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A evolução do sistema tributário sob a perspectiva da teoria sistêmica de Niklas Luhmann

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09/08/2005 às 00:00
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A complexidade e a adaptação do sistema

            Pelo que até agora "observou-se", o Direito evolui de si mesmo. Tal também ocorre com o Direito Tributário (na visão de sistema). O entorno (ambiente) ao sistema lhe aponta impulsos casuais, os quais provocam as variações e as soluções eventualmente inovadoras.

            A resposta do sistema ao entorno da sociedade se mostra através de institutos jurídicos especiais, v.g., a sensibilidade registrada pelo direito penal e a criação do direito público, o qual encontra sua culminação no direito constitucional moderno, e, particularmente, no sistema Tributário, nos novos perfis da receita pública, abrindo-se o Estado Contemporâneo Fiscal à publicidade, alargando as fronteiras da liberdade humana [11].

            Interessante referir que a evolução possibilita mais complexidade, e é induvidável que o direito da sociedade moderna, apesar de todas as abstrações, generalizações e simplificações, é muito mais complexo que o direito das antigas formações sociais.

            Mas como é que o sistema adapta suas próprias estruturas a essa complexidade que aumenta paulatinamente? Como a complexidade produz estruturas adequadas a "complexidade"? Em princípio, segundo Niklas Luhmann [12], em face da clausura operativa do sistema e da codificação indiferente em respeito ao entorno.

            Contudo, é possível afirmar que a conseqüência da dinâmica própria do sistema Tributário, originada pela supracitada evolução, haja aumentado sua importância social e, sobre tudo, sua dimensão? Certo é que existem mais advogados e leis que antes. Contudo, é evidente que se pode comprovar que as estruturas do sistema Tributário, no transcurso da evolução, tenham mudado; que se chegou a novas conquistas evolutivas.

            Basta, para tanto, a análise histórica da passagem do Estado Patrimonial ao Estado Fiscal [13]. Parafraseando Ricardo Lobo Torres [14], "..o tributo, no Estado Fiscal, deixa de ser forma de opressão de direitos e passa a se constituir em preço da liberdade: estimula-se a riqueza da nação, adota-se a ética do trabalho e alivia-se a crítica à usura. O Estado Fiscal nesta perspectiva, funda-se no relacionamento entre liberdade e tributo, em que este é o preço da autolimitação daquela, transfigurando-se a liberdade em fiscalidade..".


Considerações Finais

            Conforme proposto nas linhas anteriores, verificou-se de que maneira ocorre o processo evolutivo no sistema do Direito e no sistema Tributário, segundo a análise de Niklas Luhmann a respeito da evolução do direito na obra El Derecho de la Sociedade.

            Mesmo tendo Luhmann constatado a existência da autonomia do sistema em relação ao seu ambiente, sem que haja inter-relações diretas com os demais subsistemas, apontou-se que o sistema Tributário, (sub) subsistema do Direito, tanto pode evoluir pela realização da autopoieses, reconstruindo instalações já existentes, como pela influência exercida pelo ambiente, observando o exterior, uma vez que o sistema mantém uma forma indireta de interação com o que está seu redor, dado o acoplamento estrutural entre ele e os demais subsistemas, utilizando-se de suas interações internas em resposta aos ruídos externos [15] (order from noise).

            Conclui-se, assim, que o processo evolutivo, ao proporcionar complexidade [16] e dinamicidade ao sistema, contribui, sem sombra de dúvidas, à evolução da própria sociedade, na medida em que enriquece a mesma de informações colhidas, adaptadas e reconstruídas, tanto do próprio sistema quanto do entorno, peça fundamental na concepção da teoria Luhmaniana.

            Importantíssimo, nesta linha de raciocínio, o papel do Sistema Tributário, ante mesmo a relação liberdade-tributo. O sistema Tributário, nesta esteira, invocado pelas irritações do entorno, irá procurar, dentro e fora do sistema, meios para adaptar-se a tais irritações, complexizando-se frente à sociedade, possibilitando, com sua codificação própria, nítida contribuição ao sistema principal da sociedade, respondendo aos seus anseios e interesses comuns.


Referências Bibliográficas

            LUHMANN, Niklas. El Derecho de la Sociedade, Ed. Ibero-Americana, 2000.

            _____________. Sociologia do Direito. Vol. 1. Tradução Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

            ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. 2ª ed. – São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2003.

            _____________. Auto-referência, Circularidade e Paradoxos na Teoria do Direito – Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2002.

            TEUBNER, Gunter. O Direito Como Sistema Autopoiético. Traduzido por José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Guldbenkian, 1989.

            TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1991.


Notas

            01

LUHMANN, Nicklas. El Derecho de la Sociedade, Ed. Ibero-Americana, 2000. p. 191 - 236

            02

TEUBNER, Gunter. O Direito Como Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Guldbenkian, 1989.

            03

Rocha, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. 2ª ed. – São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2003. p. 100 – 105.

            04

LUHMANN, Nicklas. El Derecho.... p. 191.

            05

idem, pág. 191

            06

idem, pág. 192

            07

Interessante referir que Niklas Luhmann concebe o sistema do direito como um sistema autônomo em relação ao seu ambiente, inexistindo inter-relações diretas com os demais sistemas parciais. A partir de uma diferenciação obtém-se a idéia de identidade/não identidade que estabelece os limites entre sistema e seu ambiente. Para aprofundar o tema consultar: ROCHA, Leonel Severo e outros. Auto-referência, Circularidade e Paradoxos na Teoria do Direito – Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2002. p. 236 – 252.

            08

A expressão Autopoiese refere-se àqueles sistemas que (auto) reproduzem todos os seus componentes elementares. Estes elementos e estruturas sistêmicas surgem por meio de uma cadeia de interações recursivas e, assim, distinguem-se do meio envolvente – seja com a forma de vida, consciência ou comunicação. In ROCHA, Leonel Severo e outros. Auto-referência, Circularidade e Paradoxos na Teoria do Direito – Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2002. p. 241.

            09

idem, pág. 206

            10

idem, pág. 195 - 205

            11

Interessante o raciocínio de Ricardo Lobo Torres, na obra A idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal: ".. reserva-se pelo contrato social um mínimo de liberdade intocável pelo imposto, garantido através dos mecanismos das imunidades e dos privilégios, que se transferem do clero e da nobreza para o cidadão. O imposto é, por conseguinte, uma invenção burguesa: incide sobre a riqueza obtida pela livre iniciativa do indivíduo, mas nos limites do consentimento do cidadão".

            12

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idem, pág. 234 – 236.

            13

Maiores detalhes vide: TORRES, Ricardo Lobo. A idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1991.

            14

Idem, pág. 150.

            15

ROCHA, Leonel Severo e outros. Auto-referência, Circularidade e Paradoxos na Teoria do Direito – Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2002. p. 237.

            16

Entenda-se por complexidade a reiterada existência de um número maior de possibilidades do que pode ser realizado. In ROCHA, Leonel Severo e outros. Auto-referência, Circularidade e Paradoxos na Teoria do Direito – Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito, Mestrado e Doutorado. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2002. p. 238
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Sobre o autor
Cristiano Becker Isaia

advogado, professor universitário, mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ISAIA, Cristiano Becker. A evolução do sistema tributário sob a perspectiva da teoria sistêmica de Niklas Luhmann. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 766, 9 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7133. Acesso em: 26 abr. 2024.

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