Sumário:1. Dano moral: resgate ético ou fetichização? – 2. Definição e origem do conceito de dano. – 3. Responsabilidade civil. – 4. Responsabilidade civil sem dano ou dano moral putativo. – 5. Considerações finais.
1. Dano moral: resgate ético ou fetichização?
É cediço nas leis, na doutrina e na jurisprudência o dever de indenizar o dano de natureza puramente moral. Sem muito esforço poder-se-á encontrar referência ao tema já no direito antigo. Particularmente no Brasil, o tema foi elevado à categoria de Garantias Fundamentais (Cláusula Pétrea) com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, V e X).
Se, por um lado, nenhum ineditismo se aguardaria da análise do tema, em face do seu quase esgotamento, por outro, certo também será reconhecer facetas olvidadas de sua realidade, máxime pelo atual estágio em que se encontra boa parte do direito civil brasileiro na busca da repersonalização do homem, por meio de um elogiável resgate do ser, em prejuízo do ter, possibilitando o surgimento de novos conceitos.
No quadro atual do direito civil nacional, vivencia-se uma viragem de paradigma em face da redescoberta dos valores humanos mais elementares e fundamentais. À guisa de exemplo, note-se que a constitucionalização do direito civil tem contribuído para que institutos como o direito de propriedade e o direito de família sofram gradual e constantes mudanças em seus conceitos, buscando-se cada vez mais humanizar as relações sociais, em contínuo processo de resgate ético.
Como corolário dessa humanização, destaca-se o processo de valoração dos bens imateriais do homem, como a honra, a imagem e a moral. Não que tais conceitos tivessem sido desprezados em épocas passadas. É hodiernamente, entretanto, que se tornam recorrentes.
De fato, se não se pode dizer da ocorrência de verdadeira fetichização do dano moral, há que se reconhecer que jamais na história do direito brasileiro tanto se discutiu a seu respeito, tampouco houve tanto entusiasmo, nem nunca os órgãos judiciais sofreram tamanha demanda nesse sentido.
Não se pode negar que tal procedimento constitui inestimável contribuição para o processo de aprimoramento da sociedade no tocante ao respeito aos direitos humanos, porquanto serve de freio e contrapeso a desmandos praticados anteriormente, hoje não mais tolerados.
No campo da responsabilidade civil, após o advento das duas grandes guerras, o avanço tecnológico dos meios de produção de bens e serviços, imprescindiu de correlato e profundo desenvolvimento de dispositivos de garantias individuais para o consumidor, por exemplo.
Nesse sentido, a elevação de categorias imateriais como a moral se torna legítima quando visa a suprir o desnivelamento existente na relação entre o homem comum e os produtores, os comerciantes e os prestadores de serviços. Não será ousado, contudo, afirmar que a superexposição do tema se não o conduzir à banalização, seguramente poderá proporcionar situações jurídicas inusitadas.
O presente artigo faz, assim, o papel de "Advogado do Diabo", quando se propõe a discutir a hipótese do dever de indenizar o dano moral meramente putativo, que será adiante conceituado.
A idéia de discorrer sobre o presente tema surgiu das discussões instauradas na disciplina de Direito Civil, ministrada pelo Professor Paulo Luiz Netto Lobo, do curso de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito do Recife – UFPE. Naquelas bancas fervilhou o espírito de inquietação peculiar à comunidade acadêmica e, muito mais como desafio do que manifestação de convicção, o assunto passou a ser analisado.
Nas próximas páginas analisar-se-ão tanto os conceitos já consagrados no mundo jurídico, como novos, inclusive os que serão propostos. Procurar-se-á identificar, inicialmente, a definição do conceito de dano, suas modalidades, evolução no tempo, assim como os pressupostos fáticos e jurídicos necessários à incidência da responsabilidade civil, da qual o dano é elemento objetivo.
Demonstrar-se-á que a questão, apesar de se confundir com a própria história do direito, não deixa de ser atual e apaixonante. Verificar-se-á, com a objetividade de um artigo do tipo que se pretende, o desenvolvimento do tema, suas implicações, a posição de autores, o que indicam a legislação nacional e a comparada e, principalmente, o entendimento jurisprudencial brasileiro relativo ao assunto.
Particularmente através das decisões judiciais adiante colacionadas se tentará provar como verdadeira a tese da existência de um dano moral putativo e do dever de indenizar como seu consectário.
2. Definição e origem do conceito de dano.
O primeiro passo para a compreensão do assunto consiste em conceituar e distinguir o dano material e o dano moral. De sorte que, definindo-os identificar-se-lhe-ão as diferenças. De logo, perceba-se que o que os aproxima enquanto gênero é a verificação de uma diminuição ou de uma perda de bens ou direitos da pessoa, física ou jurídica, em decorrência de ato ou fato jurídico, provocada seja pela inexecução contratual, seja pelo cometimento de ato ilícito, ou mesmo pela prática de determinados atos lícitos potencialmente danosos.
Conceituar distintamente o dano moral e o material, contudo, não é mister tão simples quanto aparenta ser. Em verdade, tal tarefa não foi sequer realizada a contento por grandes autores.
Pretendeu-se, por exemplo, defini-los utilizando-se o aspecto patrimonial como diferença específica. Segundo os defensores dessa linha, "o dano moral vem a ser lesão do interesse não patrimonial de pessoa física ou jurídica" [01], ou "quando ao dano não correspondem as características do dano patrimonial, dizemos que estamos na presença do dano moral." [02]
Tais conceituações pecavam por não considerar o nome, a honra ou a moral como sendo também parte integrante de um patrimônio ético das pessoas. E, em muitos casos, o maior deles, como na hipótese de pessoa que, por convicção religiosa, se despoja de todas suas economias. Tal reconhecimento conduz à absoluta confusão conceitual, uma vez que impossibilita, destarte, a identificação de um ou outro tipo de dano adotando-se como parâmetro o ponto de vista exclusivamente patrimonial.
Outra tentativa de diferenciação adotou como argumento a existência de um patrimônio material ao lado de outro imaterial, sendo este último o que comportaria valores intangíveis como a honra, o nome e a moral, e aquele primeiro os demais valores, poder-se-iam dizer, concretos.
Também não parece satisfazer tal distinção, notadamente quando se percebe que, na fase atual da tecnologia, as grandes fortunas se constróem através de simples formulações de idéias, assim como por meio do pagamento de direitos autorais, patrimônios imateriais por excelência, mas perfeitamente suscetíveis de valorações econômicas.
Assim, o que finalmente se apresenta como razoável à satisfação da conceituação do dano moral e dano material, possibilitando suas distinções, é a conjugação das definições acima expostas acrescentando-lhes o aspecto econômico. Denominar-se-á, destarte, o dano moral como sendo a ofensa ao patrimônio imaterial não suscetível de valoração econômica, constituindo-se em dano material todas as demais ofensas.
Apenas para fins de facilitar a compreensão deste texto continuar-se-ão sendo usados simplesmente os termos danos materiais e danos morais na identificação de um e outro tipo, sem embargo das observações acima elencadas.
Tem-se que foi provavelmente o Código de Hamurabi (1792-1750 a.C.) que inicialmente tratou de questões relativas ao dano e ao dever de reparação. Se a máxima "Olho por olho, dente por dente" consubstancia forma de vingança do lesado, o que a aproximaria muito mais do direito penal do que do civil, outros dispositivos, que buscavam afastar a vindita, já apontavam para uma tentativa de verdadeira compensação do dano por meio de arbitramento de indenizações.
Assim é que o mesmo Código de Hamurabi, ordenava ao lesante o pagamento de indenização pecuniária em favor da vítima. Seu par. 209 previa: "Se um homem livre (awilum) ferir a filha de um outro homem livre (awilum) e, em conseqüência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de prato pelo aborto".
O professor Samuel Noah Kramer, da Universidade da Pensilvânia, EUA, todavia, argumenta que, anteriormente a Hamurabi, o código de Ur Nammu, fundador da 3ª dinastia de Ur, no país dos Sumerianos, já continha conceitos relativos ao dever de indenizar antes mesmo de Hamurabi [03]. Assim determinavam as incompletas encontradas: "Se um homem, a um outro homem, com uma arma, os ossos de..., tiver quebrado: 1 mina de prata deverá pagar". "Se um homem, a um outro homem, com um instrumento Geshpu, houve decepado o nariz (?), 2/3 de uma mina de prata deverá pagar".
O dano moral, por seu turno, tal como conhecido, é figura bem mais moderna. Menções à sua existência, porém, podem ser encontradas até mesmo no vetusto Código de Manu, homem que, segundo a mitologia hinduística, sistematizou as leis sociais e religiosas do Hinduísmo. No livro IX, parágrafos 237 e 239, se ordenava:
"o rei na revisão do processo imporá aos ministros ou juízes responsáveis pela condenação injusta do inocente uma pena de mil panas".
Há, também, na civilização grega, citação de fatos que, sem grande esforço, poder-se-iam interpretar como demonstração de verdadeira preocupação pela reparação do dano puramente moral. Na Odisséia de Homero, por exemplo, Hefesto, o marido enganado, surpreende a infiel esposa Afrodite no próprio leito com Ares, o deus da guerra. Uma assembléia de deuses, atendendo a reclamos de Hefesto, decretam, em seu favor, o pagamento por Ares de pesada multa. [04]
Séculos depois, os vários povos manteriam a preocupação de sempre evitar o dano. Na China, por exemplo, apesar de inexistirem elementos preponderantes que destaquem sua estrutura legislativa, poder-se-iam destacar os humanismos de Kunt-Tse (Confúncio) e Lao-Tse com a preocupação do não-dano: "Não faças a outrem o que não queres que te façam", ou "Retribui inimizade com benefícios", eram suas máximas.
Foram os Romanos, todavia, que desenvolveram uma verdadeira teoria da responsabilidade civil, ofertando o que de mais importante existe para a sistematização do instituto. Por essa razão, dedicar-se-á a seguir um ponto à parte para se recordar alguns conceitos que serão extremamente necessários à compreensão do assunto proposto.
3. A Responsabilidade Civil
Didaticamente falando, poder-se-ia dizer que a responsabilidade civil é gênero, de onde são espécies a responsabilidade extranegocial, ou aquiliana, e a negocial. Ela é conseqüência imediata dos atos e fatos ilícitos, na primeira hipótese, e da inexecução dos contratos, na segunda.
Para efeito de seu estudo, adotar-se-á a classificação de Paulo Luiz Netto Lôbo [05], como sendo: a) responsabilidade civil com culpa; b) responsabilidade civil transubjetiva; c) responsabilidade civil objetiva. No primeiro caso, a culpa do agente é essencial, sem a qual não haverá sequer ilícito. No segundo, a culpa é irrelevante, pois a responsabilidade pelo dano por fato de outrem, coisas ou animais é imputada a terceiro. Finalmente, no terceiro caso o simples dano é suficiente à responsabilização do agente.
O fundamento da responsabilidade civil está tanto no neminem laedere (não lesar) dos Romanos, quanto no princípio da equivalência. Naquele insurge-se o direito contra qualquer ofensa ou dano a direito alheio, reduzindo inclusive o papel da culpa. No último, impõe-se ao dano a prestação do equivalente, específica, pecuniária, ou compensatória, sendo essa a que mais interessa, por ser a modalidade de indenização atribuída ao dano moral.
Como pressupostos da responsabilidade civil, em suas três espécies, considerando a crescente diminuição do papel da culpa, apresentar-se-iam: o dano, a contrariedade a direito (ou o fato lesivo), a imputabilidade e o nexo de causalidade [06].
De forma sucinta, diga-se que a contrariedade a direito ou o fato lesivo se resume à antijuridicidade, no primeiro caso, e à ocorrência de fatos, nada obstante lícitos, potencialmente danosos, como no caso de servidão de passagem, no segundo. A imputabilidade é a qualidade do responsável pelo fato. O nexo de causalidade, por seu turno, é a relação de causa e efeito entre fato e dano.
O problema do dano merece atenção à parte. Como já visto, ele se constituirá sempre em uma diminuição ou uma perda do patrimônio material ou imaterial da pessoa. Mesmo reconhecendo a falibilidade de qualquer tentativa de classificação, arriscar-se-ia a dizer que o dano pode ser: certo e/ou hipotético; sendo certo aquele onde se suportam ônus e hipotético aquele que pode a vir a não se concretizar.
Como espécies do dano certo, tem-se: danos atual e/ou futuro, direto e/ou indireto. Atual é o que ocorreu. O futuro certamente ocorrerá, mas suas conseqüências ainda não se produziram (não confundir com o hipotético, sempre condicional). Direto é o dano que atinge pessoa imediatamente. Indireto, o que atinge de forma difusa.
Pelo exposto, infere-se que dano certo é a modalidade sine qua non à incidência da responsabilidade civil, uma vez que não se pode falar em responsabilidade sem dano, certo? Nem tanto.
Se a questão se referir a bens patrimoniais suscetíveis de valoração econômica a resposta será positiva, uma vez que, tendo a responsabilidade civil caráter primordialmente restitutivo, na ocorrência de indenização por danos materiais hipotéticos ou inexistentes, incindir-se-ia no caso de enriquecimento ilícito pelo suposto lesado.
Ocorre que tal raciocínio não servirá quando a questão se referir a bens não suscetíveis de valoração econômica, o patrimônio ético da pessoa, quando não se puder mensurar a dimensão ou sequer a ocorrência real de um dano moral.
Nessa hipótese, à caracterização da responsabilidade civil poder-se-ia cogitar de uma nova modalidade de dano, o putativo, ou seja, aquele que pode ser verdadeiro, mas por estar no campo do imensurável, a alma humana, jamais poderá ser confirmado, senão meramente estimado (presunção hominis).
Diferenciar-se-á o dano putativo do dano hipotético pelo fato de neste sua confirmação depender da ocorrência de fato alheio à vontade do lesado, havendo sempre a necessidade de uma conjugação de situações exteriores, possíveis mas nem sempre verificáveis no caso concreto, para a materialização do dano. Naquele primeiro, sua ocorrência depende mais de um estado de espírito da pessoa do que de uma condição que lhe seja estranha, estado de espírito que jamais se mensura.
Resumindo, o dano hipotético é um dano de natureza empírica, verificável materialmente. O dano moral putativo, por seu turno, será sempre metafísico.
4. A Responsabilidade civil sem dano ou o dano moral putativo
Admitir a hipótese de uma responsabilidade sem dano evidenciaria no instituto mais uma natureza penal do que civil. Perder-se-ia o caráter restitutivo da condenação em face de outro meramente punitivo. Bastaria a ocorrência de ação antijurídica para fazer incidir a apenação.
Não que inexista função punitiva em condenação por inexecução contratual, mas o direito civil moderno procura cada vez mais se afastar do direito primitivo, que privilegiava o castigo.
Pontes de Miranda vislumbrou duas hipóteses de responsabilidade civil sem dano: a cobrança de dívida não vencida e a cobrança de dívida já paga. Paulo Lôbo, contrariamente, aponta nessas hipóteses ocorrência de dano de natureza moral [07], o que poria por terra as exceções à regra da responsabilidade descrita por Pontes. Ao trazer a questão para essa seara, forçosamente adentra-se na questão do dano putativo.
A moral está no campo subjetivo da pessoa, consistindo em um conjunto de condutas consideradas como válidas em uma dada sociedade, variando historicamente o seu significado, função e validade. Sendo um comportamento adquirido ou modo de ser próprio de cada homem, varia no tempo e no espaço, de acordo com as especificidades de cada ser.
Nada obstante admitir-se a existência de uma moral dominante no seio de uma determinada sociedade, a apreensão de seu conteúdo axiológico depende de cada indivíduo isoladamente. Dessa forma, o que é imoral para uns pode não o ser para outros.
Tal fenômeno se dá em face da diversidade da natureza humana, temporal e geograficamente considerada. O ato ou fato que se apresenta hoje como moral pode não o ter sido em passado não muito distante, como poderá não o ser mais em futuro próximo. Há, portanto, em cada espírito humano, todo um universo próprio de juízos, conceitos e preconceitos do que foi, é e pode vir a ser moral, imoral ou amoral.
Para investigar um conceito apreendido culturalmente e que se transmuda com o tempo quanto o ora apresentado deve-se partir do pressuposto da existência de uma moral homogênea atribuída ao homem comum, presumindo-lhe a existência no seio da sociedade como um todo e na consciência de cada homem individualmente. Dada a absoluta impossibilidade de tal solução fática, ressalve-se que se tal alternativa não é a melhor certamente é a apropriada para admissão da possibilidade de ocorrência de um dano certo de natureza puramente moral.
A hipótese, contudo, não resiste à problematização. Imagine-se o seguinte exemplo. Um casal cuja vida matrimonial já não mais exista de há muito, nada obstante para o grupo a que pertençam manterem a aparência de comunhão, seja por convicção religiosa, seja por posições sociais que ocupem. Intimamente os dois não apenas não se suportam, senão vivem mutuamente fantasiando ambas as mortes como única forma de por fim à angústia velada. Imagine-se, ainda, que um dos cônjuges embarca em vôo cuja aeronave venha a cair, matando todos os passageiros. Aos olhos de toda a sociedade, haverá profunda inquietação espiritual para o cônjuge sobrevivente. Em seu coração, contrariamente, haverá apenas alívio.
A Convenção de Varsóvia prevê, no artigo 17, que "o transportador responde pelo dano ocasionado pela morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea sofrida pelo viajante, desde que o acidente, que causou o dano, haja ocorrido a bordo de aeronave, no curso de quaisquer operações de embarque ou desembarque."
No exemplo apontado, tem-se hipótese de responsabilidade civil objetiva, ou mesmo transubjetiva, se considerada situação de culpa exclusiva do piloto, que renderá ensanchas minimamente à indenização de natureza moral, por um dano putativo, cuja verdadeira ocorrência é irrelevante ao Judiciário. (JTACSP-RT 115/231, JTACSP –RT 130/112, RT 641/182).
Outro exemplo. É comum em épocas eleitorais os candidatos vasculharem as vidas uns dos outros para exposição pública. Assim, determinado candidato casado, com filho fora da relação conjugal, pode até mesmo se sentir à vontade na condição de adúltero em seu dia-a-dia. Poderá, todavia, explorar uma acusação dessa natureza, por meio de ação indenizatória apropriada, quando tal partir de adversário político, traduzindo em interesse putativamente ético o que, em verdade, é totalmente eleitoral.
A justificativa para a crença da ocorrência de danos morais diante de determinadas situações que seriam vexatórias para o senso comum é a impossibilidade da produção de provas no campo moral. De fato, que modalidade de prova poderia ser argüida para a constatação da existência de dano de natureza puramente moral?
Essa constatação advém da leitura de decisões dos diversos tribunais do país, inclusive os superiores, a criar verdadeira jurisprudência acerca do onus probandi. No dano moral, a mera indicação da prática/ocorrência do ato/fato ilícito será suficiente à sua caracterização. É irrelevante se desse ilícito alguma mágoa sofreu o espírito do atingido, que deverá ser socorrido como se magoado estivesse.
Veja-se a questão da responsabilização pela inscrição indevida de nome de pessoas nos diversos cadastros restritivos comerciais. O entendimento jurisprudencial já pacificado é o de que basta a anotação irregular do nome da pessoa para surgir a obrigação de indenizar o dano moral.
Nesse sentido, um exemplo de julgado do Superior Tribunal Justiça assim ementado: RESPONSABILIDADE CIVIL. BANCO. SPC. DANO MORAL E DANO MATERIAL. PROVA.- O banco que promove a indevida inscrição de devedor no SPC e em outros bancos de dados responde pela reparação do dano moral que decorre dessa inscrição. A exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular. (RESP 51158/ES; 94/0021047-7).
Nada obstante demonstrar estar ainda vinculado à idéia de primazia das teorias subjetivistas da responsabilidade, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido reiteradamente que o dano puramente moral não se prova.
Veja-se outra decisão: "A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo de se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)." (RESP 23.575-DF, RSTJ 98/270).
Coteje agora a decisão acima transcrita com a seguinte da mesma Corte Superior: "Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimentos de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado é pressuposto essencial e indispensável. Ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo. A satisfação pela via judicial de prejuízo inexistente, implicaria, em relação à parte adversa, em enriquecimento sem causa. O pressuposto da reparação civil está, não só na configuração de conduta contra jus, mas, também, na prova efetiva dos ônus, já que se não repõe dano hipotético." (RSTJ 63/251) (destacou-se).
Note-se que esta última decisão se refere, obviamente, a danos de natureza material, enquanto a anterior diz respeito ao de natureza moral. Inferem-se das leituras das decisões supras, portanto, duas conclusões evidentes:
a)não é juridicamente possível, no ordenamento jurídico atual, a hipótese de responsabilização civil sem a ocorrência do dano;
b)em face de sua natureza, inexiste a necessidade de prova (e, naturalmente, nega-se a contraprova) no dano moral.
Nesse diapasão, para que as situações dos exemplos dados – indenização por danos morais que não se podem provar – não torne possível a hipótese de responsabilidade civil sem dano, há que ser considerada a existência de um dano moral putativo. Trata-se, sem dúvida, de criação de ficção jurídica, ao lado de tantas outras existentes no direito, a qual, sem a leitura dos argumentos até aqui esposados, soará como uma contradição nos próprios termos, por consistir em possível dano sem prejuízo.
Não se poderá dizer que, naquelas hipóteses descritas, cuidar-se-á mais de dano presumido do que putativo, por uma simples verificação: o dano presumido poderia ser, quando muito, categoria intermediária entre o dano certo e o dano hipotético, somente podendo ser suscitado na hipótese de dano material.
Com efeito, admitido o dano moral como modalidade de dano presumido surgiria, necessariamente, controvérsia acerca da modalidade de sua presunção. Seria ela juris tantum ou jure et de juris?
De imediato perceber-se-ia não se tratar de presunção jure et de juris, em face de tal não decorrer de determinação legal. E, ainda que da lei decorresse, principalmente por essa razão, cuidar-se-ia, na verdade, muito mais de um dano certo do que presumido. Tratando-se de presunção juris tantum, admitir-se-ia, por sua natureza, a demonstração da inocorrência do dano por meio de dilação probatória, o que, já pacificado pela jurisprudência, não é possível.
Não se diga, contudo, que todo dano moral deverá ser, necessariamente, putativo. Mesmo porque inexistem elementos aptos para tal julgamento. O dano moral poderá obviamente ser um dano certo. No exemplo dado da morte do cônjuge, bastar-se-ia admitir que o casal vivesse, de fato, uma vida matrimonial harmoniosa e que a ausência de um levasse à inquietação espiritual do outro. A morte súbita de um, da forma trágica como a exemplificada, provocaria um dano moral certo no outro.
O problema para o magistrado consiste em avaliar a certeza de dor em uma dimensão metafísica como a alma humana. Como não o pode fazer, mais indicado é admitir a possibilidade de indenização do dano moral diante de determinadas situações objetivas, ainda que essa indenização seja devida por um dano moral putativo.