Natureza jurídica da estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente.

Das vertentes principiológicas às lacunas na legislação processual

13/02/2019 às 19:52
Leia nesta página:

Serão abordados os principais aspectos envolvendo o instituto da estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente previsto no Código de Processo Civil de 2015.

RESUMO

A tutela provisória é gênero e se divide em duas espécies: tutela de evidência e tutela de urgência, podendo ser antecipada ou cautelar. Quanto ao momento, a tutela de urgência poderá ser pleiteada de forma antecedente ou incidental. O CPC de 2015 trouxe nova ferramenta processual a fim de garantir celeridade, efetividade e razoável duração ao processo, o instituto da “estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente”. Dessa forma, questionamentos surgiram em relação à natureza jurídica de tal instituto, sua similaridade ou não com a coisa julgada, além de dúvidas de ordem procedimental. Nesse contexto, este estudo tem como objetivo entender, por meio de uma revisão principiológica, a essência do instituto criado, assim como as lacunas verificadas na norma processual.

Palavras-chave: Tutela provisória de urgência. Tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Estabilização. Lacunas na legislação processual. Natureza jurídica.

1 INTRODUÇÃO

Durante a história do Direito Processual Civil, a demora na prestação jurisdicional sempre foi alvo de debates. Princípios como segurança jurídica, devido processo legal e a paridade de armas eram sopesados para criação de institutos como prescrição, decadência, preclusão e coisa julgada.

O tempo – evento natural e físico – possui grande importância no direito, uma vez que é algo intrínseco à vida do homem – ser vivente que percebe e entende a perenidade das coisas.

No Brasil, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, passou-se a disciplinar mais um instituto caro à segurança jurídica e que esbarra nos efeitos deletérios (ou benéficos) do tempo: a estabilização de tutela de urgência antecipada em caráter antecedente, em que a parte poderá limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final.

Nesse contexto, vislumbram-se vertentes principiológicas e lacunas que devem ser debatidas.

O presente artigo foi elaborado com base em pesquisa em caráter qualitativo, através de revisão bibliográfica.

Ressalta-se que o instituto da estabilização da tutela de urgência em caráter antecedente teve como base valorativa importantes princípios como a celeridade, efetividade e segurança jurídica.

Surgiram diversas controvérsias no meio doutrinário sobre a aplicação do instituto, principalmente no que tange sua natureza jurídica e sua relação com a coisa julgada, além da possibilidade de ser utilizada incidentalmente ou diante de decisões parciais.

Serão abordados, em um primeiro momento, alguns princípios fundamentais que servirão de base para obtenção de uma decisão em caráter provisório. Em um segundo momento, será analisada a estrutura da tutela provisória de urgência antecipada e cautelar, assim como suas principais características e pontos de distinção. A seguir, explicitar-se-á a inovação trazida pelo Código de Processo Civil, qual seja, a tutela de urgência antecipada quando requerida em caráter antecedente, analisando o procedimento a ser seguido em busca da estabilização dos efeitos da decisão.

Por derradeiro, o último capítulo será dedicado a esclarecer algumas lacunas deixadas pelo legislador, em especial, a possibilidade de se aplicar os efeitos da estabilização nas decisões concedidas de forma parcial e requerida de forma incidental. Nesse ínterim, será abordada, ainda, a possibilidade da formação da coisa julgada nas decisões provisórias estabilizadas, bem como a natureza jurídica do instituto.

Diante do exposto, verificar-se-á que a estabilização da tutela pode enfrentar desafios e questionamentos práticos pelos operadores do direito, porém não se nega a importância de sua criação como nova ferramenta a permitir mais celeridade e efetividade aos processos.

2 DAS VERTENTES PRINCIPIOLÓGICAS NA DISCIPLINA DA TUTELA PROVISÓRIA NO CPC/2015

O Código de Processo Civil de 2015 cuidou da revisão de alguns institutos, trazendo modificações operacionais e inovações principiológicas à luz da Constituição Federal.

É o que aconteceu no caso das tutelas provisórias, que ganharam título próprio e novas ferramentas para que o operador do direito tenha condições de concretizar com mais celeridade os desafios da tutela material.

Sobre a importância dos princípios, Sarmento (2017, p. 389) faz uma interpretação de como a Constituição Federal projetou uma mudança nos ramos do direito:

Esta maior maleabilidade dos princípios estimula que, no campo hermenêutico, se articulem e possam dialogar ou disputar espaço as diferentes forças políticas e sociais, que endossam ideologias e cosmovisões divergentes. Nesse sentido, pode-se dizer que a abertura semântica dos princípios enseja uma maior abertura social da constituição, que se torna mais receptiva ao pluralismo cultural e político, presente nas sociedades contemporâneas. Os princípios, muito mais do que as regras, comportam diferentes leituras, ponderações e compromissos, o que é necessário para que a constituição possa ser vista a todos os cidadãos como algo que também é seu e pelo que vale a pena lutar.

Na seara processual, é flagrante a influência dos princípios na aplicação concreta do direito, como a razoável duração do processo e a efetividade processual, essenciais ao entendimento do novo desenho das tutelas provisórias no Código de Processo Civil de 2015.

Sobre o sistema principiológico e sua estrutura no Novo Código de Processo Civil, Theodoro Júnior (2017, p. 35) assim preleciona:

O uso de princípios na aplicação do Direito no Brasil veio se tornando práxis comum desde a Constituição de 1988. Todos os ramos do Direito, lidos a partir do Texto Maior, passaram a ser compreendidos de uma perspectiva que vai além das regras jurídicas, mas que abarca também princípios, tidos igualmente como normas.

O Novo CPC evidencia essa tendência ao conferir grande importância aos princípios fundamentais do processo, característica visível não apenas nos primeiros artigos, mas, na verdade, em todo o texto, especialmente quando se percebe que o conteúdo desses princípios servirá de premissa interpretativa de todas as técnicas trazidas na nova legislação.

As tutelas provisórias – aquelas que antecipam uma decisão judicial ou asseguram o resultado do processo – baseiam-se em dois pilares: a razoável duração do processo e a efetividade, sem os quais o processo não atingiria seu fim, qual seja – de servir ao jurisdicionado como meio adequado para solucionar suas pretensões materiais.

Bueno (2017, p. 31) discorre sobre o princípio da razoável duração do processo:

Não há, de qualquer sorte, como querer compreender o inciso LXXVIII do art. 5º da CF como sinônimo de celeridade. O que deve ser relevado nele, a despeito do texto constitucional, é verificar como “economizar” a atividade jurisdicional no sentido da redução desta atividade, redução do número de atos processuais, quiçá, até, da propositura de outras demandas, resolvendo-se o maior número de conflitos de interesses de uma só vez. O que o princípio quer, destarte, é que a atividade jurisdicional e os métodos empregados por ela sejam racionalizados, otimizados, tornados mais eficientes (o que, aliás, vai ao encontro da organização de toda atividade estatal [...]

Já sobre o princípio da efetividade, essência da moderna processualística, Bueno (2017, p. 33) disserta:

Sua noção nuclear repousa em verificar que, uma vez obtido o reconhecimento do direito indicado como ameaçado ou lesionado, seus resultados devem ser efetivos, isto é, concretos, palpáveis, sensíveis no plano exterior do processo, isto é, “fora” do processo. O princípio da efetividade do processo, neste sentido – e diferentemente dos demais –, volta-se mais especificamente aos resultados da tutela jurisdicional no plano material, exterior ao processo [...]

É certo, portanto, que as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente a estabilização da tutela de urgência antecipada em caráter antecedente, são resultado da intenção do legislador infraconstitucional de conferir efetividade aos pronunciamentos jurisdicionais dessa natureza, em homenagem à duração razoável do processo.

3 ESTRUTURA DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA: antecipada e cautelar

A tutela provisória tem como objetivo antecipar os efeitos da tutela definitiva ou assegurar a efetividade do processo. Isso quer dizer que, muitas vezes, a parte tem urgência em obter um pronunciamento jurisdicional que satisfaça sua pretensão, ou mesmo provas suficientes para fazer valer o seu direito, requerendo assim a antecipação ou acautelamento de um provimento final.

Nesse sentido, Didier (2015, p. 567) assevera que “a principal finalidade da tutela provisória é abrandar os males do tempo e garantir a efetividade da jurisdição (os efeitos da tutela). Serve, então, para redistribuir, em homenagem ao princípio da igualdade, o ônus do tempo do processo [...]”.

A tutela provisória foi redesenhada no Novo Código de Processo Civil, inovando em ferramentas para ampliar o poder de cautela do Juízo quando da necessidade de antecipar os fins pretendidos ou acautelar o processo.

Assim preleciona Assumpção Neves (2016, p. 411), ao tratar da novel sistemática:

O Novo Código Processo Civil destina um capítulo ao tratamento da tutela provisória, divida em tutela provisória de urgência (cautelar e antecipada) e da evidência. A tutela provisória é proferida mediante cognição sumária, ou seja, o juiz, ao concedê-la, ainda não tem acesso a todos os elementos de convicção a respeito da controvérsia jurídica. Excepcionalmente, entretanto, essa espécie de tutela poderá ser concedia mediante cognição exauriente, quando o juiz a concede em sentença.

Como visto, a tutela provisória é gênero e se divide em duas espécies: tutela de evidência e tutela de urgência, e esta poderá ser antecipada ou cautelar.

A tutela de urgência antecipada é aquela que antecipa o bem da vida pretendido, enquanto a tutela de urgência cautelar busca proteger o resultado final do processo.

Amorim (2017, p. 500) afirma:

A tutela antecipada satisfaz faticamente o direito, e, ao fazê-lo garante que o futuro resultado do processo seja útil à parte vencedora e o objetivo da tutela cautelar é garantir o resultado final do processo, mas essa garantia na realidade prepara e permite a futura satisfação do direito.

Dinamarco (2003, p. 49) faz uma bela explanação acerca dos institutos da tutela cautelar e da tutela antecipada: “Cautelares e antecipatórias são as duas faces de uma moeda só, elas são dois irmãos gêmeos, ligados por um veio comum que é o empenho em neutralizar o tempo inimigo”.

Ressalta-se que, quanto ao momento processual, a tutela de urgência poderá ser concedida em caráter incidental (dentro de uma ação principal ou concomitante a esta) ou antecedente (antes de uma ação principal).

A incidental não necessita de posterior complementação, ou seja, o pedido de tutela de urgência será formulado concomitantemente ao pedido principal ou no decorrer do processo. Já a antecedente é aquela que se limita ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, havendo oportunidade posterior para que a parte adite a inicial com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, conforme disciplinado no artigo 303 do CPC.

Nesse sentido, Bueno (2017, p. 220) disserta:

A distinção entre antecedente e incidente leva em conta o momento em que requerida a tutela provisória, se antes ou durante o processo. Será antecedente a tutela provisória fundamentada em urgência requerida antes do processo [...]. Será incidente a tutela provisória requerida ao longo do processo, desde a sua petição inicial [...].

São requisitos essenciais para a concessão da tutela de urgência a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Deve o Juízo, portanto, sopesar os interesses envolvidos na lide, julgando a pretensão inaugural com um mínimo grau de convicção.

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Didier (2015, p. 595) comenta sobre esse grau de convicção, a fim de aquilatar o melhor direito da parte em sede de urgência:

A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. [...] é necessário a verossimilhança fática, com a constatação de que há um considerável grau de plausibilidade em torno da narrativa dos fatos trazida pelo autor. É preciso que se visualize, nessa narrativa, uma verdade provável sobre os fatos, independentemente da produção de prova.[...]

Sobre o perigo da demora, ensina Medina (2017, p. 357):

Usa-se, hoje, a expressão perigo de demora (periculum in mora) em sentido amplo, seja para se afirmar que a tutela de urgência é concedida para se evitar dano decorrente da demora processual, seja porque se está diante de uma situação de risco, a impor a concessão da medida de emergência para evitar a ocorrência de dano iminente.

Dessa forma, com uma breve leitura do artigo 300 do CPC, percebe-se que o legislador conferiu o mesmo tratamento jurídico para a tutela cautelar e antecipada, aplicando-se a elas os mesmos requisitos para concessão da medida, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, além do requisito da reversibilidade dos efeitos da decisão para a tutela antecipada.

Apesar disso, a legislação trouxe procedimentos diversos quando do requerimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, havendo a possibilidade de aquela se estabilizar quando preenchidos os requisitos que serão abordados no próximo capítulo. Certo é que tal ferramenta não existia no Código anterior e, diante das problemáticas surgidas, necessário se faz um estudo pormenorizado da sua operabilidade e possíveis soluções na prática processual.

4 A OPERABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE DIANTE DO INSTITUTO DA ESTABILIZAÇÃO

Como já aduzido, o CPC/2015 inovou ao criar o instituto da estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente.

Theodoro Junior (2017, p. 853) afirma que, com essa modificação,

[...] o novo Código de Processo Civil brasileiro se aproximou do regime référé francês, que autoriza provimentos de urgência em situações que a eles não se opõe nenhuma contestação, nem fato que justifique a litigiosidade ordinária.

Dessa forma, verificada a existência dos requisitos processuais, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, além do requisito da reversibilidade dos efeitos da decisão para a tutela antecipada, o pedido de tutela de urgência antecipada requerida em caráter antecedente poderá ser concedido observando-se, contudo, o procedimento próprio disciplinado nos artigos 303 e 304 do Código de Processo Civil.

Nesse caso, sendo a urgência contemporânea à propositura da ação, na petição inicial o autor poderá limitar-se a: requerer a tutela antecipada, indicar o pedido de tutela final e expor a lide, o direito que se busca realizar.

Didier (2015, p. 571) explica o conceito da tutela provisória antecedente como sendo:

[...] aquela que deflagra o processo em que se pretende no futuro, pedir a tutela definitiva [...] a situação de urgência, já existe no momento da propositura da ação, justifica que o autor, na petição inicial, limite-se a requerer a tutela provisória de urgência.

Sendo o pedido inaugural deferido, o Juiz concederá o prazo mínimo de quinze dias para que a parte autora proceda à complementação de sua argumentação, à juntada de novos documentos e à confirmação do pedido de tutela final, nos termos do artigo 303, §1º, I do CPC.

Inerte o réu em interpor o adequado recurso que ataque essa decisão primeira, haverá a possibilidade de a decisão concedida se estabilizar, ou seja, continuará produzindo os efeitos que dela se espera até que seja proposta uma nova demanda, com a finalidade rever, reformar ou invalidar a decisão anteriormente concedida.

O próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 304, §5º, estabeleceu o prazo de dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, para que se reveja, reforme ou invalide a tutela antecipada estabilizada. A estabilização da tutela, portanto, nada mais é do que a permanência dos efeitos da decisão antecipada, enquanto não houver pedido de reforma pelas partes e provimento posterior que o substitua.

Didier (2015, p. 604) bem disserta sobre esse novo instituto:

A estabilização da tutela antecipada ocorre quando ela é concedida em caráter antecedente e não é impugnada pelo réu, litisconsorte ou assistente simples por recurso ou outro meio de impugnação. Se isso ocorrer, o processo será extinto e a decisão antecipatória continuará produzindo efeitos, quanto não for ajuizada ação autônoma para revisá-la, reformá-la ou invalidá-la.

O professor Didier (2015, p. 606) ainda traça alguns pontos que merecem atenção quanto aos pressupostos de estabilização da decisão:

É preciso que o autor tenha requerido a concessão de tutela provisória satisfativa (tutela antecipada) em caráter antecedente [...] desse modo, ao manifestar a sua opção pela tutela antecipada antecedente (art. 303, § 5º, CPC), o autor manifesta, por consequência, a sua intenção de vê-la estabilizada, se preenchido o suporte fático do art. 304. É preciso que o autor não tenha manifestado, na petição inicial, a sua intenção de dar prosseguimento ao processo após a obtenção da pretendida tutela antecipada. [...] É preciso que haja decisão concessiva da tutela provisória satisfativa (tutela antecipada) em caráter antecedente. [...] Por fim, é necessária a inércia do réu diante da decisão que concede tutela antecipada antecedente. [...] Pode acontecer de a medida ser concedida, o autor não aditar e o réu não impugnar. O que acontecerá? [...] Deve prevalecer a estabilização da tutela antecipada.

Quanto a controvérsia levantada por Didier acerca da necessidade ou não do aditamento, Sampaio Júnior (2015), em dissertação sobre o tema, segue o mesmo raciocínio, dispondo que:

É preciso ficar claro que não há obrigatoriedade de aditamento do pedido, o qual poderá ser feito, mas apenas se o autor desejar seguir com o processo em busca de solução assentada em cognição exauriente. Parece evidente, portanto, que a estabilização referida não se condiciona ao aditamento da petição inicial, devendo o autor indicar na petição inicial que pretende se valer do benefício previsto no caput do artigo 303.

Assim também pensa Theodoro Júnior (2017, p. 857), ao afirmar:

Diante desse aparente impasse procedimental, a regra do inciso I, do § 1º do art. 303, deve ser interpretada como medida a ser tomada após o prazo reservado ao requerido para recorrer. [...] A interpretação sistemática, portanto, é a de que o prazo para aditar a inicial somente fluirá depois de ocorrido o fato condicionante, que é a interposição do recurso do réu contra a liminar. Sem o recurso do réu, não há aditamento algum a ser feito pelo autor: o processo se extinguiu ex lege (art. 304, § 1º).

Em sentido diverso, Amorim (2016, p. 448) preleciona que o autor deverá emendar a petição inicial, mesmo sem saber se o réu irá ou não interpor recurso, com a finalidade de se evitar a extinção do processo sem resolução do mérito, conforme disposto no artigo 303, §1º, I do CPC. Assim sendo, caso o réu não apresente recurso, a parte autora deverá ser intimada para informar se pretende ou não continuar com o processo a fim de obter uma sentença de mérito.

Considerando a divergência trazida pela doutrina, o entendimento mais adequado, levando em consideração os princípios constitucionais, mormente a celeridade e razoável duração do processo, é aquele que não exige da parte o aditamento da petição inicial para a ocorrência da estabilização da tutela antecipada antecedente, uma vez que o objetivo desta é conferir ao jurisdicionado um direito sem a necessidade de cognição exauriente.

Não sendo interposto recurso pelo réu e a parte autora estando satisfeita com os efeitos estabilizantes da decisão, evitar-se-á um grande volume de processos no Poder Judiciário. Outrossim, o advogado, com essa nova ferramenta processual, dispõe de um meio mais ágil e seguro para efetivação do direito da vida pleiteado.

Marinoni (2017, p. 14), em lição específica sobre o tema, afirma:

O objetivo da regra que prevê a estabilização da tutela antecipada é, por um lado, eliminar a necessidade de discussão de uma questão que, diante da conduta do réu, não gera mais controvérsia, e, de outro, outorgar capacidade de produzir efeitos a uma decisão interna a um processo que resulta extinto sem resolução do mérito.

Diante do exposto, nota-se que o instituto da tutela antecipada antecedente buscou, através da estabilização, dar uma maior celeridade às demandas urgentes da parte, sem deixar de observar a segurança jurídica da medida em relação ao tempo, uma vez que o processo pode encerrar-se com a própria estabilização, tendo tido o réu a oportunidade de recorrer.

Percebe-se, assim, que a inovação legislativa tem o condão de trazer nova espécie de sentença terminativa, ou seja, sem resolução do mérito. Com isso, aposta-se na redução dos prazos de tramitação dos processos judiciais, porquanto evitará a apreciação, pelo Juízo competente, de outras manifestações após a ocorrência da estabilização.

5 DAS LACUNAS ENCONTRADAS E A CONFUSÃO GERADA PELA COISA JULGADA E A ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA

Como visto, inúmeras discussões em doutrina, com reflexos nos precedentes judiciais, começaram a surgir sobre o instituto da estabilização. Sua natureza jurídica, assim como sua relação com a coisa julgada, além da possibilidade de ser utilizada incidentalmente ou diante de decisões parciais são dúvidas a serem enfrentadas.

A doutrina discute a possibilidade de a tutela de urgência se estabilizar quando for requerida em caráter incidental. O próprio artigo 304 do CPC dispõe apenas que a estabilização será aplicada quando requerida em caráter antecedente. Seria possível a estabilização de uma tutela de urgência quando requerida incidentalmente?

Para Luiz Guilherme Marinoni (2017, p. 121), a resposta é afirmativa. Nesse sentido, afirma:

Ao admitir a estabilização da tutela antecipada requerida na forma antecedente, o art. 304 aceitou implicitamente a estabilização da tutela antecipada requerida na petição inicial da ação regularmente proposta. Raciocínio diverso retiraria a coerência da estabilização da tutela ou, pior do que isso, estimularia o autor a fingir que não possui documentos e oportunidade para desenvolver adequadamente a causa de pedir da ação apenas para requerer a tutela na forma antecedente.

Daniel Amorim (2016, p. 450) vai além ao dispor que, na tutela de urgência antecipada incidental, deferida de forma inaudita altera partes, poderá ocorrer a sua estabilização, uma vez que parte já apresentou o pedido principal. Diferentemente, portanto, dos casos em que o pedido for concedido após apresentada a defesa do réu, não sendo possível, dessa forma, a estabilização, pelo fato de o processo não poder ser extinto sem resolução do mérito.

Também pensa assim Leonardo Greco (p. 317), quando preleciona que “[...] a estabilização da tutela antecipada antecedente, prevista no artigo 305, também se aplica à tutela requerida incidentalmente”.

Em sentido diverso, restringindo a interpretação da norma processual, Theodoro Júnior (2017, p. 854) afirma: “Poderá, ainda, requerer a medida antecipatória cumulada com a pretensão principal, ou também mediante formulação incidental já no curso da ação principal, casos, em que, obviamente, não haverá lugar para se cogitar da questionada estabilização”.

No mesmo sentido, Gajardone (2018, p.1171) afirma não ser possível, uma vez que

Entendeu o legislador que, já estando o pleito principal formulado, implícito está o pedido da parte pelo prosseguimento do processo nos moldes tradicionais, com eventual instrução e prolação de sentença definitiva sobre o conflito (com coisa julgada), em cognição exauriente.

Andou bem o posicionamento que não confere aplicação da estabilização nas hipóteses incidentais. A opção do legislador foi clara ao prever que a tutela antecipada requerida em caráter antecedente se tornará estável, não ampliando, dessa forma, a aplicação do instituto para as incidentais. Caso a parte tenha elaborado o pedido principal, pode-se dizer que sua intenção é obter uma sentença de mérito, não fazendo sentido a aplicação dos efeitos da estabilização.

Outra lacuna deixada pelo legislador diz respeito à possibilidade da estabilização concedida nos casos de decisão parcial da tutela.

A doutrina caminha no sentido de negar tal possibilidade. Gajardone (2018, p. 1173) refuta a estabilidade em decisão parcial, pelo fato de o processo ter o impulso (implícito) de continuar, com o escopo de julgar completamente os pedidos formulados:

A solução ora dada apresenta-se a mais adequada, ainda, por dois outros fundamentos. Primeiro, porque simplifica o sistema, evitando-se que no mesmo feito se tenha parcela do conflito decidida provisoriamente (com efeitos estabilizados e sem coisa julgada), e outra decidida definitivamente (com efeitos perenizados e com coisa julgada). E segundo, por consentânea com a economia processual, pois, se o feito deve prosseguir para fins de definição do pedido não antecipado, perde sentido aplicar a estabilização (imaginada, também, para evitar o processamento da ação com pedido principal).

No mesmo sentido, Amorim (2016, p. 451) disserta que, em suma, não seria cabível a estabilização em julgamentos parciais, pelo fato de causar confusão processual e violar a economia processual, uma vez que seria necessário exaurir os pedidos já pleiteados e ainda não concedidos.

Diferentemente dos posicionamentos descritos acima, para Fredie Didier (2015, p. 608), caso o réu permaneça inerte, a estabilização ocorrerá na parte em que o pedido foi concedido, e o processo continuará em relação ao restante.

Certo é que aceitar a estabilização em decisões concedidas parcialmente causaria uma confusão dentro do processo. Ademais, como a parte obterá uma decisão de mérito, não haveria motivo de se aplicar os efeitos da estabilização.

Se não bastasse as lacunas referidas, ainda mais nebulosa é a interpretação sobre o instituto da estabilização da tutela após decorrido o prazo de dois anos, frente ao célebre conceito de coisa julgada.                       

Sobre a conceituação de coisa julgada, o artigo 502 do CPC aduz: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

Amorim (2016, p.795) disserta sobre o instituto da coisa julgada como sendo:

Em todo processo, independentemente da sua natureza, haverá a prolação de uma sentença (ou acórdão nas ações de competência originária dos tribunais), que em determinado momento torna-se imutável e indiscutível dentro do processo em que foi proferida. [...] A partir do momento em que não for mais cabível qualquer recurso ou tendo ocorrido o exaurimento das vias recursais, a sentença transita em julgado.

A controvérsia, portanto, reside na similitude com o instituto da estabilização. Qual seria a natureza jurídica do novel instituto?

O próprio Código de Processo Civil considera que a estabilização dos efeitos da tutela não gerará coisa julgada durante o prazo de dois anos, conforme disciplinado em seu artigo 304, § 6º mas, e depois desse prazo?

Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 148) afirmam que não haverá a formação da coisa julgada, sendo cabível a propositura de uma ação levando em consideração os prazos previstos no direito material. Assim sendo, com base nos princípios e garantias constitucionais, o direito material poderá ser objeto de uma nova ação:

[...] a eficácia bloqueadora do direito fundamental ao processo justo, portanto, impede que se tenha como constitucional a formação de coisa julgada na tutela antecipada requerida de forma antecedente no caso de transcurso do prazo legal sem exaurimento da cognição. Ou seja, a estabilização da tutela antecipada antecedente não pode lograr a autoridade da coisa julgada – que é peculiar aos procedimentos de cognição exauriente. Passado o prazo de dois anos, continua sendo possível o exaurimento da cognição até que os prazos previstos no direito material para estabilização das situações jurídicas atuem sobre a esfera jurídica das partes.

Nesse mesmo sentido, Fredie Didier (2015, p. 612) considera que a natureza da estabilização não é de coisa julgada, uma vez que não recai sobre o conteúdo da decisão e sim sobre os efeitos. Quer dizer que o mérito poderá ser discutido em ação própria, mesmo passados os dois anos da estabilização dos efeitos da tutela provisória concedida.

Cassio Scarpinella Bueno (2015, p. 232) vai além, afirmando que a decisão concedida não será apta a fazer coisa julgada material; com isso, não será cabível ação rescisória depois de transcorrido o prazo de dois anos:

A circunstância de, passados os dois anos do § 5º do art. 304, não haver mais meios de rever, reformar ou invalidar aquela decisão não faz com que ela transite em materialmente em julgado. Há, aqui, mera coincidência (não identidade) de regimes jurídicos, em prol da própria segurança jurídica. Não há como, por isso mesmo, querer infirmar aquela decisão com fundamento no art. 966, que trata da “ação rescisória”, técnica processual codificada para o desfazimento da coisa julgada material em determinadas hipóteses.

Leonardo Greco (2014, p. 305), em sentido definitivamente contrário aos autores já esposados, em dissertação à época da aprovação do novo Código de Processo Civil, concluiu que, passados dois anos da ciência da decisão que extinguiu o processo, incorrerá em decadência o direito de propor a ação revocatória (§ 5ᵒ), ou seja, sobrevirá efetivamente a coisa julgada”.

Na esteira dessa segunda corrente, Gajardoni (2018, p.1181) afirma que haverá a formação da coisa julgada; e vai além, ao dizer que será possível a propositura de ação rescisória:

Há coisa julgada material após o decurso do biênio para a revisão, modificação ou invalidação da decisão provisória estabilizada, porque são imutáveis e indiscutíveis seus efeitos. [...] Por isso, constituída a coisa julgada pelo não ajuizamento da ação revisional no prazo de 2 (dois) anos, parece ter início novo prazo de 2 (dois) anos para propositura de ação rescisória.

Da leitura dos excertos colacionados acima, percebe-se que o argumento que melhor se adequa às disposições constitucionais e à intenção do legislador é a não formação da coisa julgada pelo instituto da estabilização, uma vez que esse momento processual é permeado pela cognição sumária. Haveria manifesto desrespeito à ampla defesa e ao contraditório pleno, por não permitir a completa instrução do processo.

Assim, não fazendo coisa julgada, após decorrido o prazo de dois anos previsto no artigo 304 §5º do CPC, não será possível propor as ações previstas no artigo 304, § 2º do CPC; contudo, o mérito poderá ser rediscutido em uma nova ação, devendo se observar os prazos de decadência e prescrição previstos no direito material.

Dessa forma, pode-se dizer que a natureza jurídica da estabilização, após decorrido o prazo de dois anos, é de decisão indiscutível, mas apenas dentro do mesmo processo em que o pedido foi concedido, ou seja, é um tipo de efeito que preserva a decisão provisória concedida, sem resolver o mérito. Diferencia-se, assim, do instituto da coisa julgada em que o processo é extinto com resolução do mérito.

6 CONCLUSÃO

A estabilização da tutela antecipada é, portanto, efeito que preserva decisões provisórias em caráter antecedente. O objetivo do instituto é dar celeridade e efetividade processual, em fase preliminar a discussão exaustiva do mérito.

Trata-se de dispositivo novo que não se confunde com a coisa julgada, pois, conforme preleciona Didier (2015, p. 612), a estabilização refere-se apenas aos efeitos, enquanto a coisa julgada recai sobre o conteúdo da decisão. Para rediscussão do mérito em ação própria, respeitar-se-ão apenas os prazos do direito material de prescrição e decadência.

Quanto à necessidade ou não de aditamento da tutela, para que exista a estabilização, mais consentânea é a posição de Theodoro Júnior (2017, p. 857), que afirma ser desnecessário o aditamento quando não há recurso do réu.

Não faz sentido, outrossim, permitir a estabilização da decisão de tutela antecipada antecedente em caráter incidental no bojo de um processo. Conforme Gajardone (2018, p. 1171) e Theodoro Júnior (2017, p. 854), já se terá uma decisão final de mérito, o que dispensa estabilizações de tutelas de urgência eventualmente concedidas.

Em relação à estabilização em decisões parciais, quando há julgamento favorável de parte dos pedidos, eventual perpetuação desses efeitos geraria confusão processual, uma vez que o processo deverá seguir seu curso natural e culminar em um provimento final do mérito sobre todos os pedidos. Na doutrina, esse posicionamento é defendido por Amorim (2016, p. 451) e Gajardoni (2018, p. 1173).

A estabilização da tutela, por se tratar de dispositivo novo na legislação processual, ainda suscita dúvidas e debates doutrinários. Entretanto, conclui-se que andou bem o legislador pátrio, uma vez que tentou assegurar a satisfação do direito, encurtando o tempo esperado do processo, de forma a obter economia processual e celeridade, diante da inércia do réu.

REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Jaqueline da Rocha Medis

Advogada. Pós graduada em Direito Notarial e Registral.

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