Prova emprestada no processo do trabalho: natureza jurídica

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13/02/2019 às 14:32
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2. NOÇÕES GERAIS DA PROVA

No capítulo anterior, o conteúdo abordado trouxe um pouco da necessária história processual no Brasil, destacando alguns pontos importantes no que tange ao Direito Processual do Trabalho e o seu instituto probatório.

Agora, faz-se obrigatório, antes de entrar no mérito da prova e seus atributos, abordar um pouco sobre a concepção da prova.

2.1. Natureza jurídica da prova

Nos dizeres de João Mendes Júnior (2003, p. 1), "foi Bentham, dominado pela mania de atacar a técnica do Direito Romano e criar uma técnica para o Direito Inglês, que dividiu as leis em substantivas e adjetivas”.100

Desta forma, nascia a diferenciação entre direito material e direito processual.101

Anos atrás, era defeso na doutrina estrangeira que o instituto probatório era pertencente ao mundo do direito material. Tais pensadores utilizavam o fundamento de que tal instituto era preexistente à lide, trazendo, na forma de exemplo prático, o caso da prova pré-constituída.102

Nesta mesma linha de pensamento, acompanhava Pontes de Miranda (2017, p. 29), asseverando sobre o tema que “pensar-se em prova judicial quando se fala em prova é apenas devido à importância espetacular do litígio, nas relações jurídicas entre os homens”.103

Modernamente, no entanto, renomados doutrinadores defendem, em outra via, ser o instituto probatório pertencente ao mundo do direito processual, cabendo citar o pensamento de um dos maiores representantes da doutrina processual italiana, Giuseppe Chiovenda (1953 p. 193), destacando que “a matéria das provas pertence por inteiro ao direito processual. Não deve a localização das normas sobre as provas nos códigos de direito substantivo induzir a acreditar-se que elas tenham caráter dispositivo.”104

Embora a doutrina tenha polarizado nestas duas definições sobre o tema, Amauri Mascaro Nascimento pontua que existem cinco visões:

a) a prova como uma ocorrência material;

b) como um acontecimento de origem mista, abrangida pelo plano material e processual;

c) uma ocorrência exclusiva do plano processual, em virtude de sua existência para a formação da opinião do juiz;

d) uma ocorrência que possui dois regramentos distintos e exclusivos, quais sejam, os planos substancial e processual;

e) a prova como propriedade do vocábulo “direito judicial”, compreendido pelo qual possui como escopo a dualidade entre justiça e pessoa. 105

Tais embates e dissonâncias doutrinárias foram, indiscutivelmente, de fundamental importância para a fortificação dos mais variados conceitos, não só do instituto probatório, mas como também em outros institutos do Direito.106

No que tange ao assunto da prova, a legislação tratou de sanar as causas que originavam tais divergências de pensamento. O Código de Processo Civil, desde 1939, apropriou-se e tratou de regrar tal conteúdo, extinguindo o que vinha disposto no âmbito das leis materiais.107

Em consonância, dispõem Marinoni e Arenhart que "as provas somente assumem real importância ".108

Manoel Teixeira Filho conclui, dando azo à Pestana de Aguiar, que o direito, mesmo que deva ser tratado em seu prisma de existência como único, tendo desta forma origem comum os âmbitos material e processual, deve, na prática, ser separado, já que de fato é a arte do processo109 “a única que se dedica ao estudo sistematizado e completo do instituto da prova, perquirindo sob todos os ângulos seus fins, suas causas e seus efeitos”.110

Neste aspecto processual, a CLT não dá o devido tratamento que o instituto probatório exige, sendo esta falta motivo de aplicação, pelo caráter subsidiário, dos preceitos processuais civis, desde que atendido a exigência legal prevista no art. 769, da CLT.111 112

2.2. Conceito de prova

A palavra “prova”, deriva do latim proba, oriunda de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de).113

De acordo com De Plácido e Silva114

Entende-se, assim, no sentido jurídico, a denominação, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência do fato ou do ato demonstrado. A prova consiste, pois, na demonstração da existência ou da veracidade daquilo que se alega como fundamento do direito que se defende ou que se contesta.

No entendimento de Nelson Nery Júnior (2017, p. 15), “as provas são os meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e verificação de um fato jurídico”.115

Segundo Aury Lopes Júnior, a prova é a forma de fazer a reconstrução de um fato antigo.116

Giza Mauro Schiavi117 que:

Provas são os instrumentos admitidos pelo Direito como idôneos, a demonstrar um fato ou um acontecimento, ou, excepcionalmente, o direito que interessa à parte no processo, destinados à formação da convicção do órgão julgador da demanda.

Depreende Humberto Theodoro Júnior que a prova pode ser conceituada através de dois espectros:118

  1. Um objetivo, isto é, como o instrumento ou meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.);

  2. e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado.

Cabe destacar a definição de Giuseppe Chiovenda (2002, p. 109), o qual aduz que “provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes do processo”. 119

Ainda, importante dar ênfase ao sustento de Francesco Carnelutti (2009, p. 22), o qual afirma que “na linguagem comum, prova se utiliza como comprovação da verdade de uma proposição; somente se fala de prova a propósito de alguma coisa que foi afirmada e cuja exatidão se trata de comprovar”.120

2.3. Objeto da prova

A acepção do objeto de prova é tudo aquilo que se quer colocar em juízo e que seja, da mesma forma, possível de se colocar na lide.121Isto porque, no processo, se faz imprescindível que a parte consiga elucidar o episódio narrado.122

Há na doutrina pensamento divergente, no qual se funda no fato de que a prova não trata do conteúdo fático, mas sim sobre o que for aduzido pelas partes. Esta posição encontra amparo em Francesco Carnelutti.123

Porém, é imperiosa no meio doutrinário a visão de que prova versa sobre o conteúdo fático, tendo tal posicionamento amparo em Humberto Theodoro Júnior124, Ada Pellegrini Grinover125, Cândido Rangel Dinamarco126, Mauro Schiavi127, Manoel Antonio Teixeira Filho128, José Miguel Garcia Medina129, dentro outros. Com isso, predomina que a prova deve versar sobre o conteúdo fático. Contudo, nem todos os fatos exigem a comprovação.130

2.3.1. Fatos que dependem de prova

Como dito, é predominante que a prova deve versar sobre o conteúdo fático do processo. Porém, este conteúdo, para necessitar ser provado, urge ser controvertido, relevante ou determinado.131

Por controvertido, se entende que exista uma resposta ao fato apresentado, visto que, em caso de não haver controvérsia, será o fato taxado de incontroverso, motivo que enseja a solução por singela análise do direito.132Em suma, não havendo a controvérsia, será o fato aceito como legítimo na lide.133

Podem ser chamados de relevante os fatos que possuem íntima ligação com a ação, investidos de poderoso efeito, capazes de interferir na decisão motivada do julgador.134Em outras palavras: se o fato não possui capacidade de colaborar com o julgamento, o ato da prova será irrelevante, fundado no princípio da celeridade processual.135

Um fato será determinado quando for instruído com aspectos necessários que o diferencie de outros que sejam similares.136

2.3.2. Fatos que independem de prova

O atual Código de Processo Civil, em seu artigo 374, traz as situações que não dependem de prova. Dispõe ele que:

Art. 374. Não dependem de prova os fatos: I – notórios; II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III – admitidos no processo como incontroversos; IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

2.3.2.1. Fatos notórios

O legislador não trouxe no bojo legal a definição de fato notório. Por isso, coube à doutrina e à jurisprudência construir esta definição.137

A respeito da primeira hipótese, o chamado fato notório, aduz Moacyr Amaral Santos que138

São aqueles fatos que, embora consistentes em eventos acontecidos uma vez somente – como os fatos da história, fatos sociais e políticos da vida pública atual – ou consistentes num fato único – como aqueles dos quais dão noção a topografia e a geografia descritiva – pertencem todavia ao patrimônio estável de conhecimentos do cidadão de cultura média numa sociedade historicamente determinada.

Cabe ainda destaque outra fala do mesmo autor:139

O juiz pode ignorar a época em que se faz a colheita de café, no Estado de São Paulo, mas nem por isso essa época deixa de ser notória, bastando-lhe, para conhecê-la, consultar qualquer calendário especializado ou qualquer agricultor ou comerciante de café. O chofer pode não saber em que distrito fica determinada rua, mas lhe é fácil saber qual, ou por meio de informações com colegas de ofício ou examinando a planta da cidade.

A definição com maior propagação sobre fato notório é a elaborada por Piero Calamandrei (2017, p. 44), que afirma ser “aquele cujo conhecimento faz parte da cultura normal própria de determinado círculo social no tempo em que ocorre a decisão”.140

Atualmente, causa divergência se as informações colhidas da internet podem ser caracterizadas como fato notório. No sentir de Mauro Schiavi (2017, p. 26), “os fatos obtidos nas redes sociais, embora de amplo acesso, não configuram, por si só, fatos notórios, pois nem sempre são de conhecimento comum”.141 Porém, o autor adverte que, caso o magistrado opte por acolher fatos que venham da internet, originados por ele e que não tenha sido instruídos no processo, deve o mesmo possibilitar, de forma antecipada, o parecer dos integrantes da lide, em consonância com os artigos 9º e 10º, do novo CPC,142em respeito do contraditório e a ampla defesa, já tratado anteriormente.

Em sentido contrário é o posicionamento de José Miguel Garcia Medina, que opina em favor da configuração dos fatos obtidos via internet como fatos notórios. O autor alega que tal visão encontra respaldo no art. 13, da Lei n. 11.419/2006.143

Tal artigo regulamenta o seguinte:

Art. 13. O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.

§ 1º Consideram-se cadastros públicos, para os efeitos deste artigo, dentre outros existentes ou que venham a ser criados, ainda que mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, os que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.

§ 2º O acesso de que trata este artigo dar-se-á por qualquer meio tecnológico disponível, preferentemente o de menor custo, considerada sua eficiência.

§ 3º (VETADO)

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A jurisprudência também já se manifestou no sentido do posicionamento acima:

“É fato notório, que está a disposição de qualquer cidadão com acesso à Internet, que o Cloridrato de Amineptina, substância ativa do SURVECTOR, causou muita polêmica desde sua introdução no mercado mundial de consumo.

(STJ - REsp: 971845 DF 2007/0157382-1, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 21/08/2008, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2008).”

2.3.2.2. Fatos confessados e admitidos

Já sobre as hipóteses do inciso II e inciso III, quais sejam, os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária e fatos admitidos como incontroversos, prevalece o raciocínio colocado no tópico 2.3.1. Os fatos necessitam ser controvertidos e, se não impugnados ou entendidos na lide como fatos incontroversos, não terão a necessidade da prova obviamente por não restar nada de argumentação contrária.145 Esta não controvérsia se traduz na espécie de prova chamada confissão146, que será abordada mais a frente no presente trabalho, enquanto a outra hipótese se traduz na circunstância da admissão.147

2.3.2.3. Presunção legal de existência ou de veracidade

Pela quarta hipótese, deve-se entender que estas presunções trazidas pelo inciso são denominadas de simples. Já as que são oriundas de uma previsão legal, são tratadas como legais.148

Estas presunções podem adquirir duas formas: absolutas, derivadas do brocardo “juris et de juris”, e relativas, derivadas do brocardo “juris tantum”. A primeira não possibilita a produção probatória em avesso, enquanto na segunda há a possibilidade.149

É oportuno dizer que a lei, ao gizar que não dependem de prova os mencionados fatos, deve ser compreendida em sentido estrito, em virtude dela não dar guarida para o litigante trazer a presunção sozinha.150No ensinamento de Moacyr Amaral Santos (2017, p. 48), a parte que impetra para si a presunção “deverá necessariamente demonstrar que está na situação de poder invocá-la”.151Esclarece Manoel Antonio Teixeira Filho (2017, p. 48) que “as praesumptionis iuris requerem, para a sua constituição, o concurso de três pressupostos: a) um fato conhecido (fato-base); b) um fato desconhecido; c) um nexo de causalidade”.152

Neste contexto, entra a figura do indício153, trazido pelo Código de Processo Penal, no art. 239, da seguinte forma:

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Conforme preleciona Didier (2017, p. 79), “indício é, exatamente, este fato conhecido, que por via de raciocínio lógico, sugere o fato desconhecido (fato probando), do qual é causa ou efeito”.154

Com isso, nota-se que o instituto do indício, isoladamente, não possui nenhuma importância.155 O fato de ter indícios, diferente das presunções, não obsta a imprescindibilidade da prova, embora deva ser levado em conta no momento da apreciação dos componentes de prova. São eles orientadores da decisão do magistrado.156 Servem de ponto de partida, para mais a frente aportar na comprovação dos fatos.157

Ainda, cabe destacar a chamada presunção hominis , preconizada no art. 375, do novo CPC.158 159 É este o instituto que se calcifica, conforme o texto legal, nas experiências do magistrado. Esta presunção tem aplicação exclusiva no caso material, onde é levantada e necessita da devida ratificação do conteúdo probatório que possibilite sua presença na lide.160

Isto posto, compreende-se que o interessado na impetração das presunções não possui o dever de provar a presunção, porém deve comprovar que o fato é pertinente para a sua aplicação.161

2.4. Finalidade da prova

Sobre este caractere da prova, Fredie Didier Jr. aponta que a doutrina se divide em três correntes:

  • a) a que entende que a finalidade da prova é estabelecer a verdade;

  • b) a que sustenta ser sua finalidade fixar formalmente os fatos postos no processo;

  • c) a que entende que a sua finalidade é produzir o convencimento do juiz, levando-o a alcançar a certeza necessária à sua decisão.

A primeira corrente pouco aparece, em virtude de a verdade ser de existência objetiva e a interpretação pessoal ser de existência subjetiva, características conflitantes e difíceis de conciliar-se; A segunda corrente diz respeito ao chamado sistema de tarifamento legal das provas, onde são designados preceitos para a impugnação dos fatos instruídos na lide; A terceira corrente defende que a finalidade da prova é auxiliar o julgador em sua convicção quanto aos assuntos debatidos na lide, para então o mesmo poder emanar o seu pronunciamento.163 Predomina, na doutrina, a terceira corrente.

Arrazoam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart164 que

A prova assume a condição de um meio retórico, regulado pela lei, dirigido dentro dos parâmetros fixados pelo Direito e de critérios racionais, a convencer o Estado-Juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas no proceso.

Armando Porras López (2017, p. 58) contribui com este pensamento ao colocar que “es el de hacer que el juez, mediante el procedimiento lógico del razonamiento, encuentre la verdad”. 165

No mesmo sentido é a fala de Mauro Schiavi (2017, p. 23), ao dizer que “inegavelmente, a finalidade da prova é formar a convicção do órgão julgador sobre os fatos invocados no processo pelas partes, na inicial, ou na contestação”.166 Ele ainda define que “a prova tem uma finalidade específica que é processual”.167

Nesta definição, percebe-se que a gama interpretativa pode nos fazer ir além, aumentando a carga do seu significado. E, indo além, a doutrina traz uma chamada finalidade secundária da prova.168 No que diz respeito à esta finalidade, preliminarmente, em fase pré-judicial, devem também os litigantes confiar e possuir plena convicção no que irão alegar judicialmente.169

Já quanto ao mérito, no âmbito judicial, defendem os doutos pensadores que a prova deve também consolidar o convencimento do outro litigante e da sociedade.170

Pontua Márcio Túlio Viana171 que

Se o juiz tem de conhecer os fatos, é a ele que a prova de destina. Afinal, como nota Russomano, a prova “é o pilar da sentença”. Mas ela também diz respeito aos outros personagens do processo, como as partes e o Ministério Público. Em última análise, afeta a sociedade por inteiro, pois é do interesse de todos a solução dos conflitos.

Acompanha, ainda, Cléber Lúcio de Almeida172, ao elucidar que

O juiz não é, contudo, o único destinatário da prova. As partes também são destinatárias da prova, na medida em que têm direito a uma decisão fundamentada na prova constante dos autos. As provas têm entre os seus destinatários, ainda, a própria sociedade. É que no controle da atividade estatal, inclusive jurisdicional, a sociedade tem o direito de conhecer os motivos (provas, inclusive) pelos quais em seu nome foi proferida determinada decisão (no Estado Democrático de Direito, todo poder é exercido em nome do povo). A prova, portanto, tem função endoprocessual (em relação ao juiz e às partes) e extraprocessual (em relação à sociedade). A prova é uma garantia para o juiz, as partes e a sociedade da decisão o mais próximo possível da realidade.

Em suma, apesar da prova ter a finalidade principal de influenciar na convicção do julgador, é inegável e inarredável a ocorrência da finalidade secundária da prova.173

2.4.1. Significado da decisão

Viu-se que a prova tem o objetivo de ajudar no convencimento do magistrado na hora em que o mesmo necessita decidir sobre a lide. Esta assertiva nos remete ao fato de que a prova é elemento constitutivo de princípios que regem a sentença. Cabe destacar o da motivação das decisões judiciais e administrativas, expressamente previsto no corpo de nossa Constituição Federal no seu artigo 93, inciso IX.174

Muito se fala em princípios, em convencimento, em motivação, mas pouca atenção é dada ao significado do corpo decisório do juiz. Em outras palavras, convém analisarmos o significado das presentes indagações: o que diz o juiz? o que faz o juiz?.175

Primeiramente, deve ser analisado que a decisão do magistrado pode assumir três desenhos diferentes: constitutivo, normativo e descritivo. 176

Quanto ao que se refere o fator constitutivo, é definido que, neste caso, seria uma forma de manutenção da valência dos julgados ou do preceito utilizado como fundamento de seus efeitos; No que diz respeito ao fator normativo, seria este motivo a dar azo ao caráter de norma, assumido em virtude da aplicação da pena por parte do magistrado; Por fim, no sentido descritivo, as decisões remetem ao caráter de descrição sobre o ocorrido no mundo fora da lide.177

Também deve ganhar destaque o sentido dado nas decisões do magistrado.178 Em primeiro plano, temos o sentido de indicar quais os meios utilizados em benefício da decisão; Em segunda instância, há o sentido de apontar a atividade utilizada em benefício da decisão; No terceiro plano, as decisões são no sentido do resultado originado pela lide e seu conteúdo fático.179

2.4.2. A prova e a verdade

Foi abordado em momento anterior que a prova possui um viés objetivo, enquanto a certeza adquire um viés subjetivo. Então, será que é possível existir diálogo estes dois caracteres opostos?

No tópico anterior, foi falado um pouco sobre estas decisões do magistrado. Agora, faz-se justo e necessário explanar sobre a relação entre a figura da prova e a figura da verdade.

Sobre este diálogo, Jordi Ferrer Beltrán180 afirma que urgem da doutrina duas teorias:

Para a primeira dessas teses, que defende a existência de uma relação que pode ser chamada de conceitual, a verdade de uma proposição é condição necessária, mas não suficiente, para que se possa dizer que a proposição está provada. (...) de forma geral, sustenta que uma preposição está provada se é verdadeira e se há elementos de juízo a seu favor. (...)

A segunda tese, por sua vez, sustenta que a relação entre prova e verdade é teleológica; isto é, não confere à verdade qualquer papel na definição da prova, mas a considera o objetivo último da atividade probatória. O que se sustenta, desse modo, é que a finalidade principal da atividade probatória é obter o conhecimento da verdade sobre os fatos ocorridos, cuja descrição será convertida em premissa do raciocínio decisório.

A primeira teoria, atualmente, não nutre muitos defensores, sendo hoje predominante na doutrina a segunda teoria, a qual será explanada a seguir.

Mas antes de ser falado da segunda teoria, é de suma importância grifar a criação de uma terceira teoria, a qual caracterizada por ser um meio termo entre os caracteres objetivos e subjetivos, defendida por Heidegger e Gadamer, onde procura elucidar um diálogo demonstrador, sem dar relevância ao conteúdo fático.181

O novo Código de Processo Civil, no art. 369, prevê a relação entre a prova e a verdade:

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

A verdade, em consonância com a definição clássica e de acordo com Lenio Luiz Streck (2017. p. 287) “é adaequatio intellectus et rei, a correspondência entre o pensamento com a coisa”.182 No mesmo sentido é o pensamento de Mittermaier (2017, p. 18), o qual aduz que “a verdade é a concordância entre um ato ocorrido na realidade sensível e a ideia que fazemos dele”.183

No que tange ao processo, segundo Carnelutti (2017, p. 41), “provar significa, com efeito, demonstrar a verdade de uma proposição afirmada”.184 Schiavi aduz que “a definição de verdade para fins processuais significa: acontecimento que ocorreu na realidade, o qual não fora objeto de alteração por vontade humana ou alterada em razão de erro na sua percepção”. 185

Desta definição de Mauro Schiavi é que se extrai o risco da ocorrência de uma decisão injusta, no momento em que se utiliza objeto falso na lide e se sai vitorioso ao final, o que, de fato, torna a decisão injusta.186 Por isso, a verdade, em termos processuais, deve servir de referência para o exercício da prova, cuja qual deve inserir-se na procura de ser o mais correta possível.187

Quando se diz que a prova deve ser a mais correta possível, refere-se ao fato de que é pouco provável a chegada à verdade concreta através da lide.188 Isto porque, segundo Fredie Didier (2017, p. 57), “o mais correto, mesmo, seria entender a verdade buscada no processo como aquela mais próxima possível da real, própria da condição humana”.189

Para Calamandrei (2017, pp. 57-58), em contrapartida, a ideia de verdade é elevada a tão alto grau que ele a considera como imperiosa.190Porém, existem restrições a esta ideia.191

A primeira restrição existente é a que coloca delimitações para a prova, sendo exemplo o momento oportuno para ser apresentada; A segunda restrição é o advento da coisa julgada, que serve de ponto final para o diálogo processual; A terceira restrição que atinge a prova são as regras criadas pelo ordenamento e que lhe são próprias.192

Respalda estas limitações Michele Taruffo, que lembra o fato de que, hoje, os membros da ciência não tratam mais da verdade como imperiosa, cabendo um diálogo entre o tema mais compatível com determinado caso. Assim sendo, deve-se buscar o modelo de verdade que possui relação com determinado caso presente na demanda.193 Ela ainda fala que deve acontecer uma justa seleção dos fatos do processo.194

De toda essa discussão, emergiu na doutrina europeia, mas especificamente na Alemanha nos derradeiros anos do século XIX, uma separação entre o que seria verdade material e verdade processual.195

Também chamada de real, substancial, a verdade material é uma verdade que ocorreu no mundo real, sem dependência ou influência do querer humano.196 É a que encontra-se no mundo externo, alheia ao contencioso.197

Já a verdade dita processual, também tratada como formal, verossimilhança, é a verdade derivada da lide.198 É a adquirida durante o procedimento, sem haver a necessária compatibilidade entre o mundo processual e o mundo externo, sendo a decisão do magistrado verdade exclusiva e verossímil, no plano formal.199

Hoje, esta separação encontra-se vencida.

Em meados do século XX, já haviam vozes renomadas da doutrina que clamavam pela extirpação de tal separação.200

Atualmente, é maciço na doutrina a afirmação de que a verdade é única, havendo espaço somente para a verdade chamada de real.201 Gizam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart202 que

A ideia de verdade formal é, portanto, absolutamente inconsistente e, por essa razão, foi (e tende a ser cada vez mais), paulatinamente, perdendo seu prestígio no seio do processo civil. A doutrina mais moderna nenhuma referência mais faz a esse conceito, que não apresenta qualquer utilidade prática, sendo mero argumento retórico a sustentar a posição de inércia do juiz na reconstrução dos fatos e a frequente dissonância do produto obtido no processo com a realidade fática.

Na lição do renomado pensador italiano Francesco Carnelutti203

(...) não é mais do que uma metáfora, sem dúvidas; em realidade, é fácil observar que a verdade não pode ser senão uma, de forma que a verdade formal ou jurídica ou coincide com a verdade material, e não é mais que verdade, ou diverge dessa, e não é mais do que uma não-verdade (...)

No âmbito do processo penal, defendia a doutrina que a preocupação desta área se resumia pela procura da verdade material.204 Porém, dentro da doutrina atual já existem críticas a este posicionamento.

Aduz Aury Lopes Jr. que205

O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público” (cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz-ator (inquisidor).

Tem-se que esta alegada preocupação com a verdade material teve sua gênese no tempo da inquisição, sendo desde os tempos inquisitórios utilizada para fundamentar os excessos praticados pelo Estado.206

Com isso, é pacífico que, na verdade, tem o processo penal como escopo a verdade processual, tendo em vista que este tipo de verdade não está suscetível às atrocidades estatais, já que há um sistema garantidor que faz com que as chances de uma decisão injusta sejam escassas.207

Redigindo duras críticas, aduz Streck o seguinte:208

Em um modelo inquisidor do “juiz presidente da instrução”, a “verdade real” acaba por ser usada como um álibi teórico que serve para justificar tanto a busca de elementos de “convicção” pelo juiz (a questão do gerenciamento da prova), quanto de argumento performático para motivar uma decisão que padece de coerência e integridade, vale dizer, de uma decisão que possui pouco – ou nenhum – fundamento jurídico. O que ocorre com o conceito de “verdade real” é uma mixagem de dois paradigmas filosóficos inconciliáveis: ao mesmo tempo em que se propala algo “real” que subsiste por si só, não se abre mão do sujeito solipsista da modernidade para dar sentido a esse “real”. Em outras palavras, é absolutamente inconsistente o conceito ou a noção de “verdade real” utilizada no Direito, não passando de um elemento fortemente ideológico utilizado para sustentar raciocínios teleológicos-inquisitoriais.

Por derradeiro, interessante o dito de Contardo Calligaris:209

“é possível desistir da verdade, considerando que o mundo é um vasto teatro em que as subjetividades se enfrentam e que o que importa é apenas a versão de quem ganha a luta (retórica ou armada); ou então, talvez seja possível amparar a verdade, preservála de nossas próprias motivações. Podemos, por exemplo, desconfiar de nossas ideias, sobretudo quando nos sentimos particularmente satisfeitos com o entendimento da realidade que elas nos proporcionam. Pois a verdade (com o curso de ação que, eventualmente, ela “impõe”) é geralmente pouco gratificante e de acesso trabalhoso”.

Sobre o autor
Matheus Passos da Silva

- Natural de Pelotas/RS; - Possui formação acadêmica na Universidade Católica de Pelotas, bem como concluiu recentemente especialização lato sensu em Direito Material e Processual do Trabalho na instituição Faculdade Damásio Educacional de Jesus. No momento, cursa especialização em Direito Imobiliário, Urbanístico, Notarial e Registral pela Universidade de Santa Cruz do Sul; - Sócio Proprietário do Escritório Passos & Ricaldone - Advocacia, Assessoria e Compliance.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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