SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da inconstitucionalidade da Resolução COFECI nº 800/2002. 3. Julgados sobre a matéria. 4. Conclusão. 5. Referências bibliograficas.
1.Introdução
O Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI), em 26 de dezembro de 2002, editou a Resolução COFECI nº 800/2002, que criou o Exame de Proficiência e o tornou obrigatório para quem pretenda obter registro profissional em Conselho Regional de Corretores de Imóveis.
Desta forma, além do requisito legal de possuir diplomação específica em título de técnico em transações imobiliárias, tornar-se-ia obrigatório ao futuro corretor de imóveis a prestação do Exame de Proficiência, que "são as provas destinadas à comprovação da obtenção de conhecimentos técnicos mínimos, consoante os conteúdos programáticos dos cursos de formação de técnicos em transações imobiliárias de nível médio e superior nas áreas das ciências e gestão de negócios imobiliários", conforme definição trazida pelo parágrafo único, do art. 2º da Resolução COFECI nº 800/2002.
A edição da Resolução COFECI nº 800/2002 levou em consideração o fato de que desde o advento da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), houve um aumento de demanda dos cursos de formação de técnicos em transações Imobiliárias na modalidade "à distância" ou "semi presencial", razão da qual entendeu o COFECI pela necessidade da exigência de aprovação no Exame de Proficiência para aqueles que pretendam obter o registro profissional junto ao respectivo Conselho Regional de Corretores de Imóveis de sua jurisdição.
Desta forma, o COFECI ao estabelecer a obrigatoriedade do Exame de Proficiência como condição para o exercício da profissão de corretor de imóveis por meio de resolução, sem lei que a preveja, contrariou as normas e garantias constitucionais de nossos cidadãos, nos fundamentos que se analisam a seguir.
2. Da inconstitucionalidade da Resolução COFECI nº 800/2002
A inconstitucionalidade da Resolução COFECI nº 800/2002 se verifica pelo afronte direto aos incisos II e XIII do art. 5º; 6º, caput; e XIV, do art. 22, todos da Constituição Federal, além de afrontar o art. 2º da lei Federal nº 6.530/78 e o inc. I, do art. 1º do Decreto nº 81.871/78, que regulamenta a referida lei.
Conforme a Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões. (GRIFAMOS)
Segunda a leitura da Constituição Federal, somente a União, por meio de lei, pode legislar sobre as condições para o exercício de profissões. Assim, não pode o Conselho Federal de Corretores de Imóveis, por meio de resolução, legislar sobre as condições para o exercício da profissão de corretor de imóveis, pois essa competência legislativa é privativa da União.
E, por sua vez, a lei que condiciona o exercício da profissão de corretor de imóveis no território nacional é a Lei Federal nº 6.530, de 12 de maio de 1978, que assim preceitua:
Art. 1º. O exercício da profissão de corretor de imóveis, no território nacional, é regido pelo disposto na presente Lei.
Art. 2º. O exercício da profissão de corretor de imóveis será permitido ao possuidor de título de técnico em transações imobiliárias.
No mesmo diapasão, o Decreto nº 81.871, de 29 de junho de 1978, que regulamenta a Lei nº 6.530/78, que dá nova regulamentação à profissão de corretor de imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências, assim dispõe:
Art. 1º O exercício da profissão de corretor de imóveis, em todo o território nacional, somente será permitido:
I - ao possuidor do título de técnico em transações imobiliárias, inscrito no Conselho Regional de Corretores de Imóveis da jurisdição;
Logo, se a Lei nº 6.530/78, editada pela União e recepcionada pela Constituição Federal de 1988, a qual rege a profissão de corretor de imóveis, não prevê a obrigatoriedade do Exame de Proficiência àqueles que pretendem obter o registro profissional junto aos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis, não pode o COFECI instituí-lo, pois não possui competência para legislar sobre a matéria. E, ao instituir o Exame de Proficiência por meio de resolução contrariou, além do art. 22, inc. XVI da CF, a garantia individual do direito ao trabalho, cláusula pétrea de nossa Constituição, prevista nos art. 5º, inc. XII, que assim disciplina: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
Salienta-se que a única exigência legal para o exercício da profissão de corretor de imóveis quanto à qualificação profissional é justamente a obtenção de título de técnico em transações imobiliárias. Ressalva-se, que o curso Técnico em Transações Imobiliárias (TTI), possui nível secundário, sendo que já existem cursos em nível superior em gestão imobiliária, que abrange as qualificações do TTI, sendo que o possuidor também está amparado no direito ao exercício da profissão de corretor de imóveis.
Ademais, o art. 6º da Constituição Federal prevê o trabalho como direito social do cidadão:
"São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". (Redação dada ao artigo pela Emenda Constitucional nº 26 de 2000, DOU 15.02.2000).
E, se não bastassem os referidos preceitos constitucionais, destaca-se que o possuidor do título técnico em transações imobiliárias que deseje realizar a sua inscrição como corretor de imóveis no Conselho Regional (CRECI) de sua jurisdição, não está obrigado a realizar o exame de proficiência sem que haja lei anterior que o preveja, sob pena de violação do princípio constitucional da legalidade, manifesto no art. 5º, inc. II, da Constituição Federal, que assim assegura aos nossos cidadãos: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Lembrando: resolução não é lei!
Ademais, o COFECI e seus Conselhos Regionais, como órgãos públicos, estão subordinados aos preceitos de Direito Administrativo, não podendo, jamais, no exercício de suas atividades administrativas deixar de observar a lei, em face do princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal). A observação da lei, segundo o citado princípio "significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar ou desviar" (MEIRELLES, 1998, p. 85).
Nesse sentido MELLO (2004, p. 312), analisando o art. 5º, II, do Texto Constitucional, é enfático ao dizer que tal preceito refere-se à lei e em momento algum se refere a decreto, regulamento, portaria, resolução ou qualquer outro tipo de norma, pois "a Constituição brasileira, seguindo tradição já antiga, firmada por suas antecedentes republicanas, não quis tolerar que o Executivo, valendo-se de regulamento, pudesse, por si mesmo, interferir com a liberdade ou a propriedade das pessoas".
Verifica-se, nesse sentido, por parte do COFECI, interferência direta na liberdade daqueles que concluíram o curso técnico em transações imobiliárias, que mesmo estando de acordo com as exigências legais para o exercício da profissão de corretor de imóveis, vêem-se obrigados por meio de resolução (ato normativo infralegal) a submeterem-se ao exame de proficiência.
Dessa forma, deve ser resguardado o respeito à lei, bem como aos preceitos e garantias constitucionais, que asseguram o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Assim, a profissão de corretor de imóveis regulamentada pela Lei Federal nº 6.530/78, exige como qualificação para o seu exercício tão somente o título de técnico em transações imobiliárias, restando evidente a inconstitucionalidade e a ilegalidade da Resolução COFECI nº 800/2002.
É auspicioso salientar que, se fosse indispensável a realização do exame de proficiência para o exercício da profissão de corretor de imóveis, o legislador o teria determinado de forma expressa, assim como o fez, por exemplo, no inc. IV, do art. 8º do Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/94), que exige para o exercício da advocacia, além do título de bacharel em Direito, a aprovação no Exame de Ordem, para a inscrição como advogado na OAB, muito bem ressaltado no presente julgado do Superiro Tribunal de Justiça, ao julgar caso análogo, referente à exigência de exame de proficiência pelos Conselhos Regionais de Contabilidade, assim entendeu:
RECURSO ESPECIAL. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. APROVAÇÃO EM EXAME DE SUFICIÊNCIA PROFISSIONAL PARA REGISTRO NOS CONSELHOS REGIONAIS DE CONTABILIDADE. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. NÃO CABIMENTO. "O Superior Tribunal de Justiça entende que os Conselhos Regionais de fiscalização do exercício profissional têm natureza jurídica de autarquia federal e, como tal, atraem a competência da Justiça Federal nos feitos de que participem (CF/88, Art. 109, IV)" (AGREsp n. 314.237/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 09.06.2003). O Conselho Federal de Contabilidade extrapolou a previsão legal ao estabelecer, por Resolução, a aprovação em exame de suficiência profissional como requisito para o registro nos Conselhos Regionais. Com efeito, tal exigência não está prevista no Decreto-lei n. 9.295/46, que apenas dispõe, em seu artigo 10, que cabe aos referidos órgãos fiscalizar o exercício da profissão e organizar o registro dos profissionais. A atividade de fiscalizar é completamente distinta do poder de dizer quem está ou não apto ao exercício de determinada atividade profissional. Trata-se, pois, de entidades distintas, não se subsumindo uma no conceito de outra, nem mesmo quanto à possibilidade de atividades concêntricas. De qualquer forma, impende frisar que somente a lei poderá atribuir a outras entidades, que não escolas e faculdades, capacidade e legitimidade para dizer sobre a aptidão para o exercício dessa ou daquela profissão. O legislador, quando entende ser indispensável a realização dos aludidos exames para inscrição no respectivo órgão de fiscalização da categoria profissional, determina-o de forma expressa. Nesse sentido, cite-se o artigo 8º, IV, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que exige a aprovação em Exame de Ordem para inscrição como advogado na Ordem dos Advogados do Brasil. Recurso especial não conhecido. (STJ, Resp. 503918/MT, Segunda Turma,Data da decisão: 24/06/2003, DJ:08/09/2003, Relator: Min. Franciulli Netto).
3. Julgados sobre a matéria
Ao fim, cumpre colacionar as ementas dos recentes julgados que tratam da matéria, específica à exigência de realização de exame de proficiência pelos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis:
ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE
IMÓVEIS.TÉCNICO EM TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS. INSCRIÇÃO. EXAME DE
PROFICIÊNCIA.DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA. - A Lei n. 6.530/78, ao regulamentar
a profissão de corretor de imóveis, não outorga aos Conselhos Regionais de
Corretores de Imóveis competência para instituir exame de certificação
profissional. - Nulidade da Resolução COFECI nº 800/02, quanto à exigência
do exame de proficiência. (TRF 4ª Região, REO - 16478
Processo: 200471000196639 – RS, Quarta Turma, Data da decisão: 20/04/2005,
DJU:25/05/2005, Relator: Juiz Valdemar Capeletti).
CRECI. INSCRIÇÃO. EXAME DE SUFICIÊNCIA. - Os requisitos ao exercício da profissão de corretor de imóveis estão previstos na lei de regência, não sendo possível à norma interna estabelecer novas exigências como o exame de proficiência profissional. (TRF 4ª Região, REO – 16110, Processo: 200471000147665 – RS, Quarta Turma, Data da decisão: 01/12/2004, DJU: 19/01/2005, Relator: Juiz Edgard A. Lippmann Junior).
ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS. EXAME DE SUFICIÊNCIA. RESOLUÇÃO COFECI Nº 800/2002. INEXIGIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE LEI FORMAL. 1. Qualquer limitação ao exercício da profissão depende de lei, em sentido formal, conforme exige o art. 5º, inc. XIII, da CF/88 (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer). Destarte, não prevendo a Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978, que deu nova regulamentação à profissão de corretor de imóveis, a prévia aprovação em exame de suficiência para o exercício da profissão e para a inscrição no órgão de classe, não poderia o Conselho Federal de Corretores de Imóveis, por meio de resolução, fazê-lo. 2. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF 4ª Região, MAS 93364, Processo: 200372000187338 – SC, Órgão Julgador: 3ª Turma, Data da decisão: 21/09/2004, DJU:10/11/2004, Relator: Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon).
4. Conclusão
Diante do exposto, resta evidente a inconstitucionalidade da Resolução COFECI nº 800/2002, que criou o Exame de Proficiência e o tornou obrigatório para quem pretenda obter registro profissional em Conselho Regional de Corretores de Imóveis, por evidente violação dos aos incisos II e XIII do art. 5º; 6º, caput; e XIV, do art. 22, todos da Constituição Federal, já que não há previsão em lei que autorize de forma expressa a realização de exame de proficiência para o exercício da profissão de corretor de imóveis.
Logo, somente a União, mediante a edição de lei, é que poderá instituir ou alterar os critérios para o exercício da profissão de corretor de imóveis previsto pela Lei Federal nº 6.530/78, que é a lei vigente que regulamenta a profissão e condiciona as exigências para o exercício profissional.
Assim, resta como alternativa aos possuidores do título de técnico em transações imobiliárias que pretendam exercer a profissão de corretores de imóveis buscar amparo nas vias judiciais para garantir o exercício de seus direitos, sem precisar se submeter ao Exame de Proficiência.
5. Referências bibliográficas
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo, 2004.