Artigo Destaque dos editores

Conteúdo e justificativa teórica da liberdade de expressão

Exibindo página 2 de 2
23/08/2005 às 00:00
Leia nesta página:

Notas

01 Artigos 5º, IX e 220, § 1º e § 2º.

02 A respeito de tal distinção aduz Luís Roberto Barroso: "A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar idéias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. Sem embargo, é de reconhecimento geral que a comunicação de fatos nunca é uma atividade completamente neutra: até mesmo na seleção dos fatos a serem divulgados há uma interferência do componente pessoal. Da mesma forma, a expressão artística muitas vezes tem por base acontecimentos reais. Talvez por isso o direito norte-americano, o Convênio Europeu de Direitos Humanos (art. 10.1) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 19) tratem as duas liberdades de forma conjunta." in Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 235/1-36. Jan./Mar. 2004, p. 18/19. sobre o tema, ver ainda: Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho. Direito de informação e liberdade de expressão. Biblioteca de Teses. Rio de janeiro: Renovar, 1999, p. 24/25.

03 Dispõe a Primeira Emenda à Constituição norte americana, aprovada em 1791: "Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the government for a redress of grievances".

04 Gustavo Binenbojm. Meios de comunicação de massa, pluralismo e democracia deliberativa. As liberdades de expressão e de imprensa nos Estados Unidos e no Brasil. Mimeo., p. 4 e seguintes.

05 "A entrega do controle do discurso público a regras puramente de mercado acaba por excluir a voz daqueles que não detêm um quinhão no mercado da comunicação social." In Gustavo Binenbojm. Ob. Cit., p. 6.

06 Cass. R. Sunstein (Speech in the Welfare State. A New Deal for Speech. In The Partial Constitution. Harvard University Press. p. 197/231) defende a adoção da doutrina do New Deal para a liberdade de expressão. Formulando uma crítica à doutrina da state action, o autor sustenta que as prerrogativas das empresas privadas de comunicação decorrem de outorga do Estado. Assim, é equivocado manter imune à repressão constitucional o poder de tais empresas de decidir as matérias que serão incluídas e as que serão excluídas da programação. Por outro lado, a atuação do Estado no sentido de regulamentar o acesso dos excluídos à mídia não deveria ser considerada violadora da Primeira Emenda. Para o autor, nem sempre a abstenção estatal contribuirá para a realização dos propósitos da Primeira Emenda, pelo contrário, estes muitas vezes serão alcançados através da ação regulatória do governo. Destaco o seguinte trecho: "I do mean to say that at a minimum, what seems to be government regulation of speech might, is some circunstances, promote free speech, and should not be treated as an abridgment at all. I mean also to argue, though more hesitantly, that what seems to be free speech in markets might, on reflection, amount to an abridgment of free speech" (p. 204).

07 A necessidade de se estabelecer limites à atuação do Estado nesse campo é defendida por J. J. Gomes Canotilho e Jónatas E. M. Machado ("Reality Shows" e Liberdade de Programação. Colecção Argumentum. Coimbra Editora, 2003). Os autores sustentam que a liberdade de expressão tem por objeto a proteção da autonomia individual contra a ingerência do Estado, ressaltando que as estruturas de comunicação social integram uma verdadeira reserva da sociedade civil, devendo ser protegida sua autonomia perante os poderes públicos. Sua análise parte da concepção de que o Estado deve manter um compromisso de neutralidade. Em uma ordem constitucional radicada na dignidade da pessoa humana e na autonomia individual não se pode pretender impor determinada visão de mundo ou concepção de bem. Sendo assim, todas as condutas expressivas devem ser protegidas a princípio, independentemente da qualidade, realidade, significado, objetivo ou efeito do seu conteúdo. Mesmo as manifestações que tenham caráter provocatório, ofensivo ou danoso merecem proteção. Toda a restrição ou regulação da atividade das empresas de comunicação se presume inconstitucional e deve se subordinar aos pressupostos materiais e formais aplicáveis às restrições a direitos fundamentais. Ainda assim, os autores admitem algumas exigências positivas que condicionam o conteúdo das programações, tais como, respeito à diretiva pluralista, proteção da infância e da juventude, expressão de valores culturais da identidade nacional, vedação de veiculação de programas que incitem à prática de crimes e respeito à dignidade da pessoa humana. Tais exigências revelam uma tensão entre liberdade individual e valores comunitários que deve ser dirimida.

08 A fairness doctrine consistiu em um conjunto de regras editadas pela Federal Communications Commission, agência reguladora norte americana, que instituía algumas obrigações às empresas de rádio e televisão, de modo a garantir a qualidade da programação, a ampliar o número de versões e opiniões sobre os mais variados assuntos, e a garantir direito de resposta em caso de ofensas. Inicialmente considerada compatível com a Primeira Emenda no Red Lion Broadcasting Co v. FCC(1969), em julgados posteriores acabou sendo rejeitada pela Suprema Corte e, em 1987, foi revogada pelo próprio FCC. Conforme Gustavo Binenbojm, ob. cit., p. 7 e seguintes.

09 Pelo menos em um aspecto a análise de Dworkin é distinta da empreendida por Binenbojm. O autor americano não distingue as concepções instrumental e constitutiva da liberdade de expressão a partir das figuras do emissor e do receptor da mensagem. Embora sob justificativas teóricas diferentes, as duas concepções protegem o direito de se expressar e de ter livre acesso às idéias manifestadas pelos demais.

10 "Free speech is said do be important, for example, because, as Holmes declared in his Abrams dissent, politics is more likely to discover truth and eliminate error, or to produce good rather than bad policies, if political discussion is free and uninhibited." O precedente citado é Abrams v. United States (1919). In Ronald Dworkin, Freedom’s Law. The moral reading of the american constitution. Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts, p. 200.

11 A concepção constitutiva foi retratada nos seguintes trechos do voto do Justice Brandeis no caso Whitney v. Califórnia (1927): "those who won our independence believed that the final end of the state was to make men free to develop their faculties" e "free speech is valuable both as an end and as a means". Dworkin, Ob.cit. p. 201.

12 "It is very important that the Supreme Court confirm that the First Amendment protects even such speech; that it protects, as Holmes said, even speech we loathe. That is crucial for the reason that the constitutive justification of free speech emphasizes: because we are liberal society committed to individual moral responsibility, and any censorship on grounds of content is inconsistent with that commitment". Dworkin, Ob.cit., p. 205.

13 A respeito do hate speech, a Suprema Corte, julgando o caso Brandenburg v. Ohio (1969), no qual se discutia se a persecução criminal de membros do Ku Klux Klan feria a Primeira Emenda, estabeleceu uma distinção entre o discurso que advogasse em tese uma política de violência e o discurso que incitasse a prática de atos de violência atuais e iminentes e que provavelmente levaria a práticas violentas. Somente a segunda classe de discurso não estaria protegida pela Primeira Emenda. Conforme T. Barton Carter, Juliet Lushbough Dee e Harvey L. Zuckman. Mass Comunication Law in a nutshell. West Group. St. Paul, Minn., 2000. p. 13.

14 Em 29 de março de 1960, o New York Times publicou matéria sobre a repressão policial a um protesto ocorrido em uma escola de crianças negras no estado do Alabama. Constatou-se depois que alguns fatos divulgados não refletiam a realidade. O chefe de polícia local, L. B. Sullivan, que não havia sido citado nominalmente no artigo, processou o jornal e obteve a condenação do New York Times ao pagamento de indenização por danos sofridos, no valor de $ 500,000. Tal decisão foi cassada pela Suprema Corte norte americana, em julgamento que estabeleceu novos parâmetros para a condenação de jornais a pagar indenizações pela divulgação de fatos imputados a agentes públicos. Para que estes façam jus à indenização, não basta que o fato imputado seja danoso ou falso. É necessário provar que o jornalista agiu de forma dolosa ou temerária. In Dworkin, op. Cit., p. 196.

15 Um exemplo desse argumento é a tese sustentada por Catharine MacKinnon e Frank Michelman de que a pornografia deve ser censurada porque desqualifica a mulher e a silencia, reduzindo assim seu papel na política norte-americana. A realização da democracia nesse caso seria melhor servida restringindo-se a liberdade de expressão. In Dworkin, ob. Cit., pag 205.

16 Edilsom Pereira de Farias, Colisão de Direitos Fundamentais. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Sérgio Antônio Fabris Editor. Porto Alegre, 1996, p. 134/135. A mesma posição é sustentada por Luis Roberto Barroso: Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa, ob. cit., p. 19/20.

17 Sobre o tema ver Daniel Sarmento, Ponderação de interesses na Constituição Federal. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, p. 155/156. E ainda, do mesmo autor, Direitos fundamentais e relações privadas. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2004, p. 197 e seguintes.

18 Conforme T. Barton Carter, Juliet Lushbough Dee e Harvey L. Zuckman. Mass Comunication Law in a nutshell. Ob. Cit., p. 17.

19 Ronald Dworkin faz críticas à decisão da Suprema Corte no caso Sullivan. O autor considera que, ao reforçar a visão instrumental da liberdade de expressão, a Suprema Corte acabou por enfraquecer a visão constitutiva, que a seu ver confere maior proteção ao princípio. Ademais, as distinções de tratamento conferidas pela Sullivan rule, quando se trate de pessoas públicas ou privadas, acabaram criando categorias com as quais a própria Suprema Corte passou a ter dificuldade de lidar. Dworkin ressalta a dificuldade de justificar a ampliação do conceito de pessoa pública para incluir celebridades em geral, sob a perspectiva instrumental da liberdade de expressão: "So the Court has found it difficult to make the various discriminations its rules now require, and its categories seem arbitrary from the perspective of the instrumental view of free speech they are supposed to reflect. Movie stars, for example, have been classified as public figures, and so must satisfy the actual malice estandard when they sue tabloids for false reports about them, though, as Lewis poins out, celebrity gossip hardly contributes to the efficiency of the political process in discovering truth or wisdom". Ob. Cit., p. 211.

20 T. Barton Carter, Juliet Lushbough Dee e Harvey L. Zuckman, ob. Cit., p. 17.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

21 A invocação do interesse público para justificar restrições à liberdade de expressão é criticada por Luís Roberto Barroso, pois isso envolveria juízo de valor sobre o conteúdo da mensagem utilizando-se um parâmetro sobre o qual não se pode exercer qualquer controle. Ademais, uma vez que se presume sempre o interesse público na veiculação da mensagem, eventual restrição calcada em interesse público contraposto só poderá prevalecer em situações excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. In Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. Ob. cit. Destaco o seguinte trecho: "Fala-se ainda de um limite genérico às liberdades de informação e de expressão que consistiria no interesse público. É preciso, no entanto, certo cuidado com essa espécie de cláusula genérica que, historicamente, tem sido empregada, com grande dissimulação, para a prática de variadas formas de arbítrio no cerceamento das liberdades individuais, na imposição de censura e de discursos oficiais de matizes variados. Mesmo porque, vale lembrar que o pleno exercício das liberdades de informação e de expressão constitui um interesse público em si mesmo, a despeito dos eventuais conteúdos que veiculem" (p. 23/24).

22 Ana Paula de Barcellos sustenta a possibilidade de, através da realização de ponderação em abstrato, se construírem parâmetros gerais (aplicáveis aos conflitos normativos em geral) e particulares (aplicáveis a conflitos específicos) que possam guiar o judiciário na solução de casos concretos. A fixação de parâmetros em abstrato conferiria maior previsibilidade às decisões judiciais e, por conseqüência, maior segurança jurídica. In Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional In Luís Roberto Barroso (org.) A nova interpretação constitucional. Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Renovar. Rio de Janeiro, 2003, p. 49/118.

23 A respeito da possibilidade de se estabelecer hierarquia axiológica entre normas constitucionais, ver Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 203.

24 Muito embora o fato de as empresas de radiodifusão funcionarem sob o regime de concessão tenha justificado inicialmente diferença de tratamento entre estas e os jornais, gozando estes de maior autonomia editorial, a doutrina ressalta que o avanço da tecnologia e a conseqüente superação do problema de escassez física das freqüências de sons e imagens, aliado ao fato de os jornais também estarem concentrados nas mãos de poucos grupos econômicos, torna injustificável a distinção de tratamento. Segundo T. Barton Carter, Juliet Lushbough Dee e Harvey L. Zuckman, uma das tendências mais recentes da jurisprudência da Suprema Corte norte americana diante das novas tecnologias de comunicação é uniformizar os standards de aplicação da Primeira Emenda, não importando os modos de transmissão do discurso. In Mass Comunication Law in a nutshell. Ob. Cit. P. 23.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Simone Schreiber

juíza federal da 5ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, professora de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), doutoranda em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHREIBER, Simone. Conteúdo e justificativa teórica da liberdade de expressão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 781, 23 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7184. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos