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Repetição de indébito nos tributos indiretos.

Aspectos conceituais e polêmicos

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07/09/2005 às 00:00
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3. Os requisitos do artigo 166 do CTN: uma análise crítica

            Estabelecidos os requisitos e as premissas do art.166 do CTN, cabe neste ínterim, examinar quais as conclusões que se chega sobre a possível (in)compatibilidade do dispositivo com o Sistema Constitucional Brasileiro Tributário, e conseqüentemente, a sua ilegalidade e inconstitucionalidade.

            Como se percebeu ao longo do tema, a classificação dos tributos diretos e indiretos – veiculada ao art.166 do CTN – possui uma sustentação científica frágil e sem finalidade prática na seara do Direito tributário, porém, disseminadora de grandes polêmicas. Pois trata-se de proposta classificatória elaborada pela Ciência das Finanças, portanto de cunho econômico, mas que possui reflexos jurídicos causativos de incertezas jurídicas.

            O critério utilizado da repercussão econômica foi transportado abruptamente de uma Ciência para outra, equivocadamente – ou até negligentemente – pelo legislador tributário, não respeitando as fronteiras que existe entre terminologias econômicas e terminologias jurídicas e o campo de aplicação na Ciência das Finanças e na Ciência do Direito, respectivamente.

            Toda classificação busca atender certas condições determinadas pela ciência que pertence. No entanto, o critério utilizado para classificar os tributos indiretos vem sendo empregado por administradores, legisladores e principalmente magistrados como uma classificação jurídica, sendo seu critério exclusivamente econômico. Consubstancia as palavras de GERALDO ATALIBA ao mencionar:

            É classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente econômico. Foi elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos. É critério de relevância em certos sistemas estrangeiros. No Brasil, não tem aplicação. [20]

            A classificação dos tributos indiretos com supedâneo no critério da repercussão econômica é inseguro e fonte de incertezas, pois não raras vezes tributos ditos indiretos não são repassados a terceiros, mas suportados pelo próprio contribuinte de direito. Ou seja, é propriedade comum, senão a quase todos os impostos, os quais, de uma forma ou outra, e dentro dos mais variados mecanismos oferecidos pelas leis instáveis de mercado, repercutem economicamente.

            Numa dada conjuntura econômica, um tributo dito direto pode se transformar em indireto e vice-versa, sem que nada altere a lei e sem que modifique o ordenamento jurídico tributário, pois não existe discernimento capaz de definir quando um tributo tem o ônus transferido a terceiro, e quando é o mesmo suportado pelo próprio contribuinte.

            Não obstante, de o Fisco não prevê todos os fatos econômicos do tributo, parte da doutrina [21] aponta uma "solução" para essa previsibilidade, qual seja: o critério legal ou da ficção jurídica, segundo o qual seriam indiretos apenas aqueles impostos que a lei expressamente os nomeasse.

            A saída indicada, no entanto, tende a abocar ao insucesso, pois a norma tributária – veiculada pelo art.166 do CTN – não tem, também, como prever a translação econômica do fato tributável. Não distingui com segurança a natureza jurídica do imposto indireto, e, por conseguinte, não haverá como chegar a uma conclusão juridicamente aceitável.

            Deste modo, é totalmente falso e sem qualquer fundamento científico definir a transferência do respectivo encargo financeiro, expressão equivalente a "tributos indiretos", com base no critério da repercussão econômica, pois todos os tributos repercutem de alguma forma. Partindo dessa constatação, não tem como deixar de ter razão o contundente ALFREDO AUGUSTO BECKER ao asseverar:

            [...] para hoje utilizar-se o critério obscuro e impreciso da divisão dos impostos em diretos e indiretos, ainda que sob qualquer outro critério, é necessário uma boa dose de artificialismo e ilusão, pois esta famosa e velha distinção foi literalmente abolida no curso dos últimos trinta anos sob o tríplice plano: técnico, administrativo e jurídico. A experiência francesa contemporânea pôs em evidência que, sob o ângulo técnico, administrativo e jurídico, a distinção entre imposto direto e indireto está definitivamente cancelada. [22]

            Em suma, não existe tributo indireto. Não existe um critério – apesar da multiplicidade de classificações – que defina esta figura híbrida, ou que "batize" quando um tributo é direto ou indireto. Só é admissível, na realidade fática, que os operadores do Direito Tributário utilizem a repercussão econômica apenas como um instrumento, um meio, posto à sua mercê, para nos casos de pagamento indevido de um imposto já indireto, propiciar o exame, a análise, da averiguação ou não da transferência do respectivo encargo financeiro. Sob pena de não reconhecido pelo Sistema Tributário Brasileiro.

            Não existindo tributos indiretos, consecutivamente afetará na relação jurídica tributária. A impraticável classificação prevista implicitamente no art.166 do CTN fez com que se reconhecesse dois sujeitos passivos da relação jurídica tributária – ou dois sujeitos ativos pelo enfoque da repetição de indébito tributário indireto – quais sejam: o contribuinte de "direito" e o contribuinte de "fato".

            De acordo com o dispositivo legal analisado, fundamentado na classificação dos tributos direitos e indiretos com base na repercussão econômica, são identificáveis duas espécies de contribuinte: de direito, pessoa obrigada legalmente ao pagamento do tributo conforme o art.121 do CTN; e o de fato, pessoa que suporta definitivamente o ônus econômico do tributo por não ter a possibilidade de repercuti-lo para outra pessoa. [23] No entanto, a relação jurídica tributária não comporta essa dualidade de sujeitos num único pólo, mas somente a figura do contribuinte.

            Como já conhecida, a relação jurídica é uma relação constituída por um direito entre um sujeito ativo e um sujeito passivo em torno de um objeto. Dentro da seara do Direito Tributário, ela se individualiza pelo objeto da prestação obrigacional, o tributo. Sendo o vínculo dessa então relação jurídica tributária uma obrigação ex lege, ou seja, o pagamento do tributo decorre da lei, é somente esta que define quem é o devedor ou obrigado legalmente a cumprir a prestação pecuniária (tributo), objeto da relação jurídica tributária.

            O Código Tributário Nacional, em seu art.121, determina que o sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa (física ou jurídica) obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Portanto, é a lei que define o sujeito passivo da obrigação tributária. O único sujeito de direito que pode figurar no pólo passivo da relação jurídica tributária e cuja identificação é prevista numa norma jurídica veiculada ao art. 166 do CTN é o contribuinte.

            Em prol desse argumento é o Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva, onde o contribuinte titular de uma riqueza é o único sujeito de direto que figura no pólo passivo da relação jurídica tributária. Por esse raciocínio, evidencia-se que o critério utilizado para definir esse sujeito passivo tributário ou contribuinte é exclusivamente jurídico.

            Isso mostra tamanha imprecisão do ato de classificar o conceito de contribuinte em de "direito" e de "fato". Se o contribuinte é uma definição legal, a expressão "de direto", destarte, torna-se redundante perante a Ciência do Direito. Referir-se a contribuinte que não seja de direito é tratar a matéria de forma canhestra ao Direito Tributário, e conseqüentemente, torna contraditório a expressão contribuinte "de fato" em relação ao conceito jurídico que ela está imbricada.

            Nesse sentido, LUÍS CESAR SOUZA DE QUEIROZ (1999, p.181) observa com propriedade:

            No plano da linguagem da Ciência do Direito, só há um contribuinte, o redundantemente denominado contribuinte de direito. A outra pretensa espécie (contribuinte de fato) não tem espaço em termos jurídicos. É figura inteiramente estranha ao Direito, que para ser utilizada demandaria o seguinte (e estranho) esclarecimento: o conceito de contribuinte de fato é conceito que nada tem que ver com o conceito jurídico (utilizado na linguagem da Ciência do Direito) de contribuinte (contribuinte de direito).

            A expressão "contribuinte de fato" tem sido questionada há muito tempo. Pois como os tributos indiretos, ele também é um conceito econômico que interessa para Ciência das Finanças, e não um conceito jurídico. Aliás, a grande dificuldade encontrada na questão dos "tributos indiretos" regulada pelo art.166 do CTN, e sua devida restituição, é devido ao fato daquela ciência unir as expressões "de fato" e "de direito" num mesmo conceito.

            Salienta-se que para Ciência Econômica é contribuinte tanto o "econômico" como o "jurídico", constituindo aos seus olhos uma figura de natureza híbrida. Porém para o Direito Tributário inexiste identidade relevante, pois o contribuinte de fato não é contribuinte, visto que, este possui uma conotação legal. Não possui, deste modo, relevância jurídica tributária no campo da repetição do indébito, tendo no máximo paralelamente a este tema, relevância jurídica no direito privado.

            Com a constatação da impraticabilidade e imprecisão dos tributos indiretos, consecutivamente, a contraditória expressão contribuinte de fato, tem-se consumada a verdadeira relação jurídica tributária: uma obrigação tributária designando o vínculo que adstringe o sujeito passivo (contribuinte) e o sujeito ativo (Fisco) formando uma relação jurídica específica que tem como objeto o pagamento de um tributo.

            Relação jurídica de onde advém a relação jurídica de devolução do indébito, de mesma natureza, que consiste na própria fenomenologia da repetição do indébito: a ocorrência do pagamento indevido de onde nasce a obrigação ex lege do Fisco em devolver as quantias indevidamente recolhidas a título de tributo (direito ou indireto). Tornando-se exigível no momento do reconhecimento administrativo ou judicial do indébito.

            No momento que se instaura essa relação jurídica tributária, nasce para o contribuinte uma obrigação ex lege de pagar o tributo, objeto dessa relação. Isso ocorre, no momento que se concretiza a hipótese de incidência da norma tributária através do fato gerador. Na ocasião que ocorre esse vínculo abstrato, o contribuinte (sujeito passivo) fica responsável pela dívida que corresponde ao direito subjetivo do Fisco (sujeito ativo), isto é, ao crédito tributário exigível pelo ato administrativo do lançamento.

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            A extinção desse crédito tributário se dá na forma usual do pagamento efetuada pelo contribuinte pela entrega do seu objeto. Transportando, esse entendimento para a temática da repetição do indébito, sabe-se que o direito à repetição nasce de um pagamento indevido. Como já verificou-se, o denominado tributo indevido ou ilegal também é tributo pelo conceito do art.3º do CTN e somente o contribuinte legal é o responsável pelo seu adimplemento.

            Portanto, mais uma razão de ser o contribuinte de direito o legalmente responsável pelo pagamento do tributo, arremate que o contribuinte de fato paga, necessariamente, não é tributo. Deste modo, não existe objeto da relação, muito menos o crédito tributário. Não tendo crédito não há pagamento indevido. Não tendo este, não há direito a repetição do indébito pelo contribuinte de fato, apesar do art.166 rezar de forma inadequada e incompatível com o Sistema Tributário.

            Numa feliz passagem, afirma Eduardo Domingos Botalho que:

            [...] somente o contribuinte chamado ‘de jure’ é parte da relação jurídica tributária; conseqüentemente, somente a ele é atribuível o título jurídico; somente a ele cabe o direito de repetição do tributo indevido e nenhuma condição adicional se lhe pode ser imposta para o exercício do direito [...] o vínculo entre os contribuintes ‘de jure’ e ‘de fato’ pelo qual o fenômeno da translação legalmente reconhecida se opera, é de natureza privada. [24]

            No mesmo sentido Brandão Machado afirma:

            [...], mas não há entre o terceiro e o ‘solvens’ nenhuma relação de índole tributária, por mais tênue que seja. A relação é apenas de direito privado. O elemento jurídico que nela se insere é de conteúdo econômico, não jurídico. Tributo aí é apenas o nome de uma parcela dentre outras tantas que compõe o preço, mas que não é paga pelo terceiro a título de tributo, uma vez que o terceiro somente lhe paga preço de bens ou de serviços, e não de tributo que não lhe compete paga. [25]

            Não há, portanto, relevância jurídica da figura híbrida do contribuinte de fato na relação jurídica tributária, pois não se pode confundir a relação jurídica de direito público com a relação jurídica de direito privado. A sua existência depende de uma repercussão tipicamente econômica e não jurídica. Circunstâncias esta que por si só deveria ser satisfatória para se impedir a que se pretendesse atribuir qualquer implicação jurídica à figura do contribuinte de fato, como o faz erroneamente o art.166 do CTN.

            Deve-se ter em mente que esse terceiro na relação jurídica tributária, não obstante em determinadas situações suporte o ônus econômico do tributo, ele se torna mero "coadjuvante". O mesmo pode fazer parte numa nova relação jurídica, figurando na relação econômica de translação ou para implementar o primado constitucional da não-cumulatividade, em que participa de uma relação jurídica de direito ao crédito. No entanto, não participa da obrigação tributária, pois não possui a condição de contribuinte.

            O art.166 do CTN, porém, ressalta o entendimento acerca da relevância do contribuinte de fato, ao atribuir legitimidade à repetição do indébito tributário. Tendo como verdadeiro e único fundamento jurídico representado pelo velho e universal princípio atribuído a Pompônio a não tolerar locupletamento indevido com alheia jactura, [26]juntamente com as Súmulas 71 e 546 do STF que lhe deram origem.

            Tanto o reconhecimento da legitimidade do contribuinte de fato como os entendimentos das Súmulas sobre a existência dos tributos indiretos são equivocados. Não se alega o enriquecimento sem causa do Estado, mas a ilegalidade da cobrança baseada no art.150 CF, art.97 do CTN relacionada a definição estrita de tributo.

            Não podemos falar em enriquecimento sem causa dentro do direito público, apesar de ele acontecer na realidade dos fatos. No entanto, o contribuinte de fato não pode alegar esse recurso de instituição civil devido esta natureza jusprivatística, e como já reiterado diversas vezes, não existe liame jurídico entre o Fisco e o contribuinte de fato.

            O contribuinte de fato só tem legitimidade para pleitear seu direito a repetição do indébito perante o contribuinte de direito nos moldes da lei civil. Aí sim, tem-se que reconhecer a relação jurídica instaurada. Mas perante o Fisco denota-se inviável.

            Na seara da repetição de indébito tributário indireto o que se necessita é a exigência do tributo em descompasso com as regras superiores do Sistema Tributário Brasileiro que fundamentará o dever jurídico de devolver o indevidamente pago e recolhido pela Administração Pública. Satisfaz a prova da ilegalidade do pagamento para justificar o pedido de repetição do indébito, não importando se o pagamento tenha causado empobrecimento ao particular em favor do Estado.

            O Direito Tributário por pertencer ao ramo do direito público não deve aceitar tal influência privatista, pois são normas jurídicas tributárias – de ordem pública – que regulam a matéria. O contribuinte ao reclamar a devolução do indevidamente pago, exercita direito fundado em regras jurídicas tributárias jungida ao primado constitucional tributário da estrita legalidade, e não ao princípio do enriquecimento sem causa para justificar o direito à devolução.

            As próprias Súmulas 71 e 546 do Supremo Tribunal Federal, que condicionam a restituição dos tributos indiretos à prova da negativa do repasse do ônus econômico, é ainda resquício do equivocado e inadequado entendimento acima criticado. No entanto, há posição oficial [27] do Ministério da Fazenda no sentido de que o contribuinte de fato não é parte legítima para pleitear a restituição do imposto indireto, podendo a repetição somente ser intentada pelo contribuinte legal, provando a assunção do correspondente encargo financeiro ou juntando autorização do contribuinte de fato, para receber a restituição. [28] Posição ainda não satisfatória pelas restrições que ampara.

            Recentemente, nesse mesmo sentido no julgamento do RE 203.075-DF, o Ministro Carlos Mário da Silva Velloso consignou em seu voto: "O contribuinte do ICMS é o vendedor, não obstante tratar-se de um imposto que repercute e acaba sendo pago pelo comprador. Todavia, esse é um fato econômico, que o Supremo Tribunal Federal entende que não tem relevância na relação jurídica contribuinte-fisco". [29]Isso mostra que o Supremo Tribunal Federal ainda não traçou perfil definitivo para o direito à repetição dos tributos indiretos.

            A aplicação da norma veiculada pelo art.166 não pode ser de maneira isolada, há de ser confrontada com todas as regras do sistema, principalmente com as veiculadas pelo arts.165, 121, 123 do CTN. Não está consignado em nenhuma delas que o terceiro que suporte o encargo financeiro do tributo possa ser contribuinte. Portanto, só contribuinte tributário tem direito à repetição do indébito.

            Não se está sustentar que a regra veiculada pelo art. 166 do CTN seja incompatível com toda a ordem jurídica; conquanto pelo menos no que concerne ao conjunto de regras jurídicas tributárias, a mesma o seja. O terceiro que arca com o ônus econômico do tributo não participa de nenhuma relação jurídica tributária, razão pela qual jamais poderá ser tido como titular do direito à repetição do indébito.

            Destarte, é ao sujeito passivo da obrigação tributária ou responsável, que realizou o evento jurídico do pagamento indevido, que pertence o direito subjetivo de figurar no pólo ativo da obrigação de devolução do indébito tributário.

            Analisando-se o direito à repetição no direito positivo tributário brasileiro, tem base constitucional. Independente de ser tributo direto ou indireto esse direito decorre da correta compreensão do primado da estrita legalidade tributária e, assim, não poderá nunca ser "escanteado" por legislação infraconstitucional ou muito menos por uma teoria jusprivatística, como a norma veiculada pelo art.166 do CTN.

            Sobre o ponto de vista hierárquico do Direito, não se pode entender que a regra-matriz de devolução esteja fundada em outra regra de direito que lhe empreste a validade, como ocorre naquela teoria do enriquecimento sem causa veiculada ao art.166. O fundamento de validade da regra geral e abstrata da devolução deve estar encontrado no Sistema Constitucional Tributário Brasileiro.

            A causa relevante ao direito tributário é a jurídica, e esta nada mais é, numa obrigação ex lege como a tributária, que a própria lei. Se assim o é, por que, então, trabalhar com o princípio do enriquecimento sem causa, se é bem mais típico e prestigiado no Direito Tributário o primado da legalidade? Com efeito, o fundamento da validade do direito de repetição de indébito há de ser o primado da estrita legalidade tributária.

            O primado da estrita legalidade é assim, ele impõe que as regras sejam aplicadas conformes o ordenamento jurídico a que pertençam. Qualquer aplicação incorreta, a norma tributária se revestirá do vício da ilegalidade. É o que ocorre com o contribuinte de direito na devolução das quantias cobradas sem base legal.

            Restando-se assinalado que o fundamento último da norma que estabelece o direito à repetição do indébito está na própria Constituição, especialmente no primado da estrita legalidade, logicamente, a norma veiculada pelo art.166 confronta com a própria Constituição Federal, e via de conseqüência, colidindo frontalmente com o princípio da estrita legalidade. Não resta dúvida a inconstitucionalidade de tal dispositivo legal.

            A inconstitucionalidade do art.166 do CTN advém desse princípio. Sendo ilegal a cobrança do tributo cabe a restituição albergada pelo art.165 do mesmo diploma legal. Se a Constituição Federal não limita o direito de repetição – com base que só pode cobrar tributos previstos em lei – não pode uma lei infraconstitucional limitar esse direito. Sendo o art.166 referido e seus requisitos óbice a prática do direito de repetição, conclui-se pela sua inconstitucionalidade.

            Restringindo ilegalmente o direito subjetivo à repetição de indébito, de índole constitucional, a referida norma veiculada pelo malsinado art.166 do Código Tributário há de ser tida como inconstitucional, pois a estrita legalidade é garantia constitucional e uma lei infraconstitucional não pode ser óbice para o exercício de tal direito.

            Nesse mesmo sentido, o que é absolutamente inatingível é a necessidade da prova esdrúxula que o artigo exige, principalmente face ao tipo de atividade que o contribuinte de direito exerce, como por exemplo, nos fatos tributáveis pelo ICMS, onde impõe ao sujeito passivo condições de impossível repetição em determinados casos, perpetrando a retenção indevida do tributo pelo sujeito ativo.

            Sendo assim, levando-se em consideração que a Constituição Federal atribui ao contribuinte de ser tributado conforme a lei, não se pode reduzir o referido direito a tal ponto de permitir que o seu exercício dependa da condição aleatória de seu titular estar em condições de provar o direito de devolução a título do que pagou indevidamente.

            A problemática da repetição do indébito nos tributos em tela está fortemente imbricada com o próprio fundamento último da repetição do indébito e com toda a teoria da devolução expendida no presente trabalho. Assim, concretizando o evento do pagamento indevido, não há como impedir ou limitar o direito de devolução àquele que o realizou.

            Cobrado o tributo em desconformidade com ordem tributária, o mesmo há de ser devolvido ao contribuinte, sem que nenhuma regra do sistema possa restringir o seu direito subjetivo, que, como demonstrado, tem sede constitucional.

            É de suma importância que o "beneficiário" do tributo não seja um beneficiário da inconstitucionalidade ou ilegalidade do sistema, cabendo caso situação ocorra, a incontestável Repetição de Indébito Tributário nos Tributos Indiretos.

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Sobre o autor
Eduardo Caldeira Estrela

advogado em Rio Grande (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELA, Eduardo Caldeira. Repetição de indébito nos tributos indiretos.: Aspectos conceituais e polêmicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7236. Acesso em: 25 nov. 2024.

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