ANOTAÇÕES SOBRE A DAÇÃO EM PAGAMENTO, A ASSUNÇÃO E A CESSÃO DE CRÉDITO

30/11/2018 às 20:21
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DE INSTITUTOS DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.

ANOTAÇÕES SOBRE A DAÇÃO EM PAGAMENTO, A ASSUNÇÃO E A CESSÃO DE CRÉDITO

Rogério Tadeu Romano

I – A DAÇÃO EM PAGAMENTO

Realmente a prestação como meio para pagamento serve ao credor para procurar satisfazer-se do crédito e, se tal ocorre, extingue a dívida. Pode tratar-se de coisa, direito ou serviço do devedor. A dívida permanece se o recebimento não ocorre. Não é o mesmo e outorga para o credor alienar a coisa ou o direito, ou cobrar a dívida de que é credor o devedor. Na dação pro solvendo, ou na cessão solvendi causa, a pretensão é de certo modo alcançada, até que o credor se desempenhe do que lhe cabe fazer, alienar ou cobrar, há condição suspensiva à exigibilidade; se o credor realizou o valor, dá-se a solução.

No Direito das obrigações, ocorre a dação em pagamento (ou do latim: datio in solutum) quando o credor aceita que o devedor dê fim à relação de obrigação existente entre eles pela substituição do objeto da prestação, ou seja, o devedor realiza o pagamento na forma de algo que não estava originalmente na obrigação estabelecida, mas que extingue-a da mesma forma, como explicou Silvio de Salvo Venosa (Direito civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 11. ed. São Paulo: Atlas). 

A dação é, portanto, uma forma de extinção obrigacional, e sua principal característica é a natureza diversa da nova prestação perante a anterior, podendo ocorrer, por exemplo, substituindo-se dinheiro por coisa (rem pro pecuni), uma coisa por outra (rem pro re) ou mesmo uma coisa por uma obrigação de fazer.

A dação em pagamento (datio in solutum) não deve ser confundida com a dação "pro solvendo", que não extingue a obrigação, mas apenas facilita o seu cumprimento. A dação pro solvendo ocorre na dação de um crédito sem extinção da dívida originária, que, ao contrário, é conservada, suspensa ou enfraquecida. Havendo datio pro solvendo, a dívida primitiva só se extingue ao ser paga a nova.

O endosso ou a tradição do título, já posto em circulação, é dação in solutum.

Se é decretada a nulidade ou anulação da dação em soluto, não houve extinção do crédito, inclusive se a anulação foi por erro(artigos 388 – 144).

Se há invalidação do negócio jurídico da dação em soluto, liberação não houve e o crédito resta incólume.

A dação in soluto pode ser objeto: a) de ação pauliana ou de fraude contra credores; b) de ação declaratória de ineficácia nos casos da falência. 

É importante registrar que se em virtude da dação em soluto, se procedeu a registro ou a cancelamento do registro, a decisão, que depois decretou a desconstituição do negócio jurídico da dação em soluto, é título hábil para se obter o cancelamento do registro, ou a retificação(novo registro com eficácia ex tunc).

Por sua vez, os defeitos fáticos do objeto não bastam para se destruir a liberação pela dação em soluto. A ação tem por fim a redibição ou a diminuição no preço, como se venda ou troca tivesse havido.

Se o direito não existia, ou foi decretada a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico a cuja eficácia se atribua, há a ação de enriquecimento injustificado a favor do devedor que deu em solutio.

Na cessio in solutio, extingue-se o crédito imediatamente, pois que o credor acordou em receber o crédito em vez do pagamento.

Quando há cessão solvendi causa, não há liquidez da dívida do cedente, porque é preciso que se vá apurando o que foi cedido.

Se na ocasião de pagar, o devedor quer pagar com cheque, ou o credor recusa o cheque, e incorre em mora o devedor; ou o credor aceita o cheque, e não se pode pensar em mora: a responsabilidade pelo pagamento cessou, começa a responsabilidade pelo cheque, que nada tem com o negócio jurídico de que se irradiara a obrigação de pagar.

Trata-se de forma de pagamento especial.

Como ensinava Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, tomo XXV, Bookseller, pág. 45), a entrega de bens em solução é inconfundível com a entrega de bens como meio para se solver, pela qual apenas se procura chegar à satisfação do crédito, dando-se ao credor o bem com que obtenha aquilo com que se pague, total ou parcialmente. A liberação é protraída.

Caio Mário da Silva Pereira ((Instituições de direito civil, volume III, nona edição, pág. 196) distingue a datio in solutum da datio pro solvendo, que se verifica quando o devedor assume junto ao credor uma nova obrigação (emissão de um título cambial, por exemplo, em lugar do pagamento, ficando ajustado que a antiga dívida somente ficará extinta em virtude do pagamento da nova). Aqui, como se lê, a distinção relativamente à datio in solutum é precisa: em vez de sub-rogação de uma na outra, subsistem duas obrigações, e, quando o devedor satisfizer a segunda (que é a que lhe cumpre solver preferentemente), ficam extintas as duas. 

É certo que, na doutrina, discute-se se o recebimento da coisa, em lugar do que se teria de receber, importar consentir: a) em dação ou cessão em soluto, ou b) em dação ou cessão solvendi, ou c) só em outorga do poder de vendere. Teixeira de Freitas(Esboço, artigo 1.116) adotou a posição c. Endemann(Lehbruch, I, 8ª e 9ª edição, 806, nota 14)) e C. Crome(System, II, 264, nota 21) preferiram a solução a. P. Oertmann(Das Recht der Schnuldverhältnisse, 261) e ainda G. Plank(Kommentar, II, 1, 481) entenderam que se trata de simples negócio auxiliar, de cuja eficácia depende a extinção da dívida. O Código Civil apresentou a solução a, mas distingue a entrega em lugar de pagamento, a dação meio de pagamento e a outorga de poder de venda, ou, em geral, de realizar o valor, ficando a decisão ao exame do que foi querido.

Se o preço foi determinado, porém não se sabe ao certo se o bem ou os bens entregues compreendem pertenças ou veículos, a questão tem ser resolvida consoante os usos e costumes. Aliás, Pontes de Miranda(obra citada, pág. 46) citou decisão do Supremo Tribunal Federal, 13 de julho de 1951, DJ de 20 de abril de 153, para a solução do caso.

Questão importante diz respeito a vício da coisa ou ainda a evicção.

Quanto aos vícios da coisa, necessário ler os artigos 441 do Código Civil.

A norma do art. 441, caput, do referido Código traz-nos a conceituação, da seguinte maneira: “A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que se destina, ou lhe diminuam o valor” (Art. 441, CCB-2002). No parágrafo único do mencionado artigo pode-se observar a possibilidade de vício ou defeitos ocultos, quanto às doações onerosas.

O vício redibitório como se vê é compreendido tão somente pelo estado em que a coisa, objeto de contrato comutativo, se encontra. Esta coisa dá ao adquirente garantia de pleitear em juízo.

Na verdade, a garantia de pleitear em juízo, segundo demonstra-nos Silvio Venosa(Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Volume 2, Sexta Edição, Atlas, São Paulo, 2006), “decorre da própria natureza do contrato. Contrato comutativo, (...) porque o contrato aleatório é incompatível com essa modalidade de garantia”

Importa lembrar que o assunto “vícios redibitórios” não se esgota na disposição do artigo 441 do Código civil, se estendendo, portanto, até a disposição do o art. 446.

            Devido a sua importância o legislador reservou aos vícios redibitórios uma seção específica no Código Civil de 2002, encontrando-se, portanto, na Seção V, do Título V, Dos Contratos em Geral.

 Portanto o transmitente ou alienante, que faça por título oneroso tem o dever e obrigação de “garantir a legitimidade, higidez e tranquilidade do direito que transfere” como destacou Venosa(obra citada, p. 546, 2006).

            Neste sentido Maria Helena Diniz(Curso de Direito Civil Brasileiro, Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, 3º vol, 17º Edição, São Paulo: Saraiva 2002) destaca que o alienante tem não só o dever “de entregar ao adquirente o bem alienado, mas também o de garantir-lhe o uso e gozo, defendendo-o de pretensões de terceiro quanto ao seu domínio. “

A responsabilidade por evicção poderá ser manuseada por instrumento contratual, onde poderá ser: excluída, diminuída, ou reforçada. A possibilidade de convenção das partes era tratada no antigo Código Civil no art.1.107, caput, atualmente disposta na norma do artigo 448. do Código Civil de 2002, onde estabelece que podem “as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção” (Art.448, CCB-2002). Portanto, a responsabilidade pela evicção “só poderá ser afastada se houver cláusula contratual expressa, determinando sua exclusão” , como ensinou Maria Helena Diniz(obra citada, p.127, 2002).

 Um problema que pode haver é se houver evicção.

Ela suscitava, no direito romano uma série de soluções. Dizia-se, de um lado, que  a consequência seria a repristinação da primitiva obligatio, quer fosse parcial, quer fosse total a evicção. Mas de outro lado, sustentava-se que a antiga obrigação, extinta pela datio, não se restabelecia, competindo ao credor evicto uma ação ex empto, pela qual era indenizado do dano sofrido.

O Código Civil de 1916, pronunciava-se pela primeira solução enquanto que os demais sistemas como o italiano, o uruguaio, o argentino, inclinavam-se pela segunda.

Se o devedor oferece coisa que não lhe pertence, a lei determina o restabelecimento da antiga obrigação, tornando sem efeito a quitação. Se o credor for evicto (perda da propriedade em virtude de sentença judicial ou ato administrativo de apreensão) da coisa recebida, a obrigação primitiva será restabelecida, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé (art. 359 do CC). O devedor responde por eventual vício redibitório (defeito oculto) da coisa entregue.

Por sua vez, o artigo 358 do Código Civil determinava que:

Art. 358. Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão.

Na cessio in solutum, extingue-se o crédito imediatamente, pois que o credor acordou em receber o crédito em vez do pagamento. Tal instituto é inconfundível com o da cessio solvendi causa, pelo qual se cede o crédito ao credor, para que o cobre e fique, a título de pagamento, com o que for cobrado. Aqui, a dívida só se extingue quando se recebe o quanto e na medida em que for recebido, assumido, pelo credor, o dever de diligência no cobrar.

A entrega da letra de câmbio, ou nota promissória, criada pelo devedor, é assunção de nova obrigação em lugar do pagamento, e não dação em pagamento. E como disse Pontes de Miranda(obra citada, pág. 48): “salvo cláusula expressa, que a faça ser solutum, e pro solvendo a assunção da obrigação. Se não se satisfaz o crédito, o crédito primitivo persiste, o que é de grande importância prática no tocante às garantias. Na dúvida, a assunção da dívida nova é pro solvendo e não in solutum”.

Assim o artigo 358 do Código Civil não cogitou da assunção de dívida nova; mas, tão-só, da cessio in solutum. Só há cessio solvendi causa, se isso foi declarado. Na dúvida, se houve dação de título de crédito(não assunção da dívida em título de crédito), se há de entender in solutum, e não solvendi causa.

Assim se tem:

  1. Dação em soluto, sendo o objeto título de crédito(contra outrem), trata-se de título ao portador, ou de título endossável, ou de título de que se precise fazer cessão do direito incorporado, ou de título mero instrumento de prova;
  2. Promessa do devedor em título de crédito, ou assunção de dívida em simples documento;
  3. Datio pro solvendo de título de crédito(contra outrem).

A espécie  a tem-se por dação in soluto, se houve transferência – qualquer que seja – e referência a pagamento. Na dúvida é in solutum.

A espécie B tem-se, na dúvida, como pro solvendo.

A dação de cheque, com endosso, ou pela tradição, se ao portador, é cessio in solutum. A dação de cheque, que o devedor assina, é dação in solutum, e não cessão in solutum.

Disse ainda Pontes de Miranda(obra citada, páginas 48 e 49):

“Se alguém recebe cheque e dá quitação, sem nela aludir ao cheque, considerou solvida a dívida, a seu próprio risco. A responsabilidade do devedor, que o subscreveu e emitiu, é a de qualquer responsável por dívida chéquica.  

Se, ao receber o cheque, assinado pelo devedor, o credor entrega ao devedor o título e esse é título que entra na classe dos títulos de que fala o art. 324 do Código Civil, presume-se o pagamento. Ao credor cabe provar, dentro dos sessenta dais, que não foi solvida a dívida(art. 324, parágrafo único), ou exercer, no tempo que a legislação sobre o cheque lhe dá, as ações pertinentes.

Se houve cessão (arts. 358 e 286 – 298), o devedor cedente é responsável ao credor cessionário pela existência do crédito ao tempo da cessão, ainda que se não haja responsabilizado por isso(art. 294), porém não pela solvência do devedor cedido, salvo estipulação em contrário(artigo 296).

O pagamento com cheque de firma alheia é dação em soluto, portanto pro soluto, e não pro solvendo. Não é título de crédito para que se invoque o artigo 358 do Código Civil.  

Quanto à letra de câmbio, à nota promissória e à duplicata mercantil, o endosso é in solutum, e a emissão tem-se, na dúvida, como solvendi causa, se anterior, ou não, ao vencimento da dívida.”

Todo o raciocínio que é exposto por Pontes de Miranda, é de que não tenha havido novação.

II – DELEGAÇÃO E A NOVAÇÃO

Discute-se a questão da delegação.

No direito romano, delegatio e delegare correspondem a quaisquer casos em que se procura fazer devedor alguém que não seja o delegante, abstraindo-se de qualquer que seja o fim da delegação, ainda que o delegado não seja devedor. 

A delegação se distingue da assinação, no sentido moderno, que é a ordem de prestar e não de prometer.

Instrumento importante de crédito e da sua circulação, o instituto da delegação, a que os romanos fizeram largo recurso e cujos princípios ainda hoje informam numerosas figuras jurídicas de transmissão de créditos ou de débitos, assume aspectos e funções diversas segundo os fins especiais a que tende e as relações sobre que se baseia.

Na sua forma mais simples é a delegação uma ordem dada por uma pessoa à outra para fazer uma prestação ou para fazer uma promessa a um terceiro, de modo que a prestação ou a promessa se considera feita por conta da primeira. São, portanto, necessárias sempre três pessoas na relação: um delegante, que dá a ordem de pagar ou prometer, um delegado a quem a ordem se destina e um delegatário a quem a prestação ou a promessa é feita. Se a ordem é de pagar, há uma delegação de crédito, mas não há substancialmente diferenças para as duas espécies.

Na lição de Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, volume III, 3ª edição, tradução Dr. Ary dos Santos), a causa, que, em regra, está na base de tal ordem, é uma dupla relação de débito entre o delegante e delegado e entre delegado e delegatário.

Distingue-se ainda uma delegação ativa, quando um credor indique ao devedor um terceiro que deverá receber, isto é, substitua a si uma pessoa para que receba do devedor; e uma delegação passiva, quando um devedor se substitua por um outro pagar, isto é, ordene a um terceiro que pague ao credor. Ora, tanto numa como noutra hipótese, esta ordem ao terceiro de receber ou de pagar pode ser dada de modo que a substituição do novo credor ou do novo devedor seja plena e completa, isto é, importe extinção da primeira relação obrigatória e o nascimento de uma nova pela mudança de um dos sujeitos, ou então menos plena, por implicar simples acrescentamento de um novo sujeito ao originário, e contrapõe-se do que chamam de delegação novativa ou perfeita, porque opera uma novação e porque só aquela que produz este efeito é considerada, verdadeira e própria delegação.

A  delegação novativa ativa, prevista no artigo 1.267 n. 3 e seguintes do Código Civil Italiano de 1865, em que o credor se faz substituir por uma outra pessoa para que esta receba do devedor, produz a liberação deste para com o primitivo credor(delegante), sendo necessário o consenso das três partes e a intenção concorde de novar(animus novandi).

A delegação novativa passiva, que era prevista nos artigos 1.267, n. 2 do Código Civil de 1865 na Itália e art. 1.255, na qual o devedor se faz substituir por um novo obrigado, também se verifica mediante o concurso da tríplice vontade do devedor originário(delegante), do novo(delegado) e do credor(delegatário), implicando liberação do primeiro devedor, cujo lugar é ocupado pelo segundo. A vontade do novo devedor destina-se a assumir a obrigação por conta do delegante; a do credor deve destinar-se, além da aceitação do novo devedor, a libertar o antigo.

A novação, diga-se,  pode ser subjetiva ou objetiva, não se presume. O animus novandi não se presume. Deve entrar no mundo jurídico a vontade de novar(exinguir uma obrigação e criar outra). Nota-se que a parecença da novação objetiva com a dação em soluto é evidente, não apenas porque ambas são modos de liberação e liberam sem ser com o objeto do pagamento. Na novação objetiva o devedor continua devedor, o que não ocorre com a dação em pagamento. 

A novação subjetiva passiva dispensa a manifestação de vontade do devedor, em virtude de princípio de que as aplicações ao adimplemento, à assunção da dívida alheia e à novação, como explicou Pontes de Miranda(obra citada, tomo XXIII, pág. 113) apenas exprimem espécies. 

Não há, aí, sucessão particular no crédito, não há assunção de dívida alheia. 

Por fim, dir-se-á que a novação(forma de extinção das obrigações sem pagamento e criação de outra) é inconfundível com o reconhecimento da dívida; pela novação, extingue-se; pelo reconhecimento, declara-se. 

Por sua vez, a delegação simples ou imperfeita é aquela em que falta qualquer novação(entendida por uns como translação da obrigação e por outros como substituição dela). Se um novo devedor é delegado para pagar o débito do delegante e o credor o aceita mas não libera o primeiro, o efeito é que um segundo devedor se junta ao primeiro. Tudo ocorre na mesma relação jurídica, ao contrário da novação, onde há extinção da anterior.

Se a dívida é em título de crédito e o devedor faz outro, causal, e o entrega, há novação, quase sempre, salvo se o título que se entregou somente corresponde a juros. Pode ainda ocorrer dação em soluto pela assunção de nova dívida. Há, então, como revelou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 51), uma promissio in solutum data, o que não tira o caráter real ou concreto da promessa e que se irradia o efeito, porém a dívida em relação a que se extingue foi objeto de contrato real.

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Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, tomo XXIII, ed. Bookseller, pág. 422, § 2.858) chama de assunção unifigurativa de dívida, tomada de dívida, a de um ramo só ou de um galho, assunção em que a relação jurídica é entre terceiro e credor, do jeito que não mais se precisa de qualquer ato para que a substituição do devedor se dê. 

Assunção unifigurativa da dívida é a assunção em virtude de contrato com o credor; bifigurativa, a em virtude de contrato com o devedor. 

Ainda Pontes de Miranda(obra citada) lembrou que o contrato de assunção de dívida concluído entre o terceiro e o credor tem eficácia liberatória. O credor não renuncia à dívida, mas libera o devedor. 

No sistema jurídico brasileiro, não há por onde se exigir mais do que se exigiria à cessão de crédito. 

Registre-se a partir das ideias do direito alemão que a sentença proferida entre o devedor e o credor tem eficácia de coisa julgada material quanto ao assuntor, porque esse é sucessor do devedor, quer o contrato de assunção de dívida tenha sido entre o credor e o terceiro, quer entre esse e o devedor, tendo-se dado o negócio jurídico unilateral do credor. Por sua vez, na assunção bifigurativa da dívida, sucessão só se dá após o negócio jurídico do credor; na assunção unifigurativa da dívida, com a conclusão do contrato entre o credor e o terceiro se inicia. 

Por outro lado, Pontes de Miranda(obra citada, pág. 424) afirmou que diz=se bifigurativa a assunção da dívida entre o terceiro e o devedor porque é de mister que o credor admita a substituição. 

O valor do crédito mais depende da aptidão do devedor a pagar, da sua solvabilidade, do que de qualquer outro elemento. Daí a importância da substituição do devedor. 

Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 415), a assunção de dívida e instituto que não se pode confundir com a novação. Na novatio ha outra relação jurídica onde pode acontecer que o sujeito passivo não seja o mesmo da relação juridica extinta. Na assunção de dívida, a relação jurídica persiste; só se lhe muda o sujeito passivo. Há sucessão singular na dívida. 

Não so dívidas de prestações fungíveis podem ser objeto de assunção da dívida. 

Essa assunção de dívida pode ser condicional ou a termo. 

Observe-se que há assunção de patrimônio e assunção das dívidas. 

Na aquisição de patrimônio, o adquirente obriga-se a solver as dívidas do alienante, como se fora o próprio devedor que as solvesse. A assunção das dívidas é então cumulativa, com a particularidade, em todo caso, de ser restrita às forças do patrimônio. 

A responsabilidade do assuntor começa com a conclusão do contrato e nã da transferência do ativo, de jeito que pode ser demandado antes dea posse dos bens do patrimônio. O contrato de assunção do patrimônio ocorre não só quando se conclui contrato de transferência do patrimônio, que contém acordo de transmissão de cada bem, crédito, dívida, pretensão, obrigação, ação e exceção, em globo, como ainda se concluem muitos contratos relativos a cada elemento com a mesma importãncia prática do contrato único, como ensinou O. von Gierke(Schuldnachfolge und Haftung Festschrift für F. von Martitz, 67). Esse contrato pode ser condicional ou a prazo. 

III – A PROMESSA DE TERCEIRO

Diversa era a promessa de terceiro, prevista no artigo 1.272 do Código Civil italiano de 1945.

Quando sem ser por ordem recebida, mas espontaneamente, um terceiro prometa ao credor de outra pessoa o que esta lhe deve, verifica-se a figura, que, na Itália, era chamada de espromissione, a qual pode corresponder, de resto, a alguns dos tipos pelos quais se faz a cessão. Mas, como orientou Ruggiero(obra citada, pág. 141), também essa promessa espontânea do débito alheio não produz tecnicamente sucessão a título particular no débito, porque ou concorre com a aceitação da promessa por parte do credor a vontade de libertar o devedor, pelo qual o promitente se obriga, e dá-se a novação, que pode efetuar-se sem o consentimento do primeiro devedor(artigo 1.270 do Código Civil italiano de 1865); ou falta essa vontade de o libertar e o efeito será a junção de um segundo devedor ao primeiro, que permanece obrigado, pelo menos subsidiariamente.

A simples indicação feita pelo devedor(indicação em pagamento ou consignação, assegnazione), de uma pessoa que deva pagar em seu lugar, não produz novação. Também não a produz a simples indicação feita pelo devedor de uma pessoa que deva pagar em seu lugar.  É um contrato unilateral pelo qual o devedor dá ao próprio credor a faculdade de receber de um terceira uma quantia para pagamento do que lhe é devido, ou pelo qual o credor autoriza o devedor a fazer a um terceiro o pagamento que ao primeiro é devido. Glucinski(Zur Lehre von der Assignation und delegation, 1877, pág. 299) via identificação com a consignação em pagamento.

IV – A CEDÊNCIA DO DÉBITO

Fala-se ainda em cedência do débito, cedência simples, cedência cumulativa e cedência novativa.

A cedência de débito, como expõe De Ruggiero(Accollo), é limitada apenas às mudanças do lado passivo das obrigações. A cedência é o ato de chamar a si um débito alheio, isto é, uma convenção entre o devedor e um terceiro, mediante a qual este toma sobre si o débito daquele. Este ato de tomar a responsabilidade de um débito alheio pode, porém, apresentar formas e aspectos diversos, conforme o terceiro tome inteiramente o lugar do primitivo devedor, libertando-o, mas deixando quanto ao resto imutável a obrigação originária; o substitua com efeito liberatório, mas transformando-se a obrigação antiga numa nova; ou ainda se acrescente como segundo obrigado ao primeiro, que fica vinculado subsidiária ou solidariamente. Há quatro tipos de cedência:

  1. A cedência simples, na qual o cessionário do débito alheio se obriga para com o devedor a pagar em seu lugar, mas em cujo acordo não toma parte o credor, que não perde, por isso, o seu devedor originário. O acordo entre os dois fará com que o cessionário se torne nas suas relações o devedor principal, sendo obrigado em primeiro lugar a satisfazer o credor, o qual poderá também contra ele se conhecer a convenção, mas subsidiariamente fica, todavia, obrigado também o primeiro, contra o qual o credor não pago poderá sempre agir;
  2. Cedência cumutativa: na qual ao primeiro devedor se acrescenta um segundo, ficando o novo e o originário solidariamente obrigados;
  3. Cedência novativa: que se dá mediante novação da primeira obrigação, isto é, a sua extinção e o nascimento de uma obrigação na qual um novo devedor toma o lugar do originário e fica liberto. Para surtir este efeito, deve com o acordo entre o primeiro e o segundo devedor, concorrer o consentimento do credor e uma correspondente vontade sua de novar, e a consequência será aqui, como em qualquer caso de novação, que extinguindo-se a relação antiga, as suas exceções e os seus privilégios não se transferem para a nova relação.
  4. Cedência privativa, que se distingue tanto das duas primeiras formas na parte em que um só é obrigado, isto é, que toma para si o débito como da terceira, pois que, posto que havendo liberação do primitivo devedor, não se dá mediante novação, visto que a primitiva obrigação não se extingue e apenas há a substituição pessoal do antigo devedor pelo novo.

Desde a introdução do processo formular em Roma e da cessão do crédito por meio de procuração in rem suam, a liberação do devedor cedente opera-se com a contestação da lide.

V – CESSÃO DE CRÉDITOS E A SUB-ROGAÇÃO

Por outro lado, há cessão de crédito que é um modo de transferência de créditos.

No direito romano não havia sucessão singular de créditos, ou em dívidas. Daí ter-se lançado mão da novação, para a qual se exigia a colaboração do devedor(delegatio nominis). Depois, com a intensificação do comércio e o influxo do ius gentium, foi que se criou algo de transmissão sem cooperação do devedor, que era a procuratio in rem suam. 

O procurator em rem suam era constituido para o processo, de modo que estabelecida entre ele e o demandado a relação jurídica processual, a condenação que atingisse o demandado, era para prestar ao outorgado, e esse, por estar em juízo(Gaio, Inst. II, § § 38 e 39, e IV, § 86; L. 3§ 5, D, de in rem verso, 15, 3). Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, tomo XXIII, ed. Bookseller, pág. 303) já dizia que entendia-se que tal procurador judicial também podia tratar amigavelmente. Mas os inconvenientes eram grandes, como, por exemplo, o devedor podia prestar ao credor outorgante, o outorgante podia revogar e o outorgante ou o outorgado podia morrer. 

A actio utilis viera obviar a esses inconvenientes, com a notificabilidade do devedor. No fim da evolução, que no direito romano se operara, teve-se apenas a sucessão singular no direito a exigir crédito alheio. A concepção romana do crédito ligado ao credor encontrou-se com a concepção germânica, a que repugnava essa dependência. 

A cessão com a mudança subjetiva e a permanência objetiva é concepção pós-romana. Só o sucessor in universum ius quod defunctus habuit, sucedia, no sentido hoje entendido para a sucessão singular nos créditos e nas dívidas. 

No direito germânico antigo sustentou-se que era necessário o consentimento do devedor, na cessão de crédito para a sua transferibilidade, como entenderam H. Brunner(Forschungen, 602 e 603), assim como O. Stobbe(Handbuch des deutschen Privatrechts, III, 3ª edição, § 226). 

No direito germânico empregou-se o mandato processual como meio para se transferir o crédito, inclusive, na Idade Média, com a cláusula "para ganho ou perda", como ensinou Pontes de Miranda, à luz do ensinamento de Georg Buch. 

No direito alemão, a permissão da transferibilidade era diferente do assentimento ou do consentimento, com que os sistemas posteriores quiseram construir a cessão de crédito(assentimento ao negócio jurídico de cessão, ou o consentimento em negocio juridico unilateral).

O expediente a que recorreram os romanos para tornar possível que quem tendo o crédito, sem extinguir ou novar a obrigação, o pudesse transferir para outra pessoa, foi, na sua origem, tratado como instituto da representação processual.

Consiste, modernamente, numa convenção entre o credor e terceiro, destinada a transmitir e, respectivamente, adquirir o crédito, e funda-se sobre uma justa causa, que é o fim econômico da transmissão.

São requisitos:

  1. Entre cedente e cessionário: o ato que transfere o direito de crédito é uma convenção entre o credor e o cessionário e como tal fica perfeito entre as partes, sem necessidade de formas especiais e solenes; pelo simples acordo daqueles, independentemente da adesão do devedor;
  2. Com relação a terceiros: é ela res inter alios para com terceiros;
  3. Em relação ao objeto: o princípio geral, que qualquer crédito ainda que a termo ou sujeito a condições, pode ser transferido mediante cessão, tem limites, ou na natureza do crédito, que não se preste a mudar de sujeito, ou em algumas proibições especiais da lei, que vedam a cessão de modo absoluto ou apenas relativamente.

O efeito da convenção é o de fazer entrar o cessionário no lugar do cedente, sem que em nada se altere a primitiva obrigação.

Com relação a terceiros, verificado o ato de cessão, o credor considera-se destituído, à face de todos, do seu direito e, em seu lugar, definitivamente investido no crédito o cessionário. 

A cessão de crédito é negocio jurídico bilateral de transmissão de crédito entre o credor e outrem, no direito brasileiro. A base dele pode ser um negócio jurídico, porém a cessão de crédito independe dele ou da sua existência. 

O credor cede porque é titular do direito. 

A cessão de crédito é negócio jurídico abstrato, uma vez que a cessão é abstrata, em si, não podendo ser nula por ilicitude do objeto. Se o negócio jurídico subjacente é nulo, cabe a repetição. 

A cessão de crédito não está sujeita a forma especial. A esse respeito, tinha-se o artigo 1.067 do Código Civil de 1916 onde dizia-se: 

Art. 1.067. Não vale, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se se não celebrar mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do art. 135 (art. 1.068). (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)

Parágrafo único. O cessionário de crédito hipotecário tem, como o sub-rogado, o direito de fazer inscrever a seção à margem da inscrição principal. 

Como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, tomo XXIII, pág. 308) não vale estava aí por ineficaz. 

O crédito que passa ao cessionário é o mesmo crédito, a que apenas se mudou o sujeito. As pretensões que se já existiam, transferem-se, como bem assim as ações. 

A pretensão futura pode ser cedida. 

O cessionário adquire o crédito como sucessor do cedente, e não diretamente. A cessão de créditos futuros apenas exige que se haja caracterizado o que se cede, isto é, que, ao nascer o crédito, se saiba ao certo, qual será o crédito cedido. 

Por fim, há o pactum de non cedendo. 

A cedibilidade pode ser pré-eliminada pelos contraentes; ou pelo devedor em virtude do negócio jurídico unilateral. A incedibilidade pode ser restrita. 

O devedor não pode impedir que o credor ceda o crédito. Todavia, pode o devedor pactuar de non cedendo. Essa não forma de cessibilidade pode ser restrito ao tempo. Esse pacto pode referir-se a dívida futura, a dívida a termo ou condicional. 

O fiador pode convencionar com o credor ou com o credor e o devedor a incedibilidade do crédito. 

O que não é personalíssimo vai com o crédito cedido. 

O devedor pode opor ao novo credor as objeções e as exceções que contra o cedente existiam ao tempo de se concluir o negócio jurídico entre o credor e o terceiro. 

Distingue-se da cessão de crédito da sub-rogação.

No Direito das obrigações, o pagamento com sub-rogação é um instrumento jurídico utilizado para se efetuar o pagamento de uma dívida, substituindo-se o sujeito da obrigação, mas sem extingui-la, visto que a dívida será considerada extinta somente em face do antigo credor, mas permanecendo os direitos obrigacionais do novo titular do crédito.

O ato de sub-rogar é substituir o credor, de modo que o pagamento por sub-rogação se assemelha a cessão de crédito por se tratar da pessoa do credor. Ocorre a sub-rogação quando a dívida de alguém é paga por um terceiro que adquire o crédito e satisfaz o credor, mas não extingue a dívida e nem libera o devedor, que passa a dever a este terceiro. 

Por sua vez, o expediente a que os romanos recorriam para tornar possível que quem tendo o crédito, sem extinguir ou novar a obrigação, o pudesse transferir para outra pessoa foi, na origem, dado pela representação processual. No direito moderno, há o instituto da cessão de créditos, que é o ato que transfere o direito de crédito numa convenção entre o credor e o cessionário e, como tal, fica perfeito entre as partes, sem necessidade de formas especiais, sem que haja, necessariamente, a intervenção do devedor. A transferência fica perfeita entre as partes pelo simples acordo entre elas e seja qual for a sua causa, desde que idônea, para justificar a aquisição. Para dar ao ato plena eficácia, mesmo para com terceiros, é, pois, necessário um meio que o torne público, e este meio é dado pela intimação da cessão ao devedor ou de sua aceitação por parte deste último. Entre o cedente e o cessionário o efeito da convenção é o de fazer entrar o cessionário no lugar do cedente sem que em nada se altere a primitiva obrigação. Não havendo nenhuma mudança objetiva na obrigação, resulta que com o crédito se transferem todos os seus acessórios, como as garantias pessoais. Diversa é a assunção de débitos que se dá entre os devedores, com a permissão do credor, mantendo-se a mesma obrigação. 

Voltemos a sub-rogação. 

O termo “sub-rogação” significa, no direito, substituição. Nessa modalidade de pagamento, um terceiro, que não o próprio devedor, efetua o pagamento da obrigação. Nesse caso, a obrigação não se extingue, mas somente tem o seu credor originário substituído, passando automaticamente a este terceiro (sub-rogado) todas as garantias e direitos do primeiro. O devedor, que antes pagaria ao originário, deverá realizar o pagamento ao sub-rogado, sem prejuízo algum para si.

No ordenamento brasileiro, existem duas modalidades de sub-rogação: a legal e a convencional. A primeira há a par do artigo 346, incisos I a III, do Código Civil, para que ocorra a sub-rogação, o terceiro opera de pleno direito nos casos taxativamente previstos pela lei, independentemente da manifestação de vontade de terceiros, e adquire os direitos do credor. Na sub-rogação convencional existe o acordo de vontade (ou entre o credor e terceiro ou entre o devedor e o terceiro), algo contemporâneo ao pagamento e expressamente declarado, uma vez que a sub-rogação não se presume. 

Se o terceiro solvens tem interesse jurídico vai se sub-rogar nos direitos do credor primitivo, ou seja, vai adquirir todas as eventuais vantagens, privilégios, garantias e preferências do credor primitivo, além de, é óbvio, exigir o reembolso. Ex: A deve cem reais a B com uma garantia de fiança ou hipoteca; se C pagar essa dívida terá direito a cobrar os cem reais de A, mas só terá direito à garantia da fiança ou da hipoteca caso C possua interesse jurídico (346, III). 

Efeitos da sub-rogação: 1) satisfativo em relação ao credor primitivo. O credor primitivo vai se satisfazer com o pagamento feito pelo terceiro, mas a obrigação permanece para o devedor; a sub-rogação não extingue a dívida; 2) translativo: o novo credor vai receber todas as vantagens e direitos do credor primitivo, desde que o pagamento tenha sido feito por sub-rogação (349).

Seja como for tanto a sub-rogação como a cessão de crédito se distinguem da novação, que é forma de extinção da obrigação.

VI - A CESSÃO FIDUCIÁRIA 

Ensinou Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, tomo XXIII, § 2.826, Bookseller, pág. 323) que a transferência fiduciária, por cessão ou por transferência da propriedade, só o é porque fica sujeita a fim, que não é o da transmissão mesma e implica a reversão, ipso iure, ou o dever do fiduciário de retrotransmitir. Uma das espécies é a transferência fiduciária para a segurança. 

Conforme o direito  que se transfere fiduciariamente, ou há cessão de direito ou transferência de propriedade, ou de direito real limitado(como é o caso do direito enfitêutico). 

A cessão fiduciária é espécie de transmissão fiduciária, como o é a transferência fiduciária da propriedade. Ao cedente, como ao transferente da propriedade fiduciária, fica direito contra o cessionário, ainda em caso de concurso, se não se trata de cessão de segurança, isto é, cessão pela qual se transfere ao cessionário o crédito para se pagar, se não for até certo termo ou condição solvida alguma dívida. A cessão de segurança não pode ser revogada; não assim, a que se faz somente no interesse do cedente(cessão para cobrança, em que a transferência apenas serve à outorga do poder de cobrança), como disse Pontes de Miranda(obra citada, tomo XXIII, pág. 323). 

A cessão para cobrança contém cessão(transferência de crédito) e outorga de poder de cobrar, de modo que deixa de ser com causa a transferência desde o momento em que se extingue, ainda em virtude de revogação, o poder outorgado. Revogada a outorga do poder fica sem causa a aquisição da propriedade pelo cessionário, podendo o cedente exigir restituição(retrotransferência). O devedor, devido à natureza abstrata da cessão(segundo Pontes de Miranda, na obra citada, pág. 324), somente pode deixar de pagar ao cessionário, se, ao ser notificado da cessão, ou dar-se por ciente, lhe foi comunicada a fidúcia. 

A cessão fiduciária para segurança opera-se como as demais cessões de crédito, desde que se contrai, ainda que se não haja notificado o devedor; ou esse dela não tenha ciência. Não há referência à eficácia, não à existência ou à validade da cessão. Por essa razão, os comerciantes e industriais podem e costumam descontar nos bancos e casas bancárias, ou com particulares, os créditos contabilizados, cedendo-os fiduciariamente para a segurança dos seus empréstimos sem terem notificado o devedor. 

Na cessão fiduciária  para  segurança, o cessionário pode cobrar o crédito quando já exigível, no seu interesse(pois que lhe foi garantido com a cessão) e no do credor cedente, que se libera e tem direito a receber o excesso sobre o seu débito. Ainda na lição de Pontes de Miranda, ao se tornar exigível o crédito cedido, tem o cessionário uma autorização de cobrar. Enneccurus e Lehmann((Lehrbruch, II, 31ª a 35ª edição, 526, nota 6) viram nesse plus mandato, e não autorização. 

A respeito da cessão fiduciária para segurança, só há retrotransferência(reversão automática, como se dá com a propriedade resolúvel), se a cessão fiduciária foi sob condição resolutiva de ser solvida a dívida pelo cedente. 

A doutrina, com base em Pontes de Miranda(obra citada, tomo XXIII, Bookseller, pág. 325), fala numa cessão fiduciária de crédito para cobrança. Essa cessão tem por baixo a outorga de poder e normalmente não se tem de retrotransferir o crédito, porque, com o recebimento, o cessionário se torna do que recebeu devedor ao cedente. Não é o mesmo entregar-se somente para cobrança, como se há outorga de poder para receber, sem ser de mandato; porque, aí, verdadeiramente, não há cessão; o crédito continua sendo do outorgante; tudo se passa no interesse desse, de modo, que o devedor pode compensar contra o crédito, que se cobra, o crédito contra outorgado. Tal outorgado não pode ceder o crédito; não é o credor. 

Quando uma empresa vendedora ou prestadora de serviços aliena uma mercadoria ou realiza algum serviço e aceita o pagamento a prazo, ela origina um crédito a receber, também chamado de direito creditório. Esse direito creditório é considerado um bem móvel, de acordo com a definição do Código Civil (art. 83), e pode ser cedido (i) em definitivo a terceiros, operação comumente realizada com Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios ou empresas de fomento mercantil, ou (ii) em garantia, a qualquer pessoa jurídica ou física.

A cessão fiduciária é uma espécie de negócio fiduciário. Diferencia-se, quanto ao objeto, da alienação fiduciária, pois tem créditos como objeto e não bens. Sua disciplina encontra-se nos arts. 18 a 20 da Lei 9.514/1997.

A  cessão fiduciária  é negócio jurídico visto com os seguintes requisitos: 

“a) bilateralidade, pois cria obrigações para ambas as partes, tanto para o fiduciário quanto para o fiduciante;b) onerosidade, pois há a reciprocidade de ônus e vantagens para os contratantes, em razão das obrigações assumidas pelas partes e, por outro lado, beneficia a ambos, proporcionando instrumento creditício ao alienante e assecuratório ao adquirente;c) por depender, para sua existência, de uma obrigação principal que deve ser garantida, possui caráter assessório;d) formalidade, pois, requer sempre, para constituir-se, instrumento escrito, público ou particular, devidamente registrado no Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor; e e) indivisibilidade, porque o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração, correspondente à garantia, ainda que esta compreenda vários bens, exceto disposição expressa no título ou na quitação”.

Os direitos e pretensões fiduciariamente transmitidos em garantia do crédito não são simples direitos auxiliares, apesar de serem direitos de garantia, nem o fiduciante transmitiu o direito nem há ação do cessionário contra o cedente para haver o que foi dado em fidúcia para  a segurança. 

Os direitos auxiliares são os que asseguram ou facilitam a realização ou exercício do direito, dieitos esses, que se transferem, com o crédito cedido, ao cessionário, salvo cláusula em contrário do contrato de cessão de crédito. O direito de penhor e as fianças são direitos auxiliares. 

A cessão fiduciária exerce uma função de garantia de crédito. Seu objeto é um direito creditório e realiza-se por meio da transmissão do domínio creditório, enquanto manter a dívida garantida. 

devedor-cedente transfere ao credor-cessionário a titularidade de recebíveis imobiliários, até a liquidação da dívida. Desta forma, o credor-cessionário passa a receber os créditos cedidos diretamente dos devedores e, após deduzidas as despesas de cobrança e administração, credita o produto da operação para o devedor-cedente na operação que originou a cessão fiduciária, até a sua liquidação.

Consiste na alienação, na transferência a outrem de posição contratual; enfim na transmissão, para outra pessoa, dos direitos e deveres que lhe competem. 

Diise Fábio Ulhoa(Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. 3 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007): "a cessão fiduciária de títulos de crédito ou direitos creditório é negócio jurídico que visa a constituição de direito real em garantia consistente na titularidade fiduciária de créditos cedidos pelo autor da garantia. Sendo esta, a sua função no sistema normativo nacional e estando disposta a sua previsão legal, nos artigos 286 a 303 do Código Civil". 

A  principal aplicação da cessão fiduciária é garantir fundos para que uma empresa possa se reestruturar e recuperar-se de crises, e, ao mesmo tempo, não prejudicar o credor, oferecendo a este meios para que não perca completamente seus investimentos, gerando obrigação para que a dívida seja paga pelo devedor, de uma forma ou de outra, independentemente da empresa conseguir sua recuperação judicial.

Ao  julgar o Recurso Especial nº 1.263.500-ES, a  Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime, entendeu que os créditos garantidos por cessão fiduciária não se submetem aos efeitos da Recuperação Judicial, justamente em virtude da regra do artigo 49, parágrafo 3º, da Lei 11.101/2005.

Em síntese, na matéria, tem-se o entendimento do Superior Tribunal de justiça naquele julgamento:

"Se, por um lado, a disciplina legal da cessão fiduciária de título de crédito coloca os bancos em situação extremamente privilegiada em relação aos demais credores, até mesmo aos titulares de garantia real (cujo bem pode ser considerado indispensável à atividade empresarial), e dificulta a recuperação da empresa, por outro, não se pode desconsiderar que a forte expectativa de retorno
do capital decorrente deste tipo de garantia permite a concessão de financiamentos com menor taxa de risco e, portanto, induz à diminuição do spread bancário, o que beneficia a atividade empresarial e o sistema financeiro nacional como um todo.
Em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, devem, pois, ser excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos de titularidade do recorrente que possuem garantia de cessão fiduciária."

Por outro lado, há decisão da Quarta Turma do STJ:

DIREITO EMPRESARIAL. SUJEIÇÃO DOS CRÉDITOS CEDIDOS FIDUCIARIAMENTE AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente como garantia de contrato de abertura de crédito na forma do art. 66-B, § 3º, da Lei n. 4.728/1965. A Lei n. 11.101/2005 estabelece, como regra geral, que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput). Todavia, há alguns créditos que, embora anteriores ao pedido de recuperação judicial, não se sujeitam aos seus efeitos. Segundo o § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Ademais, de acordo com o art. 83 do CC/2002, consideram-se móveis, para os efeitos legais, os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações. O § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, após estabelecer a regra de que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis "não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial", estabelece que "prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial". Isso, contudo, não permite inferir que, não sendo o título de crédito "coisa corpórea", à respectiva cessão fiduciária não se aplicaria a regra da exclusão do titular de direito fiduciário do regime de recuperação. Com efeito, a explicitação contida na oração "prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa" tem como escopo deixar claro que, no caso de bens corpóreos, estes poderão ser retomados pelo credor para a execução da garantia, salvo em se tratando de bens de capital essenciais à atividade empresarial, hipótese em que a lei concede o prazo de cento e oitenta dias durante o qual é vedada a sua retirada do estabelecimento do devedor. Assim, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusulas de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Portanto, em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, devem ser excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos que possuem garantia de cessão fiduciária. REsp 1.263.500-ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/2/2013.

O artigo 66 - B, §º 4º da Lei 4.728/65, com a redação dada pela Lei 10.931/2004, assim dispõe que:
"o contrato de cessão fiduciária em garantia opera a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida , seguindo-se o art. 19, o qual defere ao credor o direito de posse do título, a qual pode ser conservada e recuperada "inclusive contra o próprio cedente" (inciso I), bem como o direito de "receber diretamente dos devedores os créditos cedidos fiduciariamente" (inciso IV), outorgando-lhe ainda o uso de todas as ações e
instrumentos, judiciais e extrajudiciais, para receber os créditos cedidos (inciso III)."

Parte expressiva da doutrina especializada e acórdãos de alguns Tribunais de Justiça (Rio de Janeiro e Paraná) têm considerado aplicável à cessão fiduciária de crédito a disciplina do § 5º do art. 49 da LFR, relativa ao penhor sobre títulos de crédito.

Mediante a cessão fiduciária de direitos creditórios, juntamente com a transferência da
propriedade resolúvel de coisa móvel fungível (cédula de crédito bancário), o devedor  cede seus recebíveis a uma instituição financeira a qual recebe o pagamento diretamente do terceiro-devedor.
Em suma, é uma forma de financiamento com plena garantia em que a propriedade é transferida para a órbita do domínio do credor para cumprimento da obrigação contraída.

Os contratos de cessão fiduciária de direitos creditórios deverão ser levados a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos. 

Aponto decisão do STJ na matéria:

AgInt no REsp 1459664 / SP -  AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, T3 - TERCEIRA TURMA, julgado em 3 de outubro de 2017, DJe 19/10/2017

Ementa

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). CRÉDITO GARANTIDO POR CESSÃO FIDUCIÁRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. REGISTRO DO CONTRATO DE CESSÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O registro não se consubstancia como requisito de existência ou validade da cessão fiduciária de créditos. 2. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

Veja-se a Lei: 

A falência do devedor-cedente não alcança a cessão fiduciária. No caso de direitos de crédito, o credor-cessionário pode recuperar os ativos da massa falida via ação de restituição, nos termos do Artigo 20 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997:

Na hipótese de falência do devedor cedente e se não tiver havido a tradição dos títulos representativos dos créditos cedidos fiduciariamente, ficará assegurada ao cessionário fiduciário a restituição na forma da legislação pertinente.

Nesta espécie de cessão, o credor de créditos imobiliários (p. ex., um incorporador), a fim de garantir um empréstimo tomado ou uma dívida que possua, transfere a titularidade de referidos créditos a um terceiro (p. ex., uma instituição financeira).

Desse modo, o terceiro garantido (chamado de cessionário) passa a ter o direito de possuir os títulos (p. ex., contratos) que representam os créditos cedidos, podendo, inclusive, receber os pagamentos respectivos diretamente de seus devedores (adquirentes dos imóveis negociados). 

Trajano de Miranda Valverde(Sociedade por ações, I, 194) escreveu, à época, que não tínhamos a transferência de ações nominativas em garantia. Temos, no entanto: a) cessão fiduciária das ações nominativas, com a condição de resolutividade, que pode constar do livro de transferência e deve constar se se quer se opere ipso iure a reversão; b) a cessão fiduciária das ações nominativas, incondicional, com a obrigação, sob condição suspensiva, se algum fato houver(pagamento da dívida do fiduciante, se se trata de cessão fiduciária de segurança); c) autorização para ceder; d) a procuração para ceder. 

Já no caso da transmissão fiduciária da propriedade móvel, inclusive no caso de títulos ao portador, e de títulos endossáveis, o fiduciário passa a ser dono do bem movel ou imovel, mas tem que voltar o fiduciante a propriedade, ou em virtude de resolução da propriedade ipso iure, ou porque ocorreu a condição suspensiva para o nascimento da obrigação de restituir. 

Na lição de Pontes de Miranda(obra citada, tomo xXIII, pág. 327) "o fim de que se tem com a fidúcia exprime-se na condição, que se concebe, fazendo resolúvel a propriedade, ou suspensa à obrigação de restituir." 

O fiduciário é proprietário em relação a todos, inclusive o fiduciante. Qualquer direito do fiduciante no concurso de credores ou na falência do fiduciário é ligado ao que constitui a fidúcia, e não ao que constitui o direito de propriedade, como no concurso de credores ou na falência do fiduciante. A transferência fiduciária da propriedade não é cripto-penhor. 

A transferência fiduciária de propriedade tanto pode concernir a bens corpóreos quanto a bens incorpóreos suscetíveis de direitos reais. 

Na transmissão fiduciária, o fiduciário é possuidor em seu próprio nome, não é possuidor imediato ou imediato, tendo posse própria o fiduciante. 

A transmissão da propriedade para segurança consiste em o devedor transmitir ao credor a propriedade da coisa, mas convencionando que o credor, solvida a dívida, a restitua. Tal restituição ou se opera ipso iure, ou é conteúdo de obrigação do fiduciário. No direito romano afirma-se que só havia a transmissão incondicional. A propriedade fiduciária resolúvel é de origem germânica, como afirmou H. Brunner, citado por Pontes de Miranda(obra citada, tomo XXIII, pág. 329). No direito romano, a fidúcia pura era a fiducia cum amico contracta; a propriedade impura, fiducia cum creditore contracta, sem que a propriedade fosse resolúvel. Hoje, tanto na transmissão fiduciária pura quanto na impura, ainda que não se trate de fiducia cum creditore contracta, pode haver a resolutividade da propriedade. O direito expectativo do fiduciante é, na transmissão fiduciária da propriedade com reversão, ipso iure, direito expectativo à propriedade; na transmissão fiduciária da propriedade sem reversão ipso iure, à restituição(obrigação do fiduciário). 

Na transmissão fiduciária da propriedade mobiliária, inclusive dos títulos endossáveis e ao portador, para segurança, ou: a) se concebe a propriedade sob a condição resolutiva da solução da dívida(paga a dívida, reverte a propriedade, automaticamente), ou b) se concebe incondicionalmente a propriedade, mas ligada à obrigação, para o credor de retrotransmitir a propriedade, se for pago, obrigação que está sujeita, portanto à condição suspensiva da solução da dívida. 

Se a transmissão fiduciária nenhum acordo contém sobre a posse é fato e perante o alter. 

Destaco ainda julgamento do STJ: 

REsp 1731735 / SP
RECURSO ESPECIAL
2014/0139688-0

Relator(a)

Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)

Órgão Julgador

T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento

13/11/2018

Data da Publicação/Fonte

DJe 22/11/2018

Ementa

DIREITO CIVIL PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS CONDOMINAIS. IMÓVEL OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. RESPONSABILIDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. 1. Ação de cobrança de despesas condominiais. 2. Ação ajuizada em 05/05/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é definir se há responsabilidade solidária do credor fiduciário e dos devedores fiduciantes quanto: i) ao pagamento das despesas condominiais que recaem sobre imóvel objeto de garantia fiduciária; e ii) ao pagamento das verbas de sucumbência. 4. O art. 27, § 8º, da Lei 9.514/97 prevê expressamente que responde o fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse. 5. Ademais, o art. 1.368-B do CC/02, veio, de forma harmônica, complementar o disposto no art. 27, § 8º, da Lei 9.514/97, ao dispor que o credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem. 6. Aparentemente, com a interpretação literal dos mencionados dispositivos legais, chega-se à conclusão de que o legislador procurou proteger os interesses do credor fiduciário, que tem a propriedade resolúvel como mero direito real de garantia voltado à satisfação de um crédito. 7. Dessume-se que, de fato, a responsabilidade do credor fiduciário pelo pagamento das despesas condominiais dá-se quando da consolidação de sua propriedade plena quanto ao bem dado em garantia, ou seja, quando de sua imissão na posse do imóvel, nos termos do art. 27, § 8º, da Lei 9.514/97 e do art. 1.368-B do CC/02. A sua legitimidade para figurar no polo passivo da ação resume-se, portanto, à condição de estar imitido na posse do bem. 8. Na espécie, não reconhecida pelas instâncias de origem a consolidação da propriedade plena em favor do ITAU UNIBANCO S.A, não há que se falar em responsabilidade solidária deste com os devedores fiduciários quanto ao adimplemento das despesas condominiais em aberto. 9. Por fim, reconhecida, na hipótese, a ausência de solidariedade do credor fiduciário pelo pagamento das despesas condominiais, não há que se falar em condenação solidária do recorrente ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. 10. Recurso especial conhecido e provido.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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