse conjunto de regras especiais dá-se o nome de cláusulas exorbitantes, sendo nelas encontrado, segundo inúmeros autores, o ponto distintivo entre o contrato administrativo e o contrato de direito privado.
Diógenes Gasparini ressalta que, apesar de receberem a denominação de cláusula, são, na verdade, deveres-poderes, cujo exercício pela Administração independe de sua inserção no corpo do contrato.
4.1 CARACTERÍSTICAS
4.1.1 RELAÇÃO CONTRATUAL
Essas são algumas peculiaridades decorrentes da própria natureza da relação jurídica estabelecida por meio do contrato administrativo:
a) Formalismo, pois, regra geral, é indispensável que sejam observadas certas formalidades, conforme arts. 60 a 64 do Estatuo regente;
b) Comutatividade, eis que ocorre equivalência entre prestação e contra prestação;
c) Confiança recíproca, porque o contratado é, regra geral, o que melhor comprovou estar capacitado para contratar com a Administração, do que decorre a vedação de se subcontratar obra, serviço ou fornecimento, além do limite consentido em cada caso;
d) Bilateralidade, que indica que o acordo de vontades representa obrigações para ambas as partes.
4.1.2 POSIÇÃO DE SUPREMACIA DA ADMINISTRAÇÃO
Enquanto que em contratos privados os direitos e obrigações das partes contratantes encontram-se num mesmo plano jurídico, em igualdade de condições, não havendo supremacia de uma sobre a outra, nos contratos administrativos ocorre diferente.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, também conhecido como princípio da finalidade ou finalidade pública, decorre da superioridade do interesse coletivo frente ao particular. (VIOLIN; TABORDA, 2003).
Dele também decorre a posição ímpar e especial dos órgãos e entidades da Administração Pública, que representam o interesse público, garantindo, por exemplo, a presunção de veracidade e de legitimidade de seus atos administrativos, assim como imunidade tributária, prazos processuais alongados etc.
A justificativa para isso reside em que, com vistas a viabilizar o alcance de um fim útil para a sociedade, estabelece-se o tratamento desigual em relação ao particular contratado, em situações nas quais haja clara necessidade, a fim de garantir a devida preponderância ao interesse da coletividade sobre o individual.
Ocorre tratamento diferenciado, por exemplo, relativamente ao princípio da imutabilidade unilateral dos contratos, bem como em vários outros casos previstos na Lei (arts. 58, 65 e 78, XII, da norma regente).
4.1.3 GARANTIAS
A Lei Federal de Licitações e Contratos permite que a Administração exija de seus contratantes uma garantia, com o fito de assegurar a execução do contrato. Essa faculdade deve ser feita fundamentadamente na fase de habilitação do processo licitatório e repetida no instrumento convocatório. (GASPARINI, 2010).
Essa exigência visa a assegurar o adequado adimplemento do contrato, ou na hipótese de inexecução total ou parcial, viabilizar o rápido ressarcimento dos prejuízos sofridos pela administração, por meio de ato auto-executivo, tais como a aplicação de multas e cobrança por meio da retenção de valores. (VICENTE PAULO; ALEXANDRINO; 2010).
Caso não tenha havido justificativa no procedimento de licitação, a previsão editalícia será considerada inexistente, pois viola o princípio da competitividade. Inversamente, em não constando do instrumento convocatório, também não poderá ser exigida do contratado em razão do princípio da vinculação do instrumento convocatório.
Por fim, determinada pela administração a necessidade de garantia, caberá ao contratado escolher dentre as várias espécies legais: caução em dinheiro ou títulos da dívida pública; seguro-garantia; fiança bancária.
4.1.4 EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA
Para Carvalho Filho,
equação econômico-financeira do contrato é a relação de adequação entre o objeto e o preço, que deve estar presente ao momento em que se firma o ajuste. Quando é celebrado qualquer contrato, inclusive o administrativo, as partes se colocam diante de uma linha de equilíbrio que liga a atividade contratada ao encargo financeiro correspondente. Mesmo podendo haver certa variação nessa linha, o certo é que no contrato é necessária a referida relação de adequação. Sem ela, pode dizer-se, sequer haveria o interesse dos contratantes no que se refere ao objeto do ajuste (2010, p, 189).
Quando pactuam, as partes implicitamente pretendem que seja mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O efeito principal desse verdadeiro postulado dos contratos é o de garantir aos acordantes a oportunidade de restabelecer o equilíbrio toda vez que, de algum modo, ele for rompido, bem como permitir que, em caso de impossibilidade desse restabelecimento, seja feita a rescisão.
3.1.5 MUTABILIDADE
A mutabilidade é um dos traços que caracterizam o contrato administrativo. Segundo vários autores, essa possibilidade seria decorrente das cláusulas exorbitantes, que conferem à Administração o poder de, unilateralmente, alterar as cláusulas regulamentares ou rescindir o contrato antes do prazo estabelecido, por motivo de interesse coletivo.
Como já colocado, o equilíbrio econômico-financeiro é a relação estabelecida quando da celebração do acordo, mediante assunção de obrigações pelo contratado e da respectiva contraprestação pela Administração.
Como são vários os motivos que podem dificultar a manutenção das condições iniciais do contrato, relativamente às cláusulas econômico-financeiras, doutrina e jurisprudência construíram uma teoria do equilíbrio econômico do contrato administrativo.
5. CLÁUSULAS EXORBITANTES
5.1 GENERALIDADES
Carvalho Filho diz que “o princípio da igualdade entre as partes, que importa a regra da imutabilidade dos contratos, deve passo ao da desigualdade, ao predomínio da vontade da Administração sobre a do outro contratante” (2010, p. 183).
Em outras palavras, quando as partes são iguais, prevalece a regra do tratamento isonômico; não o sendo, deve haver, então, tratamento desigual na medida das desigualdades existentes entre as partes.
Assim, a um só tempo, a regra da isonomia serve tanto para determinar igual peso aos interesses dos envolvidos em acordo consensual como para justificar a discriminação fundamentada em diferenças fáticas pertinentes e relevantes em cada caso.
O mesmo autor (2010, p. 183) ensina que as cláusulas exorbitantes são regras especiais que conferem à Administração prerrogativas na relação contratual, com embasamento na superioridade de seus interesses.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino explicam que:
As denominadas cláusulas exorbitantes caracterizam os contratos administrativos, são a nota de direito público desses contratos, as regras que os diferenciam dos ajustes de direito privado. São as chamadas exorbitantes justamente porque exorbitam, extrapolam as cláusulas comum dos de direito privado e não seriam neste admissíveis (2009, p. 496).
Tais privilégios podem vir de forma explícita ou implícita, podendo ter dois papéis. Segundo Hely Lopes Meirelles, “elas podem representar vantagem (prerrogativa) ou impor uma restrição à Administração ou ao contratado”.
Esse entendimento, entretanto, não é dominante no setor doutrinário, sendo que grande parte dos autores somente menciona as cláusulas exorbitantes como regras que traduzem poderes e prerrogativas especiais para a Administração, de modo que não representariam restrição ao poder público.
Diferente de Hely Lopes Meirelles, Vicente Paulo (2009), por exemplo, concebe a expressão “cláusulas exorbitantes” como sinônimo de prerrogativas especiais da administração pública nos contratos administrativos, decorrentes do regime jurídico de direito público a que se sujeitam esses contratos, mais especificamente, derivadas do princípio da supremacia do interesse público, e não como restrições especiais impostas à administração.
Em outras palavras, o autor quer dizer que as cláusulas especiais decorrem ou possuem fulcro na necessidade de garantir o atendimento do interesse público, que deve ser o direcionador de toda atuação da Administração.
Desse modo, essas cláusulas consistem em autênticos princípios de direito público e formam a estrutura do regime jurídico de direito público, que é aplicado essencialmente aos contratos administrativos.
Conforme art. 54 da Lei, são os seguintes:
a) Alteração unilateral do contrato;
b) Rescisão unilateral;
c) Fiscalização da execução do contrato;
d) Aplicação de sanções;
e) Ocupação provisória de bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, quando o ajuste visa à prestação de serviços essenciais.
5.2 FISCALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO
A prerrogativa para controlar e fiscalizar a execução do contrato administrativo é um dos poderes intrínsecos da Administração e, justamente por essa razão, a doutrina majoritária afirma que ela, implicitamente, estaria presente em toda contratação pública, o que leva os juristas à conclusão de que seria dispensável a previsão de cláusula expressa. (VICENTE PAULO; MARCELO ALEXANDRINO, 2010. p. 501).
A Lei 8.666/93 prevê que deve ser designado um representante da administração, com o fim especial de acompanhar e fiscalizar a execução do contrato, podendo ser feita a contratação de terceiros para assisti-lo e fornecer-lhe subsídios pertinentes a essa atribuição (art. 67). Vejamos o art. 67, citado:
Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
§ 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.
§ 2º As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.
Di Pietro faz importante observação no sentido de que o não-atendimento das determinações da autoridade fiscalizadora enseja rescisão unilateral do contrato (art. 78, VII), sem prejuízo das sanções cabíveis.
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2009, p. 501) também lembram que “o contratado deve manter preposto, aceito pela administração, no local da obra ou serviço, para representá-lo na execução do contrato (art. 68)”.
Cabe dizer que a fiscalização não exclui ou reduz a responsabilidade do contratado pelos danos que, por culpa ou dolo, a execução do contrato venha a causar a terceiros, consoante explicita o art. 70 da Lei 8.666/93, que segue:
Art.70. O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dono na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado.
5.3 ALTERAÇÃO UNILATERAL
Bem diferente do que ocorre no âmbito dos contratos privados, no qual é vedado sujeitarem-se os efeitos do acordo ao arbítrio de um dos contratantes, nos contratos administrativos essa possibilidade realça sobremaneira a superioridade de uma das partes, e a formação bilateral da vontade vem a ceder lugar à força da vontade unilateral alteradora. (CARVALHO FILHO, 2010).
Nunca é demais lembrar que, em se tratando de atuação administrativa, os poderes concedidos sempre implicam cumprimento de deveres. Assim, o poder de alteração unilateral deve sempre manter estreita relação com a busca pela melhor adequação às finalidades de interesse público, pois não se constitui um fim em si mesmo.
Deve a Administração, portanto, respeito aos direitos do administrado, relativamente aos limites legais de alteração unilateral e ao de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicialmente estabelecido.
Devido a essa prerrogativa de alteração unilateral do contrato, afirma-se que aos contratos administrativos não se aplica integralmente o postulado pacta sunt servanda, segundo o qual as cláusulas contratuais inicialmente estabelecidas devem ser cumpridas plenamente.
A modificação unilateral contratual pode se dar em dois casos:
a) Quando ocorre modificação do projeto ou das especificações com vistas à melhor adequação técnica aos fins do contrato (alteração qualitativa);
b) Quando é preciso modificar o valor em virtude do aumento ou diminuição quantitativa do objeto do contrato (alteração quantitativa).
Além de depender da ocorrência de uma das situações acima, alguns limites são impostos à Administração. Um deles é a impossibilidade de se modificar por ato unilateral as denominadas cláusulas econômico-financeiras, que mais resumidamente referem-se à remuneração prevista em contrato.
A permissão da Lei diz respeito apenas às cláusulas de execução, conhecidas também como regulamentares ou de serviço. Estas versam basicamente sobre o objeto do contrato e sua execução.
Isso implica em que as cláusulas econômico-financeiras dos contratos nunca podem ser modificadas unilateralmente, pois elas são a principal razão do interesse do contratado em manter o vínculo com a Administração, que é representada pela relação entre remuneração recebida como contraprestação e os encargos assumidos pelo particular (VICENTE PAULO; MARCELO ALEXANDRINO, 2009).
Destarte, se, em virtude da alteração unilateral, houver aumento dos encargos do particular, este terá o direito de se ressarcir das diferenças respectivas, o que tem a ver com o dever de equilíbrio econômico contratual.
Em outras palavras, uma vez que as cláusulas econômico-financeiras não podem sofrer alteração unilateral (pois afetam a relação ônus/bônus, inicialmente contratada), outras modificações feitas por parte da Administração que, indiretamente, alterem o mencionado equilíbrio, por onerarem diretamente o particular, gerarão direito a ressarcimento das diferenças.
Vistos os casos de modificação unilateral, resta esclarecer que alterações bilaterais não constituem privilégio, uma vez que resultam de consenso dos acordantes, cabendo aos mesmos dispor sobre as condições relativas a cada situação.
5.4 ÁLEAS EXTRAORDINÁRIAS
Dentre os três tipos de riscos ou áleas extraordinários que o contratado pode enfrentar no contrato administrativo (de natureza empresarial, administrativa e econômica) daremos atenção apenas aos relacionados à álea administrativa e econômica. São eles:
a) Fato do príncipe;
b) Alteração unilateral: tema visto no item 3.2 supra;
c) Fato da Administração; e
d) Teoria da imprevisão.
5.4.1 ÁLEA ADMINISTRATIVA : FATO DO PRÍNCIPE
Fato do príncipe é toda determinação estatal geral, imprevisível ou inevitável, que impeça ou, o que é mais comum, onere substancialmente a execução do contrato, autorizando sua revisão, ou mesmo sua rescisão, na hipótese de tornar-se impossível seu cumprimento. (VICENTE PAULO; MARCELO ALEXANDRINO, 2009. p. 523)
Di Pietro (2003) registra que embora não seja definido conceitualmente, o fato do príncipe encontra-se expressamente mencionado no art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/93, como situação que permite revisão contratual para garantir o respeito à regra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A Lei prevê também hipótese de revisão fundada em simples modificação de carga tributária ou na edição de leis que repercutam nos preços contratados. (VICENTE PAULO; MARCELO ALEXANDRINO, 2009).
Bandeira de Mello (2010) diz que fato do príncipe são os agravos econômicos resultantes de medidas tomadas sob titulação jurídica diversa da contratual, isto é, no exercício de outra competência, cujo desempenho vem a ter repercussão direta na economia contratual estabelecida na avença.
Convém entender por fato do príncipe os atos jurídicos e operações materiais, que têm repercussão sobre o contrato, e que foram efetuados pela coletividade que o celebrou, mas agindo em qualidade diversa da de contratante (BÉNOÎT, 1968. p. 639).
O fato do príncipe não é, pois, um comportamento ilegítimo nem diz respeito ao uso de competências extraídas da qualidade jurídica de contratante. Também não é inadimplência ou falta contratual.
Exemplificando, Bandeira de Mello cita o caso da “decisão oficial de alterar o salário mínimo, que afete decisivamente o custo dos serviços de limpeza dos edifícios públicos contratados com empresas especializadas neste mister” (2010, p. 645).
Importante realçar que o agravo patrimonial não libera o contratado de executar as obrigações acordadas com o Poder Público. De outro lado, o dano emergente investe o particular no direito de obter a reparação integral do prejuízo decorrente do fato que lhe aumentou os encargos (BENOÎT, 1968. p 641).
Esse dever de indenizar, decorrente indiretamente do fato do príncipe (medida geral que atinja o contrato apenas reflexamente), funda-se na responsabilidade extracontratual. É dizer, o dever da contratante (Poder Público) de recompor o equilíbrio econômico do contrato repousa na mesma idéia de eqüidade que serve de fundamento à teoria da responsabilidade objetiva do Estado. (DI PIETRO, 2003).
5.4.2 ÁLEA ADMINISTRATIVA: FATO DA ADMINISTRAÇÃO
Para Hely Lopes (19966, p. 217) fato da Administração é toda ação ou omissão do Poder público que, incidindo diretamente sobre o contrato, retarda ou impede a sua execução.
Trata-se de causa justificadora do inadimplemento do contrato e consiste em ato de autoridade da Administração, que não o pratica na qualidade de contratante, mas na de Poder Público. (DI PIETRO, 2003. p. 266).
Ele ocorre toda vez que uma ação ou omissão do Poder Público, especificamente relacionado ao contrato, impede ou retarda a sua execução.
Costumam distingui-lo do fato do príncipe, pois enquanto o fato da Administração se relaciona diretamente ao contrato, este é ato geral praticado pela Administração, que apenas reflexamente afeta o contrato.
Mello (2010) diverge dos autores supracitados quanto a pontos que lhe parecem essenciais no conceito em apreço. Primeiro, por entender que aqueles não mencionam que o fato da Administração é ato irregular e violador do contrato, o que no seu entendimento é importante para, justamente, dar identidade à figura do instituto.
Em segundo, os conceitos atacados exigem o retardamento ou impedimento da execução do contrato para caracterização do fato da Administração. A seu ver, basta a ocorrência do fato e o desrespeito ao direito do particular, sendo, portanto, irrelevante a efetiva ocorrência do impedimento ou atraso na execução. Basta o desrespeito ao direito do contratado, seja ele legal ou contratual.
A Lei 8.666/93 prevê como conseqüência para o fato da Administração a indenização do contratado, uma vez que ambas as partes devem fielmente observar os preceitos acordados, respondendo cada uma pelos resultados de sua inexecução total ou parcial.
Exemplo de fato da Administração é a hipótese em que o Poder Público não libera na ocasião devida o local da obra ou serviço, não providencia as desapropriações necessárias ou atrasa demasiadamente os pagamentos.
5.4.3 ÁLEA ECONÔMICA: TEORIA DA IMPREVISÃO
Regra da maior importância no tema referente a contratos é a que estipula que o objeto do contrato deve ser cumprido. Ou seja, uma vez que o contrato é resultado de consentimento das partes, ele deve ser respeitado em sua integralidade.
Trata-se de princípio da maior relevância, pois a sua banalização esvazia totalmente o valor dos ajustes, já que se os termos pactuados não tivessem poder vinculante, inútil seria formalizá-los. Assim, não havendo obrigatoriedade no cumprimento dos acordos, cada um estaria limitado apenas pelo seu próprio arbítrio.
A teoria da imprevisão foi construída justamente para justificar a exceção à regra nos casos em que sobrevêm eventos excepcionais e imprevisíveis que, de algum modo, subvertem a equação econômico-financeira do acordo. (CARVALHO FILHO, 2009).
Em outras palavras, a teoria da imprevisão não enfraquece nem viola a regra de que o contrato deve ser cumprido. Ela apenas defende que deve ser cumprido, mas que, fundado nos ditames da justiça e razoabilidade, isso não será desejável nas situações em que profundas mudanças alteraram as condições existentes no cenário dentro do qual o pacto foi ajustado.
Carvalho Filho (2009) afirma que o efeito da teoria da imprevisão tem duas vertentes. Se a parte prejudicada não puder cumprir, de nenhuma maneira, as obrigações contratuais, deve ser feita a rescisão sem culpa se o cumprimento for viável, mas acarretar ônus para a parte, terá esta direito à revisão do preço para restaurar o equilíbrio rompido.
6. CLÁUSULAS ABUSIVAS NO DIREITO CONSUMERISTA
6.1 CONCEITO DE “CLÁUSULA”
Segundo RIZZATTO NUNES, o sentido do termo “cláusula” estampado no caput do art. 51 é mais amplo do que o de “cláusula contratual”. Diz:
claro que o sentido estrito de “cláusula contratual” está previsto. Mas deve-se entender o vocábulo “cláusula” da norma na sua acepção mais ampla, de todo e qualquer pacto ou estipulação contratual, escrito ou verbal, de todas as formas possíveis de fazerem nascer relações jurídicas de consumo (2005, 250).
6.2 REGULAÇÃO NO CDC
Art. 51 do Código de Defesa do Consumidor:
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
Como se percebe, o legislador pretendeu estipular os casos em que se presume a abusividade da cláusula. O importante quanto a isso é lembrar que é unânime o entendimento segundo o qual o rol acima é apenas exemplificativo, não restringindo as hipóteses de abusividade possíveis contra o consumidor.
6.3 CARACTERIZAÇÃO
Como se nota, o Legislador, no artigo supracitado, não definiu um conceito para o que se denomina “cláusula abusiva”, o que coube à jurisprudência e à doutrina fazê-lo.
O que o Código fez foi indicar a abusividade em casos expressos (art. 53, por exemplo) e presumi-la em alguns casos, como na lista exemplificativa do art. 51 do Código consumerista.
Nelson Nery diz que elas:
são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas. (1997, p. 1379).
Tais cláusulas não se limitam aos contratos de adesão, mas a todo tipo de acordo, escrito ou verbal, vez que o desequilíbrio contratual configurado pela superioridade do fornecedor sobre o consumidor ocorre em qualquer contrato e independe da técnica contratual utilizada. (CARVALHO, 2009).
É interessante notar que, diferente do que faz o Código Civil, ao reconhecer dois tipos de nulidade, a relativa e a absoluta, o CDC apenas dispõe sobre as nulidades absolutas, determinando que as mesmas são nulas de pleno direito.
Por essa razão não há espaço para se falar em cláusula abusiva que possa ser validada. Uma vez que nasceu nula, não há como lhe atribuir qualquer valor. (NUNES, 2005).
Uma vez que é nula, a doutrina entende que a cláusula abusiva deve ter, então, fulminados sua validade e efeito desde antes do pronunciamento judicial.
É dizer, o efeito da decisão que reconhece a nulidade existente desde a efetivação do negócio jurídico terá efeitos retroativos, sob pena de serem respeitadas as conseqüências de regras contratuais excessivas e abusivas, o que não coadunaria com a própria idéia estampada na norma especial.
Em função dessa qualidade de ordem pública, também, fica o consumidor desobrigado do cumprimento de toda obrigação que lhe seja imposta mediante cláusula abusiva.
6.4 TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE A TERCEIROS
Reza o inciso III que são nulas de pleno direito as cláusulas que “transfiram responsabilidades a terceiros”.
A razão de ser desse dispositivo está em que não se pode alterar por vontade própria a responsabilidade que já vem prevista em lei. Uma vez que o legislador estabeleceu regra de responsabilidade para os fornecedores, não podem estes, por meio de cláusula contratual, eximirem-se, transferindo-a a terceiros.
É o que ocorre, por exemplo, com agências de turismo que remetem o cliente ao hotel ou às companhias aéreas, mesmo tendo sido o pacote turístico vendido diretamente por ela.
O mesmo ocorre com empresas que disponibilizam plano de assistência médica e transferem a responsabilidade aos profissionais credenciados.
6.5 MODIFICAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO
Dispõe o Código de defesa do Consumidor que são nulas de pleno direito as cláusulas que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração”.
Nota-se que mesmo sendo, no caso da alteração unilateral, patente a violação a princípios basilares, como o da boa-fé contratual e o da igualdade entre as partes, o legislador fez questão de não deixar dúvidas quanto ao assunto e proibiu qualquer privilégio concedido ao fornecedor frente ao consumidor.
Desse modo, uma vez ocorrida a celebração, fica proibida toda e qualquer alteração feita de forma unilateral pelo fornecedor, sem o anterior consentimento do cliente, consumidor.
Vê-se que, assim como na alteração unilateral de preço, a alteração unilateral tem natureza potestativa e, por isso, deve sujeição a ambas as partes contratantes. Se o contrato é acordo de vontades, qualquer modificação, com relação ao conteúdo ou qualidade do contrato deve ser precedida de manifestação de todas as partes envolvidas, sob pena de nulidade absoluta.
São exemplos de casos que incidem na vedação em comento a cláusula que permite o fornecedor alterar taxa de juros ou os materiais que serão empregados em determinado serviço, ou ainda a que preveja de forma unilateral qual o índice será aplicado na correção dos saldos devedores do financiamento após a extinção do indexador originalmente contratado.
Desse modo, portanto, não é apenas o preço do produto ou serviço que não poderão ser alterados unilateralmente pelo prestador de serviço (fornecedor), mas qualquer aspecto, patrimonial ou não, decorrente da relação contratual.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vistas as principais notas características dos contratos administrativos, pode-se perceber que, de certa forma, há alguma semelhança nas relações mantidas entre Administração e particular e entre fornecedor e consumidor. Explique-se.
Como exposto acima, em ambos os tipos de relação o legislador estabeleceu regras que indicam a existência de maior proteção e concessão de privilégios a uma parte em detrimento da outra.
Em se tratando de contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes conferem alguns poderes à Administração, os quais não possuiriam validade caso previstos em contratos particulares, uma vez que certas disposições não podem ser fixadas arbitrariamente por uma das partes sem o consentimento da outra.
A superioridade de uma das partes, neste caso a Administração, dá-se em virtude dos interesses que estão em jogo, denominados comumente como interesse público ou coletivo.
De outra parte, o legislador criou regras bem específicas para regular as relações consumeristas, tendo em vista as qualidades que tornam indubitável a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor.
O consumidor, regra geral, é hipossuficiente economicamente, pois o fornecedor, detentor dos produtos e serviços que oferece, geralmente costuma ter melhores condições financeiras que o consumidor.
É hipossuficiente tecnicamente, não entendendo sobre o assunto referente aos produtos ou serviços. No que se refere ao conhecimento jurídico relacionado às negociações, de igual maneira o consumidor é a parte mais frágil e, por isso, vulnerável, em razão de que muitas vezes se torna alvo de abusos.
O interessante de observar é que o legislador tem feito seu papel, no sentido dar tratamento distinto a situações que realmente necessitam de regulação especial, o que colabora para que sejam evitadas injustiças e abusos como os que ocorrem com muita freqüência nas relações de consumo.
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