Impreciso, falso, errôneo: o “abra-te sésamo” jurídico.

O código de acesso ao Direito que o Direito não poderia ter

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18/01/2019 às 16:46
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MESMO PORQUE, EIS UMA BOA e elucidativa metáfora: “perceber”, “ver”, “imaginar” a semente autodestruir-se, brotar e transformar-se numa árvore frondosa, com muitas flores e depois muitos frutos, multiplicar-se, não é só desconhecer a potencia imanente e ontológica na fenomenologia da semente, como também não significa compreender as transformações que se processaram no interior e no “exterior” da semente: a árvore geminar, crescer e florir; a cor e beleza da flor ou o gosto do fruto... Além disso, a semente pode não brotar, ou seja, ser estéril, a muda não vingar, a árvore ser cortada antes de frutificar etc. À aleatoriedade é a grande inventora das colheitas... Como ouvi certa vez: “Esta mangueira esta carregada de mangas apenas porque por sorte não foi cortada”. Contudo, até que advenha o entendimento do processo biológico e histórico estabelecido pela natureza, não há crítica epistemológica capaz de estabelecer prudência e orientação e assim, por analogia, a ideologia de um Direito das Famílias, como as ervas daninhas, nasce no solo da Ciência do Direito... E é justamente assim, da negação do entendimento do que é a Família contemporânea, que começa nas páginas da revista, um verdadeiro festival de besteira:

“A partir da Carta Política de 1988, foi sendo desconstruída a ideologia da família patriarcal, edificada em uma família monogâmica, parental, patriarcal, heterossexual e patrimonial, que reinou absoluta na sociedade brasileira, asfixiando o livre trânsito do afeto ao dar prevalência e exclusividade aos vínculos patrimoniais do casamento...”.

Este é o primeiro ponto do artigo de Madaleno. Data vênia, nada mais estúpido pode ser dito! É aí, em proposições como esta, que encontro motivos mais que suficientes para hesitar (e tenho hesitado) ou não participar (e não tenho participado) de qualquer polêmica teórica ou debate público com estes pretensos “doutores”, combater a ignorância não é tarefa fácil, e, além disso, como Nietsche, “meu destino não é caçar moscas”... Dizer o que diante da aceitação geral sem análise crítica dos conceitos e suas mutações? O que interessa aos juristas é o poder, não a verdade, o privilégio e o conforto dos cargos, não o Direito... Como consequência, tenho publicado pouco, e me recusado a participar de eventos jurídicos e escondendo-me até das salas de aulas, já que formalmente aposentado. Mesmo porque, ousar pensar seriamente e aprofundar-se na problemática, ousar inovar-se nas questões epistemológicas, ontológicas, fenomenológicas, genealógicas, metodológicas, hermenêuticas, ou, possuir qualificações distintas, não reconhecidas pelos artificiais salões intelectuais dos bacharéis, mestres e doutores da academia jurídica e dos senhores do corporativismo fascista, é encontrar os auditórios vazios e acumular contra si o desinteresse teórico e desagradar alunos... Este picadeiro circense não destaca ninguém, é um verdadeiro nascer para ser um cadáver no fundo de uma sepultura abandonada até pela família, depois de, em vida, gozar de uma notoriedade artificial e passageira! O Mundo Jurídico é um horror!


O PONTO DE PARTIDA DOS TRABALHOS é o que interessa, e, invariavelmente, é impreciso, falso, errôneo, e funciona como uma gazua, capaz de abrir todas as portas, ou uma armadilha como o anzol que pega indiscriminadamente quem a isca atraiu e seduziu, ou um manto de Penélope, que se tece de dia e destece a noite, ou um argumento que contemple as novas tecnologias ideológicas do saber-poder (a “filosofia estética” da moda), e, a base da Carta Política (da noite para o dia tornada principiológica apesar de assistemática e incoerente) consegue estabelecer um “abra-te Sézamo” jurídico, em especial a partir de 1988, que faz jus a uma filiação ideológica à matriz discursiva do ultraliberalismo em nome da “liberté, égalité, fraternité ” agora slogans hiperbólico e desvairado, que impõe o predomínio de um anti-intelectualismo filosófico eivado de relativismo que Kikunaga apresenta-nos com a marca de um “Neopositivismo Jurídico ou Escola da Livre Pesquisa ... Chega a ser risível, se houvesse humor! Mas, inegavelmente, é cômico, por ser sem graça... Em outras palavras, o irracionalismo, a superficialidade e a leviandade predominam na tradução (ou interpretação) de grandes palavras conceitos (“tenho medo das grandes palavras que nos fazem sofrer”, diria James Joyce), atualmente eufemisticamente denominadas princípios ... E tudo se reduz a ser uma polêmica ou um debate livre, e por natureza radicalmente anarquista, por necessidade, ou seja, em mutação interminável, o pensamento em Direito ainda é nômade, não chegou sequer a ser agrícola e já reivindica o estatuto de pós-industrial e se revela feudal... É a própria realização do “Samba do Crioulo doído ” em pessoa jurídica. E, sendo assim, o conceito central da moda é o de alteridade. -- Um conceito extremamente moldável, diga-se de passagem; o que em si não mora uma alteridade?...


ALTERIDADE PODE SER ACEITAÇÃO do outro em sua diferença (concreta), ou do outro em sua igualdade (abstrata), sem a devida, necessária e universal compreensão de que a Igualdade político-jurídica é ideológica e consiste em considerar desigualmente coisas desiguais. Em outras palavras, a igualdade jurídica e construída de diferenças paralaxicas... Igualdade é o cinismo e a ambiguidade inafastável de qualquer decisão em sociedades estruturadas em distinções (Bourdieu) -- O que, em ultima instância, pode redundar em que nada seja mais opressivo! “I’m not Clay” (Eu não sou argila), diz e canta a brilhante e linda garotinha de 12 anos, Grace Vanderwaal! Sim, “I’m not Clay ”, nem para ser diferente, nem para ser igual... Por quê? “I don’t know my name” (Eu não sei meu nome), canta ainda a genial e talentosa Grace Vanderwal. Com efeito, quem é o outro? Não há mais como saber, a não ser negativamente por dissimulação ou em simulacro! “Gossip Girl ” (Garota de plástico) protesta à graciosa e crítica Grace Vanderwaal... Mas com certeza ainda não somos argila, corremos o risco de não sabermos o nosso nome, e somos garotos e garotas de plásticos... Ora, a Carta Política de 1988 não desconstruiu nada, muito pelo contrário, é ela mesma que carece de “desconstrução”, por todas as suas más concepções, por ter usado material de terceira, por todos os erros de projeto, e por “improbidades administrativas” na realização...


ORA DESCONSTRUÇÃO É UM CONCEITO que surgiu pela primeira vez, (é de conhecimento público), na introdução à tradução de 1962 da “Origem da Geometria”, de Edmund Husserl --. E no caso “Direito de Família vs. Afetividade no Século XXI , que significa desconstruir? Simplesmente, por ignorância histórica e linguagem Au-Au (Afaste-se), Au-Au o mundo do Direito das Famílias é nosso. Nosso quem? Do movimento LBGTIs? Então, no caso em tela, Au-Au papai e Au-Au mamãe e Au-Au matrimônio, Au-Au fidelidade, Au-Au família heterossexual etc. Na tradução juramentada de Madaleno: “O real valor jurídico da filiação está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética...”, portanto, desconstruir a ascendência genética, em última instância, é a base biológica fundamental, imanente e genealógica do ser humano, enquanto ser animal, e ontológica, pois que enquanto ser cultural afasta qualquer complexo de bastardia por ser ultraliberal?... Então, o que é a família?... Uma ascendência afetiva? Que seria isso? Uma “verdade afetiva”? Qual seria? O que é o afeto ou a afetividade para receber o estatuto de “verdade”? Um afeto, então, isto é um Pai? Isto é uma Mãe? Mas como isto se dá ou seria possível?... Pelo que sei e pelo que me ocorre, graças a Steven Pinker, é que a mente humana não foi projetada para criar beleza, para descobrir a verdade, para amar e trabalhar, para inventar um Pai, para inventar uma Mãe, para inventar o incesto, para harmonizar-se com outros seres humanos e com a natureza, para evitar a pedofilia, para impedir o estupro etc., mas, sim, diz Pinker: “O objetivo supremo que a mente foi projetada para atingir é a maximização do número de cópias dos genes que a criaram”... (PINKER, 1998, p.54). Não seria o desejo desta maximização que cria o afeto? Este desejo é cognitivo? Então, o que seria a “verdade afetiva”? Algo que encontramos na pedra e não no gato? Ou no gato e não na pedra? Tal qual o cientista cognitivos, Zenon Pylyshyn, observou com muito bom humor, como nos diz Pinker, que “as pedras são mais inteligentes do que os gatos, pois elas têm a sensatez de ir embora quando a chutamos” (in PINKER, 1988, p.72)... Outras questões: pelo que sei nenhum debate Histórico sobre a Família precedeu a Constituinte, e pelo que sei a família que a Constituição de 1988 consagra, mutatis mutandis, é a família burguesa consagrada pela Revolução Francesa, de 1798. A família burguesa era e é patriarcal? E por outro lado, existe a família proletária? Ela não é (ou não seria) também patriarcal? Por que não? O patriarca é real, imaginário ou simbólico? O que é o Patriarca? Trata-se de desconstruir que Família? O que significa (e não o que pode ou poderia significar) ser Pai? E ser Mãe? Podemos falar de Pai escravo, de Pai feudal, de Pai burguês ou de Pai proletário? E de Mãe escrava, Mãe feudal, Mãe burguesa ou Mãe proletária? Então, que questões éticas e políticas motivam a desconstrução? Por outro lado, o que é a monogamia? Que fundamentos históricos a sustentam? E a heterossexualidade? Que significa o conceito de “patriarcal”? E o de “patrimonial”? O que seria uma “ideologia parental”?...

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TODOS ESTES CONCEITOS FORAM desenvolvidos no interior da Família de forma autônoma? Ou foi um desenvolvimento heterônimo necessário e universal na luta pela sobrevivência de si mesma e da preservação de seus membros? Até na linguagem, portanto, a verdade da comunicação se estabelece, conforme uma observação de Foucault, “não por uma questão de sentido, mas por uma correlação de forças”. Em outras palavras, a história é sempre belicosa e a linguagem o reflexo de sua violência criadora da realidade, tal quais os “marxistas” dizem que “a violência é a parteira da história”, por incapacidade de imaginar a existência das clínicas ginecológicas da História que atende desde o período pré-natal e que lhe propicia no fim da gravidez até partos sem dor, portanto, que questões antiéticas e pós-políticas nutrem-se da violência existente no “livre trânsito do afeto” ou dos afetos? O que a “ideologia da família patriarcal” asfixiava ou asfixia? De que nos fala Madaleno?... Observe-se que não se trata de resumir a solução da problemática da ignorância jurídica a uma simples busca de compreensão de conceitos, pois que, avulta em minhas considerações a exortação antiessencialista de Karl Popper em sua “Autobiografia intelectual”, sobre “a via mais segura para a perdição intelectual: abandonar problemas reais em favor de problemas verbais” (POPPER, 1977, p. 25). Ora, o que seria a “desconstrução jurídica” advogada por Rolf Madaleno, se o próprio filósofo da desconstrução, Jacques Derrida, segundo Rafael Haddock-Lobo, é bem enfático ao observar que:

“A tarefa ético-política da desconstrução, então, seria a de desmontar certos discursos filosóficos, a fim de mostrar ou brancos, os espaços, ou lapsos, ou seja, uma infinitude de outros discursos que se escondem por detrás da pretensa unidade de um texto, acreditando que há uma necessidade de se olhar tanto o não-dito como aquilo que está expressamente dito em um texto, pois aquilo que está excluído, recalcado, reprimido, violentado em um texto constitui uma peça tão valiosa à análise filosófica como aquilo que se expressa positivamente”.

A questão, portanto, é saber se a desconstrução enxergada por Madaleno et alii, não está nos levando a um impensado e monstruoso engarrafamentos de afetos que impedirá, justamente, o seu livre trânsito? O significado de “livre trânsito” não estaria semanticamente negado e se tornou pano de fundo eufemístico para mais-repressão (Marcuse)?...


TRATA-SE DE CONSIDERAR QUE O engarrafamento dos afetos e seus acidentes verificam-se em todas as explosões sociais involuntárias de violência, desde uma simples greve de uma categoria de trabalhadores, a uma manifestação política a princípio pacífica, em qualquer “economia do desejo” (Sade), do “dispêndio” (Bataille), da “sociedade do espetáculo” (Dubord), e, mais ainda da “sociedade de consumo” (Baudrilard), e da “sociedade informática” (Schaff) etc. quando, situados em sua imanência, procurar-se em oposição dar resposta as suas contradições... É claro, estamos falando da sociedade capitalista contemporânea, de suas redes e seus rizomas etc., e de toda a sua tecnologia ideológica de marketing e de merchandising que em seu território global mobiliza para paralisar... E também que, em seu conjunto, este é o complexo busílis da questão do afeto no “Direito das Famílias” (Sic!). Ora, no mais, um Homem pode deixar de ser patriarcal? E uma Mulher de ser matriarcal? Contemporaneamente, o que é ser Patriarcal? O que é ser Matriarcal? Estas questões, por ser a problemática de “resíduos” (Pareto) históricos resilientes não merecem a atenção dos Juristas? Por que tanto esforço para “tapar o sol com uma peneira” diante da “força da tradição” (Mayer)? Não se trata, portanto, de dar um passo para frente, mas sim apenas dois para trás? Estranho, muito estranho!...


A LÓGICA DO QUANTO PIOR MELHOR. O segundo ponto do primeiro parágrafo do texto de Rolf Madaleno é ainda muito pior. Diz ele:

“A família do passado não tinha preocupação alguma com o afeto e a felicidade das pessoas que formavam seu núcleo de convivência, pois seus interesses de ordem econômica estavam centrados unicamente no modelo de um pai e uma mãe e filhos financeiramente dependentes”...

Em nome de que História, de que Direito tamanha bobagem pode ser dita? Pudor minha gente, pudor!... Na Revista Jurídica Consulex, a partir do artigo de Madaleno (pp.24-27), até o de Ribas Marinho (PP. 44-45), passando por todos os outros (com duas boas exceções criticas: Raupp Rios e Gaspar Rodrigues), as proposições constantes para um “Direito das Famílias”, nos obrigaria a um trabalho gigantesco de esclarecimentos, que não nos cabe aqui serem desenvolvido senão através de um debate sério e não ideológico on line por seu grande alcance e imprevisibilidade teórica. Desde que tenhamos rigor, coerência, tempo e paciência... Em primeiro lugar, o que foi (porque o que modernamente é não é) a Família Patriarcal ? Por que esta questão se torna necessária? Porque tudo espanta! Indigna! Desanima! É muita coisa o que estes “inovadores” da doutrina do Direito das Famílias fazem questão “desconhecer” e “ignorar” e por quê? Não seria este “desconhecimento” e esta “ignorância” que se transformam em estratégias de suas pretensas desconstruções ideológicas? O que desejam (se se trata de desejo) esconder? Impõe-se, então, um breve excurso bem revelador...

Sobre a autora
Walter Aguiar Valadão

Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O que trago aqui é uma síntese conclusiva dos dez artigos publicados em Jus Navegandi que se interpenetram dialeticamente e se depuram internamente, mantendo um diálogo radical com as aporias legais, quebrando-as como se fossem cascas de amendoim, pois que o que interessava eram as nutritivas sementes que elas continham, que dizem, tem propriedades afrodisíacas que estimulam e revelam a perversidade corruptora do caráter nacional.

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