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Adaptações do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho

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19/12/2018 às 14:00
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3. O IDPJ COMO HIPÓTESE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS: REGRAS DOS ARTS. 133 A 137 DO CPC

O “incidente” criado pela Lei 13.105/15 (arts. 133 a 137) buscou instrumentalizar a aplicação do instituto de direito material, tratando-o processualmente como hipótese de intervenção de terceiros.

Para boa parte da doutrina, sua natureza jurídica é mesmo de mero incidente processual, por ter sido este o tratamento conferido pelo legislador[6]. Ocorre que a instauração do IDPJ envolve pedido, causa de pedir e partes distintas daquelas que caracterizam a demanda principal, a indicar a formação de nova relação jurídica processual. Por isso, cuida-se, na realidade, de demanda incidental proposta nos mesmos autos, a exemplo do que se verifica na reconvenção. A menção no art. 135 à “citação” (e não mera intimação) do sócio ou da pessoa jurídica reforça tal entendimento.

Adere-se, pois, à corrente liderada por Wambier e Talamini (2018, p. 374), para quem, diante da ampliação do objeto do processo, a natureza jurídica do IDPJ é de “ação incidental”.

A fixação deste ponto é relevante, pois dele dependem outras questões cruciais. Uma delas é a natureza da decisão que acolhe ou rejeita o pedido de desconsideração, ficando mais fácil perceber que se trata de decisão interlocutória de mérito, propícia a fazer coisa julgada material e sujeita à ação rescisória (MEDINA, 2018, p. 243; WAMBIER; TALAMINI, 2018, p. 377).

Outra questão é a possibilidade de condenação da parte sucumbente no incidente[7] em honorários advocatícios (WAMBIER; TALAMINI, 2018, p. 378), que também resta clara diante da natureza de procedimento de jurisdição contenciosa e da concepção ampliativa para os honorários de sucumbência, trazida pelo art. 85 do CPC/15 (e importado para o processo do trabalho pelo novo art. 791-A da CLT).

Esclarecida a natureza jurídica, passa-se à análise das regras que instrumentalizam o instituto.

O procedimento incidental instituído pelo Código de Processo Civil de 2015 mostra-se pautado: 1) na restrição à relativização da personalidade jurídica, ao exigir prévio requerimento da parte interessada e atribuir-lhe o ônus da comprovação dos pressupostos previstos em lei; 2)no prestígio ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, além da garantia de segurança jurídica, ao normatizar o procedimento; 3) na discussão dos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, erigidos, em regra, com base na teoria maior objetiva.

Assim é que, fundado no primeiro escopo, o art. 133 do CPC exige que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, inclusive na hipótese de desconsideração inversa (§2º), seja instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo (na condição de parte). Veda, pois, a atuação ex officio do órgão julgador.

Prevê, também, que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei (art. 133, §1º), cabendo à parte interessada alegar[8] o preenchimento de tais pressupostos legais específicos (art. 134, §4º) e, no contexto da instrução, comprová-los.

Ainda com a finalidade de restringir os efeitos da desconsideração, o art. 134, § 3º estabelece que a instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese em que a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, já que a instauração do incidente fica dispensada. Neste último caso, será citado o sócio (desconsideração direta) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) para compor o polo passivo da lide desde o início da fase de conhecimento, quando se conformará um litisconsórcio passivo facultativo (LEITE, 2016, p. 402).

O art.134, caput, ameniza as restrições acima referidas ao explicitar que o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Apesar do texto legal, o IDPJ não cabe no recurso especial (corresponde ao recurso de revista na sistemática trabalhista) e no recurso extraordinário (ALMEIDA, A. P., 2016, p. 384).

Caso seja acolhido o IDPJ instaurado na fase cognitiva, tem-se a formação de litisconsórcio passivo entre o réu original e as novas partes[9]. A situação abre espaço para dúvidas quanto aos poderes dos litisconsortes. É possível defender, por exemplo, que os sócios não podem contribuir para a defesa na ação principal, vez que não possuem legitimidade extraordinária para tutelar direitos da sociedade em juízo.

Parece mais acertada a posição trazida por Waki (2015), para quem as novas partes poderão se defender quanto ao mérito das questões que compõem o pedido do autor na ação principal, porém “dentro dos limites da assistência litisconsorcial”.

É certo que a posição dos sócios não é idêntica à de um assistente litisconsorcial, pois, formalmente, apenas a sociedade é titular do direito discutido na demanda originária. Contudo, a relativização da personalidade promovida no bojo do incidente faz com que a pessoa jurídica e seus instituidores passem a ser tratados como se fossem um só, pois pontualmente superada a autonomia patrimonial que até ali os separava. Na prática, os sócios suportam efeitos como se fossem também titulares do direito debatido na demanda principal, e como tal devem ser tratados. Além disso, a formação de litisconsórcio ulterior aproxima as figuras e justifica a aplicação das regras daquele instituto (art. 124 do CPC), por analogia.

O art. 135 do CPC emerge em consonância com o segundo objetivo, de prestigiar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV da CRFB), reforçados pelo advento do CPC e a proibição da decisão surpresa (art. 9º e 10º). A regra prevê que, instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para se manifestar e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias, prevendo, assim, um contraditório amplo e prévio. A inércia do terceiro citado produz os efeitos da revelia. Note-se ainda que o texto usa a conjunção “ou”, indicando ser dispensada a citação do devedor original[10].

Nesse mesmo intuito, o art. 136 do CPC dispõe que o incidente será resolvido por decisão interlocutória recorrível, cabendo agravo interno caso a decisão seja proferida pelo relator (art. 1.021 do CPC), no caso de processo que tramita junto ao tribunal (competência original ou grau recursal). Caso a decisão seja proferida no primeiro grau, caberá agravo de instrumento (art. 136, caput, c/c art. 1.015, IV do CPC).

Tal sistemática recursal sofre adaptações no processo do trabalho, vez que a decisão proferida na fase de conhecimento será irrecorrível de imediato (art. 855-A, §1º, I da CLT), podendo ser combatida por meio de recurso ordinário interposto contra a sentença final. Na fase de execução, o recurso cabível será o agravo de petição, no prazo de 8 dias, sem necessidade de garantia. Veiculado na petição inicial, o pedido de desconsideração da personalidade será resolvido em sentença, desafiando recurso ordinário na sistemática trabalhista.

A promoção da segurança jurídica é reforçada pelo §1º do art. 134 do CPC, segundo o qual a instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas. Busca-se dar maior publicidade e formalidade ao ato, além de viabilizar a distribuição por dependência de ações conexas propostas em face do responsável secundário. No campo trabalhista, a orientação já era adotada diante da previsão do art. 78, II da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, na redação anterior ao Ato n. 5/GCGJT, de 29 de março de 2016[11].

Também para prestigiar a segurança jurídica formulou-se a previsão do art. 137 do CPC, no sentido de que, acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. Sua intenção é combater atos fraudulentos do responsável patrimonial secundário.

Surgiu debate diante da possível incompatibilidade entre o marco sugerido pelo art. 137 (momento do acolhimento do pedido de desconsideração) e o marco previsto no art. 792, §3ºdo CPC (momento da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar).

A colisão é tão somente aparente, pois os dispositivos são compatíveis e devem ser lidos em conjunto. O art. 137 reforça a possibilidade de configuração da fraude de execução pelo terceiro caso o IDPJ seja acolhido, enquanto o art. 792, §3º fixa como marco inicial o momento da citação do devedor original (a parte cuja personalidade se pretende desconsiderar). Não se pode deixar de registrar, porém, a pouca coerência da opção legislativa que, no tratamento da fraude à execução, assume a presunção de que o sócio sabe o que se passa com a sociedade, mas em relação ao IDPJ reforça as cautelas decorrentes da distinção entre o ente moral e seus instituidores.

O terceiro objetivo da novidade legislativa, como dito, foi amoldar o procedimento à complexidade da teoria maior objetiva da desconsideração. Com este intuito, além da exigência de que o requerimento aponte os pressupostos legais (art. 134, §4º), os arts. 135 e 136 trazem a possibilidade de realização de instrução, medida pensada para a comprovação daqueles pressupostos que caracterizam o abuso da personalidade jurídica, previstos principalmente no art. 50 do Código Civil.

Frise-se, contudo, que a instrução poderá ser dispensada, caso desnecessária, situação que melhor se adéqua à maioria dos casos de incidência da teoria menor.


4. APLICABILIDADE DO IDPJ AO PROCESSO DO TRABALHO

Tanto a procedimentalização da desconsideração direta quanto da inversa possuem clara previsão no art. 855-A da CLT c/c o art. 133, caput e §3º do CPC. Resta, assim, firmada a aplicabilidade do IDPJ à seara laboral, já antes defendida pelo Tribunal Superior do Trabalho na IN nº 39/2016, no que fica superada a ampla resistência doutrinária[13], alicerçada na alegação de incompatibilidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica com o processo do trabalho (arts. 769 e 889 da CLT c/c art. 15 do CPC).

Remanesce o debate, porém, quanto à aplicabilidade do incidente a outras hipóteses em que ocorra a extensão da responsabilidade patrimonial para terceiros que não participaram da relação obrigacional, a exemplo da situação do sócio retirante (art. 10-A da CLT) ou dos sócios ou administradores com responsabilidade pessoal e direta (art. 790, II do CPC).

Conforme a doutrina majoritária, é certo que as situações referidas no parágrafo anterior não se adéquam ao conceito de desconsideração da personalidade jurídica mais utilizado no Brasil, pois este tem por pressupostos o abuso da personalidade jurídica que leva à relativização casuística da sua autonomia patrimonial. No caso da responsabilização do sócio retirante, por exemplo, usualmente não há qualquer abuso e a empresa tem sua personalidade intocada.

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Em razão das diferenças apontadas e do fato de que o IDPJ burocratiza e desacelera o processo, é possível sustentar a interpretação restritiva do instituto para considerar que o incidente deve ser exigido apenas na hipótese de aplicação tradicional da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Na seara laboral, a posição é reforçada pela informalidade e pela especial celeridade que norteiam o processo do trabalho.

Parece ser esse o entendimento de Silva (2017, p. 164), para quem é inaplicável o incidente de desconsideração da personalidade jurídica às execuções fiscais em curso na Justiça do Trabalho, vez que desnecessário, diante da previsão do art. 135 do CTN. De igual modo, Barba Filho (2017, p. 71) defende a aplicabilidade do IDPJ apenas às hipóteses em que se busca, efetivamente, “a responsabilização dos sócios para além dos limites de suas responsabilidades societárias”, ou a “investigação por meio de desconsideração inversa com vistas a se identificar eventual responsabilização de outras empresas que estejam sendo utilizadas para fraudar credores da sociedade demanda”.

Com o devido respeito, defende-se a aplicação do IDPJ também às situações análogas referidas, pois, havendo igualmente a extensão de responsabilidade patrimonial para instituidores que não participaram da relação obrigacional, exige-se a formalização de incidente que possibilite a ampla discussão de tal responsabilidade, em respeito ao contraditório, à ampla defesa e à segurança jurídica.

Veja-se, nessa linha, a posição de Nahas (2017, p. 83), dissertando sobre a aplicabilidade do IDPJ a toda hipótese de discussão da responsabilidade de sócios ou administradores e, em especial, ao caso do sócio retirante:

Embora o legislador não tenha tratado especificamente do tema, parece que qualquer das situações em que se discutir responsabilidade patrimonial de sócios ou administradores deverá sê-lo pela via do incidente, pois a intenção legislativa é de conferir segurança jurídica às relações e, embora o critério de responsabilidade direta seja mais objetivo, para que se possa invadir o patrimônio do responsável faz-se necessário o enquadramento jurídico e a apuração de sua responsabilidade. No mesmo diapasão, entendemos que deverá ser a solução para o caso da apuração de responsabilidade do sócio retirante, cujo fundamento material está no art. 10-A da CLT.

Lopes (2018, p. 181), cuidando especificamente do art. 10-A da CLT, sustenta que o dispositivo deve ser interpretado sistematicamente para que se reconheça que “não opera efeitos imediatos, mas precisará ser objeto de prova, na forma do incidente de desconsideração da personalidade jurídica [...]”.

Trazendo lição mais abrangente, Cunha (2017, p. 422) considera que não é adequado afastar a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica apenas em razão da sua nomenclatura, já que é forma de intervenção de terceiro como qualquer outra, que busca converter o terceiro em parte, demandando, por isso, o prévio respeito ao contraditório. Vale a transcrição de trecho de sua cátedra, proferida no contexto do debate sobre a aplicabilidade do IDPJ na execução fiscal:

Na execução, a parte demandada é aquela que está no título ou cuja responsabilidade é reconhecida legal ou judicialmente. Se o sujeito não está no título e sua responsabilidade depende da aferição e comprovação de elementos subjetivos ou que não constem do título executivo, é preciso que se instaure um incidente cognitivo para que se avalie a presença desses elementos, em contraditório e com oportunidade de defesa (CUNHA, 2017, p. 422).

Mesmo Barba Filho (2017, p. 74-75), que caminha em sentido contrário, reconhece ser compreensível a adoção do IDPJ no caso, ao referir que a utilização do incidente evita nulidades ao impedir a futura alegação de cerceamento de defesa pela não utilização do novo instrumento processual, caso se entenda, posteriormente, que a hipótese não era de responsabilização direta do sócio ou administrador.

Adere-se, pois, à posição trazida por Thereza Nahas e complementada pelos demais juristas, acrescentando, como argumento, a melhor concretização do princípio da isonomia (art. 5º, caput da CRFB) e do princípio da proporcionalidade (sede material no art. 5º, LIV da CRFB).

De fato, o tratamento diferenciado dos responsáveis secundários pode gerar injustiça. Basta perceber que, se aplicado o entendimento restritivo, o sócio atual da pessoa jurídica, que ainda hoje se beneficia do uso antissocial da personalidade jurídica e que possivelmente já tinha ciência da ação movida originalmente contra a empresa, terá maiores chances de defesa do que o sócio que licitamente já se retirou do quadro societário há dois anos e provavelmente não tinha ciência prévia da demanda.

Apesar da posição ampliativa acima encampada, cabe fazer importante ressalva quanto à hipótese de reconhecimento de grupo econômico na execução trabalhista com supedâneo no art. 2º, §2º e §3º da CLT.

De início, ressalte-se que é respeitável, ainda que minoritária, a corrente doutrinária que identifica no dispositivo a fonte formal da desconsideração da personalidade jurídica no direito material do trabalho, posição endossada, entre outros, por Almeida, A.P. (2016, p. 375). É igualmente nesse sentido a cátedra de Koury (2018, p. 162), para quem o dispositivo veicula a aplicação da Disregard Doctrine com o fim de “evitar que a personalidade jurídica da empresa contratante seja abusivamente utilizada para encobrir a real vinculação do empregado com o grupo”.     

Segue-se, neste trabalho, a posição atualmente majoritária, que não reconhece na situação aludida os elementos característicos da Disregard Doctrine. De fato, há distinção entre os institutos quanto aos requisitos, vez que a formação de grupo econômico é normalmente baseada na relação lícita de subordinação ou coordenação entre empresas, não ocultando ato fraudulento ou abusivo. Por seu turno, a desconsideração, em sua acepção mais corriqueira no Brasil, deriva do uso abusivo da personalidade jurídica.

Há, de igual modo, diferença quanto aos efeitos, podendo-se citar, por exemplo, a responsabilidade subsidiária dos sócios como resultado da penetração da personalidade, em contraste com a responsabilização solidária dos membros do grupo econômico. Na mesma senda é a cátedra de Barba Filho (2017, p. 71) e Lopes (2018, p. 170).

Além disso, no grupo econômico a separação patrimonial não é relativizada para atingir sócios. Conforme o magistério de Farias e Rosenvald (2017, p. 511), na hipótese do dispositivo celetista “não se suprimirá, sequer por algum instante, a personalidade jurídica da empresa, apenas elastecendo os riscos da atividade econômica exercida para alcançar terceiros”.

Em que pese a predominância desta segunda corrente, o embate doutrinário torna pertinente o seguinte questionamento: é preciso instaurar o IDPJ para que seja reconhecido o grupo econômico na execução trabalhista[14]?

Ainda que a posição defendida no presente trabalho leve de pronto à resposta negativa, já que não se cuida de desconsideração propriamente dita, há que se reconhecer que foi feita a defesa, linhas atrás, da aplicação extensiva do IDPJ para atingir hipóteses de responsabilização de sócios ou administradores que não se encaixam na concepção tradicional de desconsideração da personalidade jurídica, por respeito ao contraditório, à ampla defesa e à segurança jurídica. Além disso, com espeque nas reflexões de Barba Filho (2017, p. 74-75), cabe considerar que a dúvida razoável, diante da celeuma doutrinária, tornaria recomendável a adoção do incidente para evitar nulidades futuras.

Mesmo que ponderosos os argumentos, tem-se por segura a afirmação de que a instauração do IDPJ é dispensável para o reconhecimento de grupo de empresas na execução trabalhista. Isso porque o art. 2º, §2º da CLT consagra a figura do grupo econômico como empregador único, o que faz com que os efeitos da coisa julgada afetem todos os membros do grupo, ainda que não constem formalmente no título executivo.

Adere-se, nesse ponto, ao pensamento de Koury (2018, p. 138):

No caso dos grupos de empresas, os efeitos da coisa julgada alcançam todas as empresas que os integram, na medida em que atuam como se uma só pessoa fossem, exatamente como prevê o art. 2º, § 2º, da CLT, de tal sorte que, citada uma ou algumas delas, considera-se que todas tiveram ampla e total possibilidade de defesa e que devem, por isso, suportar os efeitos da coisa julgada. [...]

Em outras palavras, não há que se falar em intervenção de terceiro se a integrante do grupo de empresas se confunde com a parte executada (logo, não é propriamente “terceiro”). Na verdade, quando se cuida de grupo econômico trabalhista o empregador é o próprio complexo patrimonial (OLIVEIRA, 2008, p. 421), que responde em sua totalidade pelas dívidas oriundas do contrato de trabalho. A atuação conjunta das empresas visando o lucro não pode ser apartada justamente no momento de distribuição do ônus da atividade econômica.

A execução imediata da empresa solidariamente responsável é concretização dos princípios da proteção do trabalhador, do contrato realidade e da despersonalização das obrigações decorrentes da relação de emprego, este último entendido como a norma segundo a qual “respondem pelos créditos do trabalhador todos aqueles que forem beneficiados pelos seus serviços” (ALMEIDA, C. L., 2015, p. 285).

Conclui-se, então, ser dispensável a instauração do incidente no caso de responsabilização do grupo econômico, sendo suficiente o pedido do credor veiculado em simples petição[15].

Isso não significa que seja possível negar à empresa incluída no polo passivo da execução a oportunidade de contraditório e de ampla defesa, até para que possa debater a própria existência do grupo econômico. A tese defensiva apenas dispensará maiores formalidades em sua apresentação, discussão e decisão.

Entende-se que é dispensável o IDPJ também para a hipótese da sucessão trabalhista, regulada pelo novo art. 448-A da CLT, que atribui responsabilidade apenas ao sucessor (regra), ou responsabilidade solidária entre sucessor e sucedido no caso de fraude (parágrafo único).

A situação não se amolda à ideia de desconsideração da personalidade, pois há simples sucessão de empregadores, que inclusive podem ser entes despersonalizados. Não há necessidade de tutelar o princípio da autonomia patrimonial ou o instituto da personalidade jurídica, devendo prevalecer o princípio da proteção. Assim, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa, resta dispensada a instauração de incidente burocrático para redirecionar a execução para a sociedade que suceder o empregador original plasmado no título executivo, ou para incluir o sucedido no polo passivo em caso de fraude.

Por fim, dentre as situações mais corriqueiras na Justiça do Trabalho, resta a figura do sócio “oculto” ou “de fato”, dizendo respeito àquele que, mesmo ocultando sua condição, controla a atividade da sociedade e dela aufere lucro.

Defende-se que a responsabilização destes sócios atende ao conceito amplo de desconsideração da personalidade jurídica, comumente adotado no Brasil (ainda que de forma pouco técnica), enquadrando-se na hipótese de “violação dos estatutos ou do contrato social” (art. 28 do CDC), razão pela qual aplicável o IDPJ.

Tais instituidores são sócios que abusam da personalidade jurídica da mesma forma que muitos sócios formais, apenas ficando mais evidente o intuito fraudulento diante da natureza recôndita de sua atuação. Além disso, a verificação da condição de sócio “oculto” costuma envolver complexa análise fática, exigindo farta produção de provas que poderá ser mais bem desenvolvida no contexto do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

O tema é polêmico, porém. Leonardo Dias Borges, por exemplo, posiciona-se pela inaplicabilidade do incidente, vez que “o sócio oculto é uma clara forma de burlar a legislação, inclusive a trabalhista”, sendo, pois, solidariamente responsável pelas dívidas da sociedade (CASSAR; BORGES, 2018, p. 216).

4.1. DESCONSIDERAÇÕES MÚLTIPLAS

Passa-se à análise do cabimento das desconsiderações paralelas e sucessivas, de modo a tornar abrangente o estudo das hipóteses de aplicação no processo do trabalho do incidente regulado pelos arts. 133 a 137 do CPC.

Quanto às desconsiderações paralelas, entende-se que tal figura não desafia maiores reflexões, sendo perfeitamente possível ao credor trabalhista, por exemplo, pedir, a um só tempo, a desconsideração da personalidade jurídica direta de duas ou mais empresas condenadas solidariamente. Para tanto, basta a instauração de um único IDPJ, com a citação de todos os sócios das diversas sociedades envolvidas, desde que não se promova tumulto processual.

As desconsiderações sucessivas também são, em regra, cabíveis no processo do trabalho. Tal aplicabilidade é reforçada pelo fato de que, na seara trabalhista, prevalece o entendimento de que a responsabilidade dos sócios não é limitada pelo valor da sua quota societária.

Confira-se, nessa senda, o magistério de Schiavi (2018b, p. 1153), em comentário ao art. 795 do CPC e seus parágrafos 1º e 2º:

O dispositivo acima consagra a responsabilidade subsidiária do sócio, pois prevê a faculdade deste invocar o benefício de ordem. Desse modo, a responsabilidade do sócio é subsidiária em face da pessoa jurídica, entretanto, a fim de dar maior garantia e solvabilidade ao crédito trabalhista, têm a doutrina e a jurisprudência, acertadamente, entendido que a responsabilidade dos sócios entre si é solidária. Sendo assim, se a pessoa jurídica tiver mais de um sócio, cada um deles responderá pela integralidade da dívida, independentemente do montante das cotas de cada um na participação societária. Aquele que pagou a dívida integralmente pode se voltar regressivamente em face dos demais sócios.

Desta forma, a pessoa jurídica “X” que é sócia minoritária da empresa “Y” responde subsidiariamente por toda a dívida da devedora original “Y”. Do mesmo modo, os sócios majoritários e minoritários da segunda empresa (“X”) podem responder subsidiariamente em relação a este ente, mas solidariamente entre si, pela condenação que foi redirecionada à pessoa jurídica “X”, antes originalmente imposta à empresa “Y”.

Ao final do encadeamento de operações, os sócios da empresa “X” poderão ser responsabilizados por toda a dívida da empresa “Y”. Nesse panorama, é possível a realização de uma desconsideração sucessiva homogênea do tipo “direta-direta”, desde que respeitados os requisitos legais e o benefício de ordem (art. 795, §1º do CPC), que leva à graduação da operação. É preciso constatar a inexistência de bens da empresa “Y”, depois da empresa sócia “X”, para, só então, em uma terceira etapa, alcançar bens dos instituidores da empresa “X”.

A situação se torna mais complexa no caso de desconsideração sucessiva heterogênea, notadamente a do tipo “inversa-direta”.

Imagine-se um empregador doméstico (pessoa física) que não pagou salários e oculta bens em uma pessoa jurídica. Atingido por meio de desconsideração inversa, este ente fica responsável por toda a dívida, já que não prevalece a limitação à quota do sócio devedor. Tal separação muitas vezes nem mesmo seria viável na prática, pois o pressuposto fático da desconsideração inversa é justamente a confusão patrimonial.

Entretanto, caso a sociedade personificada revele também não ter patrimônio penhorável, é possível aplicar agora, de forma sucessiva, a desconsideração direta para atingir os demais sócios do ente coletivo?

Pensa-se que a resposta será, na maioria dos casos, negativa, pois a operação é condicionada à prova robusta de ato fraudulento, que se revela dificultosa na prática.

Esta segunda hipótese torna mais perceptível um problema que é comum a todas as desconsiderações sucessivas, homogêneas ou heterogêneas, e que se torna mais grave na medida em que se eleva o grau da operação, com o acréscimo de novos elos na cadeia de operações. Refere-se aqui ao fenecimento do vínculo que deve existir entre o devedor original e o responsável patrimonial secundário.

A responsabilidade patrimonial de terceiros apenas se justifica “em razão de manterem ou terem mantido relações jurídicas próximas com o devedor, de cunho patrimonial, que podem comprometer a eficácia da execução processual, e daí a lei lhes atribuir tal responsabilidade, visando à garantia do crédito” (SCHIAVI, 2018b, p. 1142).

Nas desconsiderações sucessivas essa proximidade pode existir, mas é arrefecida, o que pode até não inviabilizar a configuração da responsabilidade patrimonial secundária, mas certamente impede a presunção do uso abusivo da pessoa jurídica pelos terceiros que se encontram mais distantes da origem da obrigação.

Considerando tal realidade, defende-se, neste trabalho, que as penetrações sucessivas apenas podem ser autorizadas com fundamento na teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, pois exigem prova do nexo causal com o fato que gerou ou perpetuou a dívida.

No caso da desconsideração sucessiva “inversa-direta”, por exemplo, ainda que a empresa, em razão do seu uso antissocial, possa responder de modo automático por dívidas de um dos sócios com base na teoria menor, não é razoável, em uma segunda desconsideração, que se transfira automaticamente aos demais integrantes do quadro societário a dívida que aquele primeiro sócio fez em âmbito particular. Tal responsabilização só é possível caso reste demonstrado (provado) que os demais instituidores agiram em conluio com o sócio devedor, no sentido de obstacularizar o pagamento da dívida trabalhista, ou, pelo menos, também participaram da confusão patrimonial.

Sustenta-se, então, que na desconsideração sucessiva a instauração dos incidentes deve ocorrer de forma também sucessiva, isto é, um incidente para cada operação. Isso porque:

1) a inclusão, no polo passivo de um único incidente, de todos os sócios e pessoas jurídicas envolvidos no encadeamento de operações gera tumulto processual;

2) o necessário respeito ao benefício de ordem abre espaço para pertinentes alegações de ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir, relativas aos terceiros atingidos pelos elos finais da cadeia de atos;

3) a segunda operação de desconsideração costuma ser mais complexa que a primeira, porque norteada pela teoria maior, demandando a produção de provas contundentes para demonstrar fraude.

4.2. MARCO TEMPORAL

Outro ponto que merece ser abordado é quanto à aplicabilidade do IDPJ no tempo.

Por ser matéria não tratada pela CLT, a inovação trazida pelo CPC/15 passou a ser aplicável de imediato aos feitos em tramitação na Justiça do Trabalho, podendo ser inicialmente instaurada de ofício, conforme posição que prevaleceu a partir do art. 6º da IN 39/16 do TST, reforçada pelo art. 17 da IN nº 41/18.

Desde a vigência da Lei nº 13.467/17, com eficácia imediata e geral a partir de 11/11/17, o incidente passou a exigir a iniciativa da parte, restando vedada a iniciativa do juiz, ressalvados os casos de aplicação do jus postulandi.

Portanto, assim como havia se dado com a vigência do CPC/15, a novidade da Reforma Trabalhista é também aplicável a todos os processos em trâmite, sem atingir situações já consolidadas, a exemplo dos incidentes que até 10/11/17 já haviam sido instaurados de ofício. Adota-se, pois, o sistema do isolamento dos atos processuais associado à aplicabilidade imediata da lei nova aos processos em curso, observada a irretroatividade das leis (arts. 14 e 15 do CPC c/c art. 769 da CLT).

O entendimento é ratificado pela regra geral plasmada no art. 1º da IN nº 41/18 do TST, que afirma ser imediata a aplicação das normas processuais alteradas pela Lei nº 13.467/17, sem atingir situação pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da lei revogada. A posição foi ainda explicitada pelo art. 13 do mesmo instrumento, ao dispor que, desde 11/11/17, a atuação oficiosa do juiz na execução e no IDPJ fica restrita aos casos em que as partes não estiverem representadas por advogados.

Resta a dúvida quanto à validade dos incidentes iniciados oficiosamente a partir de 11/11/17, quando tal conduta já não era mais albergada pela lei.

Em uma primeira análise, é possível sustentar a total nulidade destes procedimentos, em função da mácula aos princípios da legalidade (art. 5º, II e art. 37, caput da CRFB) e do juiz natural (artigo 5º, XXXVII, LIII e LIV, da CRFB), o que exigiria que novo incidente fosse instaurado pelas partes, se do seu interesse.

Contudo, em respeito aos princípios da instrumentalidade das formas, da economia processual e da celeridade, e ainda por imperativos de proporcionalidade e boa-fé, defende-se que o IDPJ iniciado de forma irregular naquele período de transição possa ser ratificado pela parte interessada, por meio de mera manifestação no bojo no incidente, sanando o vício.

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Sobre o autor
Bruno Ítalo Sousa Pinto

Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Adaptações do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5649, 19 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70950. Acesso em: 22 nov. 2024.

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