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Lei da experiência profissional – uma lei inconstitucional

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28/01/2019 às 13:50

Resumo:


  • A Lei 11.644/08 adicionou o artigo 442-A à CLT, proibindo a exigência de experiência superior a seis meses para contratação, com o intuito de facilitar o acesso ao mercado de trabalho para jovens.

  • A exposição de motivos do projeto de lei aponta a exigência de experiência como uma barreira injusta que contribui para o alto índice de desemprego juvenil, mas não apresenta dados concretos que sustentem essa justificativa.

  • A lei é criticada por ofender o princípio da razoabilidade, pois impõe restrições desproporcionais ao recrutamento de profissionais, podendo comprometer a qualidade e a segurança em funções que exigem experiência significativa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No limite, se a Lei 11.644/08 for cumprida à risca, então todos os candidatos participantes de um processo seletivo terão igual probabilidade de serem escolhidos. Em tais condições, correremos o risco, por exemplo, de ver um engenheiro recém-formado assumir a responsabilidade por uma obra complexa.

Introdução

O propósito deste trabalho é demonstrar a inconstitucionalidade da Lei 11.644/08, que proibe o empregador de exigir do candidato a emprego experiência superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.


A lei 11.644/08 e sua exposição de motivos

A Lei nº 11.644, de 10 de março de 2008, acrescentou à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – o artigo 442-A, cujo teor é o seguinte:

Art. 442-A.  Para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de ativi-dade.

A Lei 11.644/08 teve origem no Projeto de Lei nº 162, apresentado à Câmara dos Deputados pelo Deputado Inocêncio Oliveira em 25 de fevereiro de 2003.

A exposição de motivos que acompanhou o projeto é a seguinte:

“O projeto de lei em tela objetiva alterar a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, com vistas a tornar mais acessível o mercado de trabalho ao jovem brasileiro. Seu objetivo específico é limitar a exigência de experiência prévia, para fins de contratação, ao máximo de 6 (seis) meses.

A exigência de experiência profissional, não obstante ser um requisito para se verificar a adequação do cidadão ao desempenho da atividade pleiteada, tem-se colocado como barreira ao funcionamento socialmente justo do mercado de trabalho, trazendo prejuízos ao país hoje e no futuro. De fato, inúmeros são os relatos de pessoas preteridas em disputas por ocupações devi-do a exigências de 5 anos de experiência. Em vista do próprio ciclo de vida do jovem, que ape-nas iniciou no mercado de trabalho, essas exigências tornam inviável ao trabalhador iniciante pleitear vagas em melhores trabalhos. Mais grave ainda é o quadro, pois a falta de experiên-cia hoje acaba por impedir a conquista dessa própria experiência no futuro, erigindo-se como barreira intransponível ao avanço profissional do jovem.

Diante do pequeno crescimento econômico e também das muitas exigências burocráticas e tributárias que gravam o mercado de trabalho, o que se vê expandir são índices de desemprego e de emprego informal. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, o número de desempregados em 2001 atingiu 6,19% (taxa de desemprego aberto), sendo que entre as faixas etárias mais jovens o índice é alarmante.

O quadro abaixo representa as taxas de desemprego por faixa etária.

Quadro I: Desemprego por Faixa Etária em 2001

Faixa Etária (anos)

Taxa de Desemprego (%)

Faixa Etária (anos)

Taxa de Desemprego (%)

15-17

13,41

40-49

3,57

18-24

12,46

50-59

2,92

25-29

 7,21

60-64

1,91

30-39

5,04

≥ 65

1,06

Fonte: Mercado de Trabalho, Conjuntura e Análise, nº 18 , fev. 2002. IPEA.

A fim de enfatizar os efeitos nefastos dessa condição do mercado de trabalho claramente desfavorável para o jovem brasileiro, deve ser dito que sua exclusão das disputas por ocupação é tanto mais grave por ser a falta de perspectiva o gerador da violência nas grandes cidades e a certeza de miséria também no futuro. Criar condições para a inserção do jovem no futuro é, assim, tarefa inadiável que esse projeto busca realizar.”


Análise da exposição de motivos

A exposição de motivos que acompanha o projeto parece conter quatro justificativas, explícitas ou implícitas, para a proposta:

  1. A exigência de experiência profissional, embora seja requisito para verificar a adequação do candidato à função pretendida, é uma exigência injusta, pois há inúmeros relatos de pessoas preteridas em disputas por ocupações devido a repetidas exigências de 5 anos de experiência.
  2. Uma das causas dos altos índices de desemprego entre os jovens é a exigência de experiência profissional.
  3. A falta de perspectiva de emprego é o gerador da violência nas grandes cidades.
  4. A limitação da exigência de experiência prévia a um máximo de 6 (seis) meses tornará o mercado de trabalho mais acessível ao jovem brasileiro.

A afirmativa nº 4 é consequência lógica da nº 2. De fato, se o problema – alto índice de desemprego juvenil – tem como uma de suas causas a exigência de experiência profissional, então a remoção da causa acarretará necessariamente a extinção do problema ou, pelo menos, sua redução.

Em relação às afirmativas de nºs 2 e 3, o autor não apresentou dados que as sustentassem, considerando-as como evidentes por si mesmas. Nestas condições, se a afirmativa nº 2 – que nos interessa de perto – for falsa, a lei representará a solução para um problema inexistente.

Diferentemente das outras, que são juizos de fato, a afirmativa nº 1 representa um juízo de valor moral sobre a exigência de experiência profissional (“A exigência de experiência profissional é injusta”). O autor do projeto, de início, parece aceitar a validade dessa exigência, porém, na sequência, condena-a como injusta. Ele cita como exemplo os “inúmeros relatos” de candidatos re-jeitados em processos seletivos devido à exigência de 5 anos de experiência, condenando essa exigência qualquer que seja a ocupação em disputa, porém sem explicar a razão. O fato, porém, de a afirmativa nº 1 representar um juízo de valor no plano moral não a torna verdadeira por si mesma, persistindo a necessidade de se justificar a condenação do requisito, o que o autor do projeto não fez.

Assim, considerando que o Deputado Inocêncio Oliveira não apresentou dados que sustentassem as afirmativas de nºs 2 e 3, e que ele não justificou a afirmativa nº 1, torna-se conveniente examinar a razoabilidade da Lei 11.644/08. Para melhor compreensão, entretanto, vamos fazer antes uma breve exposição sobre o princípio da razoabilidade.


O princípio da razoabilidade

O princípio da razoabilidade postula que os atos do Poder Público devem ser razoáveis, entendendo-se por atos do Poder Público tanto os atos administrativos emanados do Poder Executivo – decretos, resoluções, portarias etc. – quanto os atos editados pelo Poder Legislativo – as leis. A razoabilidade é exigida como requisito de legitimidade dos atos do Poder Público.

O princípio da razoabilidade tem sua origem no princípio do devido processo legal (due process of law), oriundo dos Estados Unidos da América. Nesse País, o devido processo legal assumiu dois aspectos: um de natureza formal e outro de cunho material. A garantia do devido processo legal formal assegura ao cidadão a regularidade do processo judicial, refletindo-se principalmente no direito ao contraditório e à ampla defesa. O devido processo legal material, por sua vez, traduz-se na idéia de Justiça e de razoabilidade que expressa um sentimento coletivo co-mum de determinada época. O devido processo legal material é utilizado como instrumento contra os abusos cometidos pelo Legislativo, ao editar diplomas legais, e pelo Executivo, quando exerce o poder discricionário ao baixar atos administrativos.1 Desta forma, o princípio do due process of law deixou de ser apenas uma garantia processual, tornando-se uma forma de restringir os desmandos do Poder Público, marcando dessa forma, um impulso de ascensão do Judiciário, abrindo-se um amplo espaço de exame de mérito dos atos do Poder Público, pautando-se nos parâmetros de razoabilidade e racionalidade.2 O princípio da razoabilidade, portanto, é o devido processo legal em seu aspecto material.

No caso da elaboração das normas jurídicas a cargo do Poder Legislativo, se a lei contiver critérios que dificultem ou inviabilizem a execução de suas prescrições, ou que representem exageros ou absurdos, ela se tornará não razoável, sujeitando-se a ser questionada judicialmente.3

O princípio da razoabilidade busca o justo equilíbrio entre o exercício do poder e a preservação dos direitos dos cidadãos, evitando dessa forma atos arbitrários. O razoável traduz-se na conformidade com a razão, a moderação, o equilíbrio e a harmonia.4 Agir com razoabilidade consiste em proceder com bom senso, prudência, moderação, adotar medidas adequadas e coerentes, levando-se em conta a relação entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada, bem co-mo as circunstâncias que envolvem a prática do ato.5

Modernamente, exige-se que as leis sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que as normas jurídicas não devem ser arbitrárias ou implausíveis, mas sim, constituir meio hábil e necessário à consecução de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, deve haver uma relação de compatibilidade entre a norma em si – o meio – e o fim que ela pretende alcançar. Se essa rela-ção entre meio e fim não existir, a lei resultará leviana e injustificada, padecendo do vício da arbitrariedade, consistente na falta de razoabilidade e de racionalidade.6

Um ato do Poder Público é não razoável quando: a) não existiram os fatos em que se embasou; ou b) quando os fatos, embora existentes, não guardam relação lógica com a medida tomada; ou c) quando mesmo existente alguma relação lógica, não há adequada proporção entre uns e outros; ou d) quando o ato se assentou em argumentos ou em premissas, explicitas ou implícitas, que não autorizam, do ponto de vista lógico, a conclusão deles extraída.7

Para avaliar a razoabilidade de um ato do Poder Público, o princípio da razoabilidade lança mão de um ferramental definido: o princípio da proporcionalidade.


O princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade constitui um instrumento prático para se avaliar a razoabilida-de de uma lei ou ato administrativo do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, em essência, estabelece que as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais devem limitar-se ao estritamente necessário.

O princípio da proporcionalidade também é denominado princípio da proibição do excesso ou princípio da justa medida, no sentido de que a lei restritiva não deve ser apenas necessária e adequada, mas também seus elementos coercivos de direitos, liberdades e garantias não devem ser desmedidos, desajustados, excessivos ou desproporcionados em relação aos resultados almejados.8

O princípio da proporcionalidade compõe-se de três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito:

a) Adequação. Deve haver relação de compatibilidade entre o fim almejado e o meio escolhido para alcançar esse fim, ou seja, os meios adotados devem ser adequados, aptos, úteis, suficientes para realizar os fins que se tem em vista. Trata-se de verificar se existe uma relação de causali-dade entre meios e fins. Se os meios escolhidos forem inúteis ou não apropriados, não haverá adequação.

b) Necessidade. Dentre os meios disponíveis para alcançar um determinado fim, deve-se escolher os mais suaves, os que causem o menor prejuízo possível para os direitos e as liberdades dos indivíduos. Deve-se evitar o excesso, isto é, os meios adotados devem ser necessários para cumprir os fins pretendidos. Os meios utilizados tornam-se excessivos e, pois, desnecessários e não exigíveis, quando, para se alcançar os objetivos almejados, dispõe-se de outras medidas igualmente eficazes e menos danosas a direitos e liberdades.

Este subprincípio desdobra-se em quatro dimensões: exigibilidade material (a restrição é indis-pensável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a medida coativa do po-der público não deve ser perpétua) e pessoal (restringir o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesses sacrificados).9

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c) Proporcionalidade em sentido estrito. Deve-se pesar os interesses que estão em jogo, avaliando-se as vantagens e desvantagens da medida que está sendo considerada, ou seja, sua relação custo-benefício. Deve-se escolher o meio que some o maior número de vantagens e o menor número de desvantagens, perguntando-se: a medida adotada sacrifica direitos mais importantes do que aqueles que busca preservar? A norma só será legítima quando preservar direitos hierarquicamente superiores aos que serão restringidos.

A seguir, submetemos a Lei 11.644/08 ao escrutínio dos três subprincípios acima descritos.


A lei 11.644/08 e o subprincípio da adequação

Para aferir a conformidade da Lei 11.644/08 ao subprincípio da adequação, vamos examinar a veracidade da justificativa nº 2 apresentada pelo autor do projeto em sua exposição de motivos (V. acima o item “A lei 11.644/08 e sua exposição de motivos”):

Uma das causas dos altos índices de desemprego entre os jovens é a exigência de experiência profissional.

Uma pesquisadora analisou o desemprego entre os jovens no Brasil, procurando identificar os motivos de a taxa de desemprego do jovem ser muito superior à dos adultos.10 Segundo a autora, um argumento recorrente é que a causa do alto desemprego juvenil está na dificuldade do jovem em conseguir o primeiro emprego. A autora então questiona: será realmente a dificuldade em obter o primeiro emprego a causa de os jovens apresentarem uma taxa de desemprego tão alta? O estudo verificou o que acontece no caso brasileiro com base nos dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas seis principais regiões metropolitanas do Brasil, de 1983 a 2002.

Os resultados mostram que, no período estudado, cerca de 80% da taxa de desemprego juvenil é composta de jovens que já trabalharam.11 Os jovens que já trabalharam anteriormente são os principais responsáveis pela alta taxa de desemprego da categoria. Logo, os que nunca trabalharam e procuram o primeiro emprego têm pouca influência nessa alta taxa de desemprego juvenil.12 Os resultados encontrados mostram que os jovens apresentam uma alta taxa de rotativida-de no mercado de trabalho, ou seja, trocam de emprego com mais frequência, e que essa rotatividade é o principal motivo de uma taxa de desemprego juvenil tão elevada e tão superior à de trabalhadores mais velhos.13

Os dados disponíveis, portanto, indicam que o problema apontado pelo Deputado Inocêncio Oliveira – alto índice de desemprego juvenil – não é causado pelos jovens que procuram o primeiro emprego sem o conseguir por causa da exigência de experiência profissional. Os dados sugerem que a principal causa da alta taxa de desemprego da categoria é a alta taxa de rotatividade entre os jovens que já trabalharam anteriormente. Em tais condições, a medida proposta pelo autor do projeto revela-se inadequada, inapropriada para resolver o problema apontado. A lei, portan-to, representa uma solução inócua, ineficaz, porque direcionada ao combate de uma suposta causa do problema que, ao final, revela-se errônea.

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Sobre o autor
Flavio Farah

professor universitário em São Paulo (SP), mestre em Administração de Empresas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARAH, Flavio. Lei da experiência profissional – uma lei inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5689, 28 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71550. Acesso em: 22 dez. 2024.

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