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A densidade normativa do princípio acusatório na Constituição de 1988 e a condenação do réu sem acusação.

Análise da conformidade constitucional do art. 385, primeira figura, do Código de Processo Penal

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VI – À GUISA DE CONCLUSÃO

O princípio acusatório goza, como norma estruturante do sistema processual penal, de superioridade democrática em relação à alternativa inquisitiva, pois concretiza, no âmbito da relação processual, a tripartição dos poderes e seus freios e contrapesos.

O Código de Processo Penal, embora declare, em sua Exposição de Motivos, preferência pelo princípio acusatório, adota, em verdade, sistema processual misto, com abertura tanto maior ao princípio inquisitivo quanto mais o procedimento esteja próximo do desfecho da relação processual.

O princípio acusatório não pode ser considerado, no plano da construção hermenêutica, estanque em relação aos princípios da demanda e dispositivo. Em perspectiva dialética, fica claro que medidas crescentes de esvaziamento, no âmbito da relação processual, do influxo normativo desses outros dois princípios acabam por obstruir a incidência do próprio princípio acusatório, que, nessa situação, vigeria apenas como diretriz formal da configuração subjetiva da relação processual.

A Constituição de 1988 conferiu densidade normativa ao princípio acusatório suficiente para determinar ao legislador ordinário a estruturação do processo penal brasileiro em conformidade material com esse princípio. A remissão da norma constitucional à forma da lei representa, nessas condições, mais uma abertura do texto constitucional à recepção do Código de Processo Penal, com a finalidade de evitar a anomia, do que uma moderação na eficácia do princípio acusatório como diretriz sistêmica para o processo penal pátrio.

A noção de que as alegações finais absolutórias do Ministério Público possam vincular o Poder Judiciário não necessariamente afronta a dogmática processual penal, desde que essa manifestação não seja interpretada como desistência da ação penal, e sim como renúncia ex post à pretensão punitiva, por reconhecimento fundamentado de sua inviabilidade jurídica. O princípio acusatório transporta essa interpretação do terreno do possível para o do imperativo e terá ensejado, por conseguinte, a não-recepção do art. 385, primeira figura, do Código de Processo Penal.

O Poder Judiciário não ficará à mercê de renúncias abusivas de parte do promotor natural, pois poderá, por aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal, provocar as instâncias revisoras do Ministério Público. Do mesmo modo, o promotor natural poderá insurgir-se por meio de habeas corpus contra a condenação não lastreada em acusação, desde que imposta uma pena privativa de liberdade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3ª edição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.

PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris, 1999.

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal – promotor natural, atribuição e conflito com base na constituição de 1988. 5ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1995.

NUNES, Ricardo Pieri. Manual de princípios institucionais do Ministério Público. Rio de Janeiro: ed. Espaço Jurídico,2001.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 34ª edição. São Paulo: ed. Saraiva, 2000.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª edição. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2003.

BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e direito processual penal. 2ª edição. Rio de Janeiro: ed. Forense, 1997.

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Renovar, 2003.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 34ª edição. São Paulo: ed. Saraiva, 1999.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia Jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: ed. Renovar, 2002.

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GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: ed. Forense universitária, 2000.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 5ª edição. Rio de Janeiro: ed. Forense, 1997.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 11ª edição. São Paulo: ed. Malheiros, 1998.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. Vols. 1, 2, 3 e 4. 17ª edição. São Paulo: ed. Saraiva, 1995.

Flávia de Almeida Conceição Miller


NOTAS

01 Ao menos na parte em que confere a uma única instituição a competência para a promoção da ação penal pública, reservada à lei a disciplina do desempenho daquela instituição nesse mister.

02 Nesses mesmos casos, a ação penal também podia ser iniciada por ato da própria autoridade policial, o que, contudo, não chegava a reforçar o princípio inquisitivo, na medida em que a atividade de polícia judiciária integra, em perspectiva teleológica, a persecução criminal e não é considerada imparcial.

03 Esses mecanismos de proteção institucional contra injunções externas atingiram seu paroxismo no Brasil: em nenhum outro país a independência da instituição acusatória é investida em cada um de seus membros aptos a postular em juízo.

04 A tendência essencialista do constitucionalismo norte-americano determinou, nos EUA, que os acusadores públicos de 45 do 50 estados sejam escolhidos em eleições diretas, como corolário da idéia de que esses agentes são representantes da sociedade perante o Poder Judiciário.

05 No que o exemplo estadual norte-americano deixa de emanar de essencialismo político para beirar o teratológico.

06 Não se trata de definir como necessariamente ascética ou positiva a atividade judicante – daí a ênfase na vertente intelectual em que o juiz deve lutar para expungir-se de pré-concepções. Não se exige do juiz que se dispa de seus valores e de sua circunstância, mas apenas que mantenha vigilância intelectual estrita sobre situações em que seus preconceitos – inevitáveis - tendam a manifestar-se.

07 São exemplos Portugal, Itália, França e Espanha.

08 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal.7ª edição. Rio de Janeiro: ed. Lumen Júris, 2003. p. 52.

09 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório.. Rio de Janeiro: ed. Lumen Júris, 2003. pp. 171/172.

10 Exceção digna de nota fica por conta de Paulo Rangel, a partir da 7ª Edição de seu compêndio Direito Processual Penal, Lumen Juris, Rio de Janeiro.

11 Dicionário Aurélio - Usar de argumentos falsos formulados de propósito para induzir em erro.

12 A exceção honrosa – e recente – fica por conta de Diaulas da Costa Ribeiro, que defende, com robustez teórica, a possibilidade juríica de delimitação da atividade jurisdicional no processo penal também pelo pedido, na hipótese de o Ministério Público pleitear quantum de pena mais reduzido do que o topo da escala penal cominada ao crime.

13 GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro: ed. Forense Universitária, 2000. pp. 77/79.

14 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. Rio de Janeiro: ed. RT, 2003. p. 186.

15 PRADO, Geraldo. Sistema....pp. 118/121.

16 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 5ª edição. Rio de Janeiro: ed. Forense. 1995. pp. 59/66.

17 O fundamento dessa característica do processo penal é encontradiço, por sua vez, no modo de ser do próprio Direito Penal, cujas normas penais incriminadoras estruturam-se como tipos fechados, em respeito ao princípio de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

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18 Convém lembrar que a discussão gira em torno da aplicação do princípio dispositivo stricto sensu à ação penal pública. Como é cediço, a ação penal privada funciona com base em regras e premissas bastante distintas e comporta amplo espaço de incidência do princípio dispositivo em todas as suas vertentes.

19 Trata-se do princípio segundo o qual ninguém será submetido por duas vezes ao mesmo perigo de punição, o que permite ao Estado, no âmbito da persecução criminal, uma única oportunidade de tentar exercer o jus puniendi.

20 Esse direito pode ser excepcionado quando faltar uma das condições da ação penal, o que dará ensejo a seu trancamento. Trata-se, portanto, de um direito contra o Ministério Público, que o impede de tentar contornar o princípio da preclusão com a desistência de ação penal que haja proposto para, por exemplo, melhor organizar o conjunto probatório e, só então, voltar intentá-la.

21 Observe-se que a Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) prevê que a instituição se estrutura em torno de dois tipos de órgãos internos, os de execução e os de administração. A esse respeito, as Promotorias e Procuradorias de Justiça constituem órgãos de execução, inclusive quando exercem a função de custos legis.

22 Tratar-se-ia de disciplina antidemocrática da função acusatória, que não tem precedentes no direito comparado.

23 Forçaria o argumento falar, nessa situação, em verdadeiro processo.

24 A prova suficiente para a justa causa da ação penal nunca poderá, de resto, ser ex ante considerada suficiente para a condenação, mesmo que por razões mais ligadas à dogmática constitucional do processo penal – princípios do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa – do que à análise probatória propriamente dita.

25 O constituinte originário também empregou o verbo promover para as demais hipóteses de legitimidade constitucional ativa do Ministério Público – inquérito civil público, ação civil pública e representação de inconstitucionalidade. Nesta última hipótese, contudo, seria mais correto o uso dos verbos intentar ou propor, pois a representação de inconstitucionalidade não exige acompanhamento ativo e influente como as outras duas espécies.

26 Barcellos, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. pps. 40/41.

27 HAMILTON,Sérgio Demoro. Temas de Processo Penal. 2ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris, 2000. pps. 111/119.

28 JARDIM, Afrânio Silva. Direito........cap. 2

29 JARDIM, Afrânio Silva. Direito........cap.5

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Sobre a autora
Flávia da Almeida Conceição Miller

bacharela em direito no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MILLER, Flávia Almeida Conceição. A densidade normativa do princípio acusatório na Constituição de 1988 e a condenação do réu sem acusação.: Análise da conformidade constitucional do art. 385, primeira figura, do Código de Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 775, 17 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7162. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Texto apresentado como monografia de conclusão de curso de Direito, sob a orientação do professor Leandro Felipe Bueno.

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