Para o quê deve atentar a vital fiscalização dos conselhos municipais de saúde.

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4-     A eficiência operacional da saúde municipal 

Em boa parte dos casos, o Município aplica muito mais que o piso constitucional de 15%, mas a saúde local apresenta-se precária. De fato, são pouquíssimas as prefeituras que têm contas reprovadas por falta de atingimento daquele percentual mínimo. 

De outro lado, estudos acadêmicos têm concluído que, na educação e na saúde, vários municípios realizam eficiente atendimento, apesar de gastarem menos que outras localidades. Dito de outra maneira, fazem “mais com menos”. 

Assim, para aferir a efetividade das políticas municipais de saúde, é preciso recorrer a indicadores consagrados como o item saúde do Índice de Desenvolvimento Humano-Município (Idh-M), além dos produzidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), notadamente o essencial Índice de Desempenho SUS, o Idsus, que afere nada menos que 27 (vinte e sete) aspectos da área em questão, seja quanto ao acesso da população, seja quanto à efetividade das ações desenvolvidas. 

E a qualidade da saúde é também verificada pelo nível de atuação dos conselhos de saúde, o que pressupõe um eficiente e contínuo treinamento dos conselheiros. 

Fundamental que o conselheiro saiba dos problemas de saúde da população, da quantidade de atendimentos realizados, das especialidades oferecidas, das carências materiais e humanas, do tempo de ocupação dos leitos hospitalares, da procura em municípios vizinhos com melhor qualidade de atendimento. 


5-     A primeira função fiscalizatória do Conselho Municipal de Saúde – a eficiência operacional da saúde municipal (estudos e visitas nos locais de atendimento) 

De início, o Conselho deveria estudar a evolução do Município nos sobreditos indicadores da saúde. 

Depois, verificar se estão sendo, de fato, cumpridas as metas físicas estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias – LDO, seja no que diz respeito à construção de instalações, seja quanto ao prometido número de atendimentos. 

Em seguida, é absolutamente fundamental que os conselheiros visitem as unidades de atendimento, quer as unidades básicas (UBS), as de pronto de atendimento (UPAs) e os hospitais. O produto dessas inspeções será anotado em relatório. 

Para tal missão, de lembrar que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) vem realizando auditorias-surpresa em unidades de atendimento médico, nisso detectando várias falhas na gestão da saúde municipal, que serão levadas ao relatório que aprecia a gestão anual do Prefeito. 

Nessa marcha e aproveitando roteiro metodológico daquela Corte de Contas, os conselheiros de saúde poderiam ser valer dos seguintes quesitos em suas visitas às UBS, UPAs e hospitais: 

§  Qual o tempo de espera para atendimento do paciente, após entrada na unidade de saúde? (obs.: TCESP obteve uma média de 65 minutos);

§  Dentre as especialidades médicas oferecidas, há médicos para atender a todas elas?

§  Existe atendimento diferenciado para os casos com suspeita de dengue, chikungunya e febre amarela?

§  A Prefeitura realiza pesquisa de satisfação com usuários? Qual o resultado nela aferido?

§  Há controle de frequência de todos os funcionários, inclusive dos médicos? De que forma (manual? ponto eletrônico? digital?)?

§  São boas as condições da sala de espera (cadeiras, ar condicionado, ventilador, iluminação etc.)?

§  Há agendamento prévio das consultas?

§  Existe atendimento preferencial para idosos e portadores de deficiências físicas?

§  Em média quanto tempo leva o médico para atender o paciente? (obs.: o TCESP encontrou média de 36 minutos)

§  A jornada de trabalho dos médicos, enfermeiros e demais funcionários está afixada em local visível da UBS, UPA ou hospital?

§  Sempre há médico no plantão noturno?

§  Nas UBS, UPAs e hospitais existe equipamentos em desuso (Raio X, mamógrafo, tomógrafo, entre outras máquinas)?

§  Os resíduos infectantes são separados do restante dos resíduos hospitalares?

§  A coleta de lixo hospitalar é terceirizada? 

E, ainda aproveitando a metodologia do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), os conselheiros de saúde deveriam inspecionar o almoxarifado de medicamentos (farmácia municipal), valendo-se dos seguintes quesitos:

a)                      A farmácia sempre conta com a presença de um farmacêutico responsável?

b)                     O local de armazenamento possui controle de temperatura e umidade, luz de emergência e fonte alternativa de energia?

c)                      A farmácia dispõe de alvará da vigilância sanitária e auto de vistoria do Corpo de Bombeiros?

d)                     De forma incorreta, os medicamentos estão encostados na parede ou no solo, além de sofrer incidência da luz solar?

e)                      Há regular controle de vencimento dos medicamentos?

f)                       A farmácia trabalha sob o conceito de estoque mínimo (de segurança)?

g)                      Os medicamentos de uso controlado são guardados em armário de acesso absolutamente restrito?

h)                     As guias de retirada bem identificam o paciente beneficiado?

i)                       A relação atualizada de medicamentos é disponibilizada aos médicos da rede pública municipal?

j)                        A contagem de estoque coincidiu com o saldo anotado nas fichas de controle?


6-     A segunda função fiscalizatória - a correta disponibilização das receitas pertencentes ao setor.

Quanto à disponibilização de receitas do setor, os conselheiros de saúde devem observar o que segue: 

·         Ao menos 15% da receita de impostos (próprios e transferidos) e mais as receitas adicionais (SUS, rendimentos financeiros etc.) foram todas depositadas nas contas do fundo municipal de saúde?

·         Nesse conjunto de receitas, estão inclusos 15% da retenção Fundeb e do adicional de FPM (1%), recebido em julho de dezembro?

·         Paga mediante a oferta de bens (dação em pagamento de veículos, terrenos etc.), 15% da dívida ativa de impostos foi entregue àquele fundo de saúde?


7-     Segunda função fiscalizatória do Conselho Municipal de Saúde – a correta aplicação das receitas pertencentes à saúde. 

7.1 – A gestão da despesa da saúde: 

Aqui, os conselheiros de saúde poderiam atuar se orientando pelos seguintes quesitos, anotando falhas no respectivo relatório: 

§  Os recursos foram todos movimentados pelo fundo municipal de saúde?

§  O titular da Saúde (Secretário, Diretor ou Coordenador) assinou as notas de empenho e ordens de pagamento (mesmo que em conjunto com o Prefeito)?

§  A despesa não liquidada conta com disponibilidade nas contas bancárias do fundo municipal de saúde?

§  Referente ao cancelamento de Restos a Pagar da saúde (despesas de anos anteriores), o valor foi aplicado em complemento ao piso de financiamento (os 15% de impostos)?

§  Beneficiando entidades de saúde do terceiro setor (Santas Casas, OS, OSCIPs etc.), o repasse financeiro foi autorizado por lei específica? A Prefeitura designou gestor para monitorar a aplicação do recurso? O site da ONG e do Município bem transparece o andamento da parceria? O Controle Interno da Prefeitura atestou a eficiência operacional e a prestação de contas da ONG?

§  A Prefeitura atendeu às recomendações de melhoria de gestão financeira, feitas pelas instâncias de controle (do próprio Conselho, do Controle Interno, do Tribunal de Contas)?

§  O recebimento de bens e serviços é atestado por servidor especialmente designado pelo responsável do órgão municipal da Saúde (Secretário, Diretor ou Coordenador)? 

7.2 – A impugnação das despesas impróprias à Saúde 

Tendo em mira que a Saúde é setor dispendioso, pode parecer desnecessário verificar se o Município aplicou, de fato, os 15%. Contudo, há de se ponderar que, além desse valor mínimo, devem também ser aplicados, com rigor e exatidão, os alentados repasses do Sistema Único de Saúde (SUS). 

No exame da despesa do setor, os conselhos podem analisar, por amostragem, os relatórios apresentados, periodicamente, na página eletrônica do Município e, no caso de suspeitas e dúvidas, solicitar exame do correspondente processo de despesa ou, ao menos, requerer que o Controle Interno assim o faça, aqui lembrando que, por força legal, a prefeitura não pode sonegar ao conselho documentos financeiros e operacionais e, também, que sobredito controle internalizado tem autonomia em face de previsão constitucional (art. 74). 

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E na verificação da despesa, deveriam ser impugnados gastos que, por força da Lei 141/2012, não são típicos, estrito senso, das ações e serviços de saúde. São eles: 

-  Despesas não liquidadas, desprovidas de suporte monetário;

-   Pagamento de aposentadorias e pensões de servidores oriundos da Saúde;

-  Pessoal em atividade desviada da área em questão (ex.: médicos com funções administrativas no Gabinete do Prefeito; motoristas que não estão sob exclusiva disposição da Secretaria de Saúde);

-  Assistência à saúde que não atende ao princípio do acesso universal (ex.: plano de assistência médica e odontológica para servidores públicos, os ditos planos fechados);

-  Merenda escolar e outros programas de alimentação, ainda que executados em unidades do SUS, excetuando-se a recuperação de deficiências nutricionais;

- Saneamento básico, à exceção do realizado em pequenas comunidades e do manejo ambiental alusivo a controle de vetores de doenças;

-  Limpeza urbana e remoção de resíduos (transporte; transbordo; tratamento e destino final do lixo doméstico e de logradouros públicos);

-  Preservação e correção do meio ambiente;

Ações de assistência social (ex.: Programa Leve Leite);

-   Obras de infraestrutura, ainda que beneficiem a rede de saúde (ex.: asfaltamento e iluminação em frente a hospitais e postos de saúde).

-   Programa Academia de Saúde;

-   Programa Farmácia Popular (os preços cobrados, mesmo que de custo, contrariam a gratuidade exigida na Lei 141/2012);

-  Despesas com precatórios judiciais e decisões administrativas relativas à remuneração do pessoal da Saúde (pois a competência do gasto provém de anos anteriores);

-  Despesas com o Pasep- Programa de Formação do Patrimônio do Servidor (conforme a Secretaria do Tesouro Nacional, o Pasep não é gasto de pessoal, mas uma espécie de tributo municipal).

-  Compra de glebas ou terrenos para futura construção de unidades de saúde (a menos que haja lei vinculando o uso da terra à edificação de uma UBS, UPA ou hospital);

-  Aquisições globais de bens e serviços que também servem a vários outros setores da Administração (ex.: combustíveis, material de escritório, peças de reposição da frota); para evitar tal glosa, servidor da Saúde deve atestar, expressamente, a cota da Saúde.

-  Subvenção a instituições assistenciais.


Notas

[1] Aliás, antes de a Prefeitura encaminhar à Câmara o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO), o Conselho Municipal de Saúde precisa aprovar a programação anual do Plano de Saúde (art. 36, § 2º, da Lei 141, de 2012).

[2] Segundo a Lei 8142, de 1990, tal conferência será realizada, a cada quatro anos, para avaliar a saúde municipal, apresentando propostas que culminarão no plano municipal de saúde (art. 1º, § 1º). E, depois, os repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) se baseiam unicamente naquele plano. 

[3] Fundo de Participação de Estados e Municípios (FPE-FPM), ICMS, IPI/Exportação, IPVA, ITCMD e ITR.

[4] “Art. 29. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios excluir da base de cálculo das receitas de que trata esta Lei Complementar quaisquer parcelas de impostos ou transferências constitucionais vinculadas a fundos ou despesas, por ocasião da apuração do percentual ou montante mínimo a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde”.

Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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