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Considerações gerais sobre as modificações introduzidas pela Lei nº 10.931/04 na ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei nº 911/69

27/07/2005 às 00:00
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1.Introdução

            O presente estudo tem como escopo principal analisar as alterações introduzidas pela Lei nº 10.931, de 3 de outubro de 2004, no Decreto-Lei nº 911/69, especificamente no que tange às inovações inseridas pelo legislador de ordem processual no procedimento da ação de busca e apreensão de que trata o Decreto-Lei 911/69.

            Nesse sentido, traremos à discussão alguns posicionamentos doutrinários, aliados à jurisprudência atualizada sobre temas ligados diretamente à matéria enfocada, além de uma reflexão preliminar sobre a modificação e sua repercussão na ótica processual-constitucional, fazendo uma análise crítica das modificações introduzidas, que visam à celeridade e efetividade à ação de busca e apreensão, o que por certo reduzirá a extensa frota de automóveis ociosos e em franca deterioração que atualmente acomete os pátios das instituições financeiras.


2.Histórico

            A alienação fiduciária em garantia surgiu com a Lei no. 4.728 de 1965, prevista no artigo 66, modificado, posteriormente, pelo Decreto-Lei 911-69, em razão da necessidade de aclarar o conceito do instituto criado e também estabelecer um instrumento processual para a retomada do bem em caso de inadimplemento do devedor.

            Com a edição do novo Código Civil, foram introduzidas normas gerais que regulam o instituto da alienação fiduciária em garantia, conceituando a propriedade fiduciária no seu artigo 1.361, in verbis:

            Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

            Recentemente, a Lei nº 10.931, de 3 de agosto de 2004, alterou o título da Seção XIV da Lei 4.728-65, que passou a disciplinar exclusivamente a alienação fiduciária em garantia no âmbito do mercado financeiro e de capitais. Foram alterados, outrossim, dispositivos do Decreto-Lei 911/69, importando em inovações, que abaixo restarão enfrentadas.


3.Do Direito Intertemporal

            Tendo em vista as modificações introduzidas pela Lei 10.931 nas disposições atinentes à ação de busca e apreensão, mais especificamente nos parágrafos do artigo 3º do Decreto-Lei 911-69, devemo-nos atentar para a sua aplicação em face das demandas tramitantes e os atos processuais já realizados e os que ainda devam ser realizados.

            Primeiramente, destaque-se que a lei nova não se aplica aos processos findos. Em segundo lugar, as novas disposições se aplicam, inexoravelmente, aos novos processos ajuizados após o início da vigência da Lei 10.931. Os problemas que possam surgir em face da aplicação intertemporal das modificações encontram-se, exatamente, nos processos em curso.

            Como o processo é constituído de uma série de atos concatenados, a lei nova, ao entrar em vigor, incide sobre o procedimento já instaurado e só atinge os atos que ainda não foram praticados e que irão integrar, no futuro, a relação processual.

            Em regra, a lei nova não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei revogada. Nesse sentido, em se tratando da ação de busca e apreensão calcada no Decreto-Lei 911/69, tendo em vista que a novel lei trouxe a possibilidade de alienação do bem apreendido 5 dias após a efetivação da liminar, poderão os bens já apreendidos ser alienados imediatamente? A resposta que surge, em face das idéias acima alinhadas, é negativa, porquanto, quando da apreensão judicial do bem consolidação da posse nas mãos da financeira somente tinha sua eficácia quando da sentença de procedência da ação.

            Admitir-se outra interpretação seria admitir eficácia retroativa à lei processual, interpretação esta que vai de encontra ao disposto pelo artigo 1.211 do Código de Processo Civil.


4.Da Antecipação da Tutela Jurisdicional

            As inovações trazidas pela Lei nº 10.931, especificamente no que tange ao disposto pelo artigo 3º do DL 911/69, fizeram com que houvesse uma ampliação da antecipação da tutela jurisdicional, porquanto, o que antes somente era alcançado com a prolação da sentença que consolidava a propriedade e posse plena e exclusiva, agora passa a ser efeito de antecipação da tutela jurisdicional, concedida no limiar do procedimento de busca e apreensão.

            A nova redação do parágrafo primeiro estabelece:

            Art 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.

            [...]

            § 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária.

            Muito se tem discutido na doutrina nacional acerca da suposta inconstitucionalidade do dispositivo legal acima transcrito, por suposta violação do preceito constitucional do devido processo legal. Não é, contudo, nossa posição acerca do tema em voga.

            Tratando-se de liminar deferida initio litis, ou seja, com natureza cognitiva sumária, nada obsta que o Juízo, quando da prolação da sentença, deixe de confirmar a liminar deferida, o que mantém o caráter de provisoriedade da tutela antecipada, tratando-se, como tem entendido a melhor doutrina, de contraditório diferido, amplamente permitido pelo Código de Processo Civil.

            Volvendo para a análise do parágrafo primeiro do artigo 3º do DL 911, uma vez deferida a liminar de busca e apreensão e cumprida a liminar, basta que decorram 5 dias da execução dessa liminar para consolidar a propriedade e posse plena do bem apreendido nas mãos da credora, sem a necessidade de qualquer intervenção judicial.

            Tal modificação teve como pressuposto fundamental a necessidade de que as decisões judiciais devam ser proferidas, ou ter seus efeitos antecipados, no menor espaço de tempo possível, a fim de que o direito material envolvido e trazido na lide seja entregue ao jurisdicionado em prazo hábil.

            Contudo, o legislador não deixou com que a antecipação dos efeitos da tutela fizesse com que a parte Autora pudesse proceder todos os atos de proprietária do bem apreendido sem cominar uma sanção para o caso de improcedência da ação de busca e apreensão.

            Destarte, inseriu o legislador os parágrafos sexto e sétimos do artigo 3º, abaixo transcritos:

            § 6o Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado.

            § 7o A multa mencionada no § 6o não exclui a responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.

            Corroborando a tese por nós sustentada acima de que a inserção do parágrafo 1º não acarreta violação ao preceito constitucional do devido processo legal, a decisão sobre a venda do bem apreendido no prazo de 5 dias contados da execução da liminar não obsta a reversão da tutela antecipada, o que poderá ocasionar a aplicação da multa equivalente a 50% do valor originalmente financiado e a responsabilidade por perdas e danos porventura existentes.

            Deve o credor fiduciário decidir se opta ou não pela venda do bem apreendido liminarmente tão logo decorra o prazo de 5 dias da execução da liminar. Se optar pela venda, assumirá o risco de sofre a multa prevista no parágrafo 6º. Por isso que entendemos prudente a postura conservadora, sem a venda do bem até a sentença de procedência transitada em julgado.

            No caso de improcedência da demanda e a aplicação da multa, a sentença terá carga condenatória, podendo o devedor promover a execução do julgado no bojo dos próprios autos da ação de busca e apreensão, podendo ser ajuizada assim que publicada a sentença, executando-se provisoriamente a sentença em face da inexistência de efeito suspensivo do recurso de apelação, nos termos do disposto pelo artigo 588 do Código de Processo Civil.

            Outra questão que deve ser trazida é a possibilidade de aplicação da multa somente quando julgada improcedente a ação de busca e apreensão, quer dizer, em caso de extinção sem julgamento do mérito, não há previsão legal para a aplicação da multa.

            Da mesma forma não restará devida a multa no caso de parcial procedência da demanda, em interpretação analógica à acima articulada, haja vista a inexistência de improcedência.

            Ainda cumpre destacar que somente será aplicada a multa no caso de alienação do bem. Assim, caso o credor, em face da antecipação de tutela que tenha consolidado a propriedade plena e a posse exclusiva do bem apreendido, não aliene o bem, impossível a aplicação da referida multa, porquanto não tenha se desfeito do bem.

            Acerca da responsabilidade do credor estabelecida pelo parágrafo 7º do artigo 3º do DL 911/69, verificamos que esta é objetiva, isto é, independe da intenção de causar o dano, calcada na teoria do risco.

            A apuração do montante devido será efetuada nos autos da própria ação de busca e apreensão, devendo os referidos danos serem comprovados, não servindo meras alegações acerca de gastos, como, e.g, com aluguel de automóvel. Deverá exibir documento demonstrando o desembolso do valor cobrado judicialmente. Da mesma forma, deverá a devedor aguarda o trânsito em julgado da decisão para proceder na liquidação da sentença que será por artigos, nos termos do artigo 608 do CPC

            Tal decisão não fará com que as partes retornem ao status quo ante, posto que tal medida seria impossível ante a aquisição de terceiro de boa-fé do bem apreendido. Assim, somente tem a multa e a possibilidade de responsabilização por perdas e danos o caráter de reparação pelos prejuízos supostamente sofridos.


5.Da Purgação da Mora

            Novidade acerca da possibilidade de purgação da mora também foi trazida pela Lei 10.931, insculpida no parágrafo 2º do mesmo artigo 3º do DL 911:

            § 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.

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            Desta dispositivo extrai-se a possibilidade de o devedor por termo à demanda reconhecendo que a outra parte tem razão. Para tanto, as petições iniciais das ações de busca e apreensão deverá conter o valor da integralidade da dívida, sendo impossível a remessa dos autos ao contador para efetuar tal cálculo, como ocorria antes da Lei 10.444/02, a qual modificou o processo de execução por quantia certa contra devedor solvente. Note-se que o desrespeito a tal pressuposto acarretará o indeferimento da petição inicial.

            Verifica-se, da mesma forma, que a Súmula 284 [01] do STJ, editada em 13.05.2004, deixa de existir, haja vista que a novel legis não traz qualquer limite de pagamento mínimo para a purgação da mora.

            Assim, se purgada a mora em 5 dias, não haverá, por evidente, a consolidação da propriedade e posse plena, já que essa consolidação somente iniciará no 6º contado da efetivação da liminar.

            Outro aspecto importante, para o caso de purgação da mora, é a de que o devedor retomará o bem aprendido sem o ônus da alienação fiduciária, tendo em vista o adimplemento da totalidade do valor do débito.

            Somente poderá purgar a mora se o devedor efetuar o pagamento do valor apresentado pelo credor. Havendo discordância acerca do valor adimplido, poderá o devedor utilizar-se do caminho aberto pelo legislador no parágrafo 4º:

            § 4o A resposta poderá ser apresentada ainda que o devedor tenha se utilizado da faculdade do § 2o, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição.

            Traz o legislador a possibilidade de o Réu também apresentar pedido, introduzindo caráter dúplice à demanda de busca e apreensão do DL 911/69. Entretanto, o devedor somente tem esse prazo para purgar a mora, tratando-se, no caso de inércia, de preclusão temporal, impossibilitando ao Réu efetuar o pagamento e reaver o bem apreendido após o decurso do prazo de 5 dias, nos termos do disposto pelo artigo 183 do Código de Processo Civil.


6.Da Citação

            Consoante acima ressaltado, o deferimento da liminar sem a citação do devedor se justifica sob pena de frustrar o ato de buscar e apreender o bem objeto da demanda, tratando-se no caso de contraditório diferido.

            Talvez o tópico mais omisso acerca dos prazos seja o atinente à defesa, isso porque há prazos que devam contar-se a partir da citação do devedor, e não da execução da liminar, interpretação esta que diz com o sistema introduzido pela Lei nº 10.931.

            Justifica-se tal posição porquanto há hipóteses em que o bem objeto da ação de busca e apreensão encontra-se em poder de terceiros, motivo pelo qual não poderá iniciar-se o prazo para purgação da mora após a execução da liminar, tampouco a consolidação da propriedade e posse plena.

            Destarte, iniciar-se-á o prazo para a purgação da mora ou para a consolidação da propriedade e posse após a juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos da ação de busca e apreensão, ou da carta de citação enviada pelos Correios com aviso de recebimento.

            Não poderia haver outra interpretação sob pena de ferir o princípio do contraditório e ampla defesa insculpidos na Constituição Federal e corolário do processo civil brasileiro.

            Outra modificação, não menos importante, é a ampliação do prazo para oferecimento da resposta, antes de 3 dias e agora 15 dias, vindo ao encontro da sistemática adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, especificamente acerca dos prazos adotados pelo legislador Alfredo Buzaid.

            Quanto a contestação, outra importante modificação introduzida pela nova legislação refere-se à possibilidade do devedor deduzir quaisquer matéria, ao contrário do antigo dispositivo que limitava a defesa nas questões atinentes ao pagamento. Claro que o devedor não poderá deduzir qualquer matéria, mas somente as que forem apta a resolver as questões atinentes à propriedade fiduciária.

            Tal alteração reflete a posição pacífica adotada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da amplitude da defesa a ser apresentada pelo Devedor, em consonância aos princípios constitucionais atinentes ao processo civil brasileiro, especificamente a ampla defesa.

            Outra questão que restou modificada pela nova lei é a previsão de atribuição de efeito meramente devolutivo quando interposto recurso de apelação da sentença de procedência e improcedência. Isso porque, na antiga legislação, somente obteria efeito devolutivo a apelação quando interposta em face de sentença de procedência do pedido.


7.Conclusão

            Por fim, cumpre destacar os avanços introduzidos pela Lei nº 10.931/04 no DL nº 911/69, visando dar maior efetividade ao procedimento e trazendo ao direito positivo a posição dos tribunais pátrios acerca de questões controvertidas.

            Nesse passo, ressaltamos que a novel Lei trouxe o disposto pelo artigo 8º-A [02], do qual depreende-se que o procedimento da ação de busca e apreensão e a ação de depósito previstas pelo DL 911/69 somente pode ser utilizado pelo fisco ou por instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil, sendo que os demais casos de alienação fiduciária serão regidos pelo Código Civil.

            Possível recordar algumas modificações importantes trazidas pela Lei nº 10.931/04, na nossa interpretação, especificamente no que tange à ação de busca e apreensão, quais sejam:

            - Cinco dias após procedida a citação, desde que já executada a liminar de busca e apreensão, consolidar-se-á a propriedade e a posse plena do bem nas mãos da credora;

            - Nesse mesmo prazo poderá o devedor purgar a mora, efetuando o pagamento do total da dívida, devendo, para isso, sob pena de indeferimento da petição inicial, constar cálculo atualizado do débito. Neste caso, o bem será restituído ao devedor sem o ônus de alienação fiduciária;

            - Transcorrido o prazo de cinco dias após a citação do devedor, desde que executada com sucesso a liminar, poderá o credor poderá optar por alienar o bem apreendido. Caso opte pela alienação e a sentença de mérito seja de improcedência, será condenado o credor ao pagamento de multa equivalente a 50% do valor originalmente contratado, sem prejuízo de indenização por perdas e danos.

            - O recurso de apelação cabível contra a sentença de mérito de procedência ou improcedência terá, somente, efeito devolutivo.

            - O prazo para oferecimento de resposta é de 15 dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido;

            - Poderá o devedor, no caso de purgação da mora, contestar o pedido alegando que pagara mais do que o devido, cumulando pedido em sua defesa de restituição dos valores pagos a maior, pelo que impossível o cabimento da reconvenção.

            Não obstante algumas incongruências do legislador, a mens legis traduz-se na necessidade de tornar mais célere e eficaz o procedimento de busca e apreensão preceituado pelo DL 911/69, com as modificações introduzidas pela Lei nº 10.961/04, fazendo com que a entrega do direito material aconteça em prazo hábil, medida esta que, caso acolhida pelo Poder Judiciário, acarretará aumento do crédito disponibilizado no mercado, o qual é proporcional à segurança jurídica outorgada pelo sistema jurídico vigente.


Notas

            01

A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado.

            02

Art. 8o-A. O procedimento judicial disposto neste Decreto-Lei aplica-se exclusivamente às hipóteses da Seção XIV da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, ou quando o ônus da propriedade fiduciária tiver sido constituído para fins de garantia de débito fiscal ou previdenciário.
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Sobre o autor
Pablo Berger

advogado em Porto Alegre (RS), especializando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, especializando em Direito Empresarial pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERGER, Pablo. Considerações gerais sobre as modificações introduzidas pela Lei nº 10.931/04 na ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei nº 911/69. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 753, 27 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7070. Acesso em: 19 abr. 2024.

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