O transconstitucionalismo e seus impactos na sociedade moderna

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16/02/2019 às 20:45
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RESUMO: O presente artigo pretende analisar algumas esferas que o transconstitucionalismo abrange nos âmbitos nacionais e internacionais. Para tanto, será demonstrado como se deu a evolução do tema e seus trâmites para os entrelaçamentos entre Estados, bem como também a evolução dos direitos humanos e sua ênfase em defender as minorias, como por exemplo, os homossexuais da sociedade preconceituosa que ainda predomina ao redor do planeta.  

PALAVRAS-CHAVE:Transconstitucionalismo. Controle de Convencionalidade. Direitos Humanos. Homossexualismo.

ABSTRACT: The article intends to analyze some scopes that the transconstitutionalism covers both national and international ways. Therefore, it will be shown how were the theme’s evolution and the formalities for the interlacing between States, as well as the evolution of the Human Rights and its emphasis on defending the minorities, for instance, the homosexuals of the prejudicial society that still predominates around the globe.

KEYWORDS:Transconstitutionalism. Conventional Control. Human Rights. Homosexuality.


INTRODUÇÃO

A expressão Transconstitucionalismo ainda é bastante recente, e muitos conservadores não aceitam a sua imersão no jargão jurídico da sociedade mundial. No entanto, é notório que o entrelaçamento entre ordens jurídicas em escala internacional vem acontecendo com maior frequência graças ao advento da Segunda Guerra Mundial que impulsionou uma sensibilização em toda a sociedade e criaram-se as Nações Unidas, e logo após a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não obstante, fica claro também que a tecnologia e a globalização são fatores importantíssimos que auxiliam o transconstitucionalismo, já que, nunca em toda a história da humanidade, foi tão fácil de comunicar com alguém que está a centenas ou milhares de quilômetros de distância.

No entanto, nem tudo é o que parece ser. O transconstitucionalismo é um termo criado pelo ex- Conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Marcelo Neves. Em seu livro, ele explica como o tema está presente no dia a dia da sociedade e como ele afeta-a de modo constante. Neves relata casos de divergências entre tribunais internacionais quanto às jurisprudências e pensamentos ao resolver problemas em determinado Estado.

Também cita sobre o Controle de Convencionalidade e os tratados internacionais de direitos humanos que, com muita dificuldade conseguiram sua posição “especial” dentro da normativa brasileira, mas que mesmo assim, segundo Valério Mazzuoli ainda não é o bastante, já que, como está explícito no § 3° do artigo 5° da Constituição Federal de 1988, somente determinas leis detém de títulos normativamente constitucionais no Estado brasileiro.

Por fim, destaca-se os direitos humanos e sua essencial importância para a sociedade mundial. O seu contexto histórico, atravessando desde as antigas civilizações como espetacular feito de Ciro, o Grande até a Declaração Universal de Direitos Humanos por Eleanor Roosvelt, em 1948.

Indo mais adiante, adentra-se na minoria e oprimida comunidade homoafetiva que é bastante julgada pelo senso comum, às vezes sendo tratados até mesmo como doentes. Os direitos humanos tentam de todas as formas amenizar e penalizar tais transgressores. E é justamente nessa linha de raciocínio que o transconstitucionalismo se encaixa, pois a conversação, a racionalidade transversal e as pontes de transições entre as ordens jurídicas estatais deve prevalecer para que, num futuro próximo, haja igualdade e somente assim a sociedade possa viver em próspera harmonia.


1. DEFINIÇÃO DE TRANSCONSTITUCIONALISMO

Em uma entrevista dada a ConJur (Consultório Jurídico), o ex- Conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Marcelo Neves define que o transconstitucionalismo é o entrelaçamento do ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional. Ou seja, problemas de direitos fundamentais e limitação de poder que são discutidos ao mesmo tempo por tribunais de ordens diversas. Em sua obra, ele retrata vários casos em que tribunais como o STF (Supremo Tribunal Federal), a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou mesmo a UE (União Europeia) entram em conflitos no que tange a pensamentos e ordenamentos jurídicos que cada país adota em seu território.

Muitas das vezes, esses tribunais entram em conflitos, e geralmente há sempre um que irá ceder, mas não quer dizer um ser maior que o outro, ou que um deve de fato obedecer ao outro, já que, não há hierarquia entre tribunais de ordens distintas. No entanto, muitas das vezes, pode haver pressões e até mesmo sanções para países que não cumpram tais pedidos que a outra ordem estabelece, já que, na maioria das vezes, se há conflitos, indica que uma país está ferindo aos Direitos Humanos e, isso é claramente inadmissível no mundo globalizado.

O transconstitucionalismo de Neves tem uma pegada bastante diplomática, isto é, não se deve usar a força, soberania ou a humilhação para que seja cumprido o pedido estabelecido, o diálogo é o ponto crucial no transconstitucionalismo. Ambas as partes envolvidas devem ser maduras, harmônicas, transparentes e imparciais no momento em que se firma um acordo.

Também é importante salientar que o transconstitucionalismo não toma única ordem jurídica ou um tipo determinado de ordem como pode de partida ou ultima ratio (NEVES, 2009, pp.8-10). Com essa assertiva, fica claro que o modelo rejeita tanto o estatalismo quando o internacionalismo, o supranacionalismo, o transnacionalismo e o localismo como espaço de solução privilegiado dos problemas constitucionais. Aponta, antes, para a necessidade de construção de “pontes de transição”, pra promoção de “conversações constitucionais”, do fortalecimento de entrelaçamentos constitucionais entre as diversas ordens jurídicas: estatais, internacionais, transnacionais, supranacionais e locais (NEVES, 2009, p. 38 e ss).

Neves também teve uma ajuda muito importante na produção de seu livro ao ter contato com a obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann, criador do exemplar A Teoria dos Sistemas Sociais, um acervo de conhecimento com cerca de 14.000 (quatorze mil) páginas, onde que ele cita a autopoiése, termo originado do grego que significa “criação própria”, auto (próprio), poiesis (criação), onde que, Luhmann descreve a sociedade atual como complexa, e ele distancia das concepções que pretendem normatizá-la prescrevendo soluções para os supostos problemas sociais que desejam ensinar como deve ser.

Luhmann defende que a sociedade não é uma simples soma das consciências individuais ou das ações humanas e não muda seu peso por cada um que nasça ou por cada um que morra. Para Luhmann a sociedade se torna sociedade “através do consenso dos seres humanos, da concordância de suas opiniões e da complementaridade de seus objetivos”. (LUHMANN, 2007, p. 12).

A obra de Marcelo Neves teve um grande avanço após essas concepções, já que se a sociedade autopoiética não é uma sociedade onde que cada um faz o que bem entende, ou que é a ordem que declara o veredicto final e individual, mas sim um local onde há harmonia, equidade e interação, para que assim chegue-se a um acordo formal.  


2. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

O controle de convencionalidade é um novíssimo sistema de solução de antinomias entre normas que, há pouco foi discutido no Brasil. O mesmo valora a compatibilidade entre a norma ordinária com os tratados internacionais, como afirma Valério de Oliveira Mazzuoli (2009, p. 64) que “o controle de convencionalidade é a compatibilidade da produção normativa doméstica com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país”.

No entanto, deve-se entender primeiramente o porquê da criação desta vertente de pensamento e, então, a sua correlação com o transconstitucionalismo. 

2.1. Contexto Histórico

Por ser um assunto de grandessíssimo patamar, coube ao Supremo Tribunal Federal se posicionar sobre os tratados internacionais. No ano de 1971, o então Ministro Oswaldo Trigueiro, na condição de Relator, viu-se em uma altercação no qual se discutia a possibilidade de o prazo prescricional, previsto na Lei Uniforme sobre Cheque, adotada pela Convenção de Genebra, recair no que diz a respeito às relações firmadas com base no direito interno brasileiro. Não havia leis, não haviam regulamentos elaborados pelo Poder Legislativo, que presidisse no plano nacional.

O Ministro Relator, Oswaldo Trigueiro, decidiu então que seria inadequado de exigir-se que o Congresso Nacional elaborasse a legislação integrativa para que se admitisse a incidência do tratado internacional.  Segundo ele, se o mesmo órgão é o responsável pela incorporação do tratado internacional, seria inconsistente que se exija a elaboração de uma lei que apenas copie todo o conteúdo já disposto no documento internacional.

Nesse primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal dispôs que os tratados internacionais seriam equiparados à legislação ordinária, haja vista ter-lhes admitido modificá-la:

Lei Uniforme sobre o Cheque, adotada pela Convenção de Genebra. Aprovada essa Convenção pelo Congresso Nacional e regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo que modificam a legislação interna. Recurso Extraordinário conhecido e provido. 

Quase seis anos mais tarde, a discussão sobre o status ocupado pelos tratados internacionais na pirâmide normativa brasileira retornou à mesa dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Nesse segundo momento, foi discutido o artigo 2° do Decreto-Lei 427, de 22 de janeiro de 19691, poderia exigir que a validade dos títulos de crédito ficasse condicionada ao seu registro na repartição a ser definida pelo Ministério da Fazenda. O posicionamento foi reafirmado quando o julgamento do Recurso Extraordinário 71.154, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela aplicabilidade do artigo 2°2. Então, se os tratados revogam a legislação ordinária por se alocarem no mesmo patamar hierárquico, é admitido à última, quando mais recente, revogar ou modificar o primeiro. Reconhecida a nulidade de título, afastou-se a responsabilidade patrimonial do avalista, que inserisse o Recurso Extraordinário.

O único voto divergente foi o do Ministro Xavier de Albuquerque. Ele argumentou que a exigência prévia do registro não poderia ser admitida, pois, segundo Albuquerque, afrontaria diretamente a finalidade a qual a Convenção de Genebra fora instituída: a facilitação da circulação de títulos de crédito, mormente duplicatas e notas promissórias no mercado internacional.

Foi graças a esse posicionamento, mesmo que defasado, que se inseriu a noção de supralegalidade no ambiente do Supremo Tribunal Federal. Se os tratados internacionais continuassem alocados no mesmo patamar da legislação ordinária, acabariam por perder seu objeto e, com ele, a sua própria utilidade. Com esse pensamento perambulando entre os Ministros, admitiu-se ao legislador nacional estabelecer requisitos suplementares aos tratados internacionais; todavia, a supralegalidade estava plantada e já angariava amparo na legislação interna.

Até o momento no que foi explicitado aqui, não se citou sobre os tratados internacionais de Direitos Humanos, já que, na história do Brasil, não se havia ainda cogitado a possibilidade de pensamentos sobre a hierarquia dos Direitos Humanos na ordem jurídica brasileira. Somente em 1996 que a essa calorosa discussão sobre os tratados internacionais de Direitos Humanos alcançou o Supremo Tribunal Federal, quando se julgara o Habeas Corpus número 72.131-13.

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Nesse julgamento, um dos pontos envolvidos estava à hierarquia ocupada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos no ordenamento jurídico nacional. O pleito versava sobre a prisão de devedor que, figurando num contrato de alienação fiduciária, firmado nos termos do Decreto-Lei número 911, de 1. De outubro de 1969, já não detinha o bem quando requisitado.

Também é importante salientar que o depositário infiel, por voto proferido pelo Ministro Relator Marco Aurélio, fundamentou que a natureza do encargo assumido por meio do contrato de depósito é real, consistente na devolução do bem quando reivindicado. Na alienação fiduciária, o encargo tem natureza pessoal, pois o reconhecimento do contrato de depósito e a subsequente decretação da prisão civil do contratante são desencadeados pelo inadimplemento da dívida contratada. Tanto é que verdade, que, se a dívida é quitada, não mais se deve falar em devolução do bem.

Por tudo isso, a prisão daquele que se desfez de um bem adquirido por contrato de alienação fiduciária foi afastada, pois como está prevista nos documentos internacionais, como a Convenção de Americana sobre Direitos Humanos, particularmente o número 7 de seu artigo 7°: “ninguém deve ser detido por dívidas, Este princípio não se limita aos mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Atraiu-se também um novo gancho a essa nova dinâmica o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que, em seu artigo 11 diz: “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir uma obrigação contratual”.

Nesse diapasão, é notório que os tratados internacionais de Direitos Humanos evoluíram gradativamente dentro da ordem jurídica nacional. Além do que se prevê no artigo 5°, § 2°4 da Constituição Federal promulgada em 1988, houve uma inclusão bastante crucial, a emenda n. 45 do ano de 2004, que acrescentou o § 3°5 ao artigo 5° a Constituição Federal, o que possibilitou um novo controle vertical das normas, isto é, aqueles tratados internacionais de Direitos Humanos que tiverem a qualificação expressa no § 3° do artigo 5° terão status de norma constitucional.

Segundo a pirâmide de Hans Kelsen, a constituição é a norma superior vigente em uma nação, desse modo, a partir da emenda nº 45/04, os tratados internacionais de Direitos Humanos qualificados legalmente podem ser equiparados à constituição, mas, desde que, os tratados não contrariem a carta magna, já que se o primeiro ferir o segundo, o segundo prevalece como ordem superior.

No entanto, verifica-se que até o presente momento apenas a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocoloco Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, foi aprovada pelo rito do § 3° do artigo 5° da Constituição Federal, através do decreto 6.949, publicado no Diário Oficial da União no dia 25 de agosto de 2009.

Objeto da tese de doutorado de Valério de Oliveira Mazzuoli, mestre de Direito Internacional, que acredita que todos os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado em vigor no Brasil têm nível de normas constitucionais, tanto por hierarquia material (status de norma constitucional), quanto por hierarquia matéria e formal (equivalência de emenda constitucional). De acordo com o autor:

Falar em controle de convencionalidade significa falar em compatibilidade vertical das normas de direito interno com as convenções internacionais de direitos humanos em vigor no país. Significa, também, falar em técnica judicial de compatibilização vertical das leis com tais preceitos internacionais de direitos humanos6.

Desse modo, ele entra em discordância com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, como já citado antes, decidiu que somente seria considerado como norma constitucional com os requisitos do § 3° do artigo 5° da Constituição Federal.

Para Mazzuoli, não importa o quórum de aprovação do tratado. Dessa forma, o mestre diz que a norma de direitos humanos que for melhor proteger a pessoa deverá prevalecer sobre a outra norma de hierarquia inferior, igual ou até mesmo superior. Neste caso, não há o que se falar em ilegalidade, já que a própria Constituição determina que quando se tratar de direito do ser humano a norma mais benéfica a ele deverá prevalecer.

2.2. O controle de Convencionalidade e o Transconstitucionalismo

 A teoria do transconstitucionalismo proposta por Marcelo Neves permite a análise concomitante de múltiplas esferas sistêmicas, ligadas por uma característica comum, sem que se tenha a pretensão de hierarquizá-las. Por esse fato, vê-se a forte influência do tema, haja vista que o Estado brasileiro, ou até mesmo o Estado Argentino, signatários dos tratados de Direitos Humanos, manifestam a inclinação de incorporá-los ao seu direito nacional, respeitando as particularidades dos ordenamentos jurisdicionais particular.

As características que lhes são comuns, Marcelo Neves atribui o nome de pontes de transição (NEVES, 2009, p. 288). Através do constitucionalismo é possível perceber que diversas esferas que se desenvolvem de forma independente possuem um ponto de contato que as aproxima. Esse ponto de contato permite que se estabeleça um raciocínio transversal, capaz de ligá-las e de conferir-lhes aprimoramentos realizados de forma concomitante (NEVES, 2009, pp. 50-51). 

A partir desta análise, é possível compreender que o transconstitucionalismo influencia no controle de convencionalidade, porque para Neves não há hierarquia entre ordens distintas no cenário internacional, e para Mazzuoli não existe hierarquia entre os tratados internacionais de Direitos Humanos. Fica claro, portanto, que ambas as teorias visam o bem-estar do ser humano, segurança, respeito e paz.

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