Anotações sobre o direito de vizinhança

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05/12/2018 às 12:16
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3. ÁRVORES LIMÍTROFES E FRUTOS

Outra discussão diz respeito às arvores limítrofes.

As árvores são partes integrantes dos prédios. Podem estar fora da linha de limites ou irrompentes do terreno de um prédio se lançam, desde o tronco, para o outro lado da linda; são exatamente na linha lindeira, servindo ou não, de marco; são sobre a linha.

A árvore é parte de um só, ou de dois, ou mais prédios, porém não é parte do prédio vizinho sobre o qual se estendem o tronco e os galhos ou só os galhos. O proprietário do prédio que sofre a imissão tem o direito negativo e o direito positivo de vizinhança.

Na matéria aplicam-se os artigos 556 a 558 do Código Civil de 1916, hoje revogados:

Art. 556. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.

Art. 557. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.

Art. 558. As raízes e ramos de árvores, que ultrapassarem a extrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.

A matéria tem correspondentes nos artigos 1.282, 1.284 e 1.283 do Código Civil de 2002:

Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.

Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.

Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.

A antiga redação do artigo 557 do Código Civil afastou, em parte, o interdito de glande legenda, que se usava no direito comum e foi direito brasileiro, como revelou Correia Teles (Doutrina das Ações, ed. 1.918, 218).

No direito alemão, raciocinou-se de outro modo: “Quem tem as gotas ruins também deve ter as boas. O que cai por cima da cerca é do vizinho. A regra se restringiu aos frutos que caem. Sem se apurar a causa de haverem caído, nem a culpa de alguém.

No direito alemão, de onde nos vem o art. 557, o Código Civil, § 911, segunda parte, exclui da regra os frutos que caem sobre terreno destinado ao uso público.

Os frutos que caem no terreno vizinho eram, em direito romano e em direito comum, do proprietário da árvores; o vizinho, em cujo terreno caíam, tinham de permitir a entrada do dono dos frutos.

Ensinou Eduardo Espinola (Posse, propriedade, condomínio e direitos autorais, ed. Bookseller, pág. 258) que aquele que semeia, planta, ou edifica, em terreno alheio, pende em proveito do proprietário do solo as sementes, plantas e construções. Veja-se o Código Civil de 2002, artigo 1.255:

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

No direito anterior, entendia-se que o princípio se aplicava de modo absoluto quando as sementes e plantas, nos termos da Lei de 9 de julho de 1773, baseada no direito romano. Em se tratando de construção, porém, expunha Lafayette, invocando Melo Freire, Lobão, B. Carneiro e C. da Rocha: “Por exceção da regra, o edifício fica pertencendo ao construtor nos seguintes casos: a) se foi levantado às claras e em presença do dono do solo, sem impugnação de sua parte; b) se vale muito mais do que o dolo por ele ocupado. Nesses dois casos, o construtor tem obrigação de pagar ao dono o valor do solo (Direito das coisas, 2ª edição, § 40, pág. 98). Carlos de Carvalho assim redigiu o artigo 427, parágrafo único de sua Nova Consolidação. Sendo o edifício de valor muito superior ao do solo, este cederá aquele, salvos os direitos de terceiros. O Código Civil português atende ao valor da plantação ou da construção, quando o autor das obras possuir como próprio, de boa-fé e justo título, o terreno pertencente a outrem, se o valor das obras for superior ao terreno, o dono desta terá direito apenas ao valor que o prédio tinha antes delas; se igual o valor, haverá licitação (artigo 2.306, parágrafos primeiro e segundo). O Código Civil austríaco declarou que o proprietário do imóvel ciente da construção do edifício em seu terreno efetuada por um construtor de boa-fé, sem oposição sua, só poderá exigir o preço comum do imóvel.

No caso de ter agido de má-fé, além de não lhe assistir esse direito, pode ser obrigado a repor as coisas no estado anterior e, ademais, a ressarcir qualquer dano ou prejuízo decorrente de seu ato.

Se ambas as partes houver má-fé, o proprietário do solo adquire as sementes, plantas e construções, ficando, porém, obrigado a pagar o valor das mesmas.

É presunção da lei que há má-fé no proprietário, quando os trabalhos de plantação ou construção, foram empreendidos em sua presença, sem impugnação.

Na generalidade dos casos o dono das plantas ou dos materiais só os aplicará em solo alheio, quando esteja na posse deste, com fundamento jurídico, ou de modo ilegítimo.

Os dispositivos gerais da lei, nesta matéria, aplicam-se a todos os casos que não são regulados de modo especial.

Pode acontecer que as construções ou plantações sejam empreendidas por alguém, empregando sementes, plantas ou materiais de outrem em terreno que também não lhe pertença.

O proprietário do solo adquire por acessão as plantas e construções; é, porém, obrigado a indenizar o plantador ou construtor de boa-fé, não, porém, ao de má-fé.

Presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes a árvore, cujo tronco estiver na linha divisória.

As raízes e os ramos de árvores que ultrapassarem a extrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório pelo proprietário do terreno invadido. A regra precede do direito romano e foi consignada pelo direito moderno passando aos vários códigos contemporâneos. É o que se lê do Código Civil alemão (artigo 910), do Código Austríaco, artigo 422. Em alguns códigos o direito de cortar os ramos e as raízes é condicionado ao fato de advir ao proprietário vizinho algum prejuízo, atribuindo-lhe, no caso contrário, o direito aos frutos e ramos. Veja-se assim o Código Civil suíço.

Os frutos caídos da árvore do terreno vizinho pertencem ao dolo do solo onde caírem, se este for particular. A matéria era regida pelo Código Civil de 1.916 e, depois, no Código Civil de 2002, no artigo 1.284. Diversamente o direito romano. Veja-se o Código Civil de Portugal, no artigo 2.318. Em várias legislações, portanto, se encontram regras sobre as distâncias que devem conservar as árvores que se plantem nas extremas da propriedade, conferindo ao vizinho o direito de exigir do proprietário que extirpem as plantadas a menor distância. Observe-se que o Código Civil da Alemanha, fonte da lei civil no Brasil, no artigo 911, dispõe que os frutos que caem de uma árvore ou de um arbusto sobre um imóvel vizinho são considerados como frutos deste imóvel; salvo se for de uso público.

Assim, entre outros, os Códigos Civis francês, suíço, italiano e o mexicano.


4. PASSAGEM FORÇADA

Discute-se sobre a passagem forçada.

No direito germânico, a propriedade não era concebida com o individualismo que caracterizou o direito romano.

Daí porque a doutrina afasta-se das fontes romanas.

A verdadeira concepção é a que está no Código Civil da Alemanha e no brasileiro, na esteira do pensamento germânico. Não há pensar-se em direito a constituição de servidão, por equidade, ou estado de necessidade ou expropriação. Aliás, a Lei de 9 de junho de 1773 concebera expropriação por encravamento, aquele, em cuja propriedade se encravasse alguma gleba, tinha ação contra o dono para o obrigar a vender-lhe pelo justo preço mais a terça parte.

Os pressupostos para a passagem forçada são os seguintes: a falta de passagem ou saída para a via pública, fonte ou porto; a falta de passagem ou saída precisa não ter sido produzida pelo próprio dono do prédio encravado, ou por aquele de quem o dono atual do prédio o houve.

O artigo 561 do Código Civil de 1916 não pré-excluía o direito à passagem se o proprietário, por sua culpa, perde o direito de trânsito pelos prédios contínuos. Apenas porque teve culpa há de prestar o dobro.

A perda a que se referia o artigo 561 do Código Civil revogado pode ser por ato positivo ou negativo do proprietário.

O direito de passagem nasce da imposição da lei em proveito somente dos prédios encravados, o que vale dizer que a servidão de passagem só pode ser determinada pela necessidade de se obter saída útil do prédio tido como encravado para a via pública através do prédio serviente. Deste modo, não há que se reclamar a passagem por simples comodidade.

O instituto da servidão é ônus real, criando uma relação direta de prédio a prédio, advinda da vontade dos proprietários. Em razão dessa permissão, o serviente perde o exercício de algum de seus direitos dominicais sobre seu prédio, ou tolera que dele se utilize, fazendo o prédio dominante mais útil ou agradável.

A Passagem Forçada conhece sua primeira manifestação no “iter ad sepulchrum” do direito romano, que dizia: mesmo se uma família vendesse o campo onde eram enterrados seus mortos, ela continuaria sua proprietária perpétua, conservando o direito de poder atravessá-lo sempre que quisesse, para cumprir as cerimônias do culto.

Conceituando, nas palavras de Roberto de Ruggiero, a passagem obrigatória é “uma das mais fortes limitações derivadas de vizinhança” (Instituições de direito civil, 2005, p. 497) sendo que obriga o proprietário a deixar o vizinho, que tem seu prédio encravado, passar pela sua propriedade.

Funda-se o direito à passagem forçada na solidariedade a qual “deve presidir as relações de vizinhança e a necessidade econômica de se aproveitar devidamente o prédio encravado. O interesse social exige que se estabeleça passagem para que o imóvel não se torne improdutivo”. (Washington B. Monteiro, Curso de Direito Civil: direito das coisas. v. 3. 37. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. 469,.2003, p. 141).

Nos termos do artigo 1.285, caput, do Código Civil, prédio encravado é aquele que não tem acesso à via pública, porto ou nascente. Em razão da falta de comunicação com a via pública não pode vir a ser explorado, deixando de se útil.

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Mas encravamento deve ser natural e absoluto.

Natural, porque não pode ser provocado. É o caso daquele que vende parte do terreno onde se encontrava a passagem, ficando sem saída. É vedado a ele reclamar passagem a seus vizinhos, devendo a questão ser resolvida entre comprador e vendedor.

A doutrina exige, ainda, que seja absoluto o encravamento, sem nenhum tipo de saída.

Entretanto, alguns tribunais, com uma visão mais social e menos técnica, entendem que se um prédio possui uma única via de acesso, mas é extremamente onerosa, difícil ou perigosa, seria então um encravamento relativo.

Embora decorra da lei o direito à passagem, por mais de uma forma poder-se-á constituir, quais sejam: a convenção, a sentença e a usucapião, esta na opinião dos antigos autores.

Constituído por meio de acordo, deve ser expresso, formal, para evitar que mais tarde seja confundida como uma servidão convencional. Neste caso, o proprietário do prédio serviente não teria o direito de pedir a supressão no caso de abertura de via pública, que desencravasse o dominante, ou pela reunião deste com outro.

No que tange à legitimação ativa, observa-se que, mesmo a lei fazendo referência apenas ao proprietário do prédio, têm capacidade para propor demanda “todos aqueles a quem se concede um direito real de gozo sobre coisa alheia”. (op. cit, p. 54)

Legitimado para pedir passagem não é apenas o proprietário, mas também o usufrutuário, usuário, habitador ou possuidor. Podem eles também defender a turbação da via de passagem pelos remédios possessórios.

Em relação ao condômino pro indiviso tem este a possibilidade de obter sozinho uma passagem necessária desde que os demais coproprietários não se oponham. Neste caso, todos contribuirão com a sua quota-parte para o pagamento da indenização, uma vez que todos serão beneficiados.

Por sua vez, figurarão no polo passivo da ação o proprietário ou proprietários dos prédios servientes, e em hipótese alguma o mero possuidor.

Encravado, adquire-se o direito, mas o exercício da passagem fica condicionado ao pagamento da indenização que pode ser paga de uma só vez ou em parcelas anuais. Atribuiu, o legislador, ênfase ao chamá-la cabal, querendo na verdade transmitir a ideia de que a indenização alcançará todos os danos.

Como no direito romano, a passagem pode apresentar-se, ainda hoje, “ou como iter (direito de passagem a pé, só para pessoas), ou como actus (direito de passagem para animais), ou como via (direito de passagem para veículos), como se lê de Lenine Nequete (Da passagem forçada. 3. ed. rev. e amp. Porto Alegre: Livraria Editora Porto Alegre, 1985. 224. p.1985, p. 59), devendo entender-se que a passagem de teor mais amplo presume obrigatoriamente a mais estrita.

A ação cabível é a ação declaratória, por sinal, não sujeita à prescrição. Ainda pode se ajuizar uma ação possessória ou negatória.

A fixação judicial não visa declarar direito, mas a fixar alguns pontos, tais como: rumo, caminho, largura e forma de exercício, caso não haja acordo entre as partes. Estes pontos poderão vir a ser ampliados, reduzidos ou mesmo alterados, sempre que houver necessidade, havendo suplemento ou restituição do valor da indenização.

O direito de reclamar a passagem forçada é imprescritível, podendo ser reclamado a qualquer tempo, desde que dentro do período da existência do encravamento. Desaparecendo a causa que deu origem, desaparecerá o direito de passagem.

Marco Aurélio da Silva Viana (Comentários ao Novo Código Civil, volume XVI: dos direitos reais. v. 16, arts. 1225. a 1.510). Rio de Janeiro: Forense, 2004. 926. p) tece o seguinte comentário acerca da imprescritibilidade: o direito extingue-se “quando não se pontifica mais a necessidade que o criou. Por isso o direito é imprescritível, podendo ser exercido a qualquer tempo”. Para Venosa (,Direito Civil: direitos reais. v. 5. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 668. p) ao cessar o encravamento, seja qual for a razão, consequentemente desaparece o direito de passagem. Entretanto, vem observar que “nada impede, porém, que as partes constituam servidão sobre o que era direito legal de passagem”.

O direito à passagem forçada não precisa de registro; se pode ser registrado discutiu-se muito na doutrina. Se for registrado, entende-se que acabou por se ter concebido servidão, que lhe fez as vezes.

O artigo 560 do Código Civil revogado dispunha que os donos dos prédios por onde se estabelece a passagem para o prédio encravado, têm direito à indenização cabal. A indenização pode ser de uma só vez ou por renda.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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