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Repetição de indébito nos tributos indiretos.

Aspectos conceituais e polêmicos

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07/09/2005 às 00:00
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4. Considerações finais

            A repetição do indébito tributário é uma obrigação de devolução que decorre de um pagamento indevido de um tributo, formando um vínculo entre o particular e a Administração Pública consistente na devolução dos indébitos advindo desse pagamento.

            Essa consideração é a regra geral do instituto elencado no art.165 do CTN. A exceção é o art.166 do mesmo diploma legal. Como toda exceção é um desvio de regra, do comum, do usual, o referido artigo é essência de sua polêmica pelas peculiaridades que ampara. Se o ordinário é o direito à devolução das quantias pagas indevidamente, as exigências do art.166 referido são o artifício legal que o Fisco utiliza-se para não satisfazer tal direito.

            É com fulcro nos requisitos e fundamentos da repetição de indébito nos tributos indiretos – veiculada pelo art.166 do CTN – que se verifica a ilegalidade e inconstitucionalidade para efetividade da restituição do pagamento indevido pelo contribuinte de jure dos tributos indiretos, a partir dos seus fundamentos.

            O art.166 veicula norma que abrange a classificação de tributos em diretos e indiretos com supedâneo no critério da repercussão econômica. Primeira premissa a ser derrocada, a repercussão econômica é um critério, um conceito econômico que o legislador transportou negligentemente da Ciência das Finanças para seara do Direito Tributário, não respeitando a natureza das terminologias distintas que cada uma abrange, em troca de uma "simples" classificação didática.

            Destarte, é um critério, frágil, inseguro e impraticável porque dependem de condições econômicas e não jurídicas. O mesmo vale para o critério legal. Este está jungido ao insucesso, isto é, cai na "vala comum" de saber como a norma jurídica irá prevê todos os momentos da transferência do encargo econômico, correspondente aos tributos indiretos, exigido pelo art.166 do CTN.

            Definitivamente, conclui-se pela inexistência dos tributos "indiretos". Não existe um critério que defina esta figura híbrida, ou que "batize" quando um tributo é direto ou indireto. Inexistindo os mesmos, não há sustentação jurídica da relevância do contribuinte de fato que parte da doutrina e jurisprudência aponta. A classificação canhestra dos tributos indiretos é que dá origem a dualidade de contribuintes: o de direito e o de fato. No entanto, este não tem nenhum liame jurídico com o sujeito ativo da relação jurídica tributária.

            A relação jurídica tributária só admite um sujeito passivo, o contribuinte. Este já definido legalmente pelo art.121 do CTN como sujeito passivo de uma obrigação principal ex lege. Deste modo, o contribuinte que faz parte intimamente dessa relação jurídica tributária, é tão somente, aquele que a lei define por um critério exclusivamente jurídico, qual seja: o sujeito passivo tributário, ou o redundante contribuinte de direito.

            Somado a essas conclusões, tem-se que o contribuinte de fato não paga tributo, mas sim preço de bens e de serviços, e não de uma prestação pecuniária definida pelo art.3º do CTN que não lhe compete pagar. Portanto, se não existe objeto da obrigação tributária ex lege, muito menos existirá o crédito tributário. Não tendo crédito não há pagamento indevido. Não tendo este, não há direito à repetição do indébito pelo contribuinte de fato, apesar do art.166 rezar de forma inadequada e incompatível com o Sistema Tributário Brasileiro.

            A alegação dos tribunais superiores, pelas Súmulas 71 e 546 do STF, concebendo legitimidade ao contribuinte de fato numa relação jurídica baseada na teoria do enriquecimento sem causa é equivocada. É uma teoria jusprivatística que dentro do Direito Público – e mais rigorosamente no Direito Tributário – não tem relevância científica e jurídica. Não se pode confundir relação jurídica de direito público com a relação jurídica de direito privado, pois são regras jurídicas tributárias que regulam a matéria da repetição de indébito tributário.

            O contribuinte de fato só tem legitimidade para pleitear seu direito a repetição do indébito perante o contribuinte de direito nos moldes da lei civil. O vínculo entre os contribuintes ‘de jure’ e ‘de fato’ pelo qual o fenômeno da translação legalmente reconhecida se opera, é de natureza privada. O mais próximo que o contribuinte de fato pode chegar da relação jurídica tributária é figurando na relação econômica de translação ou para implementar o primado constitucional da não-cumulatividade, em que participa de uma relação jurídica de direito ao crédito. Mas perante o Fisco denota-se inviável.

            Com a comprovação da impraticabilidade e imprecisão dos tributos indiretos, consecutivamente, a conflitante expressão contribuinte de fato, tem-se consumada a verdadeira relação jurídica tributária: uma obrigação tributária designando o vínculo que adstringe o sujeito passivo (contribuinte) e o sujeito ativo (Fisco) formando uma relação jurídica específica que tem como objeto o pagamento de um tributo.

            Na seara da repetição de indébito tributário indireto, o que se necessita é a exigência do tributo em descompasso com as regras superiores do Sistema Tributário Brasileiro que fundamentará o dever jurídico de devolver o indevidamente pago e recolhido pela Administração Pública. Satisfaz a prova da ilegalidade do pagamento para justificar o pedido de repetição do indébito, não importando se o pagamento tenha causado empobrecimento ao particular em favor do Estado.

            A inconstitucionalidade decorre do princípio da estrita legalidade, pois este garante o indivíduo de ser tributo em virtude da lei. Esta impõe a correlata aplicação com ordenamento tributário a que pertence, e qualquer aplicação incorreta, a norma tributária se revestirá do vício da ilegalidade. Portanto, se a CF não limita o direito à repetição do indébito, não pode uma lei infraconstitucional limitar tal direito, pois o fundamento último de qualquer norma jurídica tributária sob o ponto de vista de hierarquia das normas jurídicas é a Constituição.

            O que se vislumbra é que o Estado cobra impostos "indiretos" indevidos com bases ilegais e inconstitucionais do art.166 do CTN, no que concerne: oposição à repetição do indébito pela insegura classificação dos tributos indiretos, atribuir legitimidade ao contribuinte de fato que é estranho a relação jurídica tributária, e exigindo prova insuportável pelo contribuinte de direito. No entanto, por incrível que possa acontecer, a norma veiculada pelo dispositivo tem seu campo de atuação em tais ilegalidades.

            Assim, o art.166 do CTN, embora contido no corpo de um típico veículo introdutório de normas tributárias, veicula, nesta parte, norma específica de direito privado. A identificação do possível campo de aplicação da norma veicula pelo dispositivo legal responde à indagação acerca da compatibilidade com as demais regras do Sistema Tributário Brasileiro. Conclui-se pela incompatibilidade, pois dentro da matéria do pagamento indevido, não pode uma norma jurídica tributária, num mesmo ordenamento jurídico, ser óbice ao exercício do direito à repetição, sendo conflitante ao consagrado art.165 do CTN.

            Assim, podemos concluir que o direito subjetivo do contribuinte à repetição do indébito tributário tem fundamento constitucional e, por isso, o art. 166 do CTN, assim como qualquer outra norma legal tendente a suprimir esse direito será evidentemente inconstitucional; e que a relação jurídico tributária que dá origem ao direito de repetir o indébito se estabelece apenas entre o contribuinte legal e o fisco, restando sem qualquer conseqüência jurídica a figura do contribuinte de fato.

            Em relação ao contribuinte de fato, que por vezes suporta o ônus do tributo, há um aspecto importante a ser ressaltado: o legislador ordinário deve conceber uma disciplina legal que torne justa a relação de direito privado entre os assim chamados contribuintes de fato e de direito, dando elementos que tornem eficaz o exercício dos direitos de ambos.

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            As considerações acima intencionam a contribuir e alertar os operadores do direito, Poder Judiciário e o próprio legislador em evitar que o órgão público que exige imposto indevido, ainda que "indireto", seja estimulado a infringir o princípio constitucional da estrita legalidade.

            O Estado é antes de tudo um ser ético e existe para servir à sociedade e não de se servir dela. Não pode, pois, valer-se de meios reprovados pela lei e a moral para alcançar seus objetivos. Os fins não justificam os meios. Não se podem deprimir as garantias constitucionais, invocando nenhum tipo de interesse público, por mais elevados que possam parecer.

            É lamentável que direitos legítimos sejam sufocados e amesquinhados por retrógrado legalismo imperante no Brasil. A conseqüência disso é um locupletamento do Fisco com bases ilegais e inconstitucionais do art.166 do CTN, cabendo caso situação ocorra, a indiscutível Repetição de Indébito nos Tributos Indiretos.


5. Referências bibliográficas

            AMARO. Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

            ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

            BECKER. Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Lejus, 1998.

            BRASIL. Constituição: da República Federativa do Brasil –1988. Porto Alegre: Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Sul, 1988.

            CARRAZZA, Antônio Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16.ed. São Paulo: Malheiros, 2000;

            CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

            ______. Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 1998.

            CERQUEIRA. Marcelo Fortes de. Repetição do Indébito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000.

            CIVIL. Código. – 2003. São Paulo: Saraiva, 2003.

            CIVIL. Código: de Processo – 2000. São Paulo: Saraiva, 2000.

            MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

            MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998.

            MÖRSCHBÄCHER. José. Repetição do Indébito Tributário Indireto. 3.ed. São Paulo: Dialética, 1998.

            NACIONAL. Código: Tributário – 2003. São Paulo: Saraiva, 2003.

            NOGUEIRA. Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

            QUEIROZ. Luís César Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

            SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ed. São Paulo: Malheiros, 1998.


Notas

            01

Regra-matriz de incidência tributária ou norma tributária propriamente dita é a que demarca o núcleo do tributo, definindo sua incidência. A norma individual e concreta é a aplicação da regra-matriz ao caso concreto modalizando deonticamente as condutas. CERQUEIRA, 2000, p128/133.

            02

Pagamento indevido é uma expressão elíptica utilizada para significar pagamento (devido) realizado com base numa norma tributária individual e concreta portadora de validade relativa. Op. Cit. p. 319.

            03

No caso, Alfredo Augusto Becker, Ives Gandra da Silva Martins e Gilberto Ulhoa. Apud CERQUEIRA. 2000. p.237.

            04

Art. 3º CTN: "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

            05

Entre eles Paulo de Barros Carvalho e José Souto Borges. Apud CERQUEIRA. 2000, p.236.

            06

Op. Cit., p. 466.

            07

É o que acontece com o IR e IPTU, impostos ditos diretos, mas nem sempre o ônus é suportado pelo contribuinte. Nesse último, quando incide sobre imóvel alugado é ordinário o inquilino suportar o ônus econômico do tributo.

            08

Destaca-se Alfredo Augusto Becker em sua obra Teoria Geral do Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Lejus, 1998.

            09

Nesse sentido as Súmulas 71 e 546 do STF.

            10

MÖRSHBÄCHER. José. Repetição do Indébito Tributário Indireto. 1998, p.48.

            11

MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 2001, p.164.

            12

É o princípio que rege o IPI e o ICMS, que por expressa determinação constitucional (art.153, §3º,II c/c art.155,§2º,I), um imposto "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores". Idem/Id, p.286.

            13

MÖRSHBÄCHER. José. Repetição do Indébito Tributário Indireto. 1998, p.60.

            14

O autor JOSÉ MÖRSCHBÄCHER, apesar das imprecisões, menciona que serão comprovados os meios de provas disponíveis em cada caso. Cita como exemplo de meio de prova o Tabelamento oficial da mercadoria ou do produto resultante de sua aplicação e a manutenção dos preços habituais. Op.cit., p.64 e 67.

            15

STF-RE 45.977, do Espírito do Santo, ementa do Acórdão que serviu de base à Súmula 546 do Supremo.

            16

CEQUEIRA. Marcelo Fortes de. Repetição do Indébito Tributário. 2000, p.297.

            17

SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1998, p.423.

            18

Há exceção quanto ao órgão titular de função legislativa, que é a possibilidade de alteração, por ato do Poder Executivo das alíquotas de certos tributos (art.153, §1º). No entanto, a criação deste ato depende em todos seus aspectos de definição em lei. AMARO, 2001, p.116.

            19

ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 1997, p.126.

            20

Critério defendido por HUGO DE BRITO MACHADO ao propor a transferência com fulcro prevista na lei. Para ele tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles tributos em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência. 2001, p.164.

            21

BECKER. Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 1998, p.538.

            22

Definição de contribuinte de fato utilizada por ALFREDO AUGUSTO BECKER ao dispor da impossibilidade desse de repercutir o ônus do tributo. No entanto, parte da doutrina representada por EDUARDDO DOMINGOS BOTALHO e RUBENS GOMES DE SOUZA considera o conceito de contribuinte de fato relativo. Para eles, a "pessoa a sustentar a carga do tributo poderá tanto suportá-la em definitivo como transferi-la a terceiro, momento em que deixaria de ser contribuinte de fato e passaria a contribuinte de direito". Apud, CERQUEIRA, 2000, p.390.

            23

Botalho, apud, Cerqueira, 2000, p.403.

            24

Idem/Id, p.403.

            25

Teoria civilista do enriquecimento sem causa invocada por Aliomar Baleeiro, apud, José Mörschächer, 1998, p.52.

            26

Pareceres Normativos nº150 e 878, ambos de 1971, da Coordenação do Sistema de Tributação.

            27

MÖRSHBÄCHER. José. Repetição do Indébito Tributário Indireto. 1998, p.56.

            28

Repertório IOB de Jurisprudência – 2ª quinzena de dezembro de 1998, n º 24/98, cad.01 pag.616
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Sobre o autor
Eduardo Caldeira Estrela

advogado em Rio Grande (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELA, Eduardo Caldeira. Repetição de indébito nos tributos indiretos.: Aspectos conceituais e polêmicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 796, 7 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7236. Acesso em: 27 abr. 2024.

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