A lógica por detrás do direito do trabalho

27/12/2018 às 12:05
Leia nesta página:

O Direito do Trabalho possui uma lógica própria e, esta é alicerçada na própria Constituição Federal. Nesse sentido, importantes princípios emergem e se fazem presentes nas imposições legais e nas decisões judiciais, visando sempre a proteção do trabalhador.

 INTRODUÇÃO

Este artigo visa apresentar o Direito do Trabalho ao acadêmico iniciante e àqueles simpáticos às causas laborais ou ansiosos para compreender um pouco mais desta parcela do mundo jurídico.

Tem por objetivo apresentar a lógica por detrás do Direito do Trabalho: como foi pensada esta importante faceta do Direito e em que ela está alicerçada.

Por ser o Direito do Trabalho um complexo ramo do estudo jurídico, é tarefa árdua selecionar os institutos que constituem a sua base, mas este artigo simples e objetivo traz uma proposta que sem dúvidas merecerá ser revisitada no futuro, não tendo a presunção de colocar um ponto final no tema, nem de esgotar os tópicos tratados.

Serão apresentados importantes princípios a partir dos quais é construído, dia a dia, o Direito Trabalhista.


1. O RACIOCÍNIO JURÍDICO BASE DO DIREITO DO TRABALHO

O Direito do Trabalho é construído sobre um raciocínio jurídico basilar, segundo o qual em uma relação empregatícia não há equivalência de forças entre as partes.

Esta afirmativa é facilmente identificada por meio de uma observação atenta da própria relação empregatícia, pois não se pode esquecer que existem certos requisitos para que o vínculo de emprego seja reconhecido, dentre os quais se destaca a subordinação jurídica.

Entende-se por subordinação jurídica o dever que o empregado tem de obedecer as determinações do empregador, pois este possui o poder para dirigir e comandar os fatores de produção. É ele, o empregador, o responsável por determinar as regras e as normas internas a serem seguidas no cotidiano laboral.

Assim, é correto afirmar que o empregado deve se sujeitar aos comandos do empregador, sujeitar-se ao chamado poder de direção, sendo certo que se no caso concreto não restar caracterizada esta subordinação, em última análise, não se configurará sequer vínculo empregatício, já que a subordinação é um requisito fundamental para relação de emprego.

Portanto, há uma verdadeira hierarquia entre empregador e empregado, e é preciso que seja dessa forma para que reste configurado o vínculo empregatício, razão pela qual se afirma que não há equivalência de forças entre estas partes.

Ademais, sendo o direito ao trabalho um direito fundamental de segunda dimensão, deve o Estado estar presente nas atividades privadas que gravitam em torno da relação de emprego, criando mecanismos capazes de proteger os interesses dos que são economicamente mais fracos.

É por esta razão que o Estado intervém e por meio do Direito do Trabalho cria normas de proteção ao trabalhador que limitam a autonomia da vontade das partes, impedindo condutas abusivas de iniciativa da parte mais forte, isto é, o empregador.


2. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR

Para que sejam amenizadas as diferenças de poder entre as partes da relação de emprego, a fim de fazer valer o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, o Estado cria normas que garantem direitos mínimos ao empregado, buscando sempre uma isonomia substancial, ou seja, uma equivalência de forças que ultrapassa a mera formalidade legal e se projeta na vivência prática.

Assim, existem importantes princípios sobre os quais se constroem certos dispositivos legais e com base nos quais são tomadas decisões judiciais que buscam trazer ao caso concreto a citada isonomia substancial.

Estes princípios são agrupados em um único que é conhecido como princípio da proteção ao trabalhador, que forma o alicerce do Direito do Trabalho.

Desmembrando-se o princípio da proteção ao trabalhador, encontram-se os seguintes subprincípios: (i) princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador; (ii) princípio da prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador; (iii) princípio da interpretação in dubio, pro misero.


3. O PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR

Não é raro ao operador do Direito deparar-se com aparentes conflitos entre normas jurídicas. Neste caso, deve-se aplicar as regras comuns de interpretação segundo as quais normas de grau hierárquico superior devem prevalecer sobre as de grau inferior. Sendo de mesma hierarquia as normas em conflito, deve-se descartar a mais antiga para se aplicar a mais recentemente promulgada ou, ainda, aplicar ao caso concreto a norma especial em detrimento da geral.

Embora estas regras de exegese sejam amplamente aplicadas a outros ramos do direito, não devem prevalecer no Direito do Trabalho, pois aqui vigora o princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador.

Significa dizer que em havendo conflitos aparentes entre normas trabalhistas, deverá ser aplicada ao caso concreto aquela que for mais favorável ao trabalhador, independentemente de sua hierarquia, de sua data de promulgação ou se ela é de caráter especial ou geral.

Pegue-se por exemplo um caso em que exista norma prevista em acordo coletivo do trabalho que garanta aos empregados de determinado setor adicional de horas extras de 70%. Ora, a CLT prevê em seu art. 58-A, § 3º, que as horas suplementares serão pagas com acréscimo de 50%, razão pela qual existe um conflito aparente de normas, pois ambas tratam da mesma matéria (adicional de horas extras), mas a disciplinam de forma diferente.

Se o intérprete utilizasse neste caso exposto as regras gerais de interpretação do Direito, concluiria pela aplicação da norma legal (CLT - adicional de 50%) em detrimento da norma contida no acordo coletivo (adicional de 70%), conclusão esta que seria prejudicial ao trabalhador.

Mas, aplicando-se o princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador, o mesmo intérprete concluiria acertadamente que ao caso dever-se-ia aplicar a norma coletiva, razão pela qual os empregados daquele determinado setor gozariam de adicional de horas extras de 70% sobre o salário-hora normal.


4. O PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA CONDIÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR

Durante o lapso do vínculo empregatício, não raras vezes as circunstâncias nas quais ocorre o labor são alteradas, isto é, as condições não são as mesmas sempre, não permanecem imutáveis no tempo.

Essa mudança pode ocorrer na jornada de trabalho do empregado, em algum acréscimo ao salário, na própria forma em que se dá a execução produtiva do trabalho, em vantagens e demais direitos concedidos ao empregado pelo empregador, etc.

É justamente neste momento de alteração das condições que o princípio em tela revela ser de grande importância, pois é mais uma faceta do princípio da proteção que, nesta espécie, determina ser necessário manter as circunstâncias ajustadas, ainda que tacitamente, e que beneficiam o trabalhador, não podendo haver retrocessos.

Assim, tome-se o exemplo de um empregado que é contratado para trabalhar 08 horas por dia de segunda-feira até sexta-feira, contendo em seu contrato escrito cláusula prevendo exatamente esta situação. Suponha-se que após 01 ano trabalhando nesta condição, houvesse alteração na gestão da empresa e o novo gestor concedesse aos seus empregados autorização expressa para sair 01 hora mais cedo em todas as sextas-feiras, cumprindo nestes dias uma jornada de 07 horas.

Neste caso concreto, a condição inicial, prevista em contrato escrito, foi alterada expressamente. A partir deste momento a cláusula contratual que tratava da jornada de trabalho foi alterada, mesmo que não tenha ocorrido a formalização por um novo contrato escrito, e uma nova condição se estabeleceu: uma jornada de trabalho reduzida em 01 hora às sextas-feiras. Por ser esta uma condição mais benéfica ao trabalhador, ainda que no futuro um terceiro gestor assuma e queira cancelar esta benesse, não poderá por sua única vontade retroceder à condição anterior e exigir uma jornada de 08 horas às sextas-feiras, ainda que se valha daquele contrato escrito.

É importante destacar que o contrato de trabalho não necessariamente precisa ser escrito e, mesmo que assim seja, é perfeitamente possível ocorrer derrogação ou revogação de forma verbal, como no caso narrado acima. É possível, inclusive, ocorrer alteração contratual tácita, isto é, sem que haja uma manifestação expressa do empregador. Tudo isso está de acordo com a CLT (vide artigo 443).

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Mas como seria se a alteração da condição não fosse feita expressamente, mas sim tacitamente? Ainda assim prevaleceria a condição mais benéfica?

Voltando ao exemplo dado, imagine-se que o novo gestor não tivesse dado abertamente autorização para redução da jornada às sextas-feiras, mas que esta situação fosse ocorrendo naturalmente até se tornar um hábito entre todos os empregados. Neste caso em que uma nova condição se estabelece de forma habitual, sendo ela mais favorável ao trabalhador, também prevalecerá sobre a condição anterior, sendo ilegal posterior retrocesso sem anuência dos trabalhadores.

Assim, percebe-se que no caso de se tratar de alteração de condição de forma tácita, é preciso se verificar no caso concreto se há o requisito da habitualidade, pois vantagens eventualmente dadas ao empregado não se tornam automaticamente direito adquirido, como por exemplo se um empregado for liberado um dia ou outro para sair 01 hora mais cedo. Neste caso, por carecer de habitualidade, não poderá o empregado exigir redução de sua jornada de trabalho, pois não houve qualquer alteração de seu contrato de trabalho, nem mesmo tacitamente.

Por outro lado, em se tratando de uma nova condição estipulada expressamente, sendo ela favorável ao trabalhador, prevalecerá independentemente do requisito da habitualidade.

O artigo 468 da CLT traz em seu bojo o princípio da prevalência da condição mais benéfica, destacando que a alteração contratual depende de consentimento mútuo e, mesmo assim, só será possível se não trouxer prejuízos ao trabalhador. Contudo, o próprio artigo faz ressalvas, possibilitando o retorno de empregado em função de confiança à função anteriormente exercida, ainda que importe em extinção da respectiva gratificação.


5. O PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO IN DUBIO, PRO MISERO

Este princípio, in dubio, pro misero, também é conhecido por in dubio, pro operario, e dita uma forma de interpretação legal segundo a qual havendo dúvidas quanto ao verdadeiro alcance de certa norma, em razão de duas ou mais formas de se interpretar, o exegeta deverá optar por aquela que favoreça ao trabalhador.

Um notório exemplo da aplicação prática deste princípio reside no limite diário estipulado por lei para horas suplementares, as chamadas horas-extras, pois o artigo 59 da CLT estipula o máximo de 02 horas a mais por dia, assim, não fosse o princípio in dubio, pro misero, poderia tal artigo ser interpretado desfavoravelmente ao trabalhador que por ordem de seu empregador labutasse mais do que o limite legal permitido, deixando assim de fazer jus ao pagamento do adicional de horas-extras que ultrapassassem a previsão legal.

Contudo, é em razão do princípio in dubio, pro misero que a jurisprudência se consolidou no sentido de que são devidas todas as horas extras acrescidas de adicional, mesmo as que ultrapassarem ao limite legal estipulado (vide súmula 376, I, do TST).

O intérprete deve estar atento, no entanto, à vontade expressa do legislador, de forma que não poderá aplicar ao caso concreto interpretação que afronte diretamente o texto legal.

Este princípio é amplamente aplicado ao Direito do Trabalho (direito material), mas existe controvérsia doutrinária a respeito de sua aplicação também no ramo processual trabalhista (direito processual), havendo aqueles que defendem ser aplicável somente ao próprio legislador, quando da formulação da lei processual do trabalho (Amauri Mascaro e Rodrigues Pinto), enquanto outros defendem ser aplicável à própria interpretação do processo do trabalho (Sérgio Pinto Martins), assim como à valoração de provas (Américo Plá Rodriguez e Coqueijo Costa).


5. CONCLUSÃO

O Direito do Trabalho possui uma lógica própria, protetiva, e esta lógica está alicerçada na própria Constituição Federal, sobremaneira para fazer valer efetivamente o princípio da isonomia, implementando-o de forma substancial em favor do trabalhador, a fim de equipá-lo com armas capazes de igualar suas forças às do empregador.

Nesse sentido, importantes princípios emergem e se fazem presentes nas imposições legais e nas decisões judiciais, visando sempre a proteção do trabalhador, como é o caso do princípio da prevalência da norma mais favorável, da prevalência da condição mais benéfica, e o princípio que garante serem resolvidas a favor do trabalhador eventuais dúvidas na interpretação das normas, o chamado in dubio, pro misero.

Este artigo apresentou os referidos princípios, demonstrando-se as bases sobre as quais está alicerçado o Direito do Trabalho.

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Sobre o autor
Maycon Barreto Lopes

Atualmente é advogado. Atuou por um ano auxiliando o juízo da Primeira Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes e, posteriormente, por dois anos na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, no acervo de Execução Fiscal, Ação Civil Pública e no acervo Trabalhista. Também possui quatro anos de experiência profissional em gestão de pessoas e gestão de processos e oito anos de suporte em tecnologia da informação. É Graduado em Direito e Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Também é Graduado e Pós Graduado em Ciência da Computação e em Gerência de Sistemas de Informação, respectivamente, possuindo ainda certificações ITIL, SCTL e Six Sigma. Letrado em inglês (avançado) e japonês (intermediário).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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