SURGIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL
A vida em sociedade é permeada de conflitos interpessoais, e na sociedade internacional igualmente há tensões entre os atores, tendo em vista as inúmeras disputas entre os sujeitos, uma vez que há diferenças e interesses variados entre os mesmos. O Direito Internacional surgiu no momento da assinatura do Tratado de Westfalia, em 1648, na Idade Moderna, no qual fora reconhecida a Independência da Suíça e da Holanda. Embora boa parte dos juristas reconheça a existência de um direito internacional apenas a partir da Paz de Vestfália, marco histórico do Estado-nação moderno, é inegável que os povos da Antiguidade mantinham relações exteriores: comerciavam entre si, enviavam embaixadores, vinculavam-se por meio de tratados e outras formas de obrigação, e assim por diante.
A Igreja foi a grande influência no desenvolvimento do direito internacional durante a Idade Média. O papa era considerado o árbitro por excelência das relações internacionais e tinha a autoridade para liberar um chefe de Estado do cumprimento de um tratado.
A grande contribuição da Igreja durante o período medieval foi a humanização da guerra. Três conceitos, em especial, tiveram forte impacto naquela área: a Paz de Deus (pela primeira vez, no mundo ocidental, distinguia-se entre beligerantes e não-beligerantes, proibindo-se a destruição de colheitas e exigindo-se o respeito aos camponeses, aos viajantes e às mulheres); a Trégua de Deus (a suspensão dos combates durante o domingo e nos dias santos); e a noção de Guerra Justa, desenvolvida principalmente por Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A guerra seria justa caso fosse declarada pelo príncipe, tivesse por causa a violação de um direito e pretendesse reparar um mal. Ademais do juramento, já empregado na Antiguidade, os tratados medievais eram garantidos com a troca de reféns. A primeira Missão diplomática de caráter permanente foi estabelecida por Milão junto ao governo de Florença, no final da Idade Média.
A Idade Moderna vê nascer o direito internacional tal como o conhecemos hoje. Surgem as noções de Estado nacional e de soberania estatal, conceitos consolidados pela Paz de Vestfália (1648). A partir de então, os Estados abandonariam o respeito a uma vaga hierarquia internacional baseada na religião e não mais reconheceriam nenhum outro poder acima de si próprios (soberania). A Europa começou a adotar uma organização política centrada na ideia de que a cada nação corresponderia um Estado (Estado-nação).
Juntamente com Francisco de Vitória, Hugo Grócio foi um dos principais teóricos do direito internacional no período, baseando-se na teoria do direito natural. Sua principal obra jurídica, De Jure Belli ac Pacis ("do direito da guerra e da paz"), em muito contribuiu para o desenvolvimento da noção de Guerra Justa.
O direito internacional não é dotado da mesma coerção existente no prisma interno dos Estados, mas estes princípios e normas são aceitos quase que universalmente, incidindo sobre:
a. Entre Estados diferentes;
b. Entre Estados e nacionais de outros Estados;
c. Entre Nacionais de Estados diferentes.
d. Entre Estados e organismos internacionais.
CONCEITO, DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO
O QUE É O DIREITO INTERNACIONAL?
É um conjunto de normas definido pela humanidade através de seus representantes, que auxilia na regulação das relações externas e na boa convivência entre as nações. Ele pode ser um direito objetivo, no qual compreende os princípios de justiça que governam as relações entre povos ou positivo, caracterizado por ser concretamente aplicado a partir de acordos entre os sujeitos.
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
O direito internacional trata destas relações e deste âmbito normativo, que pode ser positivado ou costumeiro (costumes). Denomina-se Direito internacional público quando tratar das relações jurídicas (direitos e deveres) entre Estados, ao passo que o Direito internacional privado trata da aplicação de leis civis, comerciais ou penais de um Estado sobre particulares (pessoas físicas ou jurídicas) de outro Estado.
Há duas correntes doutrinárias concentradas em determinar as diferenças entre as duas disciplinas, A primeira corrente dá ênfase à natureza da norma ao conceber o Direito Público como ramo do Direito onde as normas jurídicas são de natureza pública, em outras palavras, cogentes, sendo o Direito Privado o ramo do Direito onde as normas são permissivas, ou seja, não cogentes. Uma segunda corrente, que é a predominante, privilegia a natureza da pessoa envolvida na relação jurídica, ou seja, baseia-se nas partes que compõem a relação jurídica, construindo um Direito Público como aquele que regula situações jurídicas figurando em uma parte o Estado, tornando o Direito Privado aquele que regulamenta situações jurídicas onde o Estado não seja parte ou então equiparado a um particular.
PRINCÍPIOS, SUJEITOS E FONTES
PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO
O Direito Internacional Público tem como missão o estabelecimento de uma norma jurídica internacional, ou seja, o respeito à soberania dos Estados, aos indivíduos e às suas peculiaridades. Por isso, muitos tratados e convenções são realizados, sempre com o propósito de aproximar os Estados.
O Direito Internacional Privado tem como propósito indicar leis que regulem contratos firmados entre indivíduos de países diferentes, como também adoções ocorridas entre pais e crianças de nacionalidades diferentes, sequestros internacionais, e outras relações da área trabalhista, familiar, contratual ou comercial que necessitem do poder jurídico.
SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL
O sujeito de direito internacional é a entidade jurídica que goza de direitos e de deveres previstos pelo direito internacional e que tem capacidade de atuar na esfera internacional para exercê-los.
Só são sujeitos de direito internacional quem reúne as 3 características em negrito. Quem tem direitos, deveres e reúne a capacidade para exercer esses direitos e deveres.
Os atores não têm personalidade jurídica, mas exercem influência no direito internacional.
Ex: organizações não-governamentais => não estão relacionadas com Estados e governos.
Ex: Greenpeace, WWF, Human Rights Watch, Cruz Vermelha
Não têm direitos, deveres e capacidade.
Nem toda ONG é ator da sociedade internacional.
É preciso que essa ONG tenha uma influência internacional.
Os sujeitos de direito internacional são:
1) Estados:
São os sujeitos primários e mais importantes de direito internacional
2) Santa Sé:
É a Igreja Católica.
É sujeito de DIP porque o sacro império romano germano exerceu grande influência na Europa Ocidental na idade média.
3) Organizações Internacionais:
São sujeitos derivados, pois para sua criação dependem da associação dos sujeitos primários (Estados). São organizações entre nações. Surgem a partir da reunião de estados.
Ex: ONU, OIT, OEA, OMPI.
4) Indivíduos
A pessoa humana também é sujeito de direito internacional.
FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL
Conforme art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), de 1920, são fontes do Direito Internacional: as convenções internacionais, os costumes internacionais e os princípios gerais do Direito. A doutrina e a jurisprudência são meios auxiliares, não constituindo fontes em sentido técnico.
Características do art. 38:
Eis a redação do art. 38 do Estatuto da CIJ: “1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverão aplicar: 2. As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; 4. Os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. As decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar (...) 6. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes”.
Infere-se, de sua leitura, que se trata de um rol exemplificativo, não é cerrado e nem fechado, haja vista que há outras fontes. E, em regra, não há hierarquia, ou seja, o art. 38 não traz uma ordem sucessória ou hierárquica. Dessa forma, um costume internacional pode derrogar tratado, bem como tratado pode derrogar costume.
Fontes em espécie:
Convenções internacionais: a principal e mais concreta fonte, com forte carga de segurança jurídica. Sem denominação específica, eis a razão de poderem ser denominadas como tratados, convenções, acordos, pactos etc. São elaborados de forma democrática, com a participação de todos os Estados, disciplinam matérias variadas e dão maior segurança, pois exigem a forma escrita.
Costumes internacionais: segunda grande fonte. Há uma atual tendência de codificação das normas internacionais. Foi a primeira a aparecer, é, nessa linha, fonte-base anterior a todo Direito das Gentes. Nessa linha, para que um determinado comportamento omissivo ou comissivo configure costume internacional, fonte em sentido técnico, deve cumular dois elementos, quais sejam: 1 – o material ou objetivo (“prova de uma prática geral”); e 2 – o psicológico, subjetivo ou espiritual (“aceita como sendo o direito”), a "opinio juris". Caso configure regra aceita como sendo o direito, é uma fonte jurídica, cujo descumprimento é passível de sanção internacional. Resta cristalino que sua conceituação faz emergir a ideia de uma prática constante, geral, uniforme e vinculativa. Dica importante: quem alega um costume tem o ônus de prová-lo.
Princípios gerais do Direito: apesar de difícil identificação são fontes autônomas. A própria "pacta sunt servanda", a boa-fé e outras são exemplos. O Direito moderno passa a depender cada vez mais dos princípios. São modernamente classificados como fontes secundárias do Direito das Gentes. O fato de estarem previstos em tratados não tira sua característica de princípios.
Novas fontes:
Com exceção da equidade, as novas fontes do Direito das Gentes (ou Internacional) não estão previstas no rol art. 38 do Estatuto da CIJ.
Analogia e equidade: são soluções eficientes para enfrentar o problema da falta de norma. Podem ser colocadas como formas de complementação do sistema jurídico. Analogia: é a aplicação a determinada situação de fato de uma norma jurídica feita para ser aplicada a um caso parecido ou semelhante. Equidade: ocorre nos casos em que a norma não existe ou nos casos em que ela existe, mas não é eficaz para solucionar coerentemente o caso "sub judice". OBS.: art. 38, § 2º, do Estatuto da CIJ – a aplicação da equidade (ex aequo et bono) pela CIJ depende de anuência expressa dos Estados envolvidos em um litígio.
Atos unilaterais dos Estados: consistem em manifestação de vontade unilateral e inequívoca, formulada com a intenção de produzir efeitos jurídicos, com o conhecimento expresso dos demais integrantes da sociedade internacional.
Decisões das organizações internacionais (OI): atos emanados das OI na sua condição de sujeitos de direito internacional, na qualidade de pessoa jurídica, ou seja, seus atos precisam ser internacionais, não meramente internos. Decisões unilaterais "externa coporis".
“Jus cogens”: é norma rígida, o oposto de "soft law". Estão previstas na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, em seus arts. 53 e 64. São imperativas e inderrogáveis, opondo-se ao "jus dispositivm". Ainda que não haja hierarquia entre as fontes até aqui estudadas, há que se reconhecer que "jus cogens" é a exceção, estando acima de todas as outras. Versam normalmente sobre matérias atinentes à proteção aos direitos humanos, como a própria Declaração Universal de 1948.
“Soft law”: direito flexível ou direito plástico, oposto de "jus cogens". Para alguns, ainda é cedo para considerá-lo fonte. Surgiu no século XX com o Direito Internacional do Meio Ambiente. Preveem um programa de ação para os Estados relativamente à determinada conduta em matéria ambiental ou econômica.
O SER HUMANO COMO SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL
A própria origem do Direito Internacional como o conhecemos hoje, produto de uma sociedade politicamente organizada, transpõe os pensamentos atrás descritos. A escola Espanhola do Direito das Gentes, contemporânea dos descobrimentos marítimos, tinha conteúdo naturalista e já admitia a existência de uma comunidade internacional. Francisco de Vitória, um dos primeiros a idealizar o Direito internacional, não gostava dos ideais nacionalistas e defendia o relacionamento entre as nações, ideias que encontram novo defensor em Hugo Grocio, tendo este último enfatizado o aparecimento de regras por comum acordo entre os Estados.
A personalidade internacional da pessoa humana foi reconhecida já no séc. XVII, por Hugo Groccio, quando diz, na sua obra O Direito da guerra e da Paz, que considera os Estados e indivíduos como pessoas internacionais, compreensão essa que se insere na prerrogativa que torna o compromisso de particulares perante inimigos de guerra uma obrigação também do Estado. Se considerarmos o direito uma proporção entre coisas e pessoas, do homem para o homem, não é concebível a noção da pessoa humana como objeto do direito. Contudo, ainda hoje não é um sujeito de DIP pleno, pois não são concedidas todas as faculdades que são conferidas a outros.
Verificada a capacidade jurídica internacional do indivíduo, mesmo assim, a sua personalidade jurídica não é plena. Não participa na criação de normas internacionais e não tem capacidade de ação. Para que exista plenitude de personalidade jurídica, o indivíduo deveria ter a possibilidade de se dirigir aos fóruns internacionais com o objetivo de reclamar os seus direitos.
São todas as pessoas que estão nos países, não havendo distinção entre naturais ou naturalizados, ou seja, o “abinitio” para que exista um estado. De tão complexo expressar em palavras o que significa ser humano, espera-se que este simples conceito possa esclarecer o que seja ser humano.
Os indivíduos também são sujeitos de Direito Internacional Público, sabendo-se que certas normas lhes atribuem direitos e deveres.
Em consonância com o atual Direito Internacional dos Direitos Humanos, defende-se que o ser humano é sujeito de Direito interno, bem como de Direito internacional, uma vez que titular de personalidade e capacidade jurídica em ambas as esferas.
Efetivamente, na atualidade, observa-se a presença de sistemas de proteção dos direitos humanos e fundamentais, não apenas na esfera interna de cada Estado, mas também internacional, tanto de alcance global, no âmbito da ONU, como regional, com atuação complementar, com destaque aos sistemas interamericano, europeu e africano, além do ainda incipiente sistema árabe e da proposta de criação de um sistema asiático. O indivíduo também deve ser reconhecido como sujeito de Direito Internacional, com capacidade de possuir e exercer direitos e obrigações de cunho internacional.
Os indivíduos ou pessoas naturais são sujeitos de Direito Internacional, ao lado dos Estados e organizações internacionais (entes de Direito Público externo).
Há que se considerar que o homem é hoje munícipe, nacional e cidadão do mundo; tem direitos e deveres internacionais.
As doutrinas sobre a personalidade internacional do indivíduo são muitas. Há teorias que negam e teorias que afirmam ser o homem pessoa internacional. Autores como Rosalyn Higgins, Marco Torronteguy, Deisy Ventura, Ricardo Seitenfus, Anzilotti, Triepel, Diguit e Le Fur possuem interessantes doutrinas acerca do homem no plano internacional.
É possível perceber que a situação dos indivíduos ainda é complexa no âmbito do direito internacional. A razão maior dessa complexidade é que a autonomia dos indivíduos na esfera internacional entra em choque com a aclamada soberania dos Estados. O fato de o indivíduo poder ser julgado por um tribunal internacional e o fato dele almejar um direito à interpelação a uma corte internacional configurariam exceções ao rígido e orgulhoso dogma da soberania incontestável.
O Tribunal Penal Internacional considera o indivíduo um sujeito pleno do Direito Internacional e surgiu em resposta às violações dos direitos humanos, para tentar contribuir para o papel que pertence a todos de asseguração da paz. Tal Tribunal abarca três âmbitos (áreas) do Direito: Direito Penal, Direito Humanitário e Direitos Humanos.
O Tribunal Penal Internacional engloba o conjunto de normas que regulam a defesa preventiva e repressiva contra os atos ofensivos das condições essenciais da vida social, pela imposição de certas penas e meios educativos apropriados; o conjunto de normas que, em tempo de guerra, protege as pessoas que não participam nas hostilidades ou deixaram de participar e o conjunto de leis, vantagens e prerrogativas que devem ser reconhecidas como essências pelo indivíduo (direitos inalienáveis, de eficácia “erga omnes” e absolutos do homem).
O Tribunal Penal Internacional Permanente (instaurado e consolidado pelo Estatuto de Roma) introduz assim, mais pressão sobre o conceito tradicional de soberania.
É interessante também refletir sobre o fato que a transição de uma sociedade internacional para uma comunidade internacional, ou seja, a ocorrência de uma maior subordinação, hierarquia, convergência de interesses comuns e centralização no Direito Internacional Público propiciariam um ambiente mais fértil para que o indivíduo seja tido como um sujeito pleno do Direito Internacional. Quanto mais o mundo se aproximar de uma comunidade internacional tanto mais será possível observar a internacionalização do homem.
Dizer que o indivíduo tem qualidade de pessoa internacional significa que ele é titular de direitos e deveres internacionais e que tem capacidade de fazer prevalecer os seus direitos através de reclamação internacional.
A simples existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos serve para fortalecer a posição do ser humano como sujeito de direito internacional, pois é formado por normas internacionais que estabelecem direitos às pessoas comuns. Nesse sentido, observam GOMES e PIOVESAN que na medida em que guardam relação direta com os instrumentos internacionais de direitos humanos que lhes atribuem direitos fundamentais imediatamente aplicáveis os indivíduos passam a ser concebidos como sujeitos de direito internacional.
Enquanto que nos tribunais internacionais de direitos humanos o indivíduo figura como sujeito ativo perante a justiça internacional, nos tribunais internacionais penais ad hoc (para a ex-Iugoslávia e para a Ruanda, criados em 1993 e 1994, respectivamente) e perante a futura e permanente Corte de Roma, ele assume a condição de sujeito passivo, responsável individualmente pela violação de crimes contra o Direito Internacional Humanitário e sujeito a sanções de natureza penal que vão até a prisão perpétua.
O Tribunal Penal Internacional foi inaugurado oficialmente em Haia, na Holanda, depois de 60 Estados terem ratificado o Tratado de Roma, de 1998. Essa Corte, diferentemente das anteriores, é permanente, ou seja, sua jurisdição não está restrita a uma situação específica. Através dela, pretendesse investigar e julgar particulares acusados de crimes de guerra, contra a humanidade e de genocídio. Sua competência não tem efeito retroativo, pois somente são julgados delitos cometidos após a entrada em vigor do Estatuto. Sua criação representa grande avanço na proteção dos direitos humanos, principalmente quando inserida dentro do cenário de guerra em que vivemos.
A mera existência desse tribunal ratifica o entendimento de que o ser humano é realmente sujeito de deveres internacionais, já que são analisados casos contra indivíduos, e não contra Estados. É o que dispõe o artigo 25 do Estatuto: Art. 25 1. O Tribunal terá jurisdição sobre pessoas naturais, de acordo com o presente Estatuto. 2. Uma pessoa que cometer um crime sob jurisdição do Tribunal será individualmente responsável e passível de pena em conformidade com o presente Estatuto. Ademais, não se poderia responsabilizar internacionalmente um ente sem o reconhecimento de sua titularidade internacional. Exercendo jurisdição sobre pessoa, o TPI está afirmando a subjetividade dos particulares que, verdadeiramente, são os grandes infratores do Direito Internacional.
Podemos também afirmar que, a ideia de que o Direito Internacional é diferente do Direito Interno está a ficar um pouco esbatida. A conjugação de pactos com textos constitucionais, a transposição de normas internacionais para dentro das Constituições cria uma área em que não se diferencia o que é nacional e o que é internacional. o conceito de Homem, pessoa privada, exilado na sociedade dos Estados, poderá estar a cair por terra, perante a possibilidade de serem fixados princípios que aceitem o indivíduo como finalidade do Estado, e não o Estado como a finalidade do indivíduo.
A consolidação do Estado Moderno, que resultou no fortalecimento da sua soberania e da inexistência de qualquer organismo internacional acima dele como forma de limitação do seu poder, levou a que o indivíduo fosse arredado do Direito Internacional durante muito tempo. O DI passou a preocupar-se apenas com as relações entre Estados. Perdeu de vista os princípios basilares do direito natural, transcendentes e limitadores da vontade do soberano. A preocupação com o gênero humano e a fraternidade universal passou para segundo plano, num direito que passou a visar apenas as relações entre Estados soberanos, que não queriam ceder parte do seu poder. Atualmente, este processo tem sofrido evoluções significativas. Com a proliferação de organizações Internacionais, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, e o crescimento das suas competências, veio criar uma certa limitação à soberania dos Estados. Estes passaram a estar sujeitos a normas internacionais, mesmo sobre normas sobre as quais não manifestou a sua aprovação, como as relativas ao jus cogens.
Em conjunto com esta evolução, a permanente valorização dos direitos humanos, proporcionou um reaparecimento do indivíduo no Direito Internacional. Toda esta evolução, permitiu ao indivíduo ser considerado como sujeito de Direito Internacional, porém, este será sempre um sujeito secundário, não preenchendo os requisitos para uma personalidade jurídica internacional plena. As formas de responsabilizar os indivíduos perante a comunidade internacional aumentaram, bem como as formas de poderem fazer valer os seus direitos fundamentais.
Esta evolução poderá representar um regresso aos valores que fizeram surgir o Direito Internacional, de unidade do gênero humano e fraternidade universal, ou mesmo ao fundamento jusnaturalista presente na sistematização do Direito Internacional, iniciada na formação dos Estados Modernos. A evolução do Direito Internacional, poderá levar-nos a um verdadeiro Direito das Gentes, afastando-se de um simples Direito entre Estados.
O ser humano é sujeito de direito internacional, com direitos e deveres internacionais próprios, inclusive sujeitos a sanções impostas por tribunais penais internacionais. Além do que, desde a Corte Centro Americana de Justiça, tem-se conhecimento de ações diretamente impetradas por particulares perante tribunais com jurisdição internacional.
No que tange à subjetividade ativa internacional dos particulares, a própria existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos serve como prova de que há normas internacionais conferindo proteção direta aos particulares. Este ramo da ciência jurídica foi criado especialmente para tutelar direitos de índole individual, o que ratifica a titularidade ativa do particular perante a ordem jurídica internacional. Essa personalidade do indivíduo encontra suporte na própria prática internacional, conforme foi analisado, e na mera existência de deveres independentes da figura estatal. Aliás, a própria noção de criminosos de guerra torna imperativa a aceitação dessa tese, visto que não se pode punir particulares sem as normas pertinentes. Ademais, a aceitação do ser humano como pessoa internacional revela a mais moderna tendência do Direito Internacional, e está em consonância com a própria noção dos direitos humanos e do direito internacional humanitário.