Para o quê deve atentar a vital fiscalização dos conselhos municipais de saúde.

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Resumo:


  • Após o emprego, a saúde se tornou a maior demanda dos brasileiros, com a maioria utilizando o SUS.

  • O desemprego tem levado pessoas a cancelarem planos privados de saúde, aumentando a demanda por serviços públicos.

  • Os conselhos de saúde são essenciais para a efetividade das políticas de saúde, atuando no controle social e na fiscalização das ações municipais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1-     Apresentação 

Depois do emprego, a saúde tem sido a maior demanda dos brasileiros, que, em grande maioria (70%), utilizam a rede pública do SUS – Sistema Único de Saúde. 

E o desemprego tem feito com que as pessoas cancelem planos privados de assistência médica, voltando a demandar a saúde pública, gerenciada em razoável parte, pelos governos municipais, aqui destacada a ênfase descentralizadora da Constituição, quer dizer, as ações de saúde têm direção única em cada esfera de governo (art. 198, I). 

Além disso, a Lei Maior quer a saúde um direito universal e igualitário, sendo isso prestação obrigatória do Poder Público (art. 196), mas, de outra parte, sabido e consabido que, nas unidades públicas, os pacientes sofrem, por vários dias, em macas instaladas nos corredores; faltam médicos, material de enfermagem e medicamentos; é enorme, e às vezes letal, o tempo para se conseguir consultas, exames e, sobretudo, cirurgias. 

De seu lado, a legislação tem no controle social um fundamental instrumento para a efetividade das políticas de saúde. 

Não por acaso, o conselho de saúde é um dos dois colegiados que compõem o SUS; veja-se o que diz a Lei n.º 8.142, de 1990: 

Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:

I - a Conferência de Saúde; e

II - o Conselho de Saúde. 

Em 2007, o Ministério da Saúde realizou pesquisa, nisso constatando que todos os municípios brasileiros possuem conselhos de saúde, o que agrega 87 mil conselheiros. Afinal, para se habilitar a qualquer uma das formas de gestão e, receber os dinheiros SUS, o município deve comprovar plena operação do conselho de saúde (art. 22, I, da Lei Complementar nº 141, de 2012). 

A despeito de suas várias e muitas deficiências, o conselho de saúde, se comparado a colegiados congêneres, tem se revelado mais ativo e articulado; afinal, lida com a vida humana, tornando-se, após a Constituição de 1988, obrigatório espaço de proposição e controle de políticas estatais. Mais efetivo, portanto, que os conselhos do Fundeb, criança e adolescente, alimentação escolar, assistência social, idoso, entre outros. 

Tendo em vista a crescente descentralização das políticas públicas de saúde, as importantes atribuições concedidas pela legislação, a proximidade e o conhecimento das ações municipais de saúde, a impossibilidade de que lhe soneguem documentos ou visita aos locais de atendimento, ante tais razões o conselho municipal de saúde tem papel fundamental no desenvolvimento das respectivas políticas públicas, faltando-lhe contudo treinamento mais prático sobre os procedimentos a serem efetivados na ação concreta. 

Feitas essas considerações preliminares, de assinalar que este artigo mostrará, de forma objetiva e simplificada, como se dá o financiamento da saúde municipal, oferecendo, como ponto fundamental, roteiro prático para o conselho municipal de saúde fiscalizar a operação do setor, bem como a adequada aplicação do dinheiro público.  


2-     O conselho municipal de saúde 

Instituído por lei local, o Conselho Municipal de Saúde tem representação paritária, quer dizer, a sociedade faz-se representar de modo equivalente aos prestadores de serviço e trabalhadores do setor. Prova disso é a composição determinada na Resolução nº 333, de 2003, do Conselho Nacional de Saúde: 

§  50% dos cargos para os usuários dos serviços de saúde (representantes de entidades e movimentos sociais que demandam o SUS);

§  25% dos cargos para os trabalhadores da saúde (representantes de entidades de profissionais da saúde);

§  25% dos cargos para os prestadores de serviços (Prefeitura e entidades privadas com atividades na saúde do município). 

Naquela contraparte social (50%), o conselheiro faz a essencial ligação entre o Conselho e o grupo que representa na comunidade, trazendo questões talvez desconhecidas dos governos municipais. 

Nenhum conselheiro será remunerado. O Ministério da Saúde sugere mandato de dois anos, não coincidente, sempre que possível, com o do Prefeito. 

Em síntese, os conselhos municipais detêm os seguintes encargos: 

a)     Participar da formulação do programa anual de saúde;

b)     Fiscalizar a execução dessa programação, quer no tocante ao adequado financiamento, quer quanto à eficiência operacional;

c)      Aprovar as propostas orçamentárias do setor, não apenas a que figura na lei orçamentária anual, mas, de igual modo, às que comparecem no plano plurianual (PPA) e na lei de diretrizes orçamentárias (LDO) [1];

d)     Aprovar, mediante parecer conclusivo, o relatório anual de gestão da saúde local, encaminhado pela Prefeitura até o dia 30 de março;

e)     Avaliar a conveniência e a realização dos contratos e convênios assinados pelo Município;

f)       Acompanhar e controlar a atuação do setor privado conveniado;

g)     Encaminhar denúncias aos vereadores, ao controle interno do Município e ao respectivo tribunal de contas;

h)     Receber informação do Ministério da Saúde sobre descumprimento da legislação, sobretudo a da Lei 141, de 2012.

i)       Organizar a conferência municipal de saúde [2] 

Não bastasse isso, o conselho municipal, a cada quadrimestre, avalia a gestão local de saúde, com base em relatório que informa as receitas aplicadas, as eventuais auditorias em andamento, bem como a oferta de serviços em confronto com os específicos indicadores SUS. 

A propósito, sobredito relatório é depois apresentado na Câmara dos Vereadores, mediante audiências públicas realizadas em maio, setembro e fevereiro. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) exige que o Conselho lhe envie as respectivas atas e pareceres. 

E o Conselho Nacional de Saúde determina que os conselheiros se reúnam, ao menos, uma vez por mês, em eventos abertos ao público. 

Considerando que, entre todas as despesas, a de pessoal é que mais pesa na saúde pública, o TCESP requer que o conselho municipal ateste as folhas de pagamento do setor; isso para inibir a inclusão de funcionários em desvio de função (ex: médicos que atuam no gabinete do prefeito). 

De ressaltar que um fortalecido conselho municipal de saúde poderia auxiliar as prefeituras na redução das elevadas despesas de judicialização, oriundas das hoje habituais ordens da Justiça para a Administração custear medicamentos ou dispendiosos tratamentos médicos a cidadãos que interpõem pedidos judiciais. Com base na experiência sobre a realidade local da saúde pública, os conselheiros participariam de comitê que reunisse o secretário municipal de saúde, o juiz e o promotor, com a finalidade de estabelecer prioridades e limites naquelas custosas demandas judiciais. 


3-     O financiamento da saúde municipal 

Tal qual já se fazia, desde 1934, com o ensino público, a Emenda Constitucional n.º 29, de 2000, atrelou parte da receita de impostos, próprios e transferidos, para a Saúde, assegurando efetiva participação orçamentária de Estados e Municípios no Sistema Único de Saúde – SUS (art. 198, § 1º). 

Nesse rumo, os municípios ficaram obrigados a aplicar, anualmente e a partir de 2004, 15% da receita de impostos ou fundo de impostos, seja a arrecadação própria, seja a transferida pela União e Estado. 

Doze anos depois, em 2012, a Presidência da República sanciona, com 15 vetos, instrumento regulatório, solicitado naquela Emenda 29. 

Eis a Lei Complementar nº 141, que dispõe sobre o financiamento do setor, estabelecendo o que é e o que não é despesa típica da saúde, bem assim os critérios de repasse entre governos, a transparência, o controle e a prestação de contas. 

E tal diploma reiterou aquele percentual mínimo da Emenda 29; os tais 15% de impostos que as prefeituras devem reverter, todo ano, para a área em questão. Antes dele, aquele mínimo incidia somente nos impostos literalmente enunciados na Constituição (art. 198, § 2º, II e III). Desta feita, ampliou-se a base de financiamento, adicionando-se receitas de compensação financeira e de fundos amparados em impostos, além da dívida ativa e os juros e as multas decorrentes de tributos pagos em atraso. 

Assim, confere-se à Saúde elasticidade de financiamento assemelhada à da Educação, setor que, como se sabe, vincula fração da “receita resultante de impostos” (art. 212 da CF). 

Vai daí que o piso da saúde passou a abranger os recursos compensatórios da Lei Kandir (Lei nº 87, de 1996), bem como o 1% de FPM recebido, adicionalmente, em julho e dezembro (art. 159, I, “d” da CF) e os ocasionais auxílios federais pela queda no repasse do Fundo de Participação dos Municípios - FPM. 

De mais a mais, o novo ordenamento resolve a controvérsia alusiva à parcela retida pelo Fundo da Educação Básica, o Fundeb (20%); a polêmica se dava porque, no padrão nacional dos balanços públicos, os impostos vinculados àquele Fundo [3] são reduzidos, em 20%, por uma conta redutora, subtrativa, diminutiva. 

Então, a partir da Lei 141 não resta mais dúvida: 20% do Fundeb compõem, sim, o valor sobre o qual se calcula o financiamento mínimo da saúde, mesmo que parte daquele percentual não adentre, de fato, os cofres municipais, conquanto perdido para outro Estado ou Município, com maior rede própria de educação básica [4]

Bem confirmando esse entendimento, assim diz a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), no Manual de Demonstrativos Fiscais (7ª edição): 

“Não poderá ser deduzida da base de cálculo das receitas, para fins de apuração dos percentuais de aplicação em ASPS (ações e serviços públicos de saúde), quaisquer parcelas de impostos ou transferências constitucionais vinculadas a fundos ou despesas, aí se incluindo a receita vinculada ao Fundo de Combate à Pobreza ou ao FUNDEB”. 

Em que pese a importância da tal Lei 141, incorreu ela num vacilo: a possibilidade da despesa não processada já contar no financiamento mínimo (os 15% anuais), desde que conte ela com lastro financeiro. É assim porque, ainda não processado, o gasto é somente um documento formal, que ainda não significou, de fato, bens e serviços para a saúde. Tanto é verdade que, em contabilidade pública, essa dispêndio sequer integra o balanço patrimonial, além do que o tal suporte financeiro não é garantia segura, pois facilmente transferido para outra conta bancária; com um simples toque de computador. 

Além dos 15% de impostos, próprios e transferidos, a saúde conta com recursos adicionais, as chamadas fontes suplementares; eis as obrigatórias e periódicas transferências SUS, os repasses voluntários da União e do Estado, os rendimentos das contas do fundo municipal de saúde, as multas da vigilância sanitária, entre outras que devem ser integralmente aplicadas em ações da área em debate (100%). 

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Os repasses SUS nada têm de voluntários; são, por força de lei, compulsórios, obrigatórios. De fato, essas transferências não podem ser retidas pela União, a menos que o governo local indisponha de conselho e fundo de saúde (art. 22, da sobredita Lei 141). 

E, a partir de 2018, os recursos SUS não mais estão amarrados, de forma rigorosa, aos programas da saúde, mas a custeio e a investimento, o que facilita, sobremaneira, a gestão financeira, lembrando que, antes, sobrava dinheiro em algumas ações, faltando em outras. 

Apesar dessa flexibilização financeira, a aplicação continua submetida ao plano municipal de saúde, nele previsto as ações que acontecerão nos programas SUS: Atenção Básica; Atenção de Média e Alta Complexidade; Vigilância em Saúde; Saúde da Família; Agentes Comunitários; Assistência Farmacêutica – Básica; Assistência Farmacêutica – Excepcional. 

Muito embora o Ministério da Saúde, mediante o SIOPS, e os Tribunais de Contas disponham de fórmulas para cálculo eletrônico do piso constitucional, não é demais saber que a apuração, em síntese, se dá como segue: 

Despesas empenhadas, liquidadas e pagas à conta das subfunções da Função 10 – Saúde.

R$

(+) Despesas empenhadas e não liquidadas com suporte financeiro nas contas do fundo municipal de saúde.

R$

(+) Cancelamento ou prescrição de Restos a Pagar da Saúde (despesas empenhadas em anos anteriores).

R$

(-) Receitas adicionais da Saúde (*)

 

 

(/) receita de impostos (próprios e recebidos por transferência) MAIS dívida ativa de impostos MAIS Retenção para o Fundeb MAIS compensação financeira da Lei Kandir MAIS 1% adicional de FPM (julho e dezembro).

R$

(=) percentual de aplicação em ações e serviços de saúde (no mínimo, 15% da receita de impostos).

%

(*) repasses do SUS; transferências voluntárias da União e do Estado; rendimentos das contas bancárias do fundo municipal de saúde; multas da vigilância sanitária. 

3.1- O braço financeiro do Conselho Municipal de Saúde  

Para a Lei 141/2012, o fundo municipal de saúde é a unidade orçamentária que movimenta todos os dinheiros da saúde local (art. 14).

Segundo a 7ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN): 

“Ressalta-se que os fundos de saúde necessitam ser cadastrados no CNPJ na condição de matriz. Essa exigência não lhes altera a natureza, ou seja, não lhes confere personalidade jurídica, restando claro que fundo não é sujeito de direitos, não contrata, não se obriga, não titulariza obrigações jurídicas, conforme estabelece o Parecer PGFN/CAF/N.º 1396/2011. Por essa razão, os fundos de saúde não praticam atos de gestão ou quaisquer outros que demandem personalidade jurídica própria, como firmar contratos administrativos ou a contratar pessoal, por exemplo, e não detêm a propriedade dos recursos que por ele tramitam, sendo o patrimônio afetado ao fundo para a realização dos seus objetivos. No entanto, os fundos de saúde necessitam demonstrar a disponibilidade de caixa e a vinculação de recursos, bem como elaborar demonstrações contábeis segregadas, visando atender às regras restabelecidas no parágrafo único do art. 8º e nos incisos I e III do art. 50 da Lei Complementar nº 101/2001”. 

Sobre aquele mecanismo orçamentário-financeiro, o chamado fundo especial, não é demais lembrar que está regulado na Lei 4.320, de 1964, e, também, na Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Em suma, fundo especial: 

Ø     É sempre instituído por lei, de exclusiva iniciativa do Poder Executivo;

Ø É financiado por receitas especificadas naquela lei; daí sua autonomia financeira;

Ø     É vinculado estritamente às atividades para as quais foi instituído;

Ø Findo o exercício financeiro, eventuais sobras monetárias continuam pertencendo ao fundo, ou seja, não serão recolhidas ao Caixa Central do Município;

Ø     Dispõe de orçamento próprio, denominado plano aplicação;

Ø     Conta com normas especiais de controle e prestação de contas. 

Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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