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Ação declaratória de constitucionalidade.

Uma análise do instituto no contexto do controle jurisdicional de constitucionalidade

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2. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

2.1. A Emenda Constitucional nº 3/93: Competência e Legitimação

A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, dando nova redação ao artigo 102, I, alínea a, da Constituição, instituiu a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, atribuindo-a à competência originária do Supremo Tribunal Federal.

A ação declaratória de constitucionalidade é o instrumento dirigido ao reconhecimento da compatibilidade de uma norma com a Constituição Federal, diante de decisões judiciais conflitantes em torno de sua constitucionalidade. Sua finalidade, além da defesa da ordem jurídica constitucional, é a de afastar a incerteza jurídica e estabelecer uma orientação uniforme, quanto à validade ou invalidade constitucional da norma questionada. [76]

Originariamente [77], eram legitimados para a ação o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados e o Procurador Geral da República [78]. Esse elenco era de menor extensão do que a dos legitimados para ação direta de inconstitucionalidade.

A Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, contudo, dando nova redação ao artigo 103, da Constituição Federal, atribuiu a mesma legitimação para ambas as ações, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, como queria parte da doutrina, nos seguintes termos:

"Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI – o Procurador Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional."

2.2. Razões do novo instituto

A Constituição Federal de 1988 designou a representação de inconstitucionalidade de ação direta de inconstitucionalidade, ampliando o número de legitimados a propô-la, porém, não recepcionou a avocatória, introduzida pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977, que, nos termos do art. 119, I, o, da CF/69, atribuía competência ao Supremo Tribunal Federal para julgar [79]:

"o) as causas processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais, cuja avocação deferir, a pedido do Procurador Geral da Republica, quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, para que se suspendam os efeitos de decisão proferida e para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido" [80]

Sentia-se, nos meios jurídicos, a necessidade de instrumento processual que assegurasse rápida definição final sobre constitucionalidade de leis e atos normativos, de forma a uniformizar os pronunciamentos judiciais. O excesso de litígios gerava insegurança jurídica e, potencialmente, era capaz de provocar graves danos ao interesse público. Por isso, concebeu-se e foi concretizada a idéia da ação declaratória de constitucionalidade, modalidade de controle concentrado de normas, com estrita observância do devido processo legal. [81]

Ives Gandra considerava necessária a instituição da ação declaratória de constitucionalidade, nos seguintes termos: [82]

"Manifesto-me, hoje, contra a emenda constitucional que pretende reintroduzir a avocatória. Entendo, todavia, que o controle real da constitucionalidade não pode ficar apenas nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, ou contra ato ou lei, maculado pelo vicio maior no universo jurídico.

Há necessidade de uma ação de contrapartida, isto é, uma ação ‘declaratória de constitucionalidade’, cuja titularidade para proposição seria de todas as pessoas elencadas no artigo 103 da Constituição Federal, que cuida das ações diretas de inconstitucionalidade. (...)

Entre as vantagens do novo instituto proposto sobre a avocatória, militam: a) a competência do Supremo Tribunal Federal seria originária e não decorrencial; b) os motivos para sua proposição seriam ‘jurídicos’ e não meramente ‘políticos’; c) não haveria interferência direta nas decisões de 1ª instancia suspendendo sua eficácia, mas decisão definitiva sobre a questão suscitada; d) em questões polêmicas, a uniformização far-se-ia com rapidez, ofertando-se ao cidadão e ao Estado uma interpretação definitiva.

O impasse gerado pelos 147% dos aposentados talvez sirva para uma reflexão maior sobre a matéria e a eventual substituição da emenda constitucional, que reintroduz a avocatória, por uma nova emenda propondo, no elenco do artigo 103, a ação declaratória de constitucionalidade, cujos titulares seriam, em principio, as mesmas pessoas legitimadas a propor a ação de inconstitucionalidade.

Se já tivéssemos o remédio processual, o Supremo Tribunal Federal certamente ter-se-ia manifestado e o drama gerado pelas variadas decisões sobre os 147% já teria, de uma forma ou de outra, sido resolvido. A meditação sobre o tema, portanto, faz-se necessária." [83]

Assim, promulgou-se a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, instituindo a ação declaratória de constitucionalidade. [84]Para garantir a supremacia constitucional estão hoje inseridas na Constituição Federal a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, harmonizando o ordenamento jurídico a ela subordinado. [85]

A finalidade da ação declaratória de constitucionalidade foi afirmada em dois aspectos principais: primeiro, conferir certeza jurídica sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal e, segundo, dirimir questão constitucional suscitada em milhares de litígios. [86]

Acerca dos objetivos da ação declaratória de constitucionalidade, considera José Afonso da Silva que "se destina a tutelar direito subjetivo da União, já que a declaração de constitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado naqueles processos concretos serve a seus interesses". [87] Cumpre referir, no entanto, que a decisão definitiva de mérito nessa ação tanto pode proclamar a constitucionalidade como a inconstitucionalidade, de forma que parece estar em causa interesse mais amplo, e não o simples interesse da União.

2.3. Características

A ação declaratória de constitucionalidade, como a ação direta de inconstitucionalidade, caracteriza-se como um processo objetivo por não conhecer partes no sentido do processo comum, mas simplesmente requerente e requerido, e por não ser decorrente de conflito de interesses. A questão de constitucionalidade de lei ou ato normativo é levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal em tese, em defesa da ordem jurídica e para corrigir estado grave de insegurança jurídica.

Enquanto na ação direta de inconstitucionalidade o legitimado para a ação pede a declaração de inconstitucionalidade da norma, na ação declaratória de constitucionalidade, o pedido é dirigido, como resulta de seu próprio nomem iuris, à declaração de sua constitucionalidade. Por essa razão e porque a decisão final pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade, em ambas as ações, tem eficácia geral, já se chegou até mesmo a referir que a ação declaratória de constitucionalidade é "uma Ação Direta de Inconstitucionalidade com o sinal trocado...". [88]

As espécies normativas passíveis de controle de constitucionalidade por ação direta são [89] as emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, decretos autônomos; legislações estaduais, tratados internacionais. O Supremo Tribunal Federal, porém, afasta da possibilidade de controle abstrato e concentrado os atos normativos secundários, as leis e atos de efeitos concretos, leis anteriores à Constituição em vigor, lei que tenha sido revogada, lei municipal em face da Constituição Federal, proposta de emenda constitucional ou projeto de lei e súmulas. [90]

O traço distintivo mais importante entre a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade está no objeto de cada uma. Diversamente da ação direta de inconstitucionalidade, em que se pede a declaração de inconstitucionalidade, na ação declaratória de constitucionalidade, o legitimado da ação pede a declaração de constitucionalidade da norma. A improcedência da ação direta de inconstitucionalidade decorre do reconhecimento da constitucionalidade da norma, que é o mesmo efeito da procedência da ação declaratória de constitucionalidade. [91] Dessa forma, caracterizado está o caráter ambivalente da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade. [92]

Dir-se-ia que, existindo a ação direta de inconstitucionalidade, não se justifica a ação declaratória de constitucionalidade. Ocorre, porém, que se os legitimados da ação estão convencidos da constitucionalidade da norma, como poderiam ajuizar ação direta de inconstitucionalidade em que se pede a declaração de constitucionalidade?

Bem observou, nesse sentido, o Ministro Moreira Alves, em voto na ADC nº 1 – DF que a ação direta de inconstitucionalidade não é instrumento suficiente para garantir a integridade da ordem jurídica, completando:

"... – como ficou assentado no julgamento da Representação de Inconstitucionalidade nº 1349 (RTJ 129 / 41 e sgs) – não é ela cabível quando o autor a propõe sustentando a constitucionalidade do ato normativo, e pretendendo, portanto, obter a declaração de sua constitucionalidade pela via indireta da decisão de improcedência dessa ação" [93]

Basta referir que as ações declaratórias de constitucionalidade foram ajuizadas após período longo em que se litígios em série nos casos concretos acerca da constitucionalidade das normas, sem que antes tivessem sido propostas ações diretas de inconstitucionalidade em relação a elas.

Verifica-se, assim, que os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado sobre a legitimidade constitucional dessas normas só ocorreram em razão de novo instituto que preencheu verdadeiramente uma lacuna no controle concentrado de normas no sistema constitucional brasileiro.

2.3.1. Objeto da tutela jurídica

2.3.1.1. Segurança jurídica

A ação declaratória de constitucionalidade, como se referiu, pressupõe a existência de litígios em série em torno da constitucionalidade da norma, que geram grave estado de incerteza e insegurança quanto à sua constitucionalidade, situação esta contrária ao Direito e que, portanto, deve ser corrigida.

A correção do estado de incerteza e insegurança jurídica constitui a finalidade principal desse novo instrumento de controle de constitucionalidade

Em parecer na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1- DF, assinalou, nesse sentido, a Procuradoria-Geral da República:

"14. Na acepção corrente, a certeza consiste na previsibilidade das conseqüências jurídicas das ações humanas. Os homens têm a necessidade de saber como serão qualificadas objetivamente suas ações e a norma jurídica, no dizer de Lopez de Oñate, visa a garantir a ação, de maneira certa e inequívoca, de modo que seus destinatários possam contar com o que haverá de ocorrer (La Certezza Del Diritto, Milano, ª Guffre, 1968, pág. 47.)

(....)

16. Sendo a certeza um elemento essencial à norma jurídica, uma lei ou ato normativo incerto conduz a uma situação contrária ao direito, que impõe todo esforço no sentido de sua superação (CF, Miguel Reale, Filosofia do Direito, 6ª ed., 1972, vol. 2, pág.530; Lopez de Oñale, ob. cit. Págs. 22-25). Além de tudo, como conclui Radbruch, um direito incerto é também um direito injusto, pois não é capaz de assegurar a fatos futuros tratamento igual ( lê but du droit, apud Theophilo Cavalcanti Filho, o problema da segurança do direito, Ed. Ver. dos Tribunais, 1965, pág. 81). [94]

A ação declaratória de constitucionalidade visa combater esse estado de incerteza evidenciado pela existência de decisões discrepantes quanto à constitucionalidade da norma, até porque a insegurança pode resultar dos próprios pronunciamentos judiciais, como igualmente acentuou o citado parecer do Ministério Publico Federal:

"19.... a interpretação unívoca da ordem jurídica, como pondera Mario longo, constitui também uma exigência de certeza (Certezza Del Diritto in Novíssimo Digesto Italiano, Torino, UTET, vol. 3, s/d. págs. 128-129).Como previsibilidade da valoração jurídica da ação, nota Massimo Corsale, a certeza pressupõe, no agente, a consciência de fato de que os órgãos judiciais darão à norma geral e abstrata uma interpretação coincidente com a sua ( la certezza Del diritto, Milano, ª Guiffre, 1970, pág. 403), inclusive, evidentemente, no que diz respeito à questão em torno de sua legitimidade constitucional

(...)

21. A ação declaratória de constitucionalidade não é o meio adequado para dirimir qualquer duvida em torno da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, mas somente para corrigir uma situação particularmente grave de incerteza, suscetível de desencadear conflitos e de afetar, pelas suas proporções, a tranqüilidade geral.

22. Nessas hipóteses restritas, a espera da uniformização da jurisprudência, pela reitera aplicação ou recusa de aplicação da lei ou ato normativo aos casos concretos, prolongaria indefinidamente o estado de incerteza e é precisamente na correção preventiva dessa situação que a inovação apresenta maior transcendência. Considerou o legislador constituinte, segundo critérios de valoração jurídica e política, preponderante o interesse geral na solução imediata da controvérsia em torno da legitimidade constitucional da lei ou ato normativo e, portanto, na defesa da integridade da ordem jurídica, para impedir a ocorrência de danos irreparáveis, prevenir a ocorrência de lesões a direitos subjetivos, que poderiam resultar irremediáveis pelo decurso do tempo, e, ainda, assegurar o mesmo tratamento jurídico a situações idênticas, devendo lembrar-se que, sem esse instrumento, o próprio pronunciamento judicial encontraria, não raro, o obstáculo dos interesses criados e dos fatos consumados, à sombra de uma interpretação equivocada da controvérsia constitucional"

A insegurança jurídica só poderá advir de "pronunciamentos contraditórios da jurisdição ordinária sobre a constitucionalidade de determinada disposição", que abalem a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo federal.

Afirmou a Procuradoria Geral da República, em parecer na ADC nº 1/DF:

"o estado da incerteza é combatido direta e preventivamente, em processo autônomo, tomando-se a questão constitucional em si mesma, e não para a tutela de direitos subjetivos." [95]

O objetivo principal do processo entre outras tendências é, pois, a confirmação da ordem jurídica, em tutela da segurança jurídica. A finalidade da ação declaratória de constitucionalidade é afastar a incerteza jurídica e estabelecer uma orientação uniforme [96]

Como acentuou o parecer referido da Procuradoria-Geral da República, a finalidade da ação declaratória de constitucionalidade não é a de elucidar qualquer dúvida em torno da constitucionalidade de lei ou ato normativo, mas sim para corrigir incertezas que têm provocado ou são potencialmente geradoras de conflitos em série. A demora da uniformização da jurisprudência acarretaria maior incerteza, que deve ser prontamente combatida. [97]

2.3.1.2. Defesa da ordem jurídica

A ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo está inserida no sistema de controle em abstrato da constitucionalidade e também tem como objetivo a defesa da ordem jurídica, embora como objetivo decorrente. A ordem jurídica é abalada tanto no caso de aplicação de norma inconstitucional como no de recusa de aplicação de norma compatível com a lei fundamental, a pretexto de inconstitucionalidade. [98] É que a declaração de inconstitucionalidade, no controle difuso, de norma compatível com a Constituição Federal implica em conferir uma interpretação às normas constitucionais diversa do seu verdadeiro alcance, importando, por isso, em negação de vigência e efetividade a essas mesmas regras constitucionais.

A declaração de inconstitucionalidade de uma lei pode resultar da improcedência de uma ação declaratória de constitucionalidade ou da procedência de uma ação direta de inconstitucionalidade, importando em sua eliminação do mundo jurídico. [99]

Em qualquer caso, o Supremo Tribunal Federal atuará em defesa da ordem jurídica constitucional, seja quando declara a inconstitucionalidade de uma norma, expurgando-a do ordenamento jurídico, seja quando pronuncia a sua constitucionalidade,transformando a presunção relativa de sua constitucionalidade em presunção absoluta.

A efetividade desses instrumentos na defesa da ordem jurídica é garantida pela eficácia geral da decisão proferida nessas ações, declarando a validade ou invalidade da norma desde que ingressou no mundo jurídico. É ainda assegurada pelas medidas cautelares, que podem ser deferidas em ambas as ações, de forma a evitar que a aplicação ou desaplicação da norma, enquanto tem curso o processo, possa criar situações irreversíveis.

2.4. Aspectos processuais da ação declaratória de constitucionalidade

2.4.1. Procedimento: a Lei nº 9868/99

O procedimento da ação declaratória de constitucionalidade foi definido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 1-DF, mas a Lei 9868/99 passou a regê-lo, quanto à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade, em harmonia com o procedimento estabelecido pela Corte. [100]

Nos termos do artigo 14 da lei nº 9868/99, a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deve indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado, a causa de pedir e o pedido, com demonstração da existência de controvérsia judicial relevante em torno da aplicação da norma.

A petição inicial, em duas vias, deve ser acompanhada do instrumento de procuração ao advogado, se subscrita por este, bem como de cópia da lei ou ato normativo e da documentação necessária à comprovação do pedido.

Sendo inepta a petição inicial, por ausência de fundamentação ou por improcedência manifesta, o Relator poderá indeferi-la liminarmente. Dessa decisão cabe agravo ao Pleno do Supremo Tribunal Federal. [101]

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Não se admite desistência da ação declaratória de constitucionalidade [102], em face da indisponibilidade do objeto tutelado, nem intervenção de terceiros no processo [103].

Com o advento da Lei 9868/99, o relator poderá receber a manifestação de outros órgãos e entidades, bem como requisitar informações técnicas acerca do assunto discutido a peritos e aos Tribunais Superiores, federais e estaduais, comportando fase probatória. [104]

Compete ao Plenário da Suprema Corte, por maioria absoluta, proferir decisões na ação declaratória de constitucionalidade. Porém, o relator poderá decidir matérias de pequena grandeza, monocraticamente, como andamentos processuais, com o fim de obter maior celeridade no processo decisório. [105]

As decisões a serem proferidas em ação direta de inconstitucionalidade e em ação declaratória de constitucionalidade são tratadas conjuntamente na Lei 9868/99. Incabível a interposição de recursos, ressalvada a oposição de embargos de declaração. [106]

A constitucionalidade ou inconstitucionalidade somente pode ser proclamada pela maioria absoluta dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (seis votos), e o quorum mínimo é de oito Ministros para deliberação.

Fixa a lei nº 9868/99 o prazo de quinze dias para o pronunciamento do Procurador Geral da República. Diversamentedo que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, o Advogado Geral da União não se manifesta no processo.

Recebidos os autos do Procurador Geral da República, o Relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros e pedirá dia para julgamento. O Relator poderá requisitar informações, determinar exames periciais, tomar depoimentos e ainda solicitar informações aos Tribunais acerca de aplicação da norma questionada, que são realizadas no prazo de trinta dias. [107]

Vindo a ser deferida medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, deverá ser publicada a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias. Nesse caso, a ação deverá ser julgada no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de eficácia da medida. [108]

No julgamento, se não for obtida a maioria absoluta (seis Ministros) à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros que possam influir no julgamento, será este suspenso para aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido. [109]

Julgada a ação, far-se-á comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato [110]. Da decisão só são cabíveis embargos declaratórios, sendo, no mais, irrecorrível, não cabendo, por igual, ação rescisória [111].

Transitada em julgado a decisão, deverá ser publicada sua parte dispositiva no prazo de dez dias no Diário de Justiça e no Diário Oficial da União [112].

2.4.2. Pressupostos de cabimento da ADC

2.4.2.1. A presunção de constitucionalidade das leis

A Constituição fundamenta a validade de todas as normas infraconstitucionais. Ela disciplina o processo legislativo, os Poderes competentes e o procedimento a ser observado para a elaboração legislativa e torna vinculativos os seus comandos normativos. Se as leis e os atos normativos são obrigatórios em virtude da própria Constituição, segue-seque o controle de constitucionalidade só pode ser exercido nos termos em que admitido na própria lei fundamental. Só a Constituição, que disciplina a criação das leis e as torna obrigatórias, pode estabelecer os mecanismos de declaração de invalidade dessas leis, retirando-as do mundo jurídico.

No controle de constitucionalidade realizado pelo sistema concentrado, apenas o Tribunal indicado na Constituição pode declarar a inconstitucionalidade da lei, pois a lei goza de presunção de constitucionalidade, que só pode ser desfeita por um órgão competente delimitado pela Constituição. [113]

Na ação declaratória de constitucionalidade essa presunção está invertida, pois seu pedido é que seja declarada a constitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo federal que já nasceu com a presunção de sê-lo, de forma relativa. Diante da insegurança e incerteza jurídica instaurada, ocorre o descrédito em relação às leis, em vez de proteger os preceitos constitucionais. A decisão em ação declaratória de constitucionalidade cria uma presunção absoluta da constitucionalidade da norma, considerando a eficácia geral da decisão definitiva de mérito. [114]

A decisão do Tribunal é declaratória, porque se limita a proclamar a validade ou invalidade da lei desde que ingressou no mundo jurídico, com eficácia para todos, exatamente porque o controle não se realiza tendo em vista um caso concreto, mas sim a defesa da própria ordem jurídica. [115] O artigo 97 da Constituição Federal de 1988 [116], fixa o principio da reserva de plenário, garantindo que o pronunciamento do Tribunal, por quorum qualificado, efetivamente corresponda ao entendimento do colegiado, e não apenas de uma parte fracionária deste. [117]

Diga-se, aliás, que, mesmo no controle difuso, a inconstitucionalidade não poderá ser declarada por órgão fracionário de qualquer tribunal. Nessa modalidade de controle, entretanto, poderá o órgão fracionário reconhecer a constitucionalidade da norma.

2.4.2.2. Controvérsias relevantes em torno da constitucionalidade da norma

O pedido na ação declaratória de constitucionalidade é o de se ver reconhecida a legitimidade constitucional da norma federal. Em face da presunção de constitucionalidade das leis, só é cabível a ação diante de situação grave e relevante, que abale essa presunção. Não fosse assim, o Supremo Tribunal Federal estaria atuando não para dirimir uma controvérsia constitucional, mas sim como órgão de consulta, com violação do princípio da separação dos Poderes.

Em conseqüência, é pressuposto [119] de cabimento da ação a existência de controvérsias judiciais relevantes traduzida em uma multiplicidade de litígios acerca da constitucionalidade de determinada norma, o que afasta a alegação de ofensa ao princípio da separação dos poderes, pois o Poder Judiciário não age como órgão consultivo ou exercendo função homologadora. Deve restar configurada a situação de controvérsia hábil a afetar a presunção de constitucionalidade da lei. [120]

A intervenção reguladora, portanto, é possível na hipótese de grave ameaça à ordem e à segurança jurídica, diante de decisões conflitantes em torno da constitucionalidade da norma. [121]

Referindo-se à ação declaratória de constitucionalidade nº 8, relativa à contribuição de inativos e pensionistas para a Previdência Social (Lei 9783/99), Ivo Dantas "quantificou a demonstração da controvérsia judicial, afirmando a necessidade de que" [122]:

"o autor desde logo demonstre que se estabeleceu, em termos numericamente relevantes, ampla controvérsia judicial em torno da validade jurídica da norma federal (...) Mais do que a mera ocorrência de dissídio pretoriano seria preciso que a situação de divergência jurisdicional, caracterizada pela existência de um volume expressivo de decisões conflitantes, faça instaurar, ante o elevado coeficiente de pronunciamentos judiciais colidentes, verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade do sistema de Direito Positivo vigente no país".

Parece-nos que a existência de controvérsia judicial relevante não significa que deva ser sempre medida pela multiplicidade de litígios. É possível que poucos litígios sejam suficientes para indicar a possibilidade de que venha a ocorrer multiplicação das controvérsias. Por outro lado, poucos litígios podem recair sobre matériade tamanha relevância, que crie situação grave de insegurança jurídica. Para Gilmar Mendes, seria inadequado basear-se em aspectos quantitativos para caracterizar a insegurança jurídica, não bastando, para configurar a controvérsia, julgados contrários a lei objeto do controle.

2.4.3. O pedido

O pedido na ação declaratória de constitucionalidade deve ser dirigido à declaração de constitucionalidade da norma questionada. O pedido limita o objeto da causa, não podendo a sentença estender-se além do que foi pedido. Dessa forma, a eficácia objetiva da coisa julgada é limitada ao pedido na sentença [123].

No parecer proferido na ADC nº 1- DF, anotou a Procuradoria Geral da República:

"7. o nomem iuris da ação destaca o pedido, que deve ser dirigido no sentido de declaração da constitucionalidade da lei ou ato normativo. Nesse ponto, reside a primeira e mais relevante distinção entre essa nova modalidade de ação e a ação direta de inconstitucionalidade, pois, nesta ultima, o respectivo titular visa ao reconhecimento judicial da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo" [124]

Não pode a Corte ampliar o pedido na Ação Direta de Inconstitucionalidade, devendo restringir-se ao exame das normas impugnadas pelo proponente da ação. A ampliação do pedido importaria em reconhecer à Corte o poder de controle de ofício dos atos da legislatura, dando-se prevalência à função judiciária sobre a função legislativa, em afronta ao princípio da independência e harmonia dos poderes.

Ao elencar os órgãos legitimados para a ação, a Constituição Federal subordina o pronunciamento da Corte à prévia provocação, inadmitindo, portanto, o procedimento de oficio, inclusive mediante ampliação do pedido. Deve advertir-se, porém, que nos casos de inconstitucionalidade parcial, a Corte pode estender a declaração de inconstitucionalidade a outros dispositivos conexos ou dependentes, desde que considere que o legislador não adotaria essa solução desacompanhada da outra. [125]

2.4.4. A Causa de pedir

Dirigindo-se o pedido à declaração de constitucionalidade da norma questionada, a causa de pedir deve ser orientada no sentido de demonstração dessa pretensão, isto é, de sua legitimidade constitucional.

O artigo 14, inciso I, da lei 9868/99, dispõe que a petição inicial deverá indicar "o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido". Aí se encontra a exigência de indicação da causa de pedir ou causa petendi na ação declaratória de constitucionalidade. A demonstração objetiva da existência de controvérsias judiciais relevantes sobre a aplicação da norma prevista no inciso II do artigo 14 constitui pressuposto de admissibilidade da ação declaratória de constitucionalidade.

A situação de divergência jurisdicional, via de regra, é caracterizada por um volume expressivo de decisões conflitantes, configurando verdadeiro estado de insegurança jurídica, gerando perplexidade social e grave comprometimento da estabilidade do sistema de direito positivo vigente no país. [126]

Para que a ação seja proposta os legitimados devem deduzir as razões jurídicas no sentido constitucional da norma, demonstrando fundamentadamente a improcedência das argüições de inconstitucionalidade da norma, deduzidas nos casos concretos.O Supremo Tribunal Federal tem decidido que o proponente deve deduzir, na inicial, pretensão no sentido da declaração de constitucionalidade da norma.

O Supremo Tribunal Federal não está adstrito à fundamentação jurídica do proponente da ação direta, cabendo-lhe apreciar a constitucionalidade das normas impugnadas em face de toda a Constituição Federal. Por essa razão, não só a declaração de inconstitucionalidade como também a de constitucionalidade têm eficácia erga omnes, assim que transitam em julgado.

Não se admitem alegações genéricas, sem uma fundamentação razoável de constitucionalidade da norma. [127]

2.4.5. Medida Liminar

2.4.5.1. Cabimento

A Constituição Federal, no artigo 102, I, alínea p, contempla a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. A EC nº 3, de 1993, ao instituir a ação declaratória de constitucionalidade, não tratou de dispor sobre a medida para essa modalidade de ação.

O cabimento da medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC nº 4 – DF, em que se discutiu a legitimidade constitucional do artigo 1º da Lei nº 9494, de 1997, que estendeu à tutela antecipada as limitações estabelecidas na legislação para a concessão de liminares em mandados de segurança e para as medidas cautelares. [128]

Decidiu a Corte conceder a medida cautelar "para se suspender, ex nunc, e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade do artigo 1º da Lei 9494/97, sustando-se, igualmente ex nunc, os efeitos das decisões já proferidas nesse sentido" [129]

Posteriormente, a Lei nº 9868, de 1999, dispôs sobre a medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade, na linha do precedente do Supremo Tribunal Federal, prescrevendo em seu artigo 21:

"Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia."

O conteúdo da medida cautelar já está predeterminado na disposição transcrita: suspensão do julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação. A fórmula está vinculada à própria razão de ser da ação, que é a de superar dúvida quanto à constitucionalidade da norma, traduzida em litígios judiciais, para que, decidida a controvérsia pela Suprema Corte, não mais persistam divergências judiciais.

Devido aos grandes danos que a suspensão dos processos poderiam provocar frente à medida cautelar, o julgamento da ação deverá ocorrer em até cento e oitenta dias a partir da concessão, sob pena de perda de sua eficácia. [130]

O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido do descabimento de desistência da ação direta de inconstitucionalidade e do pedido de medida cautelar, diante da indisponibilidade do objeto tutelado. Esse posicionamento foi confirmado pela Lei 9868/99 que impede a desistência em ação direta. [131]

2.4.5.2. Alcance

Na ação declaratória de constitucionalidade, a concessão da medida liminar produzirá efeito suspensivo imediato, impedindo que outros órgãos judiciários apreciem sua legitimidade. Esse é o efeito vinculante inerente à ação declaratória de constitucionalidade. [132]

O indeferimento da medida cautelar não produz qualquer efeito nos litígios concretos, mas sua concessão acarreta a suspensão do julgamento de qualquer processo em andamento, até a decisão final da ação declaratória de constitucionalidade. [133]

Se uma norma estiver sendo impugnada de forma difusa, o julgador deverá cumprir o que foi decidido liminarmente em controle concentrado. Poderá, também, suspender o julgamento do processo até a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, diante da possibilidade de revogação da liminar. [134]

Parte da doutrina entende que os efeitos vinculante e erga omnes somente são gerados nas decisões definitivas de mérito. Essa não é a orientação do Supremo Tribunal Federal, salvo o posicionamento dos Ministros Marco Aurélio e Ilmar Galvão. O Ministro Marco Aurélio manifesta-se nos seguintes termos [135]:

"No citado parágrafo tem-se o efeito vinculante relativamente às decisões definitivas de mérito e com ela são inconfundíveis as liminares, sempre precárias e efêmeras, sempre submetidas à condição resolutiva, ou seja, à possibilidade de, no julgamento de fundo, vir-se a concluir de forma diametralmente oposta." [136]

O efeito vinculante conferido à medida cautelar é imprescindível para a efetividade do sistema de controle concentrado de normas, pois as decisões proferidas nos casos concretos continuariam produzindo julgados discordantes, agravando o estado de incerteza e de insegurança pública. [137] A concessão de medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade tem respaldo na Constituição com prevalência sobre o poder de cautela do juiz do caso concreto. [138]

2.4.6. A Decisão de mérito na Ação Declaratória de Constitucionalidade

2.4.6.1. Natureza Jurídica da decisão

A ação declaratória de constitucionalidade, como a ação direta de inconstitucionalidade, insere-se no sistema de controle concentrado de constitucionalidade das normas. O Supremo Tribunal Federal aprecia a constitucionalidade em abstrato, como objeto exclusivo do processo, e não em tutela de direitos subjetivos nos processos judiciais dos casos concretos, nos quais a mesma controvérsia constitucional deva ser resolvida em via incidental. [139]

Tendo a ação por objeto unicamente o pronunciamento sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal em tese, a decisão final de mérito limitar-se-á a declarar a sua legitimidade constitucional ou a sua inconstitucionalidade, afirmando a existência ou não de vício desde que editados, quanto à formação ou ao conteúdo da lei ou ato normativo, sendo manifesto, assim, o seu caráter declaratório.

Os eventuais vícios de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, com efeito, ou se referem à observância das regras constitucionais concernentes ao processo legislativo (competência ou processo legislativo) ou ao seu próprio conteúdo, por incompatibilidade material com a Lei Maior. Em qualquer caso, trata-se de questão referente à existência ou não de vício da lei ou ato normativo desde que ingressaram no mundo jurídico, tendo a decisão, portanto, natureza declaratória, e não constitutiva.

Há casos em que o Tribunal, diante de duas interpretações da norma jurídica, uma das quais incompatível com a Constituição, acolhe a interpretação conforme à Constituição, vetando aquela que conduziria à inconstitucionalidade.

A "vontade do legislador" e a expressão literal da lei constituem limitações técnicas da interpretação conforme a Carta Magna. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que: "a interpretação conforme a Constituição, quando fixada no juízo abstrato de normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade". [140]

Fixada a interpretação conforme a Constituição, a decisão terá efeito vinculativo para os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo [141], que deverão necessariamente, adotá-la, afastando a interpretação contrária ao texto constitucional.

Quando a Corte Constitucional se limita a declarar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, sem alteração das expressões literais do texto legal, resta configurada a chamada declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. [142]

Também nesse caso, a decisão do Supremo Tribunal Federal tem natureza declaratória e efeito vinculativo para excluir a aplicação da lei a determinadas situações.

2.4.7. Recursos

Segundo a lei 9868/99, que regula o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, as decisões proferidas em qualquer dessas ações são irrecorríveis, ressalvada a interposição de embargos de declaração. [143] O artigo 26 da Lei 9868/99 dispõe:

"Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória"

Se a ação declaratória de constitucionalidade vier a ser julgada procedente, não caberá mais questionamento futuro sobre a legitimidade constitucional da lei ou ato normativo. Se julgada improcedente, a pronúncia de inconstitucionalidade importará na exclusão da norma do mundo jurídico.

Em qualquer caso, a decisão final de mérito na ação declaratória de constitucionalidade não pode ser desconstituída mediante ação rescisória, porque, assim que transitada em julgado, tem eficácia geral e caráter vinculativo para todos os juízes e tribunais, inclusive para o próprio Supremo Tribunal Federal. Isso, hoje, está expresso na parte final do art. 26 da Lei 9868/99.

Na Ação Rescisória nº 878, já destacava nesse ponto, o Ministro Moreira Alves, referindo-se à ação direta de inconstitucionalidade:

"por ser ela instrumento de controle político da constitucionalidade da lei em tese, e não estritamente meio de prestação jurisdicional, não se me afigura possível sujeita-la à ação rescisória prevista no Código de Processo Civil"

O procedimento relativo à ação declaratória de constitucionalidade é marcado pela irrecorribilidade. As exceções são os embargos de declaração, admitidos da decisão final de mérito, e o agravo de instrumento da decisão que indeferir a petição inicial por inépcia [144].

2.4.8. Os efeitos da decisão na ADC

2.4.8.1. Eficácia erga omnes

Nos termos do § 2º, do artigo 102 da Constituição [145], as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal, nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, estando assim compelidos à sua observância todos os órgãos governamentais e judiciários. [146]

A eficácia contra todos ou eficácia erga omnes, aliás, decorre da própria natureza do processo do controle abstrato de normas, compreendendo a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, porque constituem instrumentos constitucionais que garantem a integridade e unidade da ordem jurídica, de forma a preservar as normas constitucionais e excluir do mundo jurídico as inconstitucionais.

Essa eficácia contra todos, afirmada na própria Constituição quanto à ação declaratória de constitucionalidade, por isso mesmo, é reconhecida a ambas essas modalidades de ação no artigo 28 da Lei nº 9868, de 1999.

A eficácia geral não se limita ao controle concentrado. No controle difuso, na apreciação de um recurso extraordinário, de um recurso ordinário ou de causa de sua competência originária, o Supremo Tribunal poderá declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei. Desde a Constituição Federal de 1934, a decisão do Supremo acerca da inconstitucionalidade de uma lei deve ser comunicada ao Senado Federal para que suspenda a execução da parte viciada de inconstitucionalidade. [147]

O Senado Federal não está vinculado à suspensão da execução da lei, exercendo, em realidade, competência discricionária. É ato político, não estando sujeito a prazo, podendo o Senado suspender a execução da lei, no todo ou em parte, de acordo com o pronunciamento do STF, ou simplesmente não suspendê-la. A suspensão de execução da lei pelo Senado importa em atribuir eficácia geral à decisão do STF e só ocorre nas hipóteses de controle incidental, e não quando a inconstitucionalidade houver sido pronunciada em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade. [148]

Se as decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade ou em ação declaratória de constitucionalidade têm eficácia contra todos, pareceria incabível nova ação tendente à declaração de constitucionalidade da mesma norma, já declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Gilmar Mendes, contudo, admite o ajuizamento de nova ação direta de inconstitucionalidade nos casos de mudanças das circunstancias fáticas ou de relevante alteração das concepções jurídicas dominantes.

2.4.8.2. Eficácia vinculante

Além da eficácia contra todos ou erga omnes a EC nº 3/93 atribuiu efeito vinculante às decisões definitivas de mérito do Supremo Tribunal federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade.

Essa inovação importou em admitir-se reclamação diretamente ao Supremo Tribunal Federal em caso de decisão contrária dos órgãos judiciários em geral. Em parecer na ADC nº 1 – DF, anotou a Procuradoria Geral da República: [149]

"26. A sentença proferida na ação declaratória de constitucionalidade, em realidade, tem efeito vinculante para os órgãos do poder Judiciário, de modo que, no julgamento dos casos concretos, em que a mesma questão constitucional deva ser decidida incidenter tantum, o juiz ou tribunal competentes deverão observar aquele pronunciamento. Decisão em sentido contrário constitui afronta à autoridade do julgado do Supremo Tribunal Federal, que pode ser proclamada pelas instancias superiores nos julgamentos dos recursos, ou mesmo por via de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, na forma dos arts. 156 a 162 do Regimento Interno"

O Ministro Moreira Alves, relator da ADC nº 1 – DF, por sua vez, acentuou:

"Se os órgãos do Poder judiciário, nos casos concretos sob seu julgamento, não respeitarem a decisão prolatada nessa ação, a parte prejudicada poderá valer-se do instituto da reclamação para o Supremo Tribunal Federal, a fim de que este garanta a autoridade dessa decisão." [150]

O efeito vinculante das decisões nas ações declaratórias de constitucionalidade parecia ser outro ponto de distinção relativamente às ações diretas de inconstitucionalidade. A Lei nº 9868, de 1999, porém, atribuiu efeitos vinculantes às decisões proferidas em ambas essas ações, estabelecendo em seu art. 28, parágrafo único:

"Art. 28

(...)

Parágrafo Único. – A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal"

Esse dispositivo foi impugnado em ação direta de inconstitucionalidade, tendo o Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido por sua constitucionalidade, razão pela qual não há dúvida de que o efeito vinculante constitui atributo tanto das decisões definitivas de mérito nas ações declaratórias de constitucionalidade quanto nas ações diretas de inconstitucionalidade. [151]

Em razão do efeito vinculante, as decisões de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal devem ser observadas e cumpridas pelos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo. [152] Não está vinculado, porém, o Poder Legislativo, que tem o poder de editar nova norma com o mesmo conteúdo de outra declarada inconstitucional. [153] Nesse caso, só mediante nova ação direta pode ser declarada a inconstitucionalidade da lei.

2.4.8.3. Eficácia ex tunc

Na Assembléia Constituinte de 1986-88, foi questionada a competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal para decidir acerca do termo inicial dos efeitos da decisão que pronuncia a inconstitucionalidade, se ex tunc, retroagindo à data da publicação da lei, ou ex nunc, que não teria caráter retroativo, mas sim a partir da publicação da decisão. Prevaleceu a orientação que "considera nula ipso jure e ex tunc a lei inconstitucional" [154]

A decisão que reconhece a inconstitucionalidade é declaratória e, de acordo com a maior parte da doutrina brasileira, lei inconstitucional é lei nula de modo que deve retroagir ao seu nascimento, impedindo qualquer produção de efeitos válidos. No controle incidental e difuso, o juiz, ao reconhecer a inconstitucionalidade de uma norma, deverá dar a ela eficácia retroativa, ou seja, eficácia ex tunc, restrita, porém, às partes no processo. [155]

O juiz do caso concreto deve negar a aplicação e o individuo pode recusar-se à observância de lei inconstitucional. Lei eivada de inconstitucionalidade não pode produzir efeitos válidos, é nula desde que ingressou no mundo jurídico.

A declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, portanto, tem efeitos ex tunc. Os atos jurídicos praticados com fundamento na norma declarada inconstitucional, em regra, são alcançados pela decisão. Alguns atos, porém, não são atingidos pela decisão. Afirma Gilmar Mendes: [156]

"Embora a ordem jurídica brasileira não contenha regra expressa sobre o assunto e se aceite, genericamente, a idéia de que o ato fundado em lei inconstitucional está eivado, igualmente, de iliceidade, concede-se proteção ao ato singular, procedendo-se à diferenciação entre o efeito da decisão no plano normativo e no plano do ato singular mediante a utilização das fórmulas de preclusão"

A doutrina dominante e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estão orientadas no sentido da nulidade da lei inconstitucional. Mas em determinadas situações excepcionais a própria Suprema Corte mantém os efeitos decorrentes da aplicação da lei inconstitucional, porque a retroação da decisão declaratória de inconstitucionalidade, em alguns casos, terminaria por produzir alterações mais graves, nas relações jurídicas.

Assim, por exemplo, os atos praticados por servidores admitidos no serviço público com apoio em lei declarada inconstitucional, são considerados válidos, tendo em vista a presunção de legitimidade das leis e a necessidade de resguardar a situação jurídica dos terceiros de boa-fé. Ou ainda a manutenção dos vencimentos de servidores sempre determinados com base em equiparação de vencimentos, proibida no art. 37, XIII, da Constituição. Nesses casos, em que a retroação levaria a uma lacuna quanto à remuneração dos cargos correspondentes, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade com efeitos ex nunc.

Assinala Gilmar Mendes que impossível seria atribuir às decisões efeitos ex tunc em todas as situações, ficando a cargo dos julgadores determinar seu efeito na própria decisão. Isso porque podem ocorrer decisões em que a declaração de nulidade seja inadequada ou ocorra a lacuna resultante da declaração de nulidade que possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional. [157]

O artigo 27 da Lei 9868, de 1999, traz regra inovadora nesse sentido, verbis:

"Art. 27 – Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado."

A constitucionalidade dessa norma foi impugnada em ação direta de inconstitucionalidade, que se encontra pendente de julgamento o Supremo Tribunal Federal. Parece, porém, que essa regra não pode ser interpretada como se tivesse concedido poder discricionário amplo ao Tribunal, porque, salvo casos excepcionalíssimos, não tem o poder de declarar constitucional por algum tempo lei inconstitucional, nula desde que editada.

O art. 27 da lei 9.868/99 atribui ao STF o poder de restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

A decisão declaratória de inconstitucionalidade, em regra, tem eficácia ex tunc, isto é, desde que editada a lei ou ato normativo, razão pela qual, numa análise mais apressada, a regra legal seria inconstitucional.

Suponha-se, entretanto, que determinada lei tenha duplicado os prazos recursais e, decorrido certo tempo, venha a ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Um outro exemplo: suponha-se que a remuneração dos membros do Ministério Público Estadual tenha sempre sido fixada por equiparação com os vencimentos da Magistratura do mesmo Estado e que a Supremo Corte venha a declarar a inconstitucionalidade dessa equiparação, que é vedada na Constituição.

No primeiro caso, atribuir-se eficácia ex tunc à declaração de inconstitucionalidade importaria em tornar intempestivos os recursos interpostos nos prazos previstos na lei então vigente. No segundo caso, a eficácia ex tunc importaria em considerar a existência de cargos sem os vencimentos correspondentes.

Nesses dois exemplos, não há dúvida de que o Supremo Tribunal Federal poderá e mesmo deverá atribuir eficácia ex nunc às decisões, sob pena de criar situações afrontosas à própria Constituição Federal, de grande insegurança jurídica.

Parece, assim, que a solução é a de interpretação conforme à Constituição, para admitir a validade do preceito relativamente a casos excepcionais, em que a eficácia retroativa levaria a criar situações contrárias à própria Lei Maior, não se reconhecendo, porém, à Corte Suprema um poder discricionário absoluto, de forma a conferir-lhe atribuição de legislador constituinte para validar regra legal inconstitucional durante o período compreendido entre a sua edição e a declaração de inconstitucionalidade.

Seja como for, a declaração de constitucionalidade não alcança todas a s situações entre as quais as cobertas pela coisa julgada, as atingidas pela prescrição ou pela decadência. [158]

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Sobre a autora
Cecilia Alencar Machado da Silva Cavalcante

bacharel em Direito em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Cecilia Alencar Machado Silva. Ação declaratória de constitucionalidade.: Uma análise do instituto no contexto do controle jurisdicional de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 785, 27 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7181. Acesso em: 17 abr. 2024.

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