Capa da publicação Direito Internacional: origens, princípios e fontes
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O Direito Internacional

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08/12/2018 às 13:56

Resumo:


  • O Direito Internacional surgiu para regular as relações entre os atores da sociedade internacional, tendo como marco histórico a Paz de Vestfália em 1648, que estabeleceu princípios de soberania estatal e de não intervenção.

  • Entidades como a Igreja desempenharam papel relevante no desenvolvimento do direito internacional, especialmente durante a Idade Média, influenciando conceitos como Guerra Justa e humanização dos conflitos.

  • O Direito Internacional Público trata das relações jurídicas entre Estados e outras entidades com capacidade internacional, enquanto o Direito Internacional Privado lida com as leis civis, comerciais ou penais aplicadas a indivíduos ou entidades de diferentes Estados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como surgiu o Direito Internacional e quais suas fontes principais? O texto analisa Vestfália, jus cogens, tratados e o papel do indivíduo nas relações internacionais.

1. SURGIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL

A vida em sociedade é permeada por conflitos interpessoais e, no âmbito internacional, igualmente se verificam tensões entre os atores, em razão das disputas decorrentes das diferenças e dos variados interesses existentes. O Direito Internacional, como hoje se concebe, teve origem com a assinatura do Tratado de Vestfália, em 1648, na Idade Moderna, ocasião em que foram reconhecidas a independência da Suíça e da Holanda. Embora muitos juristas considerem a Paz de Vestfália o marco histórico do Estado-nação moderno e do surgimento do Direito Internacional, é inegável que, desde a Antiguidade, os povos já mantinham relações exteriores, por meio do comércio, do envio de embaixadores, da celebração de tratados e de outras formas de obrigação.

Durante a Idade Média, a Igreja exerceu grande influência sobre o desenvolvimento do Direito Internacional. O papa era considerado o árbitro por excelência das relações internacionais, possuindo autoridade para liberar um chefe de Estado do cumprimento de determinado tratado.

A principal contribuição da Igreja nesse período foi a humanização da guerra. Três conceitos, em especial, tiveram forte impacto: a Paz de Deus (pela qual, pela primeira vez no mundo ocidental, distinguiam-se beligerantes e não beligerantes, proibindo-se a destruição de colheitas e exigindo-se o respeito aos camponeses, viajantes e mulheres); a Trégua de Deus (que determinava a suspensão dos combates aos domingos e em dias santos); e a noção de Guerra Justa, desenvolvida sobretudo por Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A guerra seria considerada justa quando declarada pelo príncipe, fundada na violação de um direito e destinada a reparar um mal. Ademais do juramento, já utilizado na Antiguidade, os tratados medievais eram garantidos com a troca de reféns. Ressalte-se, ainda, que a primeira missão diplomática de caráter permanente foi estabelecida por Milão junto ao governo de Florença, no final da Idade Média.

Na Idade Moderna, o Direito Internacional assume contornos mais próximos do que se conhece na atualidade. Consolidam-se as noções de Estado nacional e de soberania estatal, especialmente após a Paz de Vestfália. A partir de então, os Estados deixaram de reconhecer uma hierarquia internacional fundada na religião, não admitindo poder superior ao seu próprio (soberania). A Europa passou, assim, a organizar-se em torno da ideia de que a cada nação corresponderia um Estado — o Estado-nação.

Entre os teóricos do período, destacam-se Francisco de Vitória e Hugo Grócio, este último considerado um dos fundadores do Direito Internacional moderno. Baseado na teoria do direito natural, Grócio contribuiu de forma decisiva com sua obra De Jure Belli ac Pacis (“Do direito da guerra e da paz”), na qual desenvolveu de modo sistemático a noção de guerra justa.

O Direito Internacional não possui a mesma coercitividade do Direito interno dos Estados, mas seus princípios e normas são amplamente aceitos e aplicados, regulando relações:

  • a) entre Estados diferentes;

  • b) entre Estados e nacionais de outros Estados;

  • c) entre nacionais de Estados distintos;

  • d) entre Estados e organismos internacionais.


2. CONCEITO, DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO

2.1. O que é o Direito Internacional?

O Direito Internacional consiste em um conjunto de normas estabelecidas pela humanidade, por meio de seus representantes, destinado a regular as relações externas e a promover a convivência pacífica entre as nações. Pode ser entendido como:

  • Direito objetivo: formado por princípios de justiça que regem as relações entre os povos;

  • Direito positivo: caracterizado pela aplicação concreta de regras derivadas de tratados, convenções e outros acordos entre sujeitos de Direito Internacional.

2.2. Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

O Direito Internacional pode ter natureza positiva (resultante de normas escritas) ou consuetudinária (formada pelos costumes). Divide-se em dois ramos principais:

  • Direito Internacional Público: regula as relações jurídicas — direitos e deveres — entre Estados e demais sujeitos de Direito Internacional.

  • Direito Internacional Privado: disciplina a aplicação das leis civis, comerciais ou penais de um Estado a particulares (pessoas físicas ou jurídicas) de outro Estado, em situações que envolvam elementos de estraneidade.

A doutrina apresenta duas correntes principais para diferenciar essas disciplinas:

  • Natureza da norma: para essa corrente, o Direito Público seria o ramo em que predominam normas cogentes (obrigatórias), enquanto o Direito Privado conteria normas de caráter permissivo, não cogente.

  • Natureza da pessoa envolvida: corrente majoritária, segundo a qual o critério diferenciador é a qualidade das partes na relação jurídica. O Direito Público regularia relações em que figura o Estado como parte, enquanto o Direito Privado disciplinaria as situações jurídicas em que o Estado não intervém, ou, caso intervenha, é equiparado a um particular.


3. PRINCÍPIOS, SUJEITOS E FONTES

3.1. Princípios do Direito Internacional Público e Privado

O Direito Internacional Público tem como missão estabelecer normas jurídicas voltadas à regulação das relações internacionais, garantindo o respeito à soberania dos Estados, à dignidade dos indivíduos e às suas peculiaridades. Para tanto, inúmeros tratados e convenções são celebrados, sempre com o objetivo de aproximar os Estados e harmonizar seus interesses.

O Direito Internacional Privado, por sua vez, tem como finalidade indicar as normas aplicáveis a relações jurídicas que envolvem elementos de estraneidade, tais como contratos firmados entre indivíduos de diferentes nacionalidades, adoções internacionais, sequestros de caráter transnacional, além de questões trabalhistas, familiares, contratuais ou comerciais que demandem solução jurídica em âmbito internacional.

3.2. Sujeitos de Direito Internacional

Sujeito de Direito Internacional é a entidade jurídica que goza de direitos e deveres previstos pelo ordenamento internacional e que possui capacidade para exercê-los na esfera internacional. Para ser considerado sujeito, é necessário reunir cumulativamente três características: direitos, deveres e capacidade de atuação internacional.

Os atores internacionais, embora exerçam influência na sociedade internacional, não detêm personalidade jurídica plena no Direito Internacional. Exemplo: organizações não governamentais (ONGs), como Greenpeace, WWF, Human Rights Watch e Cruz Vermelha. Nem toda ONG é considerada ator internacional; é necessário que possua efetiva influência no cenário global.

Os principais sujeitos de Direito Internacional são:

  • Estados: São os sujeitos primários e mais relevantes do Direito Internacional, detendo soberania plena e capacidade originária.

  • Santa Sé: É reconhecida como sujeito de Direito Internacional Público em razão de sua singularidade histórica e política, especialmente pela influência exercida na Europa Ocidental durante a Idade Média e pelo papel desempenhado no cenário internacional contemporâneo.

  • Organizações Internacionais: São sujeitos derivados, criados a partir da associação entre Estados (sujeitos primários). Exercem funções específicas delimitadas por seus tratados constitutivos. Exemplos: ONU, OIT, OEA, OMPI.

  • Indivíduos: A pessoa humana, tradicionalmente considerada apenas objeto do Direito Internacional, é hoje reconhecida também como sujeito, sobretudo no âmbito dos direitos humanos, do direito penal internacional e da responsabilidade internacional individual.

3.3. Fontes do Direito Internacional

Conforme o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), de 1920, são reconhecidas como fontes do Direito Internacional: as convenções internacionais, os costumes internacionais e os princípios gerais do Direito. A doutrina e a jurisprudência constituem meios auxiliares de interpretação, não sendo consideradas fontes em sentido técnico. O dispositivo tem a seguinte redação:

“1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverão aplicar: 2. As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; 4. Os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. As decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar (...) 6. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes”.

Infere-se da leitura que o rol é exemplificativo, não taxativo, e que não há hierarquia formal entre as fontes. Assim, um costume pode derrogar tratado, e vice-versa.

3.3.1. Fontes em espécie
  • Convenções internacionais: São a principal fonte do Direito Internacional, dotadas de forte carga de segurança jurídica. Sem denominação uniforme, podem ser chamadas de tratados, convenções, acordos ou pactos. São elaboradas de forma escrita e democrática, com a participação dos Estados, regulando matérias diversas.

  • Costumes internacionais: Representam a fonte mais antiga e constituem a base histórica do Direito das Gentes. Para configurar-se como costume internacional, devem estar presentes dois elementos:

    • material ou objetivo: prática geral, constante e uniforme;

    • psicológico ou subjetivo (opinio juris): convicção de que a prática é juridicamente obrigatória.

      O descumprimento de um costume internacional gera responsabilidade internacional. O ônus da prova incumbe a quem alega sua existência.

  • Princípios gerais do Direito: São fontes autônomas e de difícil identificação, mas de crescente relevância no Direito Internacional. Exemplos incluem o princípio da boa-fé e o pacta sunt servanda. O fato de estarem positivados em tratados não lhes retira a natureza de princípios gerais.

3.3.2. Novas fontes

Além das previstas no art. 38, doutrina e prática internacional reconhecem outras formas de produção normativa para enfrentar o problema da falta de norma, podendo ser consideradas formas de complementação do sistema jurídico.

  • Analogia: aplicação, a determinada situação de fato, de uma norma jurídica destinada a um caso semelhante.

  • Equidade: ocorre quando a norma não existe ou, existindo, não é eficaz para solucionar coerentemente o caso sub judice. Conforme o art. 38, § 2º, do Estatuto da CIJ, a aplicação da equidade (ex aequo et bono) depende de anuência expressa dos Estados envolvidos no litígio.

  • Atos unilaterais dos Estados: consistem em manifestação de vontade unilateral e inequívoca, formulada com a intenção de produzir efeitos jurídicos, com conhecimento expresso dos demais integrantes da sociedade internacional.

  • Decisões das organizações internacionais: atos emanados das OI, na condição de sujeitos de Direito Internacional e pessoas jurídicas. Para terem validade internacional, tais atos precisam ter caráter externo, não meramente interno. Decisões unilaterais externa coporis.

  • Jus cogens : norma rígida, oposta à soft law. Prevista na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), em seus arts. 53. e 64. São normas imperativas e inderrogáveis, contrapondo-se ao jus dispositivum. Ainda que não haja hierarquia entre as fontes já estudadas, o jus cogens constitui exceção, situando-se acima das demais. Em geral, versa sobre matérias relacionadas à proteção dos direitos humanos, como exemplifica a Declaração Universal de 1948.

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  • Soft law : direito flexível ou “plástico”, em oposição ao jus cogens. Para alguns, ainda é cedo para reconhecê-lo como fonte. Surgido no século XX, especialmente no âmbito do Direito Internacional do Meio Ambiente, estabelece programas de ação para os Estados em relação a determinadas condutas em matéria ambiental ou econômica.


4. O SER HUMANO COMO SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL

A própria origem do Direito Internacional como o conhecemos hoje, produto de uma sociedade politicamente organizada, transpõe os pensamentos atrás descritos. A Escola Espanhola do Direito das Gentes, contemporânea dos descobrimentos marítimos, tinha conteúdo naturalista e já admitia a existência de uma comunidade internacional. Francisco de Vitória, um dos primeiros a idealizar o Direito Internacional, não gostava dos ideais nacionalistas e defendia o relacionamento entre as nações, ideias que encontram novo defensor em Hugo Grócio, tendo este último enfatizado o aparecimento de regras por comum acordo entre os Estados.

A personalidade internacional da pessoa humana foi reconhecida já no século XVII, por Hugo Grócio, quando diz, na sua obra O Direito da Guerra e da Paz, que considera os Estados e indivíduos como pessoas internacionais, compreensão essa que se insere na prerrogativa que torna o compromisso de particulares perante inimigos de guerra uma obrigação também do Estado. Se considerarmos o direito uma proporção entre coisas e pessoas, do homem para o homem, não é concebível a noção da pessoa humana como objeto do direito. Contudo, ainda hoje não é um sujeito de DIP pleno, pois não são concedidas todas as faculdades que são conferidas a outros.

Verificada a capacidade jurídica internacional do indivíduo, mesmo assim, a sua personalidade jurídica não é plena. Não participa na criação de normas internacionais e não tem capacidade de ação. Para que exista plenitude de personalidade jurídica, o indivíduo deveria ter a possibilidade de se dirigir aos fóruns internacionais com o objetivo de reclamar os seus direitos.

São todas as pessoas que estão nos países, não havendo distinção entre naturais ou naturalizados, ou seja, o “ab initio” para que exista um Estado. De tão complexo expressar em palavras o que significa ser humano, espera-se que este simples conceito possa esclarecer o que seja ser humano.

Os indivíduos também são sujeitos de Direito Internacional Público, sabendo-se que certas normas lhes atribuem direitos e deveres.

Em consonância com o atual Direito Internacional dos Direitos Humanos, defende-se que o ser humano é sujeito de Direito interno, bem como de Direito Internacional, uma vez que titular de personalidade e capacidade jurídica em ambas as esferas.

Efetivamente, na atualidade, observa-se a presença de sistemas de proteção dos direitos humanos e fundamentais, não apenas na esfera interna de cada Estado, mas também internacional, tanto de alcance global, no âmbito da ONU, como regional, com atuação complementar, com destaque aos sistemas interamericano, europeu e africano, além do ainda incipiente sistema árabe e da proposta de criação de um sistema asiático. O indivíduo também deve ser reconhecido como sujeito de Direito Internacional, com capacidade de possuir e exercer direitos e obrigações de cunho internacional.

Os indivíduos ou pessoas naturais são sujeitos de Direito Internacional, ao lado dos Estados e organizações internacionais (entes de Direito Público externo).

Há que se considerar que o homem é hoje munícipe, nacional e cidadão do mundo; tem direitos e deveres internacionais.

As doutrinas sobre a personalidade internacional do indivíduo são muitas. Há teorias que negam e teorias que afirmam ser o homem pessoa internacional. Autores como Rosalyn Higgins, Marco Torronteguy, Deisy Ventura, Ricardo Seitenfus, Anzilotti, Triepel, Duguit e Le Fur possuem interessantes doutrinas acerca do homem no plano internacional.

É possível perceber que a situação dos indivíduos ainda é complexa no âmbito do Direito Internacional. A razão maior dessa complexidade é que a autonomia dos indivíduos na esfera internacional entra em choque com a aclamada soberania dos Estados. O fato de o indivíduo poder ser julgado por um tribunal internacional e o fato de ele almejar um direito à interpelação a uma corte internacional configurariam exceções ao rígido e orgulhoso dogma da soberania incontestável.

O Tribunal Penal Internacional considera o indivíduo um sujeito pleno do Direito Internacional e surgiu em resposta às violações dos direitos humanos, para tentar contribuir para o papel que pertence a todos de asseguração da paz. Tal Tribunal abarca três âmbitos (áreas) do Direito: Direito Penal, Direito Humanitário e Direitos Humanos.

O Tribunal Penal Internacional engloba o conjunto de normas que regulam a defesa preventiva e repressiva contra os atos ofensivos das condições essenciais da vida social, pela imposição de certas penas e meios educativos apropriados; o conjunto de normas que, em tempo de guerra, protege as pessoas que não participam nas hostilidades ou deixaram de participar; e o conjunto de leis, vantagens e prerrogativas que devem ser reconhecidas como essências pelo indivíduo (direitos inalienáveis, de eficácia erga omnes e absolutos do homem).

O Tribunal Penal Internacional Permanente (instaurado e consolidado pelo Estatuto de Roma) introduz, assim, mais pressão sobre o conceito tradicional de soberania.

É interessante também refletir sobre o fato de que a transição de uma sociedade internacional para uma comunidade internacional, ou seja, a ocorrência de uma maior subordinação, hierarquia, convergência de interesses comuns e centralização no Direito Internacional Público propiciariam um ambiente mais fértil para que o indivíduo seja tido como um sujeito pleno do Direito Internacional. Quanto mais o mundo se aproximar de uma comunidade internacional, tanto mais será possível observar a internacionalização do homem.

Dizer que o indivíduo tem qualidade de pessoa internacional significa que ele é titular de direitos e deveres internacionais e que tem capacidade de fazer prevalecer os seus direitos através de reclamação internacional.

A simples existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos serve para fortalecer a posição do ser humano como sujeito de Direito Internacional, pois é formado por normas internacionais que estabelecem direitos às pessoas comuns. Nesse sentido, observam GOMES e PIOVESAN que, na medida em que guardam relação direta com os instrumentos internacionais de direitos humanos que lhes atribuem direitos fundamentais imediatamente aplicáveis, os indivíduos passam a ser concebidos como sujeitos de Direito Internacional.

Enquanto que, nos tribunais internacionais de direitos humanos, o indivíduo figura como sujeito ativo perante a justiça internacional, nos tribunais internacionais penais ad hoc (para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, criados em 1993 e 1994, respectivamente) e perante a futura e permanente Corte de Roma, ele assume a condição de sujeito passivo, responsável individualmente pela violação de crimes contra o Direito Internacional Humanitário e sujeito a sanções de natureza penal que vão até a prisão perpétua.

O Tribunal Penal Internacional foi inaugurado oficialmente em Haia, na Holanda, depois de 60 Estados terem ratificado o Tratado de Roma, de 1998. Essa Corte, diferentemente das anteriores, é permanente, ou seja, sua jurisdição não está restrita a uma situação específica. Através dela, pretende-se investigar e julgar particulares acusados de crimes de guerra, contra a humanidade e de genocídio. Sua competência não tem efeito retroativo, pois somente são julgados delitos cometidos após a entrada em vigor do Estatuto. Sua criação representa grande avanço na proteção dos direitos humanos, principalmente quando inserida dentro do cenário de guerra em que vivemos.

A mera existência desse tribunal ratifica o entendimento de que o ser humano é realmente sujeito de deveres internacionais, já que são analisados casos contra indivíduos, e não contra Estados. É o que dispõe o artigo 25 do Estatuto:

Art. 25. 1. O Tribunal terá jurisdição sobre pessoas naturais, de acordo com o presente Estatuto. 2. Uma pessoa que cometer um crime sob jurisdição do Tribunal será individualmente responsável e passível de pena, em conformidade com o presente Estatuto.

Ademais, não se poderia responsabilizar internacionalmente um ente sem o reconhecimento de sua titularidade internacional. Exercendo jurisdição sobre pessoa, o TPI está afirmando a subjetividade dos particulares que, verdadeiramente, são os grandes infratores do Direito Internacional.

Podemos também afirmar que a ideia de que o Direito Internacional é diferente do Direito Interno está ficando um pouco atenuada. A conjugação de pactos com textos constitucionais, a transposição de normas internacionais para dentro das Constituições cria uma área em que não se diferencia o que é nacional e o que é internacional. O conceito de homem, pessoa privada, exilado na sociedade dos Estados, poderá estar a cair por terra, perante a possibilidade de serem fixados princípios que aceitem o indivíduo como finalidade do Estado, e não o Estado como a finalidade do indivíduo.

A consolidação do Estado Moderno, que resultou no fortalecimento da sua soberania e da inexistência de qualquer organismo internacional acima dele como forma de limitação do seu poder, levou a que o indivíduo fosse arredado do Direito Internacional durante muito tempo. O DI passou a preocupar-se apenas com as relações entre Estados. Perdeu de vista os princípios basilares do direito natural, transcendentes e limitadores da vontade do soberano. A preocupação com o gênero humano e a fraternidade universal passou para segundo plano, num direito que passou a visar apenas as relações entre Estados soberanos, que não queriam ceder parte do seu poder. Atualmente, este processo tem sofrido evoluções significativas. Com a proliferação de organizações internacionais, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, e o crescimento das suas competências, veio criar uma certa limitação à soberania dos Estados. Estes passaram a estar sujeitos a normas internacionais, mesmo sobre normas sobre as quais não manifestou a sua aprovação, como as relativas ao jus cogens.

Em conjunto com esta evolução, a permanente valorização dos direitos humanos proporcionou um reaparecimento do indivíduo no Direito Internacional. Toda esta evolução permitiu ao indivíduo ser considerado como sujeito de Direito Internacional; porém, este será sempre um sujeito secundário, não preenchendo os requisitos para uma personalidade jurídica internacional plena. As formas de responsabilizar os indivíduos perante a comunidade internacional aumentaram, bem como as formas de poderem fazer valer os seus direitos fundamentais.

Esta evolução poderá representar um regresso aos valores que fizeram surgir o Direito Internacional, de unidade do gênero humano e fraternidade universal, ou mesmo ao fundamento jusnaturalista presente na sistematização do Direito Internacional, iniciada na formação dos Estados Modernos. A evolução do Direito Internacional poderá levar-nos a um verdadeiro Direito das Gentes, afastando-se de um simples Direito entre Estados.

O ser humano é sujeito de Direito Internacional, com direitos e deveres internacionais próprios, inclusive sujeitos a sanções impostas por tribunais penais internacionais. Além do que, desde a Corte Centro-Americana de Justiça, tem-se conhecimento de ações diretamente impetradas por particulares perante tribunais com jurisdição internacional.

No que tange à subjetividade ativa internacional dos particulares, a própria existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos serve como prova de que há normas internacionais conferindo proteção direta aos particulares. Este ramo da ciência jurídica foi criado especialmente para tutelar direitos de índole individual, o que ratifica a titularidade ativa do particular perante a ordem jurídica internacional. Essa personalidade do indivíduo encontra suporte na própria prática internacional, conforme foi analisado, e na mera existência de deveres independentes da figura estatal. Aliás, a própria noção de criminosos de guerra torna imperativa a aceitação dessa tese, visto que não se pode punir particulares sem as normas pertinentes. Ademais, a aceitação do ser humano como pessoa internacional revela a mais moderna tendência do Direito Internacional, e está em consonância com a própria noção dos direitos humanos e do Direito Internacional Humanitário.

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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