CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após esta revisitação e retomando o objetivo deste trabalho, é possível delinear a seguinte sequência lógica que transpassa as cinco obras:
Uma das implicações verificadas por Marcelo Neves, decorrente do problema da falta de identidade das esferas de juridicidade, é o fenômeno da subintegração e da sobreintegração, potencializado em função do que Marcelo Neves nomeia de "constitucionalização simbólica";
Como uma resposta a esta situação, o professor Roberto Gargarella propõe a reforma política para proporcionar um outro sistema político, através de alterações constitucionais que possam superar as desigualdades e o "simbolismo" constitucional existente;
No entanto, enquanto esta reforma política não ocorre, o fenômeno estudado pelo texto do professor Veronese, a saber, a judicialização da política, é que garante certos direitos a determinados estratos da sociedade. Este papel contramajoritário e representativo das parcelas excluídas da sociedade é dever do judiciário, pois a tendência dos legislativos sempre será a manutenção do status quo;
Assim, o judiciário acaba por desempenhar também um papel indutor e mantenedor do chamado Estado democrático de Direito, objeto de discussão do quarto teto, do Professor Bedin. De se destacar também que os quatro desafios identificados pelo autor nunca estiveram tão em evidência como nos dias atuais; e
O quinto e último texto seria uma espécie de fechamento consolidativo dos quatro textos anteriores, pois mescla o mote e objeto de discussão das demais.
Estes foram os cinco textos trabalhados e debatidos ao longo do segundo semestre de 2018 e os diálogos cujo delineamento seria possível em uma análise em perspectiva. Por fim, a leitura destes textos, mesmo que estes remetam à América Latina como um todo, acaba por trazer à memória a obra de José Murilo de Carvalho "Cidadania no Brasil: O longo caminho", isso, pois, muitas das passagens desta obra dialogam com os textos debatidos, como por exemplo, o conceito de "cidadão em negativo" trazido por este autor que dialoga diretamente com a parcela subintegrada do conceito de Marcelo Neves. Outro diálogo explícito seria a da "constitucionalização simbólica" com o conceito de "direito civil só na lei", do Professor José Murilo.
Outro importante paralelo possível de ser traçado é com relação ao texto de Jacques Commaile, trabalhado durante o semestre na disciplina Sociologia Jurídica e que apregoa que o fenômeno da judicialização vem a ocupar lacunas deixadas (propositalmente?) pelos entes políticos, como o Executivo e o Legislativo, e que a uma explicação plausível para a escalada quantitativa dos recursos ao judiciário poderia ser a "inadequação dos processos tradicionais de canalização dos conflitos frente a novas formas de ação coletiva”. Ademais,
[a judicialização da política] decorre principalmente do desaparecimento de uma “meta-razão” sobressalente, do declínio das ideologias, da reavaliação das grandes instituições — mais especificamente do enfraquecimento das instituições de administração e de controle social." (COMMAILE 2007)
Desta forma, a justiça passaria a ser a base para a democratização de uma sociedade, através da efetivação de direitos e garantias que passariam a ter natureza prospectiva e programática.
Ressalte-se que, muitos dos desafios identificados, bem como as situações problemas verificadas durante as leituras e também através da experiência de vida trazida por cada um, são consequências de todo um processo histórico que remete ainda ao período colonial pelo qual a América Latina passou, além do processo tardio de difusão de direitos fundamentais, políticos e sociais. Por fim, não se pode deslembrar que 2018 foi um ano de eleições gerais e as expectativas em torno do pleito também serviram de pano de fundo para os debates do grupo de estudo, enriquecendo-do e trazendo os temas à realidade de todos os discentes.
REFERÊNCIAS
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COMMAILE, Jacques. La justice entre détraditionnalisation, néolibéralisme et democratization: vers une théorie de sociologie politique de la justice. In: COMMAILE, Jacques (dir.); KALUSZYNCKI, Martine (dir.). La function politique de la justice. Paris: La Découverte, 2007. p. 295-321
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