Impreciso, falso, errôneo: o “abra-te sésamo” jurídico.

O código de acesso ao Direito que o Direito não poderia ter

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18/01/2019 às 16:46
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QUER DIZER AINDA QUE TEREMOS DE ENTENDER o processo dialético da negatividade retroativa, (que atualmente articula ideologicamente falácias que se apresentam, por exemplo, na forma do/e como conceito de “Família Patriarcal”, ou “Poder masculino” etc.), e, neste sentido, Filhos e Filhas -- [em seu sentido mais abstrato ou mais genérico, dado o “poder negativo do Entendimento” (Zizek)] -- podem (numa realidade de fetiches) ser considerados (percebidos como) objetos, ou propriedades ou mercadorias de Famílias? E aqui reside o quiproquó! Sim, em última instância, também isso, em termos hegelianos, em sua “exterioridade direta” (Zizek), mas não fundamentalmente. E como diria Heidegger, “tudo tem um fundamento”... Com efeito, a função social da família, na figura do Pai e da Mãe etc., (numa orientação pedagógica assim utilitária), não seriam algo similar a de comerciantes ou do proxeneta? Sim, talvez esta característica e atividade sejam a regra consuetudinária de sua constituição histórica não-biológica, (o que abre todas as lacunas para desenvolver-se as afeições objetais que intensificarão as relações homossexuais, principalmente nas mulheres), e, neste sentido, pode-se dizer que, com a proibição do incesto etc., a família recebeu um grande arsenal de regras e leis que, no curso implacável da historia (e seus saltos qualitativos, corrupções conjunturais e acontecimentos aleatórios traumáticos), por mutações da sensibilidade humana , [a medida que aumentam ou diminuem no tempo e no espaço os constrangimentos e as vergonhas, (Elias)], tornaram-se a garantia legal das transformações de todas as relações sociais de produção e de distribuição biopolítica, paradoxalmente, em direitos subjetivos, atendendo também ao emergente e recalcitrante mercado de afetos, interesses e compromissos de “comerciantes biopolíticos” ou de “proxenetas internacionais”. E assim, por exemplo, o conceito kantiano de Dignidade perverte-se, e sua solidez ética dissolve-se no ar...


COMO CONSEQUÊNCIA, RESUMINDO, o que temos nos recônditos mais obscuros da “história da intima da humanidade” (Zeldin) ex-timo é este grande Outro que é o Mal, (religiosamente identificado como a figura do Diabo), que, na verdade, é uma transmutação reversiva da ideia de Bom (ou de Deus), equivalente, no mercado, à invenção econômica do que denomino “mercado das necessidades virtuais”... A questão é complexa! E eis-nos diante da dialética do universal vs. particular, ou seja, da necessidade enquanto mãe universal dos desejos e das crenças, e, assim, também particularmente mãe dos afetos e da (gerados por serem metafisicamente necessários e suficientes), se torna naturalmente (o que não deixa de ser paradoxal), por reversão, a essência (patriarcal, masculina, etc. ou o que quer que sejam) das relações sociais familiares mais particulares. E eis que (no quadro da Família Moderna) surge a figura do/ e entra em cena o/ Sujeito de Direitos, e, com ele as ações afirmativas (que é isto?) e a ideologia do empreendedorismo (onde isso nos levará?) e a ideologia das subjetividades etc. Vale observar que, de repente, no proclamado “fim das ideologias políticas” tornamo-nos hiperbolicamente ideológicos da perversidade. O fato é que com o “Sujeito de Direito”, enfim, o Mercado assume radicalmente sua dimensão maléfica, ou seja, parafraseando Zizek, surgiu uma brutal economia de mercado de sobrevivência, como se o país (o nosso país) tivesse regredido a um Estado de natureza hobbesiano: descubra um nicho de mercado (de vendedora de macarrão caseiro feito de milho, de cabeleireira ou de prostituição, não importa, a promiscuidade, a permissividade e a perverssividade estão ai legalmente para abrir as portas de todas as oportunidades) ou morra (cf. ZIZEK, 2013, p.156). Com efeito, vence os comerciantes, não os amantes; vence as relações de troca e venda, não a dignidade etc.


MAS NÃO É ENQUANTO PAI OU MÃE que o comerciante tem o que se chama Filhos e/ou Filhas? E não é como “perfeito sujeito universal” que ele também “ama” seus filhos e/ou filhas? “Amar” é o ato de dar-se (Fromm), e isso não tem sexualmente similaridade com o ato de “conter o desejo de outro”? E não é como “imperfeito sujeito particular” que ele desenvolve suas “faculdades de amar”? Como separar o “perfeito sujeito universal” do “imperfeito sujeito particular”? Como seria possível dividir socialmente o comerciante em Pai e não-Pai ou Mãe e não-Mãe? Mesmo porque, como observou Erick Fromm, em “A arte da amar”, evidencia-se que a reprodução da lacuna entre Pais & Filhos, por exemplo, que atinge o coração do Comerciante (e de todos nós), relaciona-se estreitamente com um dos aspectos “característicos da cultura contemporânea”, a saber, diz Fromm, o fato de que:

“Toda a nossa cultura se baseia no apetite da compra, na ideia de uma troca mutuamente favorável. A felicidade do homem moderno (para a felicidade do Comerciante) consiste na sensação de olhar as vitrinas das lojas e em comprar tudo quanto esteja em condições de comprar, quer a dinheiro, quer a prazo. Ele (ou ela) encara as pessoas de maneira semelhante. Para o homem, uma mulher atraente (e, para a mulher, um homem atraente), eis o lucro a obter. “Atraente” vem a significar, normalmente, um bom fardo de qualidades que sejam populares e muito procuradas no mercado da personalidade” (FROMM, 1958, p.12).

E conclui enfático que a “sensação de cair enamorado” ou qualquer outro sentimento que se desenvolva em nome do amor:

“só se desenvolve normalmente com relação aos artigos humanos que estejam ao alcance das possibilidades de transação de alguém. Saio para uma troca: o objeto deve ser desejável, sob o aspecto de seu valor social, e ao mesmo tempo deve desejar-me, levando em consideração minhas potencialidades e recursos expostos e ocultos. Assim, duas pessoas se apaixonam quando sentem haver encontrado o melhor objeto disponível no mercado, considerando as limitações de seus próprios valores cambiais. Muitas vezes, como na compra de um imóvel, as potencialidades ocultas que possam ser desenvolvidas desempenham considerável papel na transação. Numa cultura em que prevalece a orientação mercantil, e em que o sucesso material é o valor predominante, pouca razão há para surpresa no fato de seguirem as relações do amor humano os mesmos padrões de troca que governam os mercados de utilidades e de trabalho” (FROMM, 1958, p.13).


EM HEGEL, A LACUNA QUE SE REPRODUZ em Fromm nas relações de Compra & Venda que governam o Mercado, se produz no abismo psicológico que separa Amor vs. Propriedade e Direitos, ou seja, há nos “Escritos Teológicos” (de 1790-1800), do jovem Hegel, um primeiro esboço do seu panfleto “Die Verfassung Deutschlandes” (1798-1799) em que Hegel afirma que a forma histórica da “propriedade burguesa” (Bürgerliches Eigentum) é responsável pela desintegração política dominante. Desintegração política que fazia com que, como disseram Marx-Engels, em 1848, no “Manifesto Comunista”: “Tudo que é sólido, dissolve-se no ar”. E mais, Hegel percebia e declarava que as “instituições sociais” deformavam e deformaram mesmo as relações mais privadas e pessoais entre os homens, portanto, nada mais hegeliano do que a observação crítica de Paul Tilich: “as instituições sociais criam certezas que, se levadas a sério, algemam a imaginação e entorpecem os ânimos”. Neste sentido, há nos escritos do jovem Hegel um significativo fragmento chamado “Die Liebe”, no qual Hegel constata que a harmonia e a união perfeita entre indivíduos que se amam ficam ameaçadas pela aquisição e posse tanto de propriedades como de direitos, pois que isso as vinculam a “coisas mortas”, que se mantém, por definição, fora de sua unidade. As observações acima de Fromm, Hegel etc. nos encaminham para um reflexão radical sobre a significação do Comerciante na “sociedade burguesa”, e, a melhor significação, sem dúvida, e a expressa por Slavoj Zizek, em “Menos que nada”, citando Lebrun, em “O avesso da dialética”, saber:

“A forma mais elevada de produção social é, portanto, a de um comerciante: “o comerciante é o único a portar-se relativamente ao bem como um perfeito sujeito universal, e o objeto já não lhe interessa em absoluto por sua presença estética ou valor de uso, mas apenas enquanto ‘contém o desejo de outro’” (ZIZEK, 2013, p. 43).

Logo, ainda apenas enquanto valor de troca...


COMO CONSEQUÊNCIA HISTÓRICA ATUAL de todos os movimentos emergentes e transformadores da intimidade e de toda reflexão política sobre a Família, o aporcalhamento teórico é o que acontece atualmente e que fundamenta a Crise familiar com as mutações (sem as devidas necessidades reais) nos fundamentos dos conceitos do Direito de Família... Gostaria, portanto, en passant, de alertar para o perigo social que se apresenta na presente encruzilhada histórica que nos situamos e que nos engolfa: o que está sendo feito com o Direito de Família, está sendo feito com o Direito Civil, e, em geral, contra o Estado, é ideológico [manipula com (in)competência ideológica as normas, os valores e os princípios constitucionais] e se processa a revelia de qualquer proposta (teórica ou prática) de uma Ciência do Direito, ou de uma Teoria das Relações entre Estado e Sociedade Civil... Com efeito, situamo-nos diante de tudo que estimula e promove as “vidências cegas” dos diagnósticos político-sociais incompetentes. Inevitavelmente! O que objetivamos aqui não é desenvolver esta análise, que por sua complexidade dialética e paralaxica supera os limites heurístico e metodológico do presente trabalho. Sendo assim, trata-se, aqui, portanto, opondo-se a tudo isso que se chama “Direito das Famílias”, de encantar e desencantar com a História expondo (em breves linhas) a genealogia do Direito de Família a luz do sol, retirando-o das brumas do passado, das sombras dos Tribunais, e dos meandros das ideologias, ou seja, mostrar o cativeiro onde a Família, graças ao recente “perfume dos sentimentos” (que preserva incólume os mais bárbaros afetos), esta sendo submetida às garras e às taras dos desejos e ambições jurisprudenciais de seus “bons e afetuosos sequestradores”...


QUASE TODOS, NA REVISTA JURÍDICA CONSULTEX, (em questão, mas não só), impensadamente e paradoxalmente com muito boa vontade, afirmam a mesma coisa, com raras exceções (com tolerância é possível identificar uma ou duas diferenças, mas talvez nos traia o enfoque), como se houvessem chegado a um quase unânime acordo pré e pós sobre o significado do sequestro quanto ao resgate a ser exigido e como ser entregue, as previsões intuitivas do caminho das investigações (saber o que poderia levar ao crime perfeito ou à impunidade), portanto, haviam ensaiado também os depoimentos e a indicação dos álibis irrefutáveis por suas distinções (de juristas doutrinadores) etc. Tudo devidamente planejado. No entanto, nunca é demais uma camuflagem, uma maquiagem, uma máscara ninja, uma plástica estética, e se possível uma pequena mutação conceitual faz-se necessária e urgente por meios políticos populistas, daí a utilidade de Lula e do PT. É a melhor forma de tirar um coelho da cartola, ou uma carta do bolso do colete, de girar favoravelmente “a roda da fortuna”, de provocar o xeque-mate num lance de astúcia... Em poucas palavras: de participar com sucesso do jogo do poder e do seduzir... É assim que funciona! Foucault, portanto, tinha razão quando observou que toda formação de poder (e o que se forma não é uma atualizada formação de poder contra a família?) tem necessidade de um saber do qual, no entanto, não depende, mas que ele próprio, o poder, não teria eficácia sem ele...


NESTE SENTIDO, POR EXEMPLO, A NOTÍCIA chama à atenção: por iniciativa da agência NBS -- (Nomenclatura Brasileira de Serviços, agência de publicidade recentemente adquirida pela britânica Dentsu Aegis) -- com o Grande Dicionário Houaiss foi proposto uma atualização do significado de família . Na ação, dizem, a população seria convidada a enviar a sua definição pessoal da palavra. A campanha denominava-se #todasasfamilias, e tinha (e tem ainda) a adesão e parceria, lógico, (o que, evidentemente, não constitui nenhum problema) da CEDS-RJ (Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual) e o apoio da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas etc., e, contava com um site para qualquer pessoa enviar a sua definição pessoal de família... A ação era (e ainda é) uma forma de pressão popular contra o texto principal do Estatuto da Família, aprovado pela Comissão Especial da Câmara , que define família como a união entre homem e mulher por meio de casamento ou união estável, ou a comunidade formada por qualquer um dos pais junto com os filhos. Exclui as famílias LGBTIs e etc.? Necessariamente não, apenas não as explicitavam e as englobavam no título “união estável”? E tudo se tornava possível, logo, tudo era e é provável, por exemplo, um homem casar-se com outro homem, ou com uma vaca, a mulher com um touro, um jumento etc., tanto faz, está no seu direito de escolha objetal, de escolha de seu parceiro sexual, de realização de seus direitos subjetivos... Se os filhos destas uniões for algo como um Minotauro, sempre existirá um labirinto que o aprisione e esconda, e assim realiza-se o melhor dos mundos...

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OU NÃO SERIAM AS UNIÕES ESTÁVEIS uniões estáveis, e daí o quiproquó? Não seria uma união estável a que se realiza exclusivamente segundo os meus desejos? Então, como estabilizá-las? Eis na verdade a função que se delega indevidamente ao Direito de Família, pois que o submete aos famigerados Diretitos subjetivos. A declaração “eu sou o que sou”, atualmente soa absurda, é absurda, pois se trata de ser, justamente, algo que não se é... Mas, inegavelmente, trata-se de problemas de Direito Civil, não de Direito Penal. Se alguém diz “sou um homem no corpo de uma mulher” ou “sou uma mulher no corpo de um homem”, o problema não é o homossexualismo, o problema é outro, e que não é da ordem sexual... Tais declarações nos fazem sorrir e imaginar Narciso olhando-se em espelhos deformantes, ocupando-se em seus teatrinhos catóptricos... Ora, o que precisamos é de um fornecimento garantido de comida e de água, suficiente para manter mais de 250 milhões de pessoas bem alimentadas e hidratadas, por que então preocupar-se com a orientação sexual de alguém? Mas, paradoxalmente, não é por outra razão que a “proposta” de redefinição de Família tem como absurda justificativa que:

"O mundo é diverso, abrangente e dinâmico. A atual definição de ‘família’ é reducionista e anacrônica. O que desejamos é atualizar esta definição e contribuir para a reflexão sobre quais são os verdadeiros laços que unem as pessoas em forma de família", diz André Lima, sócio e VP de criação da NBS.

Que coisa mais estranha! Porque a “família”, (que na verdade não é patriarcal), seria “reducionista e anacrônica” não é difícil imaginar -- (imaginar é dar luz ao que não existe segundo Kant) -- Mas que “laços verdadeiros” seriam estes sobre os quais teríamos que refletir? Estes “laços verdadeiros” não existiam na “família patriarcal”? Ou melhor, estes laços verdadeiros, verdadeiramente sentidos, não derivam (negativa ou positivamente) de uma fantasmagórica “Família patriarcal”? Eis o busílis da questão! Que não exclui ainda: A família é “reducionista e anacrônica” em quê, onde, quando, como, por quê? O que é a vida íntima familiar além de um grande conflito amoroso?... O Fato é que nada dizem de verdade a respeito destas qualificações ou desqualificações que atribuem a uma crítica da Família. Mas a metodologia é: dão-lhe as qualificações e desqualificações desejadas, ou seja, um conteúdo estranho ou adicional de propriedades negativas ou artificialmente positivas e, a seguir, a problematizam-na (a família) em função do que lhe emprestam: constroem-se, assim, plasticamente, no Direito de Família, o conteúdo ideológico de uma “luta de classes” (sic!) e o falsificam em nome de um Direito das Famílias... É incompreensível?

Sobre a autora
Walter Aguiar Valadão

Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O que trago aqui é uma síntese conclusiva dos dez artigos publicados em Jus Navegandi que se interpenetram dialeticamente e se depuram internamente, mantendo um diálogo radical com as aporias legais, quebrando-as como se fossem cascas de amendoim, pois que o que interessava eram as nutritivas sementes que elas continham, que dizem, tem propriedades afrodisíacas que estimulam e revelam a perversidade corruptora do caráter nacional.

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