4. A HOMOSSEXUALIDADE, OS DIREITOS HUMANOS E O TRANSCONSTITUCIOALISMO
A prática sexual entre pessoas do mesmo sexo não é algo recente na história da humanidade. Desde a pré-história, onde a antropologia mostra que as relações homossexuais eram permitidas, desempenhando um papel importante nos rituais de passagens masculinas. Da pré-história às primeiras civilizações, contendo o Egito, Grécia e Roma até a Idade Média, onde que, por causa do cristianismo, o preconceito se tornou algo tão comum ao ponto que a prática era considerada um pecado e uma doença.
Não parando por aí, períodos marcantes como no Renascimento, onde figuras como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Shakespere e Caravaggio tiveram notórias paixões homossexuais, porém ainda na obscuridade. Por fim, até nos dias atuais, onde que, o amor entre duas pessoas do mesmo sexo é permitido, mas, ainda sim, há um grande tabu em escala mundial na sociedade, e até mesmo em alguns Estados ainda repreendem e detêm de uma grande homofobia para com essa minoria alocada na contemporaneidade (Homossexualidade na História, 2012)HisHdas.
Com o advento da 2° Guerra Mundial e o Holocausto na Alemanha, muitas dessas pessoas tiveram a infelicidade de morrerem graças à sua condição sexual. Somente após a Guerra e com a criação da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 que apontava a questão jurídica sobre a pessoa humana com caráter universal, que se passou a dar uma ênfase no “diferente”, tendo em vista que as várias esferas sociais se encontravam sem nenhuma proteção do Estado (Direitos Humanos na Questão Homossexual, 2017).
Após a promulgação e com a proteção do Estado, ficou efetivamente claro que haveria uma penalidade aos transgressores que cometessem algum tipo de ato ilícito à comunidade. No entanto, não significa que cessaram os preconceitos que existem até nos dias atuais. O indivíduo diferente, segundo o antropólogo Cláudio Reis era o “inimigo” do todo. Afirma ainda que: “Negros, judeus, gays, deficientes físicos ou mentais, entre outros, representavam a anticivilização, por isso escapavam do movimento expansivo estatal” (REIS, 2010, p. 256).
Conforme é apresentado na Declaração, em seu art. 1° “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).
Juntamente com essa concepção, que a ONU (Organização das Nações Unidas) em parceria com a ACNUDH (Escritório Regional para América do Sul), e com a UNAIDS, desenvolveu uma cartilha que aborda cinco seções que ajuda os Estados na defesa do direito destas pessoas, além de evidenciar também as mais importantes leis internacionais, e os pontos de vista dos tratados e os devidos procedimentos a serem adotados. As cinco seções abordam os seguintes aspectos:
I – Proteger as pessoas da violência homofóbica e transfóbica. Incluir a orientação sexual e a identidade de gênero como características protegidas por leis criminais contra o ódio. Estabelecer sistemas efetivos para registrar e relatar atos de violência motivados pelo ódio. Assegurar investigação efetiva, instauração de processo contra os perpetradores e reparação das vítimas de tal violência. Leis e políticas de asilo devem reconhecer que a perseguição de alguém com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero pode ser um motivo válido para um pedido de asilo.
II - Prevenir a tortura e o tratamento cruel, desumano e degradante às pessoas LGBTTs em detenção através da proibição e punição de tais atos, garantindo que as vítimas sejam socorridas. Investigar todos os atos de maus tratos por agentes do Estado e levar os responsáveis à justiça. Prover treinamento apropriado aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e garantir um controle eficaz dos locais de detenção.
III - Revogar leis que criminalizam a homossexualidade, incluindo todas as leis que proíbem a conduta sexual privada entre adultos do mesmo sexo. Assegurar que não sejam presos ou detidos em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero, e não sejam submetidos a exames físicos degradantes e desnecessários com a finalidade de determinar sua orientação sexual.
IV - Proibir a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Promulgar leis abrangentes que incluam a orientação sexual e identidade de gênero como motivos proibidos para discriminação. Em especial, assegurar o acesso não discriminatório a serviços básicos, inclusive no contexto de emprego e assistência médica. Prover educação e treinamento para prevenir a discriminação e estigmatização de pessoas intersexo e LGBT.
V - Proteger as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica para as pessoas intersexo e LBGTTI. Qualquer limitação destes direitos deve ser compatível com o direito internacional e não deve ser discriminatória. Proteger indivíduos que exercitam seus direitos de liberdade de expressão, de associação e de reunião dos atos de violência e intimidação por grupos privados (Cartilha da ONU; Nascidos Livros e Iguais, 2013, p.13).
Com todas essas explicações e evoluções ao “diferente” na sociedade que por muito tempo se perpetuou como tradicional, pode-se aferir também ao transconstitucionalismo, já que a maioria dos Estados após a promulgação da Declaração dos Direitos Humanos aderiu a ideia de respeitar e proteger a comunidade LGBT. Desse modo, é visível não somente o entrelaçamento, mas também a conversação entre os países e a ponte de transição que ocorre para se chegar a um denominador comum, afinal, somos todos seres humanos em busca de paz após tantas opressões ao decorrer das gerações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ganho da importância do transconstitucionalismo na sociedade hodierna é de fato inegável. Como exposto neste artigo, historicamente, o transconstitucionalismo caminhou vagarosamente nas sociedades mundiais, onde o seu ápice por precisão foi após a 2° Guerra Mundial.
Também é de suma importância concluir que o controle de convencionalidade ainda é uma controvérsia no Brasil. Enquanto países como Argentina enxergam que os tratados internacionais de direitos humanos tem sua natureza normativa como status de constitucionalidade, no Brasil especificamente, somente aqueles que passarem pelo quórum de votação previsto no § 3° do artigo 5° da Constituição Federal promulgada em 1988 terá o status de constitucionalidade, aqueles que não forem aprovados, terão status de supralegalidade, não obtendo a sua especialidade dentro das normas do país, mesmo sendo direitos humanos.
Os direitos humanos e a homossexualidade ainda são grandes tabus em várias partes ao redor do globo. Assim como há países que são totalmente a favor dos direitos humanos em sua plenitude, também há países mais conservadores que ainda seguem um sistema tradicional, selecionando quem detém ou não os direitos humanos, e muitas das vezes nesses países, os homossexuais são excluídos por serem reconhecidos como doentes, e não como pessoas normais com opção sexual diferente daquela que é “comum” tradicionalmente, assim, ferindo totalmente aos direitos humanos.
Portanto, é imprescindível que o transconstitucionalismo ganhe mais ênfase ainda na sociedade como um todo, para que o entrelaçamento entre as ordens jurídicas obtenham mais êxitos, desse modo, pontes de transição e a conversação possam fluir e, quiçá, desse modo, consiga-se não somente a equidade, mas sim a igualdade e a paz que muitos almejam há gerações, de forma a não excluir direitos e garantias de qualquer cidadão, mantendo-se a ordem e igualdade entre todos.
REFERÊNCIAS
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