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O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias

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02/08/2005 às 00:00
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5CONCLUSÃO

O sistema processual penal brasileiro, ao contrário de sistemas como o espanhol, o português e o alemão, não logrou estabelecer legalmente quais os prazos máximos para a prisão cautelar imposta a réus que respondem a processos, o que tem criado, ao longo do tempo, acesas controvérsias sobre qual seria o prazo aplicável.

Desde o advento do atual Código de Processo Penal, a doutrina se aglutinou em torno de duas correntes principais, uma delas sustentando que diante da inexistência de disciplina legal acerca do tempo máximo a reger a prisão cautelar, deve ser observado o prazo previsto em lei para a prática de cada ato, isoladamente, havendo excesso de prazo com a superação de cada um dos prazos previsto, ao passo que uma segunda corrente, através de uma interpretação sistemática, formulou o entendimento de que os prazos devem ser considerados em sua globalidade e não isoladamente, somente se considerando haver excesso quando demonstrado que o prazo previsto para a prática de todos os atos considerados em conjunto, tenha sido superado.

A jurisprudência adotou, de forma inquestionavelmente majoritária, a segunda corrente doutrinária, rejeitando veementemente a alegação de excesso de prazo isolado e aplicando a forma global, mediante o qual sistematizou o prazo para a conclusão da instrução criminal em 81 dias, através da seguinte metodologia: "inquérito: 10 dias (art. 10 do CPP); denúncia: 5 dias (art. 46); defesa prévia: 3 dias (art. 395); inquirição de testemunhas: 20 dias (art. 401); requerimento de diligências: 2 dias (art. 499); para despacho do requerimento: 10 dias (art. 499); alegações das partes: 6 dias (art. 500); diligências ex officio: 5 dias (art. 502); sentença: 20 dias (art. 800); soma: 81 dias."

Essa construção jurisprudencial peca por não abranger todos os prazos procedimentais previstos no Código de Processo Penal e por não se coadunar com a realidade do nosso tempo, onde a violência e a criminalidade aumentaram significativamente em relação às décadas de 1960, 1970 e 1980, período do nascimento e da consolidação dessa conclusão pretoriana e, na atualidade, esse prazo deve ser aplicado em conjugação com o princípio da razoabilidade, que permitirá ao intérprete verificar os casos em que se justifica extrapolar os 81 dias, mormente diante da complexidade da causa e da respectiva instrução processual, bem como aqueles casos menos complexos, onde o prazo em questão é suficiente e razoável, não necessitando de prorrogação.


6REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. 5. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962.

FARIA, Bento de. Código de processo penal. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

JESUS Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de direito processual penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1982.

ROSA, Inocêncio Borges da. Processo penal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1942.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 14. ed. Saraiva, 1992.


NOTAS

01 Merece destacar não ser razoável entender que a duplicação dos prazos a que se referia o art. 10 da Lei 8.082/90, possa ter aplicação aos prazos da Lei 10.409/02, eis que aquela norma foi específica ao acrescer parágrafo único à Lei 6.368/76, no seguinte teor: "os prazos procedimentais deste Capítulo serão contados em dobro quando se tratar dos crimes previstos nos artigos 12, 13 e 14". Ora, como o Capítulo IV daquela Lei foi integralmente revogado, sendo substituído pelo Capítulo III da nova Lei, que já prevê um prazo três vezes superior ao anterior, para a conclusão do inquérito e trata especificamente da hipótese de duplicação dos prazos para a conclusão do inquérito, no parágrafo único do art. 29, não há amparo jurídico para sustentar a sobrevivência da norma alusiva à duplicação dos prazos procedimentais da Lei 6.368/76, em relação a qualquer fase procedimental.

02 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 245.

03 Nessa corrente encontram-se, dentre outros, Edgard Magalhães Noronha. Curso de direito processual penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1982. p. 164; Eduardo Espínola Filho. Código de processo penal brasileiro anotado. 5. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 186. v. VII; Fernando da Costa Tourinho Filho. Prática de processo penal. 14. ed. Saraiva, 1992. p. 6 e Roberto Delmanto Junior. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 247.

04 Dentre os defensores da contagem global dos prazos podem ser citados, dentre outros, Bento de Faria. Código de processo penal. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 243. v. II; Inocêncio Borges da Rosa. Processo penal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1942. p. 192-193. v.IV.

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05 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 408.

06 GRECO FILHO, 1998.

7 GRECO FILHO, 1998.

08 JESUS Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 243.

09 Ressalta-se que em procedimentos de menor complexibilidade o prazo a ser observado deve ser compatibilizado com os prazos previstos para a realização dos atos processuais respectivos, ao passo em que, havendo procedimento mais complexo, o prazo há que ser dilatado.

10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 91.

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Sobre o autor
Sérgio Ricardo de Souza

juiz de Direito, mestre em Direito Constitucional, doutorando Ciências Sociais e Jurídicas pela UMSA (Buenos Aires), professor de Direito Penal e Processual Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Sérgio Ricardo. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 759, 2 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7092. Acesso em: 24 abr. 2024.

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