A importância da regularização fundiária

22/01/2019 às 19:30
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A regularização fundiária é o recurso/conjunto que inclui medidas jurídicas/administrativas (ambientais, sociais e urbanos), com o objetivo de regularizar os assentamentos irregulares quer das cidades, quer da zona rural. A regularização fundiária torna-se um instrumento muito eficaz para combater irregularidade urbana, pois milhões de domicílios urbanos ocupados por população de baixa renda são irregulares.

A IMPORTÂNCIA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A regularização fundiária (RF) é o recurso ou conjunto de medidas jurídicas e administrativas (ambientais, sociais e urbanísticas) com o objetivo de regularizar os assentamentos irregulares, tanto nas cidades quanto na zona rural. Portanto, constitui uma ação de fundamental importância para a atuação em áreas irregulares.

Ressalta-se, ainda, que a regularização fundiária é um processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que visa à permanência das populações residentes em áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei, para fins de habitação. Esse processo implica, acessoriamente, melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e na qualidade de vida da população beneficiada.

As áreas ou assentamentos irregulares caracterizam-se pela precariedade de serviços públicos essenciais, pela presença de população com menor rendimento e nível de instrução, ocorrendo de forma desordenada e densa, em terrenos de propriedade alheia ou localizados em áreas de proteção ambiental, como margens de rios, estuários, encostas e topos de morros.

Essa situação dificulta a prestação de serviços, como o saneamento básico, gerando riscos à saúde e poluição generalizada do meio ambiente. Em outras palavras, a ausência desses serviços básicos provoca impactos sociais, econômicos, imobiliários e, principalmente, ambientais — não apenas nas áreas irregulares, mas em toda a cidade.

Corroboro com a pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil, “Saneamento Básico em Áreas Irregulares nas 100 maiores cidades brasileiras”. Mesmo diante de condições adversas, os moradores entrevistados demonstraram o desejo de se conectar aos serviços de água e esgoto.

Assim, a regularização fundiária torna-se um instrumento muito eficaz no combate à irregularidade urbana, pois mais de 12 milhões de domicílios urbanos ocupados por população de baixa renda encontram-se em situação irregular.

Destaco os enormes avanços legislativos no campo da regularização fundiária em nível federal, principalmente após o advento da Lei nº 11.977/09, sempre com o objetivo de concretizar a função social da propriedade e possibilitar o exercício do direito fundamental à moradia, consagrado como direito social pela Constituição da República.

Em contrapartida, a própria Carta Magna, ao estabelecer as competências dos entes federativos, conferiu ao município o poder-dever de disciplinar, fiscalizar e promover seu ordenamento territorial.

As intervenções podem ocorrer tanto em áreas públicas — nas quais o município tem a opção de outorgar títulos de concessão, concessão de direito real de uso, doação, e até celebrar contratos de compra e venda, conforme a legislação vigente (Lei Orgânica, Lei nº 8.666/93 e outras) — quanto em áreas particulares. Nestes casos, o município pode agir por meio da demarcação urbanística, outorgando títulos de legitimação de posse aos beneficiários, ou pelo registro dos contratos preexistentes celebrados entre os beneficiários e o proprietário original, conforme o Provimento nº 44/2015 do Conselho Nacional de Justiça (que ampliou o que já estava previsto na Lei Federal nº 9.785/99).

Portanto, vislumbra-se que a autonomia legal conferida ao município para a regularização fundiária é ampla. É fundamental deixar de lado a ideia de atender apenas a demandas pontuais e realizar, de fato, um planejamento voltado ao cumprimento dessa importantíssima política pública, que visa, acima de tudo, ao exercício pleno da cidadania e ao direito à moradia digna.

Por fim, transcrevo as palavras da escritora Betânia Alfosin:

“a regularização fundiária é um processo conduzido em parceria pelo Poder público e população beneficiária, envolvendo as dimensões jurídica, urbanística e social de uma intervenção que, prioritariamente, objetiva legalizar a permanência de moradores de áreas urbanas ocupadas irregularmente para fins de moradia e, acessoriamente, promove melhorias no ambiente urbano e na qualidade de vida do assentamento, bem como incentiva o pleno exercício da cidadania pela comunidade sujeito do projeto.” (ALFONSIN, 2007, p. 78).

Em suma, a regularização fundiária deve ser vista como uma política pública curativa e absolutamente necessária para o resgate da cidadania e para garantir o direito à cidade a todos os brasileiros (IMPARATO, 2008, p. 293).

Diante dessa situação, o Município deve adotar ações de regularização fundiária, que podem ou não implicar a remoção do assentamento irregular, visando à garantia da dignidade da pessoa humana, consubstanciada no direito à moradia previsto na Constituição Cidadã.


INSTRUMENTOS DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

O Estatuto da Cidade estabelece que a regularização fundiária deve ser uma das diretrizes gerais da política urbana, conforme previsão do art. 2º, inciso XIX, da Lei nº 10.257/01, in verbis:

XIX – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

O referido diploma enfatiza a necessidade de uma legislação que possa promover a justiça social, compatibilizando as regras puras e abstratas com a realidade desigual brasileira, conforme expressa o art. 2º, inciso XV, in verbis: “simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais”.

A Lei Federal nº 10.931/04 estabelece a gratuidade do primeiro registro dos títulos advindos de processos de regularização fundiária implementados pelo Poder Público, objetivando viabilizar o procedimento em relação aos custos, considerando que os principais beneficiários do programa são as famílias de baixa renda.

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A Medida Provisória nº 2.220/01 surgiu para regulamentar a concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM) em áreas públicas urbanas pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal. A CUEM representa um enorme avanço para a regularização fundiária em áreas públicas, em virtude da vedação anterior à usucapião de bens públicos (art. 183, §3º, CF/88, e art. 102, CC/02).

A Lei Federal nº 11.977/09, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, estabelece em seu art. 46 que a regularização fundiária:

“Consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”

O art. 47 do mesmo diploma legal, em seu inciso VII, conceitua a regularização fundiária de interesse social como sendo a “regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda”.

A Lei Federal nº 13.465/17 – antiga Medida Provisória nº 759 – alterou aspectos essenciais da regularização fundiária urbana e rural.

Essa nova legislação adota um entendimento de regularização fundiária urbana centrado na simples titulação do imóvel, enquanto, anteriormente, a regularização compreendia um conjunto de medidas voltadas à garantia de condições dignas de moradia e acesso à infraestrutura adequada. Assim, ao se analisar a lei, é perfeitamente possível e evidente perceber a intenção do legislador de estruturar uma concepção de cidade voltada à “eficiência”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988.

ALFONSIN, Betânia. O significado do Estatuto da Cidade para os processos de regularização fundiária no Brasil, in Regularização Fundiária Plena. Brasília, Ministério das Cidades. 2007.

BRASIL, Ministério da Justiça. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.html>.

BRASIL, Ministério da Justiça. Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais. Disponível em: <https://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.html>.

FERNANDES, Edésio. Regularização Fundiária de Assentamentos Informais, in Regularização Fundiária Plena. Brasília, Ministério das Cidades. 2007.

FURTADO, Fernanda. Recuperação de Mais-valias Fundiárias Urbanas: reunindo os conceitos envolvidos. In: SANTORO, Paula (org.) Gestão Social da Valorização da Terra. São Paulo, Instituto Pólis, 2004.

IMPARATO, Ellade. Regularização fundiária de ocupações em áreas públicas, in Acesso à terra urbanizada, implementação de planos diretores e regularização fundiária plena. Florianópolis: UFSC; Brasília: Ministério das Cidades, 2008.

LIRA, Ricardo Pereira. Liberdade e direito à terra. Revista de Administração Municipal, Rio de Janeiro, jan/mar 1981.

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Sobre o autor
Vinicius Vieira Marcelino

• Serviço Militar do Comando da Aeronáutica – Engajado – 2007. • Graduação - Direito - Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) – 2014. • Pós-Graduação em Direito Público com ênfase em Gestão Pública - Damásio de Jesus - 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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