A IMPORTÂNCIA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
A regularização fundiária (RF) é o recurso/conjunto que inclui medidas jurídicas/administrativas (ambientais, sociais e urbanos), com o objetivo de regularizar os assentamentos irregulares quer das cidades, quer da zona rural. Portanto, constitui ação de fundamental importância para atuação nas áreas irregulares.
Ressalta-se ainda que a regularização fundiária é o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídicos, físico e social, que objetiva a permanência das populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária.
As áreas ou assentamentos irregulares se caracterizam pela precariedade de serviços públicos essenciais, pela presença de população com menor rendimento e nível de instrução, ocorrendo de forma desordenada e densa, em terrenos de propriedade alheia ou localizados em áreas de proteção ambiental, tais como nas margens de rios, estuários, encostas e topos de morro.
Assim, impossibilitam aos prestadores ofertar os serviços, como de saneamento básico, gerando riscos à saúde e poluição generalizada ao meio ambiente, ou seja, tais problemas dessa ausência de serviços básicos geram impactos sociais, econômicos, imobiliários e principalmente ambientais, não apenas nessas áreas, mas em toda cidade.
Corroboro com a pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil, “Saneamento Básico em Áreas Irregulares nas 100 maiores cidades brasileiras“, mesmo diante de condições adversas, os moradores entrevistados demonstraram que gostariam de se conectar aos serviços de água e esgoto.
Assim, a regularização fundiária torna-se um instrumento muito eficaz para combater irregularidade urbana, pois mais de 12 milhões de domicílios urbanos ocupados por população de baixa renda são irregulares.
Devo destacar os enormes avanços legislativos no campo da regularização fundiária em nível federal, principalmente após o advento da Lei n° 11.977/09, sempre com o objetivo concretizar a função social da propriedade e de possibilitar o exercício do direito fundamental à moradia, consagrado como direito social pela Constituição da República.
Em contrapartida, a própria Carta Magna, ao estabelecer as competências dos entes federativos, conferiu ao município o poder-dever de disciplinar, fiscalizar e promover seu ordenamento territorial.
As intervenções podem ocorrer tanto em áreas públicas, em que o município terá a opção de outorgar títulos de concessão, de concessão de direito real de uso, de doação, e até celebrar contratos de compra e venda, na forma da lei (Lei Orgânica, Lei nº 8.666/93 e outras), como em áreas particulares, seja por via da demarcação urbanística, em que o próprio município outorga títulos de legitimação de posse aos beneficiários, seja pelo registro dos contratos preexistentes celebrados pelos beneficiários com o proprietário original, nos termos do Provimento n°. 44/2015 do Conselho Nacional de Justiça (que deu maior amplitude ao que já era previsto na Lei Federal n°. 9.785/99).
Portanto, vislumbra-se a autonomia legal conferida ao município à regularização fundiária é ampla. É fundamental que se deixe de lado a ideia de atender às demandas pontuais e que se faça verdadeiramente um planejamento visando ao atendimento desta importantíssima política pública, que nada mais pretende senão a
Por fim, pela suma importância da Regularização Fundiária transcrevo as palavras da escritora Betânia Alfosin:
“a regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto.” (ALFONSIN, 2007, p. 78).
Em suma, a regularização fundiária deve ser vista como política pública curativa e absolutamente necessária para o resgate da cidadania e para garantir o direito à cidade a todos os brasileiros (IMPARATO, 2008, p. 293).
Diante desta situação, o Município deve adotar as ações de regularização fundiária, que pode ou não implicar na remoção do assentamento irregular, visando a garantia da dignidade da pessoa humana, consubstanciada no direito à moradia previsto na Constituição Cidadã.
INSTRUMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
• O Estatuto das Cidades estabelece que a regularização fundiária deve ser uma das diretrizes gerais da política urbana, conforme previsão do art. 2º, inciso XIX, da Lei 10.520/01, in verbis:
XIX - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.
O referente diploma enfatiza a necessidade de uma legislação que possa realizar a justiça social compatibilizando as regras puras e abstratas à realidade desigual brasileira, conforme expressa o art. 2º, inciso XV, in verbis: “simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais”.
• A Lei Federal nº 10.931/04 estabelecer a gratuidade do primeiro registro dos títulos advindos de processos de regularização fundiária implementados pelo Poder Público, objetivando viabilizar o procedimento em relação ao custo, em virtude que os principais beneficiários do programa são as famílias de baixa.
• A Medida Provisória n 2.220/01 surgiu para regulamenta a concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM) para áreas públicas urbanas pertencentes à União, Estados, Município e Distrito Federal. A CUEM vislumbra um enorme avanço para regularização fundiária em áreas públicas, em virtude a outrora vedação à usucapião de áreas públicas (art. 183, §3º, CF/88 e art. 102, CC/02).
• Lei Federal nº 11.977/09 que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, conforme seu art. 46, a regularização fundiária:
”A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”
O art. 47, do mesmo diploma legal, em seu inciso VII, conceitua a regularização fundiária de interesse social, como sendo a “regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda”.
• Lei Federal nº 13.465/17 – antiga Medida Provisória 759 – alterou aspectos essenciais para a regularização fundiária urbana e rural.
A nova lei discorre sobre um entendimento de regularização fundiária urbana como a simples titulação do imóvel, pois outrora constava uma série de medidas associadas a condições dignas de moradia e acesso à infraestrutura adequada. Assim, ao analisar a lei é perfeitamente possível e cristalino vislumbrar a vontade do legislador na concepção de cidade, destinando-se à “eficiência”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988.
- ALFONSIN, Betânia. O significado do Estatuto da Cidade para os processos de regularização fundiária no Brasil, in Regularização Fundiária Plena. Brasília, Ministério das Cidades. 2007.
- BRASIL, Ministério da Justiça. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <Http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.html>.
- BRASIL, Ministério da Justiça. Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais. Disponível em: <Http: //portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.html.
- FERNANDES, Edésio. Regularização Fundiária de Assentamentos Informais, in Regularização Fundiária Plena. Brasília, Ministério das Cidades. 2007.
- FURTADO, Fernanda. Recuperação de Mais-valias Fundiárias Urbanas: reunindo os conceitos envolvidos. In: SANTORO, Paula (org.) Gestão Social da Valorização da Terra. São Paulo, Instituto Pólis, 2004.
- IMPARATO, Ellade. Regularização fundiária de ocupações em áreas públicas, in Acesso à terra urbanizada, implementação de planos diretores e regularização fundiária plena. Florianópolis: UFSC; Brasília: Ministério das Cidades, 2008.
- LIRA, Ricardo Pereira. Liberdade e direito à terra. Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, jan/mar 1981.