FRAUDE PROCESSUAL E LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Rogério Tadeu Romano
Segundo o Estado de São Paulo, em seu site, no dia 10 de dezembro do corrente ano, a constatação de que o advogado Tony Lo Bianco interferiu para impedir a investigação de esquema criminoso envolvendo o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), levou a procuradora-geral, Raquel Dodge, a requerer, na última sexta, 7, a sua prisão preventiva. Determinada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Felix Fischer, neste domingo, 9, a medida cautelar foi executada na manhã desta segunda, 10, pela Polícia Federal. Também foram cumpridos mandados de busca e apreensão em quatro endereços ligados ao advogado e na residência de Sérgio Beninca.
Lo Bianco é advogado da empresa Kyocera, uma das integrantes do consórcio que venceu a licitação para as obras de iluminação do Arco Metropolitano, orçada em mais de R$ 96 milhões. Já Beninca, possui ligações com Cézar Amorim, um dos alvos da operação deflagrada em 29 de novembro.
Segundo a Procuradoria, ‘a atuação irregular do advogado foi descoberta durante o cumprimento dos mandados da Operação Boca de Lobo’, que prendeu Pezão.
Na petição enviada ao STJ, a procuradora-geral reproduz trecho de áudio de ligações telefônicas de Tony Lo Bianco a Cézar Amorim. Os áudios foram interceptados por autorização judicial. Na ligação, Lo Bianco orienta o empresário a pedir para Beninca retirar, com urgência, a documentação da Kyocera de um determinado local. Na ligação - atendida pelo serviço de caixa postal, uma vez que o empresário havia sido preso na Operação Boca de Lobo - o advogado usa a expressão: “vai complicar o Arco Metropolitano”. “Verifica-se, assim, um quadro de intricadas relações envolvendo membros da Orcrim (Organização Criminosa) e, pior, com a destruição de provas a demonstrar a necessidade da custódia cautelar”, pontua Raquel Dodge, em um dos trechos da petição.
Trata-se de crime listado na Lei de Organizações Criminosas.
Prevê o artigo 347 do Código Penal o crime de fraude processual ao prescrever o seguinte tipo penal: “ Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, da coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito. A pena prevista é de detenção de três meses a dois anos, e multa.
Historicamente, o Código Rocco, no artigo 374, previa o ilícito.
Tutela-se a administração da justiça, visando-se sancionar o improbus litigator, sendo crime comum, que pode ser praticado por qualquer um, seja parte ou estranho ao processo.
O dispositivo previsto tem como objetividade jurídica regular a atividade da justiça, evitando a fraude que possa produzir o falseamento da prova e que possa levar ao erro no julgamento.
Como referenciado, qualquer pessoa pode cometê-lo, seja ou não interessada na solução da lide, podendo ser responsabilizado o funcionário público, se a conduta não configurar um crime próprio, ou ainda o procurador da parte, embora se exija, como sempre, que, de alguma forma, concorra para o resultado.
O tipo objetivo do crime previsto no artigo 347 do Código Penal é a inovação artificiosa, na pendência do processo civil, administrativo ou penal. O agente modifica, muda, deforma os objetos materiais(o estado de lugar, da coisa ou de pessoa), alterando a situação preexistente. Assim, tratando-se de pessoa, pode haver uma inovação no aspecto físico, ou externo, ou anatômico interno, mas não psíquico, civil ou social(RT 502/297). Como disse Paulo José da Costa (Comentários ao Código Penal, São Paulo Saraiva, volume III, 1989, pág. 568), se a alteração for grosseira, constatável a primeira vista, não se perfaz o delito. Mas a inovação há de vir acompanhada de um artifício. Lugar é qualquer ambiente que deve ser objeto de exame pelo magistrado ou perito. Coisa é a entidade móvel ou imóvel, podendo ser nela compreendida o cadáver, tendo-se como tal: lavar manchas de sangue, alterar escritura de livro mercantil, eliminar sinais de abalroamento de veículo. Entre as pessoas que poderão ser artificiosamente inovadas podem ser enumeradas não só o réu e a vítima como ainda todas as pessoas que devam ser objeto da investigação probatória.
Interessa-nos a fraude processual no processo penal envolvendo a atuação de organizações criminosas.
Prevê o artigo 347, em seu parágrafo único, a fraude no processo penal , assim se dizendo: “Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.”
No caso que envolve a fraude no processo penal, não será necessário que se tenha iniciado o processo penal, pois é possível a prática do crime a partir do inicio das investigações para a apuração do ilícito, mesmo que não se tenha instaurado, formalmente, o inquérito policial ou a investigação pelo Ministério Público, titular da ação penal pública.
No caso de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada diz-se que o pressuposto existe a partir do oferecimento da queixa ou para o requerimento para a instauração do inquérito na primeira hipótese e da existência daquelas condições de procedibilidade, nos demais.
Exige-se, como tipo subjetivo, o dolo específico, a vontade de praticar a alteração, exigindo-se que o agente tenha como induzir em erro o juiz ou perito.
Consuma-se o crime com a alteração, a inovação artificiosa, não sendo necessário para a integração da fraude processual que o juiz ou perito sejam levados a erro ou que o processo não tenha chegado a fase de julgamento. Basta a fraude, idônea, que provoque o erro, o engano.
O crime é subsidiário, pois se o fato constitui crime mais grave será absorvida por este. O delito e formal, independendo para consumar-se que o agente obtenha o fim visado. Por fim, admite a tentativa.
Outro é o delito cometido com base no artigo 2º, § 1ª, da Lei 12.850, onde se diz que nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. A pena prevista é de reclusão, de três a oito anos e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações. Trata-se de crime contra a paz pública, assim como o crime de organização criminosa.