Transferência do direito de construir

22/01/2019 às 19:14

Resumo:


  • O Estatuto da Cidade trouxe a transferência do direito de construir como forma de compensar proprietários de imóveis preservados.

  • A transferência do potencial construtivo pode ser utilizada para preservar bens culturais e como forma de indenização ao proprietário, sem ônus aos cofres públicos.

  • A transferência do direito de construir permite aos proprietários vender seu potencial construtivo para outros imóveis da cidade, sendo uma negociação entre particulares autorizada pelo poder público.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Estatuto da Cidade, no artigo 35, trouxe o instituto da transferência do direito de construir a fim de possibilitar que o proprietário de bem imóvel a ser preservado fosse compensado pelo fato de não poder exercer em plenitude seu direito de construir.

1.1 - SIGNIFICADO DE “TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR” 

O Estatuto da Cidade, em seu artigo 35, trouxe o instituto da transferência do direito de construir a fim de possibilitar que o proprietário de bem imóvel a ser preservado fosse compensado pelo fato de não poder exercer em plenitude seu direito de construir até o coeficiente básico estipulado em lei. Obviamente, as áreas que podem receber o potencial construtivo devem ser aquelas em que a densificação seja desejável ou, ao menos, tolerável. A transferência ou alienação do direito de construir pode se tornar importante instrumento de preservação dos bens culturais, uma vez que o Poder Público poderá utilizá-lo como forma de indenização ao proprietário, sem acarretar ônus aos cofres públicos. Por outro lado, não poderá se tornar instrumento de especulação imobiliária, criando-se comércio especializado em solo criado. Portanto, esse mecanismo que a Legislação Urbanística traz com base no Estatuto da Cidade possibilita aos proprietários desses imóveis utilizarem o potencial construtivo, ou apanhar esse potencial construtivo não utilizado em seus lotes, e negociar com terceiros.

A Transferência do Potencial Construtivo (TPC) decorre, ou deveria decorrer, logicamente de uma insuficiência financeiro-orçamentária do poder público, impedindo-lhe, ou tornando extremamente custoso, o uso da desapropriação pura e simples do bem, com prévia e justa indenização integral em dinheiro. Através da adoção da TDC, chama-se a sociedade (na figura do proprietário individualmente afetado), para uma parceria. O proprietário reduz o valor do pagamento em dinheiro pela “desapropriação” de um bem de interesse público. Assim, contrapartida recebe do poder público, ao lado de eventual parcela em dinheiro, um potencial construtivo, um “certificado” de “direito de construir” para poder, posteriormente, transformar em receita por meio de venda no mercado, mediante a devida averbação registral, consequentemente, possibilitando ao proprietário utilizar o dinheiro arrecadado com a venda do potencial construtivo para a manutenção/conservação deste bem afetado, e, assim cumprir as finalidades que urbanisticamente são aprovadas na lei; ou ainda, poderá o detentor desse “certificado” optar por fazer uso ele mesmo daquele “direito de construir”, agora em outro imóvel.

A TDC é uma negociação entre particulares desde que autorizada pelo poder publico, em virtude de ser uma questão urbanística, portanto só acontecerá se o poder público autorizar, bem como nos seus termos, portanto, vislumbra-se que não há direito subjetivo a transferência do potencial construtivo, em regra.

Portanto, todo imóvel possui um potencial construtivo definido através de parâmetros urbanísticos específicos de cada zona, conforme a Lei de Zoneamento de cada município. Um imóvel tombado, devido às restrições estabelecidas pelo seu tombamento, pode não conseguir usufruir todo o seu potencial construtivo previsto em lei. Sendo assim, a Transferência do Direito de Construir (TDC) consiste na permissão dada aos proprietários desses imóveis em vender seu potencial construtivo para outros imóveis da cidade.

Por fim, deve-se ressaltar que não se transfere o coeficiente básico, pois o coeficiente básico é do lote, assim, só será transferível o que estiver mediante acesso na Prefeitura, que será o potencial construtivo adicional. Tal fenômeno pode incentivar o mercado para essas pessoas proprietárias de bem afetado.


2.2 – HIPÓTESES DE “TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR”

A Lei Municipal, conforme artigo 35 incisos I a III do Estatuto da Cidade, autoriza proprietário a exercer em outro lugar ou alienar o direito de construir quando o imóvel for necessário para:

• IMPLANTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS URBANOS OU COMUNITÁRIOS

O poder público pode negociar com o proprietário a transmissão do imóvel para o Município, mediante a concessão de TDC, em lugar de instaurar o procedimento expropriatório, para implantação da infraestrutura urbana ou dos equipamentos comunitários.

Aquisição de terras pelo Poder Público para as finalidades autorizadas. Não elimina o potencial construtivo do bem que vai para o Município, e há o sinalagma, no qual o vendedor transfere ao Poder Público determinado imóvel em troca de potencial construtivo adicional, numa operação de venda e compra;

• PRESERVAÇÃO QUANDO O IMÓVEL FOR CONSIDERADO DE INTERESSE HISTÓRICO, AMBIENTAL, PAISAGÍSTICO, SOCIAL OU CULTURAL

A concessão da TDC está, geralmente, vinculada à obrigação de recuperação ou conservação do imóvel. Portanto, possibilita aos proprietários utilizar o TDC como medida compensatória dos especiais ônus urbanísticos a que atingem seus imóveis. Pode ser conferida ao titulares da propriedade desses imóveis a prerrogativa de transferir o saldo de impossível utilização, em virtude do tombamento, para outro imóvel, ou então transacionar o potencial a ser transferido com outro proprietário. 

Caso o proprietário não tenha condições para a manutenção do bem, este deverá comunicar ao ente responsável para que este tome as medidas necessárias para a preservação.

Neste caso surge embate (tensão) entre interesses imobiliários (em aproveitar ao máximo o coeficiente de ocupação do terreno no qual se encontra o imóvel tombado) vs preservação: pode-se exercer o direito de construir (agora separado do de propriedade – que cumpre função social) em outra localidade. Ex: Tombamento (pode ser tanto bem imóvel, quanto bem móvel, e a limitação pode ser tanto total, quanto parcial).

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A TDC vem sendo utilizada como forma de o poder público adquirir áreas para a implantação de parques urbanos e preservar cinturões verdes. Ressalta-se que a concessão da TDC para a criação de áreas ou parques só tem sentido se estes forem de acesso público ou se os terrenos forem doados ao município, e não constituírem áreas de preservação ambiental em espaços privativos, como o interior de condomínios fechados;

• SERVIR A PROGRAMAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA, URBANIZAÇÃO DE ÁREAS OCUPADAS POR POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA E HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL

Outra possibilidade para a utilização da TDC, segundo o Estatuto da Cidade, é servir a programas de regularização fundiária, de urbanização das áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.

Para a utilização do instrumento para regularização fundiária, programas, em geral, extremamente onerosos para os cofres públicos, a TDC significaria uma alternativa para reduzir o montante financeiro necessário para aquisição do solo urbano onde estão instaladas as habitações objeto da regularização. Nesses casos, o terreno deverá ser obrigatoriamente doado ao poder público.

Apresenta-se a exemplificação de José Afonso da Silva (2006) para a utilização da TDC na hipótese do inciso III, do art. 35 do Estatuto da Cidade:

“um terreno de propriedade privada ocupado por favelas ou por habitações de interesse social em que seja do interesse do Poder Público fazer sua regularização fundiária. De duas uma: ou o proprietário ingressa em juízo para obter a desocupação do seu imóvel, para que nele possa erguer as construções que lhe aprouver – o que é uma situação traumática; ou o Poder Público tem que desapropriar a área para exercer a regularização fundiária pretendida – o que nem sempre é possível ou conveniente. A possibilidade de transferência do direito de construir que cabe ao proprietário na área é mecanismo que facilita a solução do problema.” 

Observa-se que são hipóteses em que a edificação sobre o imóvel particular é desinteressante para o interesse público.


2.3 - TIPOS DE “TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR”

O Estatuto da Cidade prevê dois tipos de transferência do direito de construir: uma que de acordo com José Afonso da Silva (Silva, 2010) poderíamos chamar interlocativa e outra intersubjetiva. 

A interlocativa, pela qual o proprietário de dois imóveis transfere o potencial construtivo de um por outro; e a intersubjetiva, pela qual um proprietário aliena o seu potencial construtivo para outrem. Ambas dependem de autorização de lei municipal, baseada no plano diretor. 

Quer dizer, o plano diretor municipal deverá conter disposições relativas à possibilidade da transferência do direito de constituir prevista no art. 35 do Estatuto da Cidade.

Se não houver plano diretor, ou o que houver não dispuser sobre o assunto, não poderá haver a transferência do direito de construir em qualquer dos dois casos. 

A alienação do direito de construir pode ser a título oneroso ou não, como é a hipótese de o proprietário doar ao Poder Público seu imóvel ou parte dele para os fins previstos nos incisos I a III do art. 35 do Estatuto da Cidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988.

- CARDOSO Fernanda Lousada. DIREITO URBANÍSTICO LEIS N° 6.766/1979 E 10.257/2001 E MP N° 2.220/2001. Ed. Jus Podium. 6ª, 2015.

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- FURTADO, Fernanda. Gestão social da valorização da Terra através do “Solo Criado”: bases para o mapeamento das questões envolvidas. Versão preliminar. Maio de 2005.

- LIRA, Ricardo Pereira. O uso do solo e o seu controle, Alguns Aspectos de Lei Federal n° 775/83, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 154, out/dez, 1983.

- LIRA, Ricardo Pereira. Uso do solo urbano, utilização compulsória, direito de superfície. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, vol. 148, abril/jun, 1982.

- LUCCHESE, Maria Cecília. Transferência do direito de construir — um instrumento mal aplicado. 

- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 9ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

- MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 10ª ed. São Paulo: RT 2015.

- PINTO, Victor Carvalho. Direito urbanístico: Plano Diretor e direito de propriedade. São Paulo: RT, 2006. p. 312-314.

- PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade. 4a edição. São Paulo: RT, 2014.

- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm -  LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001.

-www.ippuc.org.br

-https://www.archdaily.com.br/br/879527/aplicacao-do-instrumento-da-transferencia-do-direito-de-construir-na-conservacao-de-imoveis-tombados

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Sobre o autor
Vinicius Vieira Marcelino

• Serviço Militar do Comando da Aeronáutica – Engajado – 2007. • Graduação - Direito - Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) – 2014. • Pós-Graduação em Direito Público com ênfase em Gestão Pública - Damásio de Jesus - 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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