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A representação da pessoa natural nas audiências dos Juizados Especiais Cíveis estaduais

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26/07/2005 às 00:00
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3. Conclusão

A representação é instituto legal válido, previsto no ordenamento jurídico como uma forma pela qual uma pessoa realiza negócios jurídicos em nome de outrem.

Preenchendo-se todos os requisitos para sua configuração, contemplatio domini e do poder transferido ao alieno nomine para que este realize o ato em seu nome, de forma voluntária, a representação civil é perfeita.

As partes, quando pessoas naturais, que possuem demandas processadas sob os ritmos ordinário e sumário, podem ser representadas em juízo, segundo as regras do processo civil, sendo, por isso, expressamente permitida a representação civil, nestes feitos, por sua vez, não há vedação legal para sua aplicação também nos feitos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, institui o princípio da apreciação de lesão ou ameaça de direito pelo Poder Judiciário. Para o efetivo atendimento a esse princípio, o acesso à justiça deve ser real e material e não somente formal, a fim de se atender os anseios e necessidades da sociedade atual, complexa e conflitual (MARINONI, 2004, p. 49 [23]).

As lides que são julgadas perante os Juizados Especiais Cíveis, não versam sobre direitos indisponíveis, portanto, são passíveis de conciliação, transação ou renúncia.

O representante, quando preenchidos todos os requisitos para sua constituição, age em nome de terceiro sobre direito de terceiro. Por isso, assume obrigações em nome desse, sob a confiança atribuída por aquele. Caso não possa prestar as informações que o representado prestaria, este sofrerá as sanções processuais pertinentes, como a confissão. Caso o representante extrapole os poderes do mandato, seu atos são inválidos.

Por isso, não há suporte jurídico para que o atual formalismo existente nos feitos que se processam perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais permaneça, pois está se impedindo a representação da pessoa natural em juízo, situação que é permitida nos processos que tramitam sob os ritos previstos no Código de Processo Civil e demais leis esparsas.

Aceitar essa representação da pessoa natural não implicaria em nenhum desvirtuamento do princípio do devido processo legal, somente em aplicação real e material do princípio do acesso à justiça aos cidadãos, solidificando-se, com isso, a democracia e conseqüentemente, o Estado Democrático de Direito.

Admitir tese contrária a essa é impedir a garantia constitucional aos cidadãos, da inafastabilidade do Poder Judiciário de aplicação de lesão ou ameaça a direitos, não sendo medida razoável, criando-se, tão somente, obstáculo ao efetivo acesso à Justiça [24], o que não pode a não deve ser aceito no estado democrático moderno.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manuel A. Domingues. Teoria Geral do Negocio Jurídico. 8ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.

ANTUNES, Celso. A grande jogada: manual construtivista de como estudar. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

BORGES, Raphael de Oliveira e Silva. Estudo sobre substituição processual. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 32, jun. 1999. Dados. Disponível em: <jus.com.br/artigos/803>. Acesso em: 20 abr. 2005.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. V. 1, São Paulo:Saraiva, 2002.

GRECO FILHO, Vicente. Resumo de Processo Civil. Dominus Legis Ltda, 2003, CD-ROM.

MANENTE, Luiz Virgílio P. Penteado; BARBUTO NETO, Antonio Marzagão. Inviabilizando o acesso dos fornecedores aos Juizados Especiais Cíveis. A ilegalidade da exigência de que apenas o "preposto empregado" possa representar as pessoas jurídicas. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 65, mai. 2003. Dados. Disponível em: <jus.com.br/artigos/4037>. Acesso em: 20 abr. 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme, Do Processo Civil Clássico à Noção de Direito à Tutela Adequada ao Direito Material e à Realidade Social. Doutrina Civil, Segunda Edição, RT 824/2004.

MARQUES, Luiz Guilherme. A fragilidade do processo civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 45, set. 2000. Dados. Disponível em: <jus.com.br/artigos/774>. Acesso em: 20 abr. 2005.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, v.50, p. 385.

PREVIATI, Renata Vilela; DESTEFANO, Anderson, A instrumentalidade e efetividade do processo como forma de acesso a justiça, Revista Eletrônica Juris Síntese nº 46 - MAR/ABR de 2004.

TANURE, Rafael Jayme. Os atos "ultra vires" no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 282, 15 abr. 2004. Dados. Disponível em: <jus.com.br/artigos/5083>. Acesso em: 20 abr. 2005.

WATANABE, Kazuo. Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988.


Notas

01 Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

[...]

VI - as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores;

02 Apesar da designação de representante ao preposto de pessoa jurídica que a "represente" em juízo, para MIRANDA (1984, 385), tal fato constitui em presentação tão somente e não em representação da pessoa jurídica.

03 Capacidade – é a medida da personalidade (art. 2º do Código Civil Brasileiro).

Pode ser:

a) capacidade de direito (todos possuem) – é a aptidão para a aquisição ou gozo de direitos e

b) capacidade de fato (nem todos possuem) – é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil, também chamada de ação.

Quem tem as duas espécies de capacidade tem capacidade plena. Quem só tem a de direito tem capacidade limitada e necessita de outra pessoa que substitua ou complete a sua vontade., são por isso chamados incapazes. (SOUSA SANTOS, Fernanda Marinela, GRECO FILHO, Vicente, Resumo de Direito Civil, ed. Dominus Legis Ltda, 2003, CD-ROM.

04 A Lei nº 3.071/1916 institui o Código Civil e o mesmo entrava em vigor em 1º de janeiro de 1917.

05 Lei nº 10.406/2002.

06 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, 435.

07 CAENEGEM, R. C. Van. Uma Introdução Histórica ao Direito Privado. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 74 ss e 164. Hugo Grotius foi jurista holandês o qual, juntamente com Bartolus de Saxiferrato foram os principais comentadores dos Países Baixos, Escolas que buscavam uma adaptação do Direito Clássico à Sociedade Moderna, este com certeza foi uma das origens da Representação. Hugo Grotius como se percebe na preocupação supra era um jusnaturalista preocupado com a "vontade" e outros elementos inerentes ao Ser Humano como Direitos Naturais deste, os quais vinham sendo suprimidos pela conjectura absolutista Rei-Igreja (apud TANURE, 2004).

08 Art. 8º do Código de Processo Civil: Os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil.

09O que caracteriza a substituição processual é a separação entre o titular do direito subjetivo e o exercício da ação judicial. Ou seja a cisão entre o dono do direto a ser defendido e o dono da ação. Nos casos ordinários fundem-se na mesma pessoa o titular do direito e o titular da ação, isto é, quem move a ação é o dono do direito material; esta é a legitimidade normal. Mas ocorre, que a lei autorizou a pessoa alheia ao direito material, a ingressar em juízo em nome próprio, assim temos uma legitimação anômala, que recebe o nome de substituição processual. (BORGES, 1999)

10 Art. 5º da Lei nº 8.906/94. O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.

§ 1º. O advogado, firmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período.

11 Alguns doutrinadores advogam a tese de que deve estar presente a cláusula com a expressão "ad juditia" ou "ad judicia", para que o advogado possa estar habilitado a praticar todos os atos do processo porém, com a redação do art. 5º, § 2º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), tal tese, data venia, não merece acolhimento, pois esta expressão foi substituída pela "foro em geral", senão vejamos, a redação do referido dispositivo legal: "Art. 5º. O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato. [...] § 2º. A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais".

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12 MARQUES, Luiz Guilherme. A fragilidade do processo civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 45, set. 2000. Disponível em: <jus.com.br/artigos/774>. Acesso em: 20 abr. 2005.

13 Art. 3º. O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

II - as enumeradas no artigo 275, inciso II, do Código de Processo Civil;

III - a ação de despejo para uso próprio;

IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.

14 Salienta-se que passo neste sentido já fora dado pela revogada Lei nº 7.244/84 que dispunha sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas.

15 Art. 9º da Lei nº 9.099/95 "Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória."

16 Art. 1542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais.

17 Conforme as regras do direito liberal há o dogma do direito formal ao acesso à Justiça, conforme ensina MARINONI (2004, p. 47)

Nessa Perspectiva, entendia-se que, para ser conservado o direito de ir a juízo, bastaria dar ao cidadão o direito formal de apresentar sua pretensão em juízo e proibir o Estado de obstaculizar o exercício desse direito. No entanto, pouco importava se o cidadão – aí também chamado de indivído-razão, teria condições econômicas de usufruir tal direito.

O direito ao Poder Judiciário era pensado – dentro da lógica do direito liberal – como direito de independeria da particular posição social ou da necessidade concreta do cidadão. Daí a idéia de uniformidade procedimental, ou melhor, da existênciade um único procedimento para atender a tudo e a todos. Não pode haver dúvida, nesse sentido, de que o procedimento ordinário traduz a idéia contida nomito da igualdade formal, conservando em si os fundamentos da ideologia liberal."

18 Art. 20 da Lei nº 9.099/95: Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.

19 Art. 23. Não comparecendo o demandado, o Juiz togado proferirá sentença.

20 Art. 2º da Lei nº 9.099/95 "O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação" e art. 54: "O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas."

21 Lei nº 9.099/95, art. 13, caput e § 1º. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no artigo 2º desta Lei.

§ 1º. Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.

22 Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do artigo 3º desta Lei.

23 No entanto, a transformação da sociedade e do Estado fez surgir, ao cidadão, direitos fundamentais às prestações sociais, à proteção e à participação. Isso é resultado da incorporação da idéia de que a liberdade formal não basta, pois não é capaz de dar conta de uma sociedade complexa e conflitual. Para a liberdade ganhar valor, o Estado passa a proteger as posições sociais menos privilegiadas e promover "medidas necessárias à transformação da sociedade numa perspectiva comunitariamente assuma de bem público.

24 Não se trata apenas e somente de possibilitar o acesso à Justiça como instituição estatal, mas de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Dados elementares do direito à ordem jurídica justa são: a) o direito à informação; b) o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; c) o direito ao acesso a uma Justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; d) o direito a preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; e, e) o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma Justiça que tenha tais características. (WATANABE, p. 128.)

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Sobre o autor
Edson Silva da Costa

advogado, especialista em direito civil e processual civil pela UNIVEL – União Educacional de Cascavel-Faculdade de ciências sociais aplicadas de Cascavel

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Edson Silva. A representação da pessoa natural nas audiências dos Juizados Especiais Cíveis estaduais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 755, 26 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7066. Acesso em: 23 abr. 2024.

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