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Concepções de infância ao longo da história e a evolução jurídica do direito da criança

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O direito da criança evoluiu ao longo do tempo visto que, nos dias atuais, construir uma sociedade mais justa e igualitária significa tratar dos direitos de todos os cidadãos, inclusive, da criança e do adolescente.

Resumo: O direito da criança evoluiu ao longo do tempo visto que, nos dias atuais, construir uma sociedade mais justa e igualitária significa tratar dos direitos de todos os cidadãos, inclusive, da criança e do adolescente que também são considerados pela atual Constituição Brasileira, como sujeitos de direito. A problemática consiste em averiguar se essa evolução dos direitos possibilitou, de fato, maior proteção para as crianças, especialmente por parte da família e da sociedade. Os objetivos do artigo são: analisar os conceitos de criança e os seus contextos sociais e familiares; descrever as concepções de infância no cenário histórico brasileiro – a desproteção e a evolução dos seus direitos; conhecer a legislação de proteção à infância da doutrina da Situação Irregular até a doutrina de Proteção Integral; discorrer sobre a concepção de infância na atualidade em consonância com a Constituição Federal do Brasil e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90).

Palavras-chave: Direito da Criança; Concepções de Infância; Doutrina da Proteção Integral.


INTRODUÇÃO

Analisar a concepção de infância e a evolução jurídica do direito da criança ao longo da história remete há alguns anos atrás, quando a preocupação dos governantes era unicamente inibir a delinquência infantil, principalmente dos menores de classes pobres, como forma de proteger a sociedade. Não havia lei para proteger a criança.

Percebe-se, entretanto, que houve evolução, principalmente acerca do entendimento histórico e doutrinário da infância e também quanto aos seus direitos no âmbito jurídico.

É no sentido, de avaliar essa evolução que o presente estudo apresenta uma retrospectiva histórica e evolutiva acerca da ausência de direitos da criança até a sua configuração no momento histórico presente, buscando traçar um paralelo com as concepções de infância ao longo do tempo.

O estudo apresenta como problema, averiguar se, essa evolução dos direitos possibilitou, de fato, maior proteção para as crianças, especialmente por parte da família e da sociedade.

O artigo tem como objetivos analisar os conceitos de criança e os seus contextos sociais e familiares; descrever as concepções de infância no cenário histórico brasileiro - a desproteção e a evolução dos seus direitos; conhecer a legislação de proteção à infância da doutrina da Situação Irregular até a doutrina de Proteção Integral; discorrer sobre a concepção de infância na atualidade em consonância com a Constituição Federal do Brasil e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90).

A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo foi a pesquisa bibliográfica, qualitativa e de natureza descritiva, realizada através da leitura de livros, revistas, periódicos, artigos e dissertações que tratam acerca do tema objeto do estudo.

A escolha deste tema se justifica por duas razões. Primeira, devido a aproximação com o contexto escolar, o trabalho realizado com crianças, o encantamento com as leituras acerca da infância. A segunda razão, é devido o interesse de pesquisar os diversos tratamentos de descaso à criança ao longo dos anos, passando pelas doutrinas da Situação Irregular e da Proteção Integral até o reconhecimento da criança como sujeito de direito.

Por descrever ao mesmo tempo o entendimento histórico e doutrinário sobre as concepções de infância e a evolução dos direitos da criança no contexto jurídico nacional, trata-se de um estudo relevante para os acadêmicos do Direito e das demais áreas do conhecimento, bem como para os profissionais que atuam ou pretendem atuar na área do Juizado da Infância e da Adolescência.

O artigo está dividido em quatro itens. No primeiro são apresentados os conceitos de criança e seus contextos sociais e familiares.

O segundo trata acerca das concepções de infância – a desproteção e a evolução histórica do direito da criança;

No terceiro item descreve-se a legislação de proteção à infância da doutrina da Situação Irregular até a doutrina de Proteção Integral;

O quarto e último item discorre sobre a concepção de infância na atualidade em consonância com a Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90).

Ao final deste, são apresentadas as considerações finais acerca do estudo e as referências.


1. Criança – Conceitos, Contextos Sociais e Familiares

Os estudos acerca da infância e o direito da criança é um tema relativamente novo, principalmente quando se considera que, desde a Antiguidade e durante muitas décadas, elas não tiveram nenhum tipo de proteção.

Para Carvalho (2010), o modo de tratar a criança ao longo do tempo se modificou e continua em processo de transformação de acordo com a sociedade que a mesma está inserida. Pode-se verificar historicamente, que o espaço no âmbito familiar e social que hoje ela ocupa, a tem valorizado um pouco mais a cada dia. Na sociedade atual, a criança ocupa um espaço bastante expressivo. Ela é sujeito de direito, é reconhecida na sua peculiar condição de ser humano em processo de desenvolvimento e tem liberdade para comunicar pensamentos, exigir, questionar.

As crianças, nos dias atuais, possuem um mercado próprio para consumo, leis específicas, espaços próprios e ciências que se debruçam sobre a infância. O encantamento das ciências, principalmente das Ciências Sociais, colaborou para que o conceito de infância sofresse alterações significativas ao longo da história.

Compreender o que foram esses conceitos, analisar a infância do ponto de vista histórico, pode revelar bastante sobre a sua atual concepção.

A concepção de infância que temos hoje foi construída ao longo do tempo. Conforme Belloni (2009), a mudança de visão sobre infância, no começo do século XX, pode ser vista dentro de duas concepções, ligadas aos significados das expressões da palavra: a primeira relacionada ao passado, ligada ao termo infante como aquele que está impossibilitado de fa­lar, aquele que não tem voz; e, posteriormente, uma concepção mais con­temporânea, sendo infante-criança aquele que está sendo criado, com voz e par­ticipação.

Este cenário no qual valoriza-se a criança, porém, não faz parte da realidade infantil desde os tempos remotos. Percorreu-se um longo caminho para que a mesma fosse valorizada, deixando de “ser objeto” e passando a “ser sujeito” de direito, sendo-lhe assegurado o direito de ter suas necessidades - físicas, cognitivas, psicológicas, emocionais e sociais - atendidas de forma integral e integrada, ficando a família, o Estado e a sociedade incumbidos desse dever.

Belloni (2009), comenta que a concepção de infância estava diretamente ligada ao fato de que as crianças eram percebidas como adultos imperfeitos, não como seres humanos em desenvolvimento. Dessa forma, essa fase da vida humana tinha pouco interesse de ser conhecida. Séculos mais tarde, surgiria um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes dos adultos, e, portanto, merecedoras de serem estudadas por si sós.

Considerando o homem como um ser social, o conceito de infância também é determinado socialmente, isto é, está intimamente relacionado à maneira como o homem produz seu modo de existência e se organiza em sociedade. Desde modo, a infância pode ser tratada enquanto uma categoria social e historicamente construída.

Para conceituar criança, a Convenção sobre os Direitos da Criança (aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas-ONU, em 1989) afirma “criança são todas as pessoas menores de dezoito anos de idade”. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), criança é considerada a pessoa até os doze anos incompletos, enquanto entre os doze e dezoito anos, idade da maioridade civil, encontra-se a adolescência.

Etimologicamente, a palavra infância vem do latim, infantia, e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar.

A infância é definida, por Schultz e Barros (2011), como a fase compreendida entre o nascimento e a puberdade, possui modos específicos de sentimentos, ações e compor­tamentos que devem ser compreendidos de maneira a se respeitar as diferentes culturas de determinado tempo e espaço, relacionan­do-se, ainda, com a troca de conhecimentos que se estabelecem entre crianças, adoles­centes e adultos.

Os conceitos apresentados mostram que a idade define a condição conceitual de infância e adolescência. A partir de 12 anos deixam de ser crianças e passam a ser adolescentes, após os 18 anos já são consideradas como pessoas jovens ou adultas.

No entendimento de Dias (2009), crianças e adolescentes são pessoas que se encontram em pleno desenvolvimento físico e mental, portanto, ambos são indivíduos que precisam receber cuidados de pessoas adultas.

Acredita-se, assim, que a primeira e mais significativa relação social que a criança estabelece é travada na família. As crianças nascem no seio familiar e cabe aos pais cuidarem delas até que se tornem capazes.

Dias (2009) explica que, fazer parte de uma família favorece à criança noções de segurança, poder, autoridade, hierarquia, além de lhe permitir aprender habilidades diversas, tais como: falar, organizar seus pensamentos, distinguir o que pode e o que não pode fazer, adaptar-se às diferentes circunstâncias, flexibilizar, negociar, seguindo as normas da sua família.

O autor a seguir, também conceitua da seguinte maneira

A família funciona como o primeiro e mais importante agente socializador, sendo assim, é o primeiro contexto no qual se desenvolvem padrões de socialização em que a criança constrói o seu modelo de aprendiz e se relaciona com todo o conhecimento adquirido durante sua experiência de vida primária e que vai se refletir na sua vida escolar. O contato com outros companheiros também contribui, entre tantas outras coisas, para que o aluno se acostume à rotina escolar, passando a ter interesse pelos objetos, atividades e conhecimentos escolares - isto favorece o seu desenvolvimento pessoal e intelectual (CARVALHO, 2010, p. 41).

Dessa forma, é inegável a relevância da família nos anos iniciais da vida humana, sendo assegurado no capítulo III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito à convivência familiar e comunitária.

O mencionado Estatuto prevê ainda, no caput do artigo 4°, que

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL/ECA, 1990).

Assim, a família é a primeira responsável, a sociedade é a segunda responsável - ambas possuem responsabilidade conjunta e solidária - e o Estado é o terceiro responsável por assegurar a efetivação dos direitos acima mencionados, este último possuindo responsabilidade subsidiária. Nem sempre o formato familiar descrito funcionou (e funciona) tão perfeitamente.

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2. Concepções de Infância – A desproteção e a evolução dos direitos

Para uma concepção mais ampla acerca da infância, é importante conhecer os tipos de tratamentos a que as crianças eram submetidas e a evolução jurídica dos seus direitos.

De acordo com Azambuja (2016, p. 83), “exemplos históricos de desproteção jurídica à criança são encontrados desde a Antiguidade, entre os povos egípcios e mesopotâmios, romanos, gregos, medievais e europeus”.

Para esses povos as crianças não mereciam nenhum tipo de proteção, na verdade, nunca houve nenhum tipo de proteção, era como se não existissem.

Barros (2005, p. 71) comenta que, no Oriente Médio, o Código de Hamurabi que prevaleceu de 1728 a 1686 a.C. o artigo 193 “previa o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, e, a extração dos seus olhos se aspirasse voltar à casa dos pais biológicos”; o artigo 195 “caso o filho batesse no pai, sua mão era decepada”.

Por outro lado, o mesmo código em seu artigo 154, dizia que: se um homem abusasse sexualmente de sua própria filha, a pena máxima era a sua expulsão da cidade. Ou seja, a punição das crianças era muito severa e cruel enquanto a dos adultos era amena.

Ainda no contexto da desproteção,

Em Roma (449 a.C.) a Lei das XII Tábuas - 1º permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos; 2º o pai tinha legítimo o direito de vida e de morte sobre os filhos, inclusive para vende-los. Em Roma e também na Grécia antiga, o pai como chefe da família, podia castigar, condenar e expulsar a mulher e os filhos, visto que não possuíam nenhum tipo de direito. Em Esparta, as crianças doentes ou portadoras de malformações congênitas eram sacrificadas, pois, desde cedo serviam para atender interesses políticos, sendo selecionadas, pelo porte físico, para ser guerreiros, ou seja, eram objeto de direito estatal (AZAMBUJA, 2016, P. 56).

Muito pior que o homem ser supervalorizado pelas sociedades antigas onde prevalecia o império machista com seu paternalismo, é a total falta de compaixão, o total descaso para com as crianças e principalmente a perversidade para com as portadoras de deficiência, que não tinham sequer direito à vida.

Vanuchi (2010, p. 52), cita outra situação relevante de sacrifício dos infantes, no reinado do paganismo, quando “Herodes, rei da Judeia mandou executar todas as crianças menores de dois anos, na tentativa de atingir Jesus Cristo, conhecido como rei dos judeus”.

A história antiga mostra o triste cenário da convivência das crianças com os seus pais que também eram os seus opressores e agressores permanentes.

A ótica atual sobre a infância é consequência das constantes transformações pelas quais passamos, sendo assim, é de suma importância nos darmos conta destas transformações para compreendermos o cenário que se faz presente.

Até o século XII, o índice de mortalidade infantil era muito alto devido precárias condições de higiene e saúde. Desse modo, havia nos períodos medievais uma insensível postura dos pais com relação aos filhos. Conforme Heywood (2004), “os bebês abaixo de dois anos, em particular, sofriam um descaso assustador, pois, os pais consideravam pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um pobre animal suspirante, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca idade”.

As crianças que conseguiam sobreviver com as precárias condições e descaso não possuíam identidade própria, apenas vindo a tê-la quando conseguissem realizar atividade semelhantes àquelas feitas pelos adultos, com as quais estavam misturadas.

O tratamento social dado à criança era semelhante ao do adulto. Ser criança era viver um breve período de vida, pois logo se misturavam com os de mais idade.

Nesse sentido, o autor complementa

Adultos, jovens e crianças se misturavam em toda atividade social, ou seja, nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias, no domínio das armas, nas festas, cultos e rituais. O cerimonial dessas celebrações não fazia muita questão em distinguir claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque esses grupos sociais estavam pouco claros em suas diferenciações (ÁRIES, 1981, p.156).

Não havia nessa época, atividades, objetos, vestimentas ou leis próprias para a infância. As crianças cedo entravam no universo adulto e não dependiam tanto dos seus pais. Eles sim precisavam de seus filhos, pois quanto maior o número de filhos mais pessoas teriam para trabalhar.

De acordo com Áries (1981), nas famílias pobres havia uma preocupação desde cedo para a criança trabalhar nas lavouras ou serviços domésticos. Já as crianças que pertenciam às famílias nobres aprendiam as artes de guerra ou os ofícios eclesiásticos.

A particularidade do mundo infantil que distingue a criança do adulto não existia. Igualmente não havia a percepção de que a criança precisava de cuidados e de pessoas para zelar por sua integridade.

Como explica Áries (1981), nos séculos XIV, XV e XVI, as crianças eram vistas como um adulto em miniatura. Ainda nos remetendo à situação de fome, miséria e a falta de saneamento básico pelas quais as pessoas da Idade Média viviam, a morte de uma criança não era recebida com tanta comoção. Rapidamente a tristeza passava, e aquela criança era substituída por outro recém-nascido para cumprir sua função já pré-estabelecida.

Constata-se, portanto, que a afeição pela infância, o sentimento de proteção do ser vulnerável não era inerente à época.

O mencionado autor, ainda tratando do sentimento com relação à criança, afirma que,

As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. A infância foi ignorada socialmente e isso é perceptível nas Artes, pois, até o século XII, não houve sequer a tentativa de representá-la. Não há crianças caracterizadas até o final do século XVIII, por sua expressão peculiar (ÁRIES, 1981, p.10).

Dessa forma, esses indivíduos permaneceram no anonimato durante um longo período histórico que compreende a Antiguidade até a Idade Média. Num percurso histórico, o conceito de infância foi sofrendo modificações. No século XVI, ocorreram mudanças nas concepções referentes à criança e a infância. Do século XVI para o XVII, na Europa, começam a perceber a criança como um ser diferente do adulto. Surge o que diversos autores denominaram um sentimento de infância. Sentimento esse a princípio distorcido, uma vez que as crianças eram vistas como objeto lúdico dos adultos.

Houve uma época, por volta do século XVII, segundo Júnior (2012), que as crianças foram tratadas como o centro das atenções e tinham permissão para tudo até completar seis anos de idade. A partir dos sete, lhe era cobrada uma postura de responsabilidades semelhantes à de uma pessoa adulta. Em razão disso e para que atendessem aos desejos dos adultos, as crianças eram severamente castigadas, punidas fisicamente, espancadas com chicotes, ferros e paus.

Nesse momento, lembra Áries (1981), a infância estava começando a ser descoberta na Europa como uma idade específica da vida, sentimento de infância antes inexistente na Idade Moderna, coincidia com a época em que estava ocorrendo a colonização do Brasil. Assim, os europeus, enquanto colonizadores trouxeram seus valores, costumes e ideias referentes à infância para o Brasil.

Dentro dessa nova construção moderna, foram sendo soterradas concepções de criança como um adulto em tamanho reduzido e paulatinamente foi cedendo lugar para a afirmação da infância como uma construção social.

Nesse contexto, comenta Júnior (2012), com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII, a escolarização se estendeu a todas as camadas sociais, com a missão de educar para o trabalho as crianças, impondo sobre elas uma mentalidade de obediência e disciplina. Nas indústrias, além da inserção do trabalho da mulher constata-se a presença de crianças que representava mãos-de-obra baratas, disciplinadas e com baixo poder reivindicatório. As atividades de trabalho infantil, que sempre estiveram presentes na sociedade medievais, sejam elas domésticas ou agrícolas, continuaram acontecendo.

As crianças eram submetidas a longas jornadas de trabalho nas fábricas, dispendiam bastante força física e chegavam muitas vezes ao esgotamento, o que continuava contribuindo com os altos índices de mortalidade. O trabalho infantil era visto culturalmente como forma inicial de educação doméstica e de provimento material do orçamento da família.

No Brasil, segundo Júnior (2012), o trabalho infantil é um fenômeno social presente ao longo da história, suas origens remontam à colonização portuguesa e à implantação do regime escravista. Foi a partir do século XIX, que surgiram os primeiros entendimentos sobre o significado de infância.

A criança tornou-se indivíduo central no contexto familiar, ou seja, sua casa transformou-se num espaço de afetividade. A partir de então, a criança passou a ser vista como indivíduo de investimento afetivo, econômico, educativo e existencial.

O Estado, por sua vez, assume outro papel com relação à criança

No século XIX, o Estado, que se interessa cada vez mais pela criança, vítima, delinquente ou simplesmente carente, adquire o habito de vigiar o pai. A cada carência paterna devidamente contatada, o Estado se propõe substituir o faltoso, criando novas instituições. (...) É verdade, não obstante, que a política de assumir e proteger a infância traduziu-se não apenas numa vigilância cada vez mais estreita da família, mas também na substituição do patriarcado familiar por um “patriarcado de Estado”. Até o final do século XIX, a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da Igreja (BADINTER, 1985, p.288-289).

Somente no início do século XX, a Medicina, a Psiquiatria, o Direito e a Pedagogia contribuíram para a formação de uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaço para uma concepção de reeducação não apenas religiosa, mas também científica.

Barros (2005, p. 68), comenta que, analisando-se a história do Brasil a partir do período colonial, não há registro de direitos assegurados para a infância,

As primeiras crianças, chegadas antes do descobrimento do Brasil, vieram na condição de órfãs do rei ou como pajens, com o compromisso de casar com os súditos da Coroa. Vieram nas embarcações, em condições trágicas, as crianças eram abusadas sexualmente pelos marujos rudes e violentos, com a desculpa de que não haviam mulheres a bordo. Somente as crianças órfãs não eram violentadas porque ficavam trancafiadas nas embarcações.

Desde a chegada da Companhia de Jesus ao Brasil, no século XVI, os religiosos assumiram o papel de defensores dos direitos infanto juvenis até o início do século XX. Isso significa dizer que, durante todo esse período o amparo à infância brasileira foi exercido pela Igreja Católica.

Na Idade Contemporânea, Pereira (2008), destaca os avanços cronológicos ocorridos nas políticas de proteção social para as crianças e adolescentes, visto que, em 1919, foi criado o Comitê de Proteção da Infância, cujas manifestações trataram das obrigações coletivas com relação às crianças. Mais tarde, com a primeira Declaração dos Direitos da Criança (1959), os Estados passaram a ter suas legislações próprias em defesa desses direitos.

E posteriormente, afirma o autor:

Em 1946, foi criado o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que declara em seu Artigo 19 – Direitos da Criança: Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado. Em dezembro de 1948, é proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em cujo texto os direitos e liberdades das crianças e adolescentes estão implicitamente incluídos, inclusive, em seu Item II, observa: a todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio é assegurado o direito a mesma proteção social (JÚNIOR, 2012, p. 16).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 1948, afirmou direitos de caráter civil e político, incluindo os direitos econômicos, sociais e culturais de todos os seres humanos, envolvendo, por conseguinte, as crianças. Para assegurar o cumprimento dos direitos humanos às minorias (crianças) foi aprovada em 1959, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, trazendo em seu conteúdo o primeiro conjunto de valores da Doutrina da Proteção Integral

Prevê o princípio 1 desta Declaração, o seguinte: toda criança, absolutamente sem qualquer exceção, será credora destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família (ONU, 1959).

Segundo (Barros, 2005, p. 72)

Tratava-se do início de um complexo processo de transição que resultaria na superação do Direito do Menor pelo Direito da Criança e do Adolescente, e consequentemente, na substituição da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral. A partir de 1985, o Direito da Infância e da Juventude se consolida em nível mundial com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, cujo marco de proteção social à infância e adolescência forneceu também as bases para a doutrina da proteção integral, que fundamentou o Estatuto da Criança e do Adolescente – que atualmente assegura os direitos das crianças e dos adolescentes do Brasil.

Vale destacar ainda registros antigos, do mesmo período histórico que envolvem crianças, no Estado do Amazonas, local onde se realiza a presente pesquisa, com relatos de lendas e fatos ocorridos no seio da floresta amazônica, durante o período áureo da borracha (1830/1860), nas obras de Ferreira de Castro “A Selva”, Álvaro Maia “Beiradão”, entre outras, cujas características são o contato e a experiência dos escritores no mundo do seringal.

Maia (1999) em suas obras, apresenta as figuras femininas, sejam velhas ou crianças, e afirma que as mesmas eram tratadas no seringal como mercadorias, objeto de disputa ou moeda de troca.

Benchimol (1992), narra alguns fatos passados, destacando como as figuras femininas eram tratadas nos seringais. Por conta da abstinência sexual prolongada, seringalistas e alguns seringueiros cometiam atos extremos de abusos contra mulheres velhas e meninas em idade precoce para o sexo, que eram possuídas através do estupro ou do aliciamento.

Ferreira de Castro (1972), por sua vez, comenta que, a escassez se transformava em excesso e cita o caso do amasiamento de um seringalista chamado José Arruda com três meninas, de nove, dez e doze anos de idade, vivendo na mesma barraca. O delegado colocou o seringalista no tronco, bateu nele, entretanto, quando conversou com as meninas elas o defenderam afirmando que ele lhes dava bóia (que significa alimentação) e roupa.

Os demais momentos históricos e a evolução dos direitos da criança no Amazonas são semelhantes aos ocorridos no Brasil, conforme se trata nos itens seguintes.

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Sobre os autores
Antonio José Cacheado Loureiro

Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Amanda Cristina Ferreira Silva

Especialista em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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