4 Liberdade de expressão e suas limitações
Como bem sabemos, no Brasil, a liberdade de expressão é parte dos princípios e garantias fundamentais que regem a atual constituição brasileira, bem como é uma das garantias responsáveis a efetivação do Estado Democrático de Direito. Portanto, não há que se discutir sua banalização, muito menos sua existência.
Fato é que, a liberdade de expressão, não deve promover o fomento à novos conflitos sociais e muito menos lesionar direitos de outrem, até mesmo porque, o texto constitucional assegura o bem-estar social de todos os cidadãos brasileiros e, com base na discursiva de ódio, tem-se como consequência as vias judicias, a fim de que tal norma seja garantida e sanada.
Neste sentido, cumpre ressaltar a previsão do texto constitucional (BRASIL, C.F, 1988), “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Assim, cuida-se destacar que o ordenamento jurídico, buscou estabelecer critérios em busca de igualdade coletiva e a verdadeira efetivação do Estado democrático de Direito, quando preconiza eu seu texto, a inserção social e pluralista, possibilitando que os direitos sejam garantidos em um todo, bem como ao momento em que desaprovou condutas de preconceito e discriminação.
De tal modo, percebe-se que diante as redes sociais, basta ter assuntos referentes a gênero, homossexualidade, discussão racial, dentre outros, que já se torna polêmico o suficiente para que, os chamados princípios constitucionais como direito a honra, intimidade, imagem, dignidade, sejam esquecidos e, deste modo a justificativa para machismo, homofobia, intolerância religiosa, racismo, e incitação à violência, sejam baseados num único princípio constitucional, chamo de liberdade de expressão.
Nesse sentido, as limitações à livre manifestação de pensamento são, portanto, o exercício das garantias individuais com respaldo à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que, embora a liberdade de expressão seja um direito disponível, há que se preocupar com o sujeito que recebe o discurso de ódio, haja vista a possibilidade de acarretar prejuízos ao âmbito moral ou material.
Partindo desta premissa, ante a necessária ponderação da liberdade de expressão, assim, explica Alexandre Magno Fernandes Moreira (MOREIRA, 2007, grifo do autor):
[...] a aplicação desses direitos nem sempre é fácil para o intérprete: a aplicação absoluta de um direito pode levar à ofensa de outro. Assim, se a liberdade for considerada como um direito absoluto, ou seja, plenamente exercitável em qualquer situação, ter-se-ia que permitir o suicídio e a eutanásia consentida, como abertas ofensas ao direito à vida (que, ressalte-se, não é direito sobre a vida).
Evidentemente, que nem todo discurso que tenha conteúdo de gênero, sexualidade, raça ou cor, possa ser considerado como odioso, para isso, deve se observar a forma em que foi manifestado e se acarretou efetivo dano a outrem. Sendo assim, para que a execução da norma tenha efeito imparcial e equitativo, deve-se observar cada caso concreto e, com base na lei superior para que, nenhum direito seja lesionado.
Destarte, faz-se necessário compreender a importância da limitação do discurso odioso, uma vez que, está limitação não visa censurar a liberdade de pensamento, e, sim, buscar o equilíbrio social e democrático. (BRUGGER, 2007, p. 117-118):
A maneira pela qual os sistemas jurídicos devem lidar com o discurso do ódio é uma matéria controvertida, mas isso não deve ser uma surpresa. Geralmente, Estados liberais valorizam a liberdade de expressão em abstrato, mas, na prática, é apenas o discurso ofensivo ou repulsivo que normalmente precisa de proteção. O discurso do ódio é uma das formas de discurso repugnante. A visão de que esse discurso horrendo mereça proteção está descrita nas obras de Voltaire, um proeminente representante do Iluminismo francês, cuja filosofia era ‘eu desaprovo o que você diz, mas eu defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo. A visão contrária é que o conteúdo do discurso do ódio elimina, ou pelo menos minimiza, seu caráter comunicativo e, por essa razão, a expressão de mensagens racistas é apropriadamente vista mais como uma conduta do que como um discurso, não sendo aplicáveis, portanto, os argumentos baseados na liberdade de expressão.
Como se vê, a limitação do discurso odioso é, portanto, a maneira mais eficaz de garantia da própria liberdade de expressão, oferecendo oportunidade a todos de um discurso saudável, ético e moral. Por sua vez, caso a liberdade de expressão fosse ao ordenamento jurídico brasileiro absoluta e, ocorresse sem ponderação ou limites a sociedade, como incide frequentemente aos Estados liberais, ao mesmo tempo que possibilitaria a livre manifestação de um determinado grupo, silenciaria a livre manifestação de grupos minoritários, pelo receio do que poderia vir a ocorrer, ou seja, a liberdade de expressão seria predominante e hierárquica para apenas grupos de maioria, assim, prevalecendo na sociedade apenas posicionamentos sociais majoritários.
Em consequência, oportuna é destacar a sustentação da pesquisadora do projeto Gênero e Tecnologia, Natália Neris (INTERNETLAB, 2015):
O discurso de ódio na Internet precisa ser encarado como uma violação de Direitos Humanos, mas também como uma ameaça à construção de uma esfera pública virtual democrática, plural. A violência pode afastar indivíduos, fazer com que estes temam por expressar suas opiniões e pontos de vista, e, no limite, pode calar suas vozes – vozes estas muitas vezes subalternizadas e subrepresentadas em muitos outros espaços sociais, como é o caso das mulheres, negros, indígenas, LGBTs e pessoas com deficiência. A violência online não deve, portanto, ser tomada como menos nociva, como uma ‘questão menor’ na agenda de tomadores de decisão sobre Internet (estatais e privados), bem como pela sociedade civil.
Devido ao constante crescimento de usuários nas redes sociais, tornou-se de praxe, a ocorrência constante do discurso de ódio, isso porque, existe por grande parte da população, a ideia fixa de sensação de impunidade, tanto ao âmbito penal quanto a esfera civil. No mais, além de toda problemática apresentada previamente, o anonimato e a criação de perfis falsos, colaboram ainda mais para que o ilícito ocorra.
Neste sentido, a discursiva de ódio evolui ao passar do tempo, fazendo com que, muitas vezes, os grupos que são atingidos acreditar que nada se possa fazer para ter seus direitos garantidos, tornando-se, literalmente a sensação de impunidade concreta.
Diariamente, presenciamos várias pessoas utilizando as redes sociais como um lugar que parece ser “terra de ninguém”, cujo os usuários acreditam que o fato de estar num chamado mundo virtual, significa estar em um lugar sem leis, como bem esclarece o advogado José Augusto Araújo de Noronha (NORONHA, 2015):
Há um falso sentimento de que nas “redes sociais” se poderia fazer tudo e se esquece que ali, neste universo tão plural e democrático, também se deve obediência às regras básicas de convivência e de direito. Atualmente, são numerosas as demandas envolvendo pedidos de indenização decorrentes da utilização inadequada desta ferramenta de integração entre as pessoas.
É mister esclarecer que, torna-se necessário raciocinarmos sobre o impacto do discurso de ódio nas redes sociais, haja vista que nossa sociedade se encontra constantemente lesionada pelo discurso intolerante. Verifica-se, pois, a necessidade de que nossa sociedade entenda que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, seja no meio físico ou virtual, como se costuma pensar, significando que, quando a liberdade de expressão for utilizada para discriminar, ofender, menosprezar, humilhar, causar dano moral ou patrimonial a outrem, encerra-se o direito do agente causador do dano e inicia-se o direito da pessoa prejudicada.
5 CONCLUSÃO
Ao longo da história humana, constatou-se por diversas vezes, a violação à dignidade da pessoa humana, verificando-se, pois, os períodos sociais que definiam as pessoas que seriam merecedores de dignidade. Assim, nota-se de antemão, o extenso campo de prováveis tentativas de se definir, o que é ser digno? Pois bem, diante o estudo, podemos constatar três das possíveis vertentes de pensamentos, a dignidade por merecimento, a dignidade à luz de Deus e a dignidade inata ao ser humano.
No caso ora em estudo, sobreleva destacar a dignidade congênita do ser humano, está origina-se apenas pelo fato de nascer humano. Segundo este princípio, embora haja condutas desonrosas e até mesmo criminosas praticadas pelo comportamento humano, estas devem ser punidas, mas com a advertência de se manter estabelecidas sua dignidade.
Portanto, no caso ora estudado, ser digno não significa apenas as conquistas de mérito ou como se concebe a vida humana face à vontade divina, mas sim, se fundamenta pela conservação da vida e os atributos que com ela advém. Neste diapasão, observa-se que a dignidade da pessoa humana, não se trata de uma criação normativa Estatal, mas que, no entanto, só há como se falar em proteção da dignidade humana, se esta for acobertada por este poder. Aqui, concluímos então, que a dignidade é o maior bem que o ser humano possa ter, devendo o Estado apenas, assegurá-la.
Claro está, portanto, que a liberdade se faz essência a dignidade da pessoa humana. Por outro lado, impossível seria vivermos em uma sociedade justa e até mesmo consideravelmente digna e humanitária, sem que não houvesse estabelecidos parâmetros de certo tipo de delimitação as garantias fundamentais humanas. Sem a existência desta definição, não necessitaríamos de poder normativo, como aos que temos hoje, tendo em vista que ao texto constitucional, se ampara pela dignidade da pessoa humana, bem ainda pelos princípios e garantias fundamentais. Neste ínterim, significaria por exemplo dizer, que um sujeito que profere palavras preconceituosas, injuriosas, difamatórias ou intolerantes, lesionando a honra ou a imagem de outrem, não seria considerado uma prática antinormativa, nem mesmo seria responsabilizado, uma vez que este, apenas exerce o direito à liberdade de expressão.
Assim, não há como se afirmar que a dignidade da pessoa humana, bem como os princípios e garantias fundamentais sejam absolutos, uma vez que estes fundamentos devam ser moderados, para que tenhamos justamente uma sociedade digna. Isto é, ao mesmo tempo que o Estado assegura a sociedade com base nestes princípios, quando necessário, também pune o sujeito com fundamento as mesmas concepções.
Nota-se que ao seio social corpóreo, a liberdade de expressão encontra-se limitada ao espaço em que se estabelece, assim, os conflitos sociais ou desavenças, se restringem aos grupos de convivência, sem ampla exposição. As redes sociais virtuais, como no caso do Facebook, Twitter, Instagram, Youtube ou WhatsApp, possuem as mesmas características estruturais das redes sociais corpóreas, mas que, no entanto, a segunda análise da problemática, resulta-se pela exposição pública de pensamento.
No entanto, não apenas a manifestação contraditória se resulta como questão, mas sim a forma em como é colocada, como no caso do discurso de ódio. O discurso de ódio, aqui, nada mais é do que a intolerância, preconceito ou discriminação ao que temos por convicção pessoal, ser algo fora dos parâmetros éticos, morais, religiosos, costumeiros, culturais, sociais etc. Neste sentido, ser intolerante, significa não aceitar a personalidade de outra pessoa.
Ao longo do estudo, observa-se questões sociais relevantes, como a sensação de impunidade dos usuários nas redes, a forma como nossa sociedade enxerga o outro e o quão as redes sociais virtuais podem ser influenciáveis as nossas ideologias, conceitos e princípios. Ressalva-se que, os conflitos sociais nas redes, nada mais são, do que manifestações de pensamentos internalizados de casa pessoa, e que devido a ideia de impunidade, são facilmente publicadas nas redes virtuais. Lado outro, verifica-se também, o anonimato como um obstáculo das redes sociais, ao mesmo tempo dificulta a autoria delituosa, colabora com a propagação do discurso de ódio ensejando os conflitos sociais.
Assim, as limitações da liberdade de expressão, são essenciais a mantença das garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana, que em meio ao texto normativo constitucional, assegura também o bem-estar social, afastando qualquer tipo de preconceito, discriminação ou intolerância.