4 O COLAPSO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Com a promulgação da Constituição de 1988, depois de duas décadas de autoritarismo militar que tornou precário a sensação de justiça dos brasileiros, era necessário que houvessem mecanismos que garantissem o acesso de todo cidadão a justiça. Através de garantias constitucionais, ocorreu uma transformação na possibilidade de acesso dos indivíduos ao Poder Judiciário na busca pela solução dos seus litígios.
Para Andrade (2014), a sociedade depositou no poder judiciário a esperança de solução dos seus conflitos que aliada a maior facilidade de acesso gerou uma demanda crescente.
[...]a Constituição de 1988 fez renascer o exercício da cidadania, e surgir, por consequência, forte expectativa na sociedade, de que o Poder Judiciário teria solução para todas as mazelas sociais, todos os problemas enfrentados pela população. Essa expectativa traduziu-se em uma incessante e progressiva busca pelo acesso formal ao Poder Judiciário (ANDRADE, 2014, p. 3).
De fato, a constituição delegou ao Estado o dever de solução dos desacordos particulares, e é preciso garantir que todos tenham acesso a essa função estatal para efetividade dessa garantia constitucional. No entanto, no encalço da crescente demanda pela busca do judiciário também se encontram outros fatores que corroboram para a ineficácia do sistema.
Intrínseco à personalidade humana está o comportamento de rivalidade, um costume de transformar a controvérsia em disputa, como se ganhar uma competição pudesse comprovar a superioridade de um sobre o outro. Com isso, ao invés de tentar compor o conflito de maneira pacífica com ambos os lados renunciando a parte do que lhe interessa para tentar um acordo de interesse mútuo, os litigantes preferem enfrentar uma disputa judicial que pode ser demorada e complexa a fim de vislumbrar quem sairá vitorioso.
“Outro fator que contribui enormemente para a dificuldade de se buscar caminhos que respondam de maneira mais profunda e perene, à pacificação dos conflitos, é a existência de uma cultura adversarial para a compreensão e a solução desses conflitos”. (ANDRADE, 2014, p.3). E na busca de encontrar outros motivos para a crescente demanda ao Poder Judiciário Andrade (2014, p.3) complementa “A formação do próprio jurista é comprometida com essa cultura adversarial, estimulando-se nas bancas universitárias a concepção das partes de uma pretensão resistida apenas como ganhador ou perdedor, autor ou réu, etc”.
Sob a luz deste entendimento, além de trazer na personalidade humana uma característica predispondo a competição o indivíduo que ingressa na academia buscando a formação de um operador do Direito é incentivado pelas instituições universitárias a exercitar esse costume de hostilidade entre as partes de uma demanda.
Juntamente com outros motivos, como por exemplo, uma extensa quantidade de recursos possíveis e o número de instancias de recorribilidade, a crescente demanda versus um número de servidores insuficiente gerou um Poder Judiciário inflado, moroso e ineficiente. Ferindo alguns princípios constitucionais como a garantia da duração razoável do processo, da economia processual e da celeridade.
A Justiça do Trabalho sofre o mesmo processo, cada demanda acrescentada se esbarra na morosidade. Segundo dados do programa Justiça em Números de iniciativa Conselho Nacional de Justiça, em 2016 o tempo médio da sentença nas fases de conhecimento e execução no 1º grau de jurisdição era de 3 anos e 4 meses, o Justiça em Números demonstra ainda que a despesa do judiciário tem aumentado a cada ano.
Investigar os motivos que levam à uma crise não é tarefa fácil nem exata, muitos sãos os possíveis fatores desencadeadores. No entendimento de alguns autores a crise na justiça laboral tem como protagonista os seus servidores.
De fato, a lentidão é o vilão do judiciário e seus atores são os protagonistas dessa situação. A inabilidade, a leniência, a postura totalmente avessa às reações sociedade, é a resposta da prestadora de serviços públicos e seus agentes, tudo derivando para o mais insensato do comportamento. Cercada de incerteza, contrariedade e morosa, a justiça especializada é hoje uma caricatura da Carta Celetista idealizada em 1943, deformada pelas injunções dos seus integrantes que pugnam pela reserva de mercado, em flagrante desafio sua realidade material e jurisdicional, definha-se em meio à judicialização, manobra ardil dos magistrados que ganham na hora da avaliação para promoção (PINHO, 2014, p. 1).
A flexibilização dos direitos trabalhistas trazida pela grande reforma trabalhista de 2017 pode ajudar a diminuir a demanda de processos novos, pois maior possibilidade de negociação entre trabalhador sobre as cláusulas do contrato de trabalho e empregador diminuiria os conflitos passíveis de litígio no judiciário, além do bônus de possivelmente aumentarem as vagas de emprego. Esta pode ser uma solução perigosa pois existe o risco dessa flexibilização trazer prejuízos aos direitos trabalhistas adquiridos ao longo da história recente[2].
Outras tentativas, como a implementação do processo eletrônico, por exemplo, auxiliam no desenvolvimento do judiciário, pois através dele diminuem-se o número de carimbos e de uso dos Correios, auxilia a preservação do meio ambiente na medida em que diminui a utilização de papel e otimiza o acompanhamento de processos mais antigos diante da desnecessidade de manipulação de documentos deteriorados pelo tempo. Apesar disso, com a demanda e despesas em ascensão, a eficiência diminui, a entrega da prestação jurisdicional do Estado fica cada vez menos viável.
Batista (2009), propõe conhecermos a importância da Justiça do Trabalho através de um exercício mental de sua fictícia extinção.
Extinguindo-se a justiça do trabalho, estaríamos deixando uma grande parcela da sociedade, a mais carente por sinal, sem o menor amparo jurídico, haja vista que as relações a partir de então, passariam a ser reguladas pelos próprios particulares e pelas normas do direito civilista, que possuem outra formatação totalmente diversa, pois editadas visando a outros fins e lhe dando com outro campo e objeto de atuação. Não há dúvida de que nesta hipótese o direito seria prejudicado em demasia, provocando as mais variadas formas de desrespeito aos direitos dos trabalhadores (BATISTA, 2009).
Primordialmente é de extrema importância observarmos a função que a Justiça do Trabalho exerce no Poder Judiciário, é uma justiça especial que tem a função social de proteger um dos fundamentos sociais da República que é o trabalho. Em um regime capitalista em que os trabalhadores não têm força diante dos detentores dos meios de produção, a Justiça Trabalhista tem o papel protetor evidente e sem ela não haveria meio de alcançar o equilíbrio entre essas forças.
Um desafio para a Justiça do Trabalho é encontrar uma maneira mais eficiente de utilizar outras formas de composição de conflitos, como por exemplo a mediação, a conciliação e a arbitragem. Estes métodos alternativos além de serem mais céleres e mais baratos, podem diminuir os números de processos novos.
Concluindo, a Justiça do Trabalho, assim como todo Judiciário, se tornou inflada, morosa e onerosa, obrigando os cidadãos a pensar nela como a última instância para a solução das suas lides. Antes de enfrentar o tradicional processo judicial é necessário se pensar em métodos alternativos. O próprio judiciário, vislumbrando um futuro de colapso deve investir nesses meios alternativos de composição para continuar atendendo o principal motivo para qual foi criado, a aspiração por justiça e ordem social.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito é uma ciência dinâmica que se constrói e reconstrói através de movimentos sócio-políticos constantes, para atender os anseios institucionais de ordenamento e soberania estatal.
Diante disso, é difícil alcançar uma conclusão estanque e linear dos aspectos apresentados em relação à Justiça Trabalhista e à complexidade da situação de crise que vem enfrentando, no entanto, pode-se dizer que alcançamos o objetivo geral de demonstrar, através dos princípios apresentados, a necessidade de se proteger o trabalhador enquanto parte hipossuficiente da relação de emprego, independente dos entraves jurídicos e processuais que envolvem uma lide.
Outro aspecto importante a se notar, é o papel essencial do judiciário na solução dos dissídios trabalhistas e que o colapso atual em que ele se encontra prejudica a todos que buscam a jurisdição estatal e em especial os trabalhadores, o que implica diretamente no sentido de ineficácia.
Se o legislador optou por entregar a tutela dos conflitos particulares nas mãos do Estado e banir do nosso ordenamento jurídico a autotutela, não é razoável enfrentar com naturalidade que o judiciário não crie mecanismos eficazes para acompanhar a crescente demanda de ações judiciais, bem como zelar pela efetiva entrega da prestação jurisdicional.
O Direito contemporâneo passa por profundas mudanças, a exemplo, da recente alteração do Código de Processo Civil; da provável reforma do Código Penal; da Reforma Trabalhista e da crescente relativização dos princípios fundamentais por parte dos nossos julgadores.
Nesse contexto de constantes transformações legislativas é certo que muitas dúvidas serão ainda levantadas e inúmeras discussões se propagarão por nossas cortes, no que tange a aplicabilidade ou não dos princípios basilares de proteção ao trabalhador como método de solução de conflitos entre normas.
Insurge-se a oportunidade para os tribunais, magistrados, serventuários e cidadãos entenderem e colocarem em pauta o papel dos meios alternativos de resolução de conflitos na elucidação dos problemas sociais inerentes à morosidade da justiça, sem deixar de lado o debate sobre os princípios fundamentais do trabalhador.
5 REFERÊNCIAS
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BATISTA, Thales Pontes. O conhecimento da importância da Justiça do Trabalho a partir de um exercício mental de sua fictícia extinção. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 64, maio 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6024>. Acesso em: 1 jun 2018.
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Nota
[1] Nesse sentido, entende-se por colapso o sentido de crise, momento em que há uma paralisação diante de um emaranhado de eventos negativos, sem que exista uma possibilidade de ação imediata para a solução dos conflitos.