A lei 11.644/08 e o subprincípio da necessidade
Para verificar se a Lei 11.644/08 observa o subprincípio da necessidade, precisamos entender o conceito de experiência profissional.
O conceito de experiência profissional está intimamente ligado à noção de prontidão profissional. Considerando-se que um candidato a emprego possua a instrução formal e, eventualmente, a intrução complementar requerida, a experiência mínima necessária representa o período anterior de exercício de cargos iguais ou similares para que o pretendente possa ter vivido as princi-pais situações e problemas da função e adquirido as habilidades básicas para o desempenho sa-tisfatório do cargo com razoável autonomia. Um candidato nestas condições é considerado “pronto” do ponto de vista profissional. Quanto mais complexo é o cargo, mais experiência, isto é, mais tempo de exercício no cargo é necessário para que o ocupante adquira “prontidão”. A experiência mínima necessária para que um profissional possa ser considerado “pronto” estende-se de alguns meses a vários anos, dependendo da complexidade do cargo em questão. É possível quantificar a experiência necessária para que um profissional se torne pronto. Essa quantificação é feita com base no tipo e na duração do ciclo de trabalho do profissional. Quanto mais simples, repetitivo e curto for seu ciclo de trabalho, menor será o tempo necessário para que ele adquira prontidão profissional.14
O autor do projeto justifica sua proposta afirmando que a exigência de experiência profissional é injusta porque muitos candidatos são rejeitados em processos seletivos devido a repetidos requisitos de 5 anos de vivência. Para sanar a injustiça, o Deputado propõe uma solução radical: proibir, para qualquer cargo, e em qualquer tipo de organização, a requisição de experiência profissional superior a seis meses. Isto significa que as empresas não poderão recrutar candida-tos prontos em nenhuma circunstância, devendo admitir apenas pessoas inexperientes para se-rem treinadas. Para se ter uma ideia da radicalidade da Lei, basta considerar que, desde sua entrada em vigor, as empresas não podem exigir experiência para nenhuma das mais de 2.400 ocu-pações constantes da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), publicada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego.
Supostamente, para o autor do projeto, compete às empresas instituir programas de formação profissional, planos de sucessão e políticas de recrutamento interno que possibilitem o preenchimento dos cargos de meio e de topo de carreira pela promoção de seus funcionários, o que permitiria usar o recrutamento externo para admitir somente profissionais iniciantes sem experiência.
Trata-se de uma solução desmedida, associada a uma justificativa frágil porque, em primeiro lugar, no Brasil, vários setores contratam jovens sem experiência profissional. Um dos mais atuantes é o setor de telesserviços, também chamado de telemarketing, call center ou contact center, que empregou cerca de 1,38 milhão de trabalhadores em 2010, com previsão de 1,43 milhão para 2011.15 Cerca de 55% dos trabalhadores desse setor têm entre 18 e 25 anos e 45% estão no primeiro emprego.16
Em segundo lugar, embora várias empresas possuam programas de formação profissional, planos de sucessão e políticas de recrutamento interno, é descabido impedir, de forma generalizada, que as organizações recrutem profissionais prontos no mercado, primeiro, porque as micro e pequenas empresas não dispõem de recursos financeiros nem de estrutura para implantar e operar tais programas; segundo, porque as empresas que se encontram em fase de crescimento acelerado têm necessidade de ampliar rapidamente sua estrutura produtiva, razão pela qual precisam aumentar seu quadro de funcionários buscando externamente, de imediato, profissionais prontos para produzir; terceiro, porque, se uma empresa, mesmo possuindo planos de su-cessão e políticas de recrutamento interno, perder de modo inesperado um profissional experiente e talentoso e não dispuser, em sua força de trabalho, de um funcionário em condições de substituí-lo, a organização será forçada a buscar no mercado um profissional com experiência equivalente à daquele que se desligou.
Se o autor do projeto quisesse ser razoável, ele poderia ter feito a proibição incidir apenas sobre os postos de início de carreira (trainee) e sobre os cargos desprovidos de complexidade, como são os de atendente, recepcionista, caixa, mensageiro, garçom etc., que não demandam vivência ou a requerem limitada a poucos meses.
Por todos esses motivos, concluimos que a Lei 11.644/08 afronta o subprincípio da necessidade.
A lei 11.644/08 e o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito
Suponhamos que uma grande empreiteira queira contratar um engenheiro civil para assumir a responsabilidade pela construção de uma obra com nível de complexidade equivalente ao da ponte Rio-Niterói. Na vigência da Lei 11.644/08, como recrutar candidatos com a competência necessária? Poderá a empresa exigir que os pretendentes tenham liderado a construção de obras semelhantes? Aparentemente não, pois essa seria uma maneira disfarçada de exigir experiência, constituindo, pois, fraude à Lei em questão. Dentro desse raciocínio, qualquer exigência indireta de experiência será inaceitável. Se o empregador não puder, então, de nenhum modo, exigir experiência, poderá esta ser usada como critério de desempate entre os candidatos? Se puder, então a Lei 11.644/08 será inócua. Se não puder, de que modo poderá a empresa desempatar a disputa? Pelo critério da senioridade? Não, pois senioridade, indiretamente, significa experiência. Por meio de uma prova de conhecimentos? Uma prova desse tipo será ilegítima se contiver questões que só um candidato experiente possa responder. Em tais condições, um exemplo de critério de desempate aceitável será a aplicação de um teste de inteligência destinado a adultos, cujos resultados não dependam de maturidade. Um teste como esse, porém, será equivalente a um sorteio.
Temos, portanto, que, no limite, se a Lei 11.644/08 for cumprida candidamente, integralmente, estritamente, à risca, sem nenhuma tentativa direta ou indireta de burla, então todos os candidatos participantes de um processo seletivo terão igual probabilidade de serem escolhidos. Em tais condições, correremos o risco de ver um engenheiro recém-formado assumir a responsabilidade por uma obra complexa como a mencionada acima, ou um médico em início de carreira liderar uma equipe de transplante de fígado. Desta forma, a Lei, ao tentar proteger a empregabilidade dos jovens, coloca em perigo bens jurídicos de hierarquia superior, quais sejam, a vida e a segurança das pessoas.
Conclusão
A Lei 11.644/08 ofende o princípio da razoabilidade em todos os aspectos que se possa imaginar. Trata-se de um verdadeiro monumento ao absurdo, razão pela qual deve ser urgentemente fulminada pela Justiça.
Notas
1 SOUZA, Tercio Roberto Peixoto. O princípio da razoabilidade na constituição aberta. Disp. em: http://trabalhoemdebate.blogspot.com/2011/04/o-principio-da-razoabilidade-na.html
2 PEIXOTO, Alexandre Sivolella e outros. “O princípio da razoabilidade”. Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS. v. 6, n. 11, Jan./Jul. 2004. p. 99-100. Disp. em: http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/11/artigos/06.pdf
3 RESENDE. Antônio José Calhau de. “O princípio da razoabilidade dos atos do poder público”. Revista do Legislativo, abr-dez/99. pp. 56-57. Disp. em: http://www.almg.gov.br/revistalegis/Revista26/calhau26.pdf
4 BARROS, Lorena Pinheiro e Danielle Borgholm. “O princípio da razoabilidade como parâmetro de mensuração do dano moral”. Disp. em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090505153557272
5 RESENDE, Antônio José Calhau de. Ob. cit. pp. 55-56.
6 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 157. Cit. em ZANCANER, Weida. “Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do estado social e democrático de direito”. Revista Diálogo Jurídico. ano I, nº 9, dezembro de 2001. Disp. em: http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001-WEIDA-ZANCANER.pdf
7 ZANCANER, Weida. Ob. cit.
8 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 617. Cit. em SOARES, Evanna. O princípio da razoabilidade no direito do trabalho. Disp. em: http://www.prt22.mpt.gov.br/artigos/trabevan18.pdf
9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Ob. cit. p. 262. Cit. em SOUZA, Carlos Affonso Pereira de e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio. O princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade: uma abordagem constitucional. Disp. em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/15076-15077-1-PB.pdf
10 FLORI, Priscilla Matias. Desemprego de jovens: um estudo sobre a dinâmica do mercado de trabalho juvenil brasileiro. Disp. em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-18122003-144416/pt-br.php
11 FLORI, Priscilla Matias. Ob. cit. Resumo.
12 FLORI, Priscilla Matias. Ob. cit. p. 20.
13 FLORI, Priscilla Matias. Ob. cit. p. 37.
14 Adaptado de PASCHOAL, Luiz. Como gerenciar a remuneração na sua empresa. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006. p. 115.
15 ANTONELLI, Valdir. O setor na busca pela eficiência. Disp. em: http://www.portalcallcenter.com.br/indicadores/anuario/o-setor-na-busca-pela-eficiencia
16 CALFAT, Marcelo. Call Center vira porta de entrada para o 1º emprego. Disp. em: http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/call-center-vira-porta-de-entrada-para-o-1%C2%BA-emprego/