Inversão de fases – o princípio da eficiência aplicado às licitações públicas

Exibindo página 4 de 5
Leia nesta página:

5 A INVERSÃO DE FASES

Visto o procedimento tradicional e suas modalidades correlatas, com suas fases de habilitação e julgamento, o pregão e seu novo procedimento, bem como realizadas as pertinentes considerações ao primeiro procedimento, cabe então observar a inversão de fases do procedimento trazida pela modalidade pregão de forma isolada, realizando também considerações a este novo procedimento.

5.1 CONSIDERAÇÕES AO NOVO PROCEDIMENTO

Conforme observado acima, na ordem tradicional estabelecida na Lei nº 8.666/1993, a fase de habilitação precede a de julgamento das propostas financeiras, é isso se torna um verdadeiro gargalo na licitação, pois os diversos proponentes aproveitam o momento para tumultuar o processo, interpondo recursos protelatórios cujo efeito, é meramente de suspender o andamento do procedimento.

Observa-se que, somente após a decisão a respeito de todos os documentos de habilitação dos proponentes (e também de todos os recursos interpostos, o que não se pode olvidar), é que o procedimento desemboca na fase de apreciação das ofertas dos licitantes habilitados.

Como dito alhures, quando da análise da aplicação da eficiência nas licitações públicas, tornou-se praxe as Comissões de Licitação destacarem pequenos equívocos na formulação de propostas ou na tramitação processual, desembocando em uma perspectiva meramente formalista, implicando numa saraivada de reclamações, impugnações e recursos protelatórios, que são manejados por licitantes avessos à competição legítima ou, ainda, insatisfeitos com os seus resultados.

De corolário, tenta-se freqüentemente obter pleno êxito no objetivo de atravancar ou desfazer pela anulação os procedimentos que tenham sido contrários aos seus interesses, muitas vezes de tímidos escrúpulos.

Nessa concepção de eficiência buscam-se medidas que efetivem tornar o procedimento licitatório mais objetivo para não mais comportar atos ou decisões que privilegiem ou que enalteçam a mera forma em detrimento de resultados.

Com efeito, não raro deparar-se o operador do Direito com o ato administrativo que anula sumariamente certame longo e oneroso, respaldado por óbvio na legalidade, contudo, infringindo o conjunto da obra, qual seja, moralidade, probidade, economicidade, seleção da proposta mais vantajosa e, por fim, eficiência. Claro que dentro da mentalidade administrativa tradicional, tal ato é considerado legítimo desde que se tenha registrado nos meandros do processo qualquer ínfima discrepância relativa à interpretação mais literal da norma.

Como disse Mota, citado por Bullos (2000, p. 566): “é usual sobrepor-se o inessencial e o contingente, com prejuízo da economicidade e da eficácia na contratação”.

Decerto, a inversão de fases do procedimento licitatório representa ganho de agilidade e rapidez no certame, pois o número de documentos a serem analisados pelo condutor da licitação é significativamente menor, dês que se analisarão tão-somente os requisitos habilitatórios do proponente classificado em primeiro lugar. Essa medida traz economia de tempo e também processual, o que, logicamente, resultará em ganho da eficiência. Tal pensamento encontra respaldo nas atualizações promovidas na obra de Hely Lopes Meirelles (2002, p. 99):

Inverte-se a ordem procedimental: procura-se verificar primeiro quem venceu a etapa comercial, para depois conferir os documentos de habilitação do vencedor. Suprime-se, assim, tempo precioso despendido no exame da documentação de concorrentes que foram eliminados no julgamento das propostas.

A professora baiana Alice Gonzáles Borges, citada por Vera Scarpinella (2003, p. 120), relata que a sugestão de inversão de fases do procedimento licitatório foi aquela que mais causou aceitação da comunidade jurídica em seminário para debater a reforma na Lei Geral de Licitações, e ao final, foi acolhida na nova modalidade de pregão.

De acordo com Borges, a proposta ventilada por Jessé Torres Pereira Jr. e Marçal Justen Filho teve inspiração no exemplo das licitações promovidas por agentes financiadores internacionais. Decerto, as “Guidelines” adotam a inversão de fases em seu procedimento, demonstrando ser uma solução simples e racional.

Sobre as Guidelines dos agentes financiadores internacionais e a inversão das fases lá determinadas, esclarecedores são os comentários de Rosoléa Miranda Folgosi em lição trazida a lume por Vera Scarpinella (2003, p. 121), no sentido de que nas licitações financiadas pelo Banco Mundial

As Guidelines estabelecem a inversão das fases de habilitação e julgamento quando não tiver havido pré-qualificação. Deve-se primeiro analisar as propostas comercial (preço) e técnica dos licitantes e selecionar a mais vantajosa, sendo que só depois é que se fará a análise dos documentos de habilitação da licitante vencedora. Caso seja ela inabilitada, proceder-se-á à análise da habilitação da segunda colocada. Esse procedimento é diferente do previsto na Lei nº 8.666/1993, o que não significa dizer que afronte seus princípios ou princípios constitucionais respeitantes à licitação. Trata-se de um procedimento interessante, que poderia ser adotado em eventual modificação da Lei n 8.666/1993, visto que (a) agiliza o procedimento licitatório. A comissão de licitação só irá analisar os documentos dos licitantes que tenham ofertado o menor preço; (b) não haverá recursos administrativos, liminares em processos judiciais etc. a respeito da habilitação de licitantes cujas propostas comerciais não os coloquem em boa classificação; (c) dificulta conchavos entre os licitantes, tais como aqueles em que os licitantes vão à sessão de abertura com vários envelopes de preços, optando por um ou outro em face da presença de tais ou quais concorrente.

Pelo visto, a inversão de fases, além de um ganho em celeridade, gera um ganho em probidade ao dificultar os conchavos entre licitantes, o que se constitui num verdadeiro câncer nos procedimentos licitatórios.

Para Ivan Barbosa Rigolin e Marco Tullio Botinno (2002, p.448-449), a inversão de fases é a mais inteligente idéia que há décadas não ocorria em matéria de licitação, porque coíbe o que eles consideram principal drama nos procedimentos seletivos: a violação ao princípio da competitividade. De forma espirituosa, asseveram que “as sete pragas do Egito acontecem todas ao mesmo tempo, seguidas ainda de mazelas outras de todo gênero e matiz, e virulência”.

Salutar também é transcrever a comparação realizada pelos autores citados entre a inversão de fases e as regra de seleção nos concursos públicos:

Recorde-se aqui o exemplo dos concursos públicos modernamente realizados, para os quais as inscrições dos interessados são aprioristicamente aceitas sem muita delonga ou condição, para apenas a documentação dos aprovados e classificados, quando convocados, ser apreciada a fundo como condição para o empossamento. Imagine-se, como ocorria até o passado recente, apreciar-se logo de início toda a documentação de todos os por vezes milhares de candidatos, com ainda possibilidade de esses apresentarem recursos do indeferimento das inscrições, para apenas após isso realizar-se o concurso! Aquilo, que daquele modo ocorria no passado, diante do que se faz hoje, lembra a evolução da roda quadrada para a roda redonda, e exatamente ilustra a inversão das fases da licitação que o pregão proporciona.

Observa-se que a inovação discutida possibilita um estimulo à competitividade, melhorando a apreciação da melhor proposta e realização do interesse público. Invertendo-se as fases, há uma possibilidade real de redução do preço das propostas iniciais por meio de lances verbais dos participantes e, a não exigência prévia de habilitação e garantias aumenta o número de concorrentes e estimula a competitividade.

O legislador abriu mão de exigências de habilitações prévias e garantias, e passou a optar por selecionar aquele que melhor poderá suprir a sua necessidade.

5.2 DA RESSALVA AO NOVO PROCEDIMENTO

Contudo, nem todos vêem com otimismo a nova regra de inversão de fases do procedimento licitatório. De fato, parcela significativa da doutrina aponta ressalvas e objeções à novidade.

Dentre as principais críticas encontram-se aquelas que a adoção de inversão de fases acarretaria perda na transparência do procedimento, uma vez que, aquele que conduz o certame, tenderia a ser flexível na análise dos documentos habilitatórios do proponente que sabidamente apresentasse oferta favorável à Administração Pública, ou de outra banda, mais rígido no caso da proposta classificada em primeiro lugar consignar preço consideravelmente reduzido, tornando-a inviável. Observa-se então, a preocupação com a insegurança que o excesso de eficiência pode trazer às licitações públicas.

Compondo a bancada daqueles que possuem posicionamento contrário à aplicação da norma, encontra-se Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem razões de ordem lógica e princípios fundamentais da licitação impediriam o julgamento das propostas antes da sua habilitação.

De acordo com Vera Scarpinella (2003, p. 122-123), o raciocínio do ilustre doutrinador se apóia no fato de a decisão quanto à habilitação dos proponentes antes da fase de julgamento, evita que a classificação das propostas influa na apreciação dos documentos relativos à habilitação, o que comprometeria a objetividade e a isonomia do certame. Desta forma, é que a autora cita Celso Antônio Bandeira de Mello, determinado suas razões de ordem lógicas e de princípios, que diz:

a) Razões de ordem lógica

118. Desde logo, não seria racional nem conseqüente estabelecer-se uma fase prévia à fase de exame das propostas e ao depois integrá-las em uma única, até porque tal proceder poderia levar à inversão da seqüência fixada, isto é, redundar em qualificação ou desqualificação de proponente em função da proposta, resultado rigorosamente oposto à razão de ser do itinerário seqüencial. Outrossim, a própria classificação das propostas acabaria por influir nos critérios para admissibilidade ou rejeição dos proponentes frustrando o objeto essencial, nuclear, da seqüência estatuída.

Deveras, se a precisa finalidade da sucessividade das fases consiste em evitar que os critérios norteadores das decisões tomadas em uma fase se confundam ou se deixem influenciar pelos critérios que devem presidir os objetivos da outra, a confusão entre ambas põe por terra a razão lógica que estrutura o procedimento licitatório.

Demais disso, é fácil compreender que inexistiria válvula maior para comprometimento da isenção nos julgamentos e da ‘probidade administrativa’ – valor consagrado constitucionalmente, como retro-observado – do que se admitir o tumulto nas diversas fases, pela concomitância e eventual inversão de sua cronologia.

Desdenhar a sucessão ordenada das fases do procedimento licitatório equivaleria a torná-lo o mais rúptil e quebradiço dos meios de tutela de bens jurídicos.

É meridiano, é solar, que a habilitação compreende unicamente o exame das condições subjetivas com o propósito de determinar quem pode ser considerado em condições de ofertar, em hipótese alguma caberá conhecer das ofertas, isto é, das propostas enquanto não resolvida preliminarmente a questão antecedente, pena de ilogismo, de irracionalidade do próprio procedimento, tal como foi concebido.

Além desses óbices lógicos cujo desconhecimento, sobre enfermar-lhe a coerência, propiciaria resultados injurídicos, outros obstáculos se antepõem ao desrespeito da ordem sucessiva constitutiva das fases da licitação.”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Já no que se refere às suas razões contrárias a aplicação da inversão de fases em virtude de ferir os princípios da licitação, segue o Autor:

c) Razões de princípio

120. A licitação visa resguardar, como já foi anotado, quer interesses relativos ao melhor negócio para o Poder Público, quer interesses concernentes à igualdade de participantes do certame. O atendimento deles resulta na garantia da probidade administrativa em última instância protege o próprio interesse público, bem supremo que fundamenta toda a ordem do Estado de Direito – qual seja, a obediência ao sistema normativo.

Ora, se a sucessão legal das fases fosse inobservada, resultariam facilidades para tratamento desigual entre participantes do certame. O prévio conhecimento do teor das propostas põe em risco o pressuposto de isonomia na fase de habilitação, permitindo que o juízo sobre o teor das propostas refluísse sobre o juízo concernente à idoneidade dos participantes da licitação. Se a qualificação puder sofrer influência ditada pelo conhecimento das propostas, obviamente o exame da habilitação não poderá se beneficiar das condições de isenção necessárias à garantia de um tratamento isonômico, violando-se nisto o fundamental princípio da igualdade entre os participantes.

E mais: se faltar (em momento anterior à abertura dos envelopes-propostas) a expressa declaração administrativa de quais licitantes habilitados, ato que abre ensanchas à via recursal, obstrui-se o caminho revisional a que fazem jus os concorrentes inconformados, no que, igualmente, ficam desigualados em relação aos participantes concordes com a decisão.

Ora, como uns e outros têm igualmente direito a um reexame da decisão por instância superior, aqueles a quem interessa a medida recursal (seja quando, por inabilitados, postulam a habilitação, sejam quando, habilitados, pleiteiam inabilitação do concorrente) vêm sonegadas suas pretensões a reexame tempestivo, efetuado na ocasião em que podem obter uma análise isenta e por isso mesmo isonômica.

Como se observa das lições, o medo que se instala é de justamente uma inovação desse porte vir a prejudicar o procedimento licitatório no que se refere a não observar os demais princípios que o norteiam. Contudo, a introdução de uma medida que visa trazer eficiência às licitações não pode ser imposta isoladamente, sob pena de não atender ao quanto prega integralmente o princípio da eficiência, uma vez que não basta acelerar o procedimento para logo celebrar um contrato, mas deve-se ter um procedimento célere sem descuidar-se da segurança que se espera dele.

Uma medida para ser eficiente deve somar-se aos demais princípios norteadores da Administração Pública, e por conseqüência, os demais princípios das Licitações Públicas, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito. É neste sentido que Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 84) se posiciona, quando leciona que:

No livro Parcerias na administração pública (1997:162), já tivemos a oportunidade de realçar a acentuada oposição entre o princípio da eficiência pregado pela ciência da Administração, e o princípio da legalidade, imposto pela Constituição como inerente ao Estado de Direito. Lembramos, então, o ensinamento de Jesus Leguina Villa (1995:637) a respeito dessa oposição entre os dois princípios quando o autor afirma: ‘Não há dúvida de que a eficiência é um princípio que não se deve subestimar na Administração de um Estado de Direito, pois o que importa aos cidadãos é que os serviços públicos sejam prestados adequadamente. Daí o fato de a Constituição o situar no topo dos princípios que devem conduzir a função administrativa dos interesses gerais. Entretanto, a eficiência que a Constituição exige da Administração não deve se confundir com a eficiência das organizações privadas nem é, tampouco, um valor absoluto diante dos demais. Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado por que a eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento jurídico, e em nenhum caso ludibriando este ultimo, que haverá se ser modificado quando sua inadequação às necessidades presentes constitua um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais, porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser elogiado em termos de pura eficácia.

Tal preocupação com a insegurança também foi analisada por Edith Mesquita Hupsel e Leyla Bianca Correia Lima da Costa (2006, p. 220), autoras do anteprojeto da lei baiana de licitações e contratos, expondo em seus comentários que:

A questão, entretanto, parece que já se encontra pacificada. Desde que a alteração do procedimento não venha a pôr em risco a observância dos princípios gerais da Administração Pública – legalidade, publicidade, moralidade, isonomia e eficiência - e os princípios específicos da licitação – generalidade da licitação, ampliação de universo de licitantes, julgamento objetivo, sigilo das propostas, vinculação ao instrumento convocatório, formalismo – a alteração do procedimento licitatório, quanto às suas fases, não afronta às normas gerais instituídas pela União.

5.3 NOVOS DIPLOMAS QUE ESTABELECEM A REGRA

Observa-se que a idéia de inversão das fases do certame propaga-se e ganha força a cada dia, tanto que dois importantes diplomas normativos introduziram a inversão de fases no intuito de tornar mais eficiente o desenvolvimento das licitações públicas.

Dentre essas lei, deve-se comentar em primeiro lugar a Lei nº 11.079/2004, que trata das Parcerias Público-Privadas, quando no seu art.13 indica que o edital poderá prever a inversão de fases do procedimento.

Em segundo lugar, vale destacar a lei de licitações do município de São Paulo, Lei Municipal nº 14.145/2006, que estabeleceu a inversão de fases, onde couber, nas licitações realizadas pelas modalidades concorrência pública, tomada de preços, carta convite, leilão e concurso, certamente inspirada na inovadora lei baiana de licitações.

A propósito, e direcionando-se para uma realidade local, necessário se faz abrir um tópico para tecer comentários à lei baiana de licitações e contratos administrativos, promulgada a 01 de março de 2005.

5.2.1 A lei baiana – lei estadual nº 9.433/2005

A nova lei baiana de licitações e contratos administrativos, Lei Estadual 9.433, de 01 de março de 2005, traz também a inversão de fases visando operacionalizar a eficiência nos procedimentos ocorridos no âmbito do Poder Executivo Estadual, em consonância com as normas gerais estabelecidas pelo estatuto federal.

O diploma legal enfocado não vem somente revogar diploma legal datado de 08 e abril de 1986, por isso sem consonância com a Constituição Federal de 1988 e a Constituição Estadual de 1989, além do diploma federal de licitações e contratos administrativos de 1993. Em verdade, ela traz também inúmeras inovações no tocante ao procedimento, frutos da observação das dificuldades da Lei nº 8.666/93 e das vantagens vivenciadas pela Lei do Pregão.

Conforme dito acima, sua principal inovação foi a inversão de fases do certame em todas as modalidades de licitação, determinando tal conduta no seu art. 78, que informa ser primeiramente realizada a abertura dos envelopes contendo as propostas de preço, para somente após julgamento e classificação destas propostas, proceder à abertura do envelope de habilitação dos classificados nos três primeiros lugares.

Ressalta-se mais uma vez que a inversão de fases não se restringe somente ao pregão, mas estende-se a todas as modalidades das licitações instauradas pelo Estado da Bahia, seja concorrência, tomada de preço ou concurso.

Em recente livro, Edith Mesquita Hupsel e Leyla Bianca Correia Lima da Costa (2006, p. 219), assim comentam acerca da inversão de fases no estatuto baiano:

De plano, o inc. I traz a inversão das fases da licitação com relação ao procedimento instituído pela Lei Federal de Licitações, em vigor. Primeiro, a abertura dos envelopes contendo as propostas de preço. Em seguida é que são abertos os envelopes coma documentação relativa á habilitação dos concorrentes classificados nos três primeiros lugares.

Essa inversão já é utilizada nas licitações decorrentes de recursos provenientes de financiamentos ou doações, oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte. As normas e procedimentos daquelas entidades já prevêem a inversão de fases.

Também a Lei Federal nº 11.079/204, que institui normas gerais para licitação e contratação de PPP, no âmbito da Administração Pública, no seu art. 13 dispõe que, para tais contratações, o edital de licitação poderá prever a inversão de fases de habilitação e julgamento.

Discutem alguns doutrinadores sobre a possibilidade das diversas entidades federais disciplinarem o procedimento licitatório, de forma diversas da disciplinada na Lei Federal que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, regulamentando o art. 37, inc. XXI, da CF/88.

Partidário da inversão de fase em todas as modalidades, Dirley da Cunha Jr. (2006, p. 422) fez expressa referência em seu manual no sentido de que a utilização prestigia o princípio da eficiência, assim arrematando:

Questiona-se muito a respeito da ordem ou seqüência das fases ou etapas do procedimento da concorrência e, de resto, das demais modalidades de licitação (com exceção do pregão, que teve invertida as fases de habilitação e classificação). Colhe o entendimento generalizado de que o procedimento licitatório seria mais consentâneo com o princípio da eficiência se a fase de classificação precedesse a fase de habilitação.

E continuou o Autor (2006, p. 423), agora com esteio em artigo de Edith Mesquita Hupsel:

Inverteu a Lei nº 9.433/05 as fases do procedimento licitatório, disciplinando que a classificação das propostas dar-se-á em momento anterior ao da habilitação dos licitantes, não aplicando o iter previsto no art. 43 da lei federal.

Uma simples inversão de fases, uma modificação no procedimento fixado pela Lei federal nº 8.666/93. Não traduz essa inversão em desrespeito ao comando da Lei Maior Federal.

Primeiramente, porque regras de procedimento administrativo são próprias e privativas da competência das entidades federadas, desde que não importem, nem gerem, desrespeito a princípios constitucionais regedores do processo/procedimento. [...]

Observados os princípios da legalidade, moralidade, igualdade, publicidade, motivação, contraditório, ampla defesa e segurança jurídica, que constituem a pauta principiológica básica, consagrada na Constituição Federal, podem as entidades federadas legislar em processo e procedimento administrativo.

Indubitavelmente, a inversão de fases da licitação, trazida pela lei baiana, abraça amorosamente o princípio da eficiência. Se assim não fora, a inversão não estaria positivada nas normas licitatórias de organismos financeiros multilaterais internacionais.

Também a Lei Federal nº 10.520/02 traz a inversão de fases na licitação realizada sob a modalidade pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, para a Administração Pública como um todo.

O diploma legal federal que regulamenta as parcerias público-privadas – Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 – prevê a possibilidade de inversão de fases na licitação, com vistas à celeridade e à eficácia dos procedimentos licitatórios realizados para tais contratações.

5.4 O PROJETO DE LEI Nº 7.709/2007.

Encontra-se tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei que vai trazer algumas inovações à Lei nº 8.666, de 1993. Dentre estas, o texto inclui a inversão de fases do procedimento, estendendo-o agora esta norma a todas as modalidade licitatórias no âmbito federal, a exemplo do que já acontece nas licitações do Estado da Bahia, conforme visto acima.

Acredita-se que com a instituição de inversão de fases do procedimento haja redução dos custos da administração. Com efeito, o objetivo é agilizar os procedimentos, a eficiência das contratações governamentais, uma vez que o Pregão, que já utiliza a inversão das fases, tornou-se a modalidade mais ágil da administração pública.

Ora, observa-se que se uma licitação receber 20 propostas e tiver três fases distintas, significa que há 60 possibilidades distintas de recursos (obvio que não se faz alusão a desrespeito ao exercício do contraditório). O que se pretende é dar objetividade ao certame, trazendo assim a eficiência necessária.

Outrossim, pertinente é a análise na integra da exposição de motivos do Projeto de Lei nº 7.709/2007:

EM nº 00272/2006/MP

Brasília, 21 de novembro de 2006.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

1. Submeto à superior deliberação de Vossa Excelência a anexa proposta de alteração da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, e dá outras providências.

2. A Administração Pública tem concentrado esforços e investimentos na busca de contemporizar o emprego de procedimentos compatíveis com a evolução em todos os níveis, de forma que os atos traduzam resultados que preservem os princípios da Administração Pública e sejam eficientes e transparentes.

3. Em face da competência constitucional para editar normas gerais sobre licitações e contratos, a União deve adotar políticas e diretrizes governamentais que proporcionem aprimoramentos e o aproveitamento racional da tecnologia disponível nos diversos níveis de Governo.

4. As alterações propostas visam adequar as licitações e contratações governamentais às novas tecnologias de informações presentes no cenário brasileiro atual, bem como atender aos princípios de transparência, economicidade, competitividade e celeridade das contratações governamentais com vistas a tornar o processo licitatório concomitante com as melhores práticas mundiais.

5. A utilização dos recursos tecnológicos adotados nos procedimentos licitatórios na modalidade de Pregão, instituída pela Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002, resultou em significativa redução do custo operacional e financeiro.

6. As alterações sugeridas estão em consonância com a jurisprudência consolidada, bem como incorporam experiências acumuladas no período de vigência da lei de licitações e contratos.

7. Um dos mecanismos de redução nos custos propostos no projeto consiste na previsão de substituição da publicação na imprensa oficial pela publicação em sítios eletrônicos oficiais da administração, desde que certificados digitalmente por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.

8. O sistema de compartilhamento e a centralização de informações e dados relacionados às contratações governamentais trazem um benefício direto à administração, haja vista a maior facilidade de verificação dos dados e uniformização dos procedimentos. Nesta esteira fica instituído, neste projeto, o Cadastro Nacional de Registros de Preços e o acesso compartilhado ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF.

9. Com base nessas justificativas constam da proposta as seguintes alterações substanciais:

a) estabelecimento da obrigatoriedade da utilização da modalidade licitatória de pregão para aquisição de bens e serviços considerados comuns;

b) introdução dos  conceitos de bens e serviços comuns e sítio eletrônico oficial da administração pública;

c) instituição do Cadastro Nacional de Registros de Preços a ser disponibilizado às unidades administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

d) atribuição de eficácia às publicações nos sítios eletrônicos oficiais certificados por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP-Brasil;

e) estabelecimento da possibilidade de uso de sistemas eletrônicos em todas as modalidades de licitação;

f) adequação do número mínimo de propostas válidas na modalidade convite ao entendimento consolidado do Tribunal de Contas da União e à doutrina dominante;

g) inclusão da modalidade de pregão nas hipóteses de licitações internacionais visando à contratação de bens e serviços comuns;

h) inclusão de dispositivo que impossibilite de participar em licitações públicas pessoas físicas e/ou jurídicas que tenham praticado atos contrários à ordem pública e sejam declaradas suspensas de licitar e contratar, ainda que participantes de outra pessoa jurídica;

i) assegura às unidades administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a possibilidade de acesso ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF, administrado pela União;

j) estabelecimento da possibilidade de inversão das fases em todas as modalidades de licitação;

l) diminuição dos prazos recursais e inclusão da fase saneadora no processo recursal de modo a aperfeiçoar e dar celeridade à sistemática licitatória.

10. São essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a propor a Vossa Excelência o encaminhamento do Projeto de Lei em questão.

Respeitosamente,

Paulo Bernardo Silva

Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Observados os motivos, cabe então trazer os dispositivos do novo Projeto de Lei nº 7.709/2007, que diretamente convalidam as informações contidas neste trabalho, no que se refere à inversão de fases do procedimento licitatório e a eficiência que ela trará às na sua relação com fornecedores, prestadores, compradores, locatários, parceiros, dentre outros, e também para que se selecione a melhor proposta para firmar-se futuro contrato:

§ 10.  Pregão é a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento ou prestação de serviço é feita por meio de proposta e lances em sessão pública presencial ou à distância, na forma eletrônica, mediante sistema que promova a comunicação pela internet, nos termos da Lei no 10.520, de 2002.” (NR)

“Art. 23.

[...]

§ 3o  A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra, alienação ou permissão de uso de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, na contratação de parceria público-privada, nos termos da Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no País, ou ainda o Pregão nos casos de bens e serviços comuns.

 “Art. 43

[...]

§ 1o  A Administração poderá inverter as fases de habilitação e propostas, observando os seguintes procedimentos:

I - abertura dos envelopes contendo as propostas de todos os participantes, verificando sua conformidade na forma do inciso IV do caput, desclassificando as propostas desconformes ou incompatíveis;

II - julgamento e classificação das propostas de acordo com critérios de avaliação constantes do edital;

III - abertura do envelope e verificação da documentação relativa à habilitação exclusivamente do primeiro classificado;

IV - inabilitado o primeiro classificado, a Administração analisará a documentação relativa à habilitação do segundo classificado, e assim sucessivamente, na ordem da classificação, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital;

V - deliberação da autoridade competente quanto aos recursos interpostos;

VI - devolução dos envelopes aos licitantes inabilitados que não interpuseram recurso; e

VII - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.

Assim, ainda que a modificação faculte ao Administrador, uma vez que usa o termo “poderá”, a lei lhe oferece a possibilidade de inverter as fases do procedimento em todas as modalidades licitatórias, justamente no intuito de aplicar as benesses observadas no pregão a todas as modalidades.

Contudo, essa faculdade não pode ser vista isolada, ferindo os demais princípios que norteiam a administração pública e suas relações. Não há como negar que, se a lei institui um “poder” para o Administrador nas atribuições de sua função, é para que ele solucione, frente aos casos concretos, os diversos problemas que possam surgir em meio aos certames licitatório. Então, frente ao caso concreto, deverá o Administrador aplicar a inversão de fases, trazendo a eficiência que se espera do certame.

Decerto, este “poder” não pode em hipótese alguma ser encarado como escolha, faculdade, excesso de discricionariedade dado ao Administrador ou algo que fuja da segurança jurídica que deve imperar, mas como um “dever” que possui este de agir quando estiver diante de uma situação típica que o exija. Sendo assim, a norma está falando de um “dever-poder”, que objetiva exclusivamente atingir o interesse público. Sobre o tema há que observar as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2001, p. 81), que diz:

Tem-se função apenas quando alguém está assujeitado ao dever de buscar, no interesse de outrem, o atendimento de certa finalidade. Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito de função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para propiciar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja: são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir.

Segue-se que tais poderes são instrumentais: servientes do dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissoluvelmente atrelados. Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes. Não ‘poderes’ simplesmente. Nem mesmo satisfaz configurá-los como ‘poderes-deveres’, nomenclatura divulgada por Santi Romano.

[...] Ora, a Administração pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas formalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público – o do corpo social – que tem de agir, fazendo-o na conformidade da ‘intetion legis’.

Inconteste então que o interesse público é indisponível, havendo o Administrador que concorrer de todas as formas que a lei lhe oferece para atingi-lo. Sobre a indisponibilidade do interesse público nas licitações bem discorre Marçal Justen Filho (1999, p. 62) em seus ensinamentos:

A licitação envolve práticas de uma série ordenada de atos jurídicos (procedimento) que permita aos particulares interessados apresentarem-se perante a Administração, competindo entre si, em condições de igualdade. O ideal vislumbrado pelo legislador é, por via da licitação, conduzir a Administração a realizar o melhor contrato possível: obter a maior qualidade, pagando o menor preço. Rigorosamente, trata-se de desdobramento do princípio mais básico e fundamental que orienta a atividade administrativa do Estado. Toda atuação administrativa se orienta à consecução do interesse público. O administrador não possui disponibilidade do interesse que persegue. Em alguns casos, a Lei faculta ao administrador liberdade para escolher o modo de realizar esse interesse. Surgirá a discricionariedade, que significa, contudo, liberação do administrador quanto ao fim perseguido. Mesmo quando a administração recorrer à colaboração de um particular, não estará dispensada do dever de busca do interesse público. Alias, supõe-se que a convocação à participação do particular retrata a busca do interesse público. Essas considerações teóricas seriam insuficientes, porém, para assegurar sua concretização. Evita-se que a escolha do caminho para obter o interesse público fique na simples cogitação pessoal e particular do administrador.

Desta forma, a nova norma que entrará em vigor poderá trazer à licitação pública e, conseqüentemente à Administração Pública, a modernização esperada, incluído-a na nova realidade que reportada à introdução, para selecionar a melhor proposta de forma mais eficiente possível, e, assim, observar o rendimento, celeridade e perfeição que dele se espera.

Sobre o autor
Ricardo Simões Xavier dos Santos

Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos