RESUMO: Este trabalho científico tem por objetivo demonstrar as contribuições positivas que a ciência econômica, especificamente a Análise Econômica do Direito, pode fazer na área da responsabilidade civil brasileira. Através de pesquisas bibliográficas e métodos dialéticos, procurou-se estabelecer os principais pontos em que a união destas duas esferas do conhecimento seria proveitosa. A principal inovação que a AED traz, é a perspectiva da prevenção como função precípua da responsabilidade civil, sendo a indenização a última alternativa. Assim, incentiva a adoção de ações, tanto por parte da vítima quanto do agente, a fim de alcançarem níveis eficazes de precaução. Elege a Regra de Hand como parâmetro de diligência e fundamento da majoração do quantum indenizatório. Consequentemente, um montante que exorbite o valor do dano servirá como punição e prevenção geral quanto à reiteração do ato lesivo. Conclui-se, portanto, que a Análise Econômica da Responsabilidade Civil atua alterando o foco de reparação do dano para prevenção deste, através do seu instrumental econômico, otimizando assim, o sistema.
Palavras-chave: Direito Civil. Responsabilidade Civil. Análise Econômica do Direito.
ABSTRACT: This scientific work aims to demonstrate the positive contributions that economic science, specifically the Law & Economics, can make in the area of Brazilian civil liability. Through bibliographical research and dialectical methods, it was tried to establish the main points in which the union of these two spheres of knowledge would be useful. The main innovation that the Law & Economics brings is the prevention perspective as the primary function of civil liability, and indemnification is the last alternative. It thus encourages the adoption of actions by both the victim and the agent in order to achieve effective levels of precaution. It elects the Rule of Hand as a parameter of diligence and foundation of the increase of the indemnification quantum. Consequently, an amount exorbitating the value of the damage will serve as punishment and general prevention as to the repetition of the injurious act. It is concluded, therefore, that the Economic Analysis of Civil Responsibility acts by changing the focus of repair of the damage to its prevention, through its economic instruments, thus optimizing the system.
Keywords: Civil Law. Civil Liability. Law & Economics.
Sumário: Introdução. 1. Análise Econômica do Direito: Conceito e Evolução Histórica. 2. Responsabilidade Civil. 3. As Contribuições da Análise Econômica para a Responsabilidade Civil. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Este artigo buscou apresentar o movimento da Análise Econômica do Direito como uma ferramenta que auxilia na compreensão dos institutos de direito privado em consonância com as ciências econômicas. Detivemo-nos ao estudo da análise econômica na seara da responsabilidade civil, procurando demonstrar seus elementos essenciais e os benefícios da sua utilização no sistema judiciário pátrio.
Elegeu-se este tema pela sua problemática mostrar-se relevante, uma vez que os métodos e instrumentos da responsabilidade civil não se mostram mais suficientes. Os assuntos tratados no presente trabalho foram a aferição da reponsabilidade civil nos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, bem como os métodos de precaução dos danos sob a ótica da análise econômica.
A intenção foi trazer à discussão um tema que é importante tanto quanto é polêmico, visto que recebe muitas críticas dos defensores do segmento formalista.
Por tratar-se de um movimento relativamente novo no mundo jurídico, são poucos os materiais disponíveis acerca do tema, tornando-se mais raros ainda no âmbito das produções nacionais.
Contudo, é a partir da pesquisa bibliográfica que se obtiveram as informações que, posteriormente, através de uma investigação dialética, resultaram nas constatações deste trabalho.
Esta obra foi organizada de forma a contextualizar o leitor no tema, trazendo uma breve narrativa da origem e evolução histórica da análise econômica, destacando seus postulados. Adiante, tratou-se do instituto da responsabilidade civil brasileira e as suas lacunas, para aí então chamar atenção às contribuições que a Análise Econômica do Direito pode trazer.
1 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A Análise Econômica do Direito, conhecida também como Law & Economics ou Direito e Economia, é definida como “a aplicação da teoria e de métodos econométricos no exame da formação, estrutura, processos e impacto do Direito e das instituições jurídicas” (BATTESINI, 2011, p. 25).
É um método pelo qual se permite avaliar se o emprego de determinada regra ou política pública causará os efeitos que dela se esperam. Procura, portanto, auxiliar na tomada de decisões jurídicas ao considerar custos e benefícios e outros critérios de eficiência econômica e social.
Divide-se a história da Análise Econômica do Direito em três períodos: o dos precursores (anterior à 1830), a primeira onda (de 1830 a 1930) e a segunda onda (após 1930).
Em um primeiro momento, temos Adam Smith, Cesare Beccaria, David Hume e Jeremy Bentham como principais precursores desse movimento. Nesse período destaca-se a teoria utilitarista, a qual visa o maior nível de satisfação para a maior quantidade de indivíduos, pregando a subordinação dos institutos de direito privado aos objetivos sociais.
Posteriormente, já na denominada primeira onda de Direito e Economia, surge o institucionalismo econômico norte-americano, o qual reconhece que as ciências econômica e jurídica influenciam-se reciprocamente, sendo a distribuição de riquezas um produto do sistema jurídico, o qual deveria ponderar os interesses públicos e privados.
Tal teoria acaba por influenciar o realismo jurídico norte-americano, que por sua vez, via o direito como uma ferramenta para se alcançar objetivos socialmente relevantes, sem descartar os efeitos econômicos das normas jurídicas.
No final da década de 1940 inicia-se a segunda onda de Economia e Direito, figurando nomes como Aron Director, Ronald Coase, Guido Calabresi, Richard A. Posner, entre muitos outros. Contudo, foi durante as décadas de 1970 e 1980 e, principalmente nos Estados Unidos, que este movimento mais ganhou adeptos e cresceu. Importante ressaltar a Faculdade de Direito de Yale e a escola de Chicago como principais palcos dessa expansão.
Nesta fase, Guido Calabresi mostra a responsabilidade civil como sistema de controle das externalidades negativas, que são os danos gerados pelas atividades. Neste mesmo viés, Posner contribui atribuindo a este sistema a função de normalizadora, de forma a estimular níveis eficientes de acidentes e de segurança, além da incorporação de outros elementos.
Atualmente, podemos citar as escolas de Chicago e Yale, a Teoria das Escolhas Públicas ou “Public Choice”, o Direito e Economia Institucional, a Escola Austríaca e a Teoria dos Jogos como as principais correntes desse movimento.
As escolas de Chicago e Yale apresentam um sistema de responsabilidade civil que produz regras eficientes na diminuição dos custos sociais dos acidentes, sendo que a primeira valoriza a eficiência alocativa enquanto que a segunda preconiza a adoção de políticas públicas em áreas mais abrangentes.
O “Public Choice” tem por objeto de estudo os fenômenos políticos nas áreas das Ciências Políticas e do Direito Público.
Já a corrente de Direito e Economia Institucional tem seus estudos voltados para as instituições, uma vez que estas são fatores importantes na estruturação e desempenho econômico.
A Escola Austríaca tem foco na ordem social espontânea, teoria pela qual as empresas evoluem de forma constante e natural visando adaptarem-se à realidade social.
Quanto à Teoria dos Jogos, é relevante ressaltar que trata-se de um instrumental complementar, uma forma matemática de interação estratégica que estabelece influência entre escolhas de diferentes indivíduos.
Finalizada a contextualização histórica, faz-se mister a apresentação de alguns instrumentos da Análise Econômica do Direito, entre eles a maximização do bem-estar, a eficiência e o Teorema de Coase.
Considerando-se que as necessidades humanas são ilimitadas, frente a um mundo de recursos escassos, as pessoas tomam decisões mediante análise custo-benefício, não só de vantagens monetárias, a fim de maximizar seu bem-estar.
Por outro lado, a eficiência busca formas de alocar tais recursos. Na eficiência paretiana (ótimo de Pareto), será eficiente a situação de alocação de recursos quando não exista mudança que melhore a condição de um indivíduo sem prejuízo de outro.
Já no critério de Kaldor-Hicks, ainda que haja prejuízos, os ganhos devem ser compensatórios em relação a esses para que se verifique a eficiência.
Conforme o Teorema de Coase, a solução mais eficiente será sempre alcançada se os custos transacionais dentro das negociações forem zero, ou o mais próximos desse número.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
Por definição, temos a responsabilidade civil como a obrigação que um sujeito tem de indenizar outro, decorrente do dano causado por um ato, atividade ou negócio jurídico. Nas palavras de Coelho (2012, p.219) é a “obrigação em que o sujeito ativo pode exigir pagamento de indenização do passivo, por ter sofrido prejuízo imputado a este último”.
Tem, portanto, uma abordagem posterior da situação, visando o retorno ao estado inicial (status quo ante) ou, a reparação do dano causado, por meio da indenização.
Para que seja configurado o dever de indenizar, devem estar presentes os elementos da responsabilidade civil, elencados no artigo 186 do Código Civil[2], quais sejam: a conduta do agente; a existência do dano material ou moral; o nexo de causalidade e a culpa “latu sensu”, que compreende a culpa “stricto sensu” e o dolo.
Entende-se que a conduta do ser humano é gênero do qual a ação e a omissão são espécies. Assim, este elemento restará configurado sempre que houver um agir ou uma abstenção do agir, decorrente da vontade consciente ou inconsciente do agente.
Pondera-se ainda, que o ato pode ser próprio (responsabilidade civil direta), ou de terceiro sob a guarda do agente, bem como de coisas e animais sob sua responsabilidade (responsabilidade civil indireta). Já a omissão imputará a obrigação de indenizar se o sujeito tinha o dever de agir e, se desse agir, esperava-se evitar o dano.
O dano pode ser conceituado como a lesão a um bem jurídico, patrimonial ou não. Este dano pode ser material ou moral, sendo o primeiro aquele que recai sobre o patrimônio do ofendido e o segundo aquele que atinge a órbita psicológica deste. Somente serão passíveis de indenização os danos que preencherem os requisitos da certeza e da atualidade.
Por sua vez, o requisito do nexo causal estará preenchido quando o dano for proveniente da conduta lesiva do agente, ou seja, trata-se do liame entre o comportamento do responsável e o seu dano consequente.
A culpa “lato sensu” comporta o ato voluntário, ou dolo, e o ato involuntário, ou culpa “stricto sensu”. Dessa forma, o primeiro se dá de modo consciente e objetivando ferir direito alheio, enquanto que o segundo provém da ação negligente e indiligente.
Neste viés, cabe explicar a responsabilidade civil objetiva e a subjetiva. Na objetiva, impõe-se o dever de indenizar independentemente da existência de culpa. Já na subjetiva, não basta o fato ser imputável ao agente, tendo este que ser antijurídico.
Importante esclarecer ainda que a gradação da culpa não influenciará na imposição da obrigação de reparar, mas poderá servir como instrumento para se aferir o quantum indenizatório.
3 AS CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE ECONÔMICA PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL
Segundo a abordagem jurídica tradicional da responsabilidade civil, como visto, sua função principal é a reparação do dano. De outro lado, a Análise Econômica do Direito preconiza no sistema da responsabilidade civil uma função preventiva dos eventos lesivos.
Esta análise não só atribui um caráter principal diverso do tradicional a tal sistema, como também procura outros mecanismos de imputação da responsabilidade e de quantificação da indenização. Passaremos então ao breve estudo do Custo Social Total, da Regra de Hand e do “Punitive Damages”
A noção de Custo Social Total leva em conta não só o valor dos danos, mas também, os custos de precaução dos eventos danosos. Assim, segundo Fabiano Koff Coulon (2008, p.186), os custos de precaução estão vinculados a probabilidade de tais eventos acontecerem, uma vez que, quanto maior forem esses custos, menor será a incidência de acidentes.
Já a Regra de Hand, formulada pelo juiz Learned Hand no caso United States vs. Carrol Towing Co, constatou que os custos de precaução, para alcançar níveis ótimos, acabam por serem superiores aos custos de reparação. Um exemplo disso são os danos eficientes[3].
Tal fórmula busca reprimir esse tipo de comportamento, considerando como culposa a conduta onde os custos de prevenção (C) são menores que a probabilidade do dano (P), multiplicada pelos custos do dano causado (D). Assim: C<PD.
É a própria Regra de Hand que justifica a utilização de instrumentos como o “Punitive Damages”, que consiste no valor indenizatório expressivamente superior ao montante do dano. Objetiva, além de punir o agente por sua conduta, reprimir que este volte a cometer o mesmo ato.
Para que se justifique o uso desse mecanismo, é preciso a verificação de dano grave ou coletivo ou alto grau de culpa. Defende-se então, uma interpretação extensiva do artigo 944 do Código Civil[4], de forma que “justifica-se a majoração no valor da indenização em relação do dano quando a conduta do autor destoar sensivelmente da conduta do homem razoável”. (BATTESINI, 2011, p.263).
Em resposta à crítica de que essa seria uma forma de enriquecimento ilícito pela parte prejudicada, o que se presta a fixação de valores indenizatórios ínfimos principalmente aos casos de danos extrapatrimoniais, sugere-se que parte do valor pago fique nas mãos do lesado e o restante seja encaminhado a fundos específicos.
Desta forma, fica demonstrado que a Análise Econômica do Direito e todo o seu instrumental podem contribuir para o sistema de responsabilidade civil brasileiro, inserindo neste um caráter preventivo de eventos danosos e, ainda que tais danos se concretizem, a aplicação de indenizações mais efetivas.
CONCLUSÃO
No decorrer deste trabalho, foi possível perceber que Direito e Economia são ciências próximas, senão, complementares. O diálogo entre essas duas áreas do conhecimento não é recente e vem ganhando força através de movimentos como o Law & Economics ou Direito e Economia.
Primeiramente abordou-se a definição e a evolução da Análise Econômica do Direito, passando pela primeira e segunda ondas, até os dias atuais.
Dos institutos da Análise Econômica do Direito, foram explanados os conceitos de maximização do bem-estar; de eficiência, através do ótimo de Pareto e do critério de Kaldor-Hicks; e por fim, o Teorema de Coase.
Na sequência, tratamos da responsabilidade civil e seus elementos caracterizadores do dever de indenizar, quais sejam: a conduta humana, a existência do dano material ou moral, o nexo causal e a culpa “lato sensu” e “stricto sensu”. Por fim, a responsabilidade civil objetiva e subjetiva.
Na parte final do desenvolvimento, procurou-se demonstrar os institutos da AED que podem contribuir de forma positiva na otimização do sistema de responsabilidade civil. Explanou-se, portanto, a técnica do Custo Social Total, a Regra de Hand e o Punitive Damages.
Como visto, a contribuição da ciência econômica neste certame é centrada em dois pontos: prevenção de acidentes e indenizações eficientes. A prevenção fica por conta do Custo Social total, onde quanto maior forem os custos de precaução, menor será a incidência de eventos danosos. Já a questão indenizatória é tratada pelo Punitive Damages, majorando expressivamente o valor indenizatório em relação ao equivalente ao dano.
Partindo da premissa de que alguns danos são irreparáveis, seria muito mais eficiente possuir um sistema de responsabilidade civil que preze pela prevenção e não apenas pela reparação do dano. A Análise Econômica do Direito pode ser de grande valia neste aspecto.
Primeiro, estruturando o sistema de forma a estimular a prevenção dos eventos danosos, utilizando-se da técnica do Custo Social Total. Contudo, ainda que o agente optasse pelo dano eficiente, a Regra de Hand auxiliaria na aferição da responsabilidade para, posteriormente, aplicar o ideal do Punitive Damages, condenando o sujeito a uma indenização expressiva devido à falta de diligência.
Diante do apresentado, podemos concluir que estes três instrumentais da Análise Econômica do Direito, utilizados conjuntamente em um sistema de responsabilidade civil, podem trazer resultados muito satisfatórios.
REFERÊNCIAS
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COELHO, Fábio Ulhoa. Obrigações e Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MONTEIRO, Renato Leite. Análise Econômica do Direito: uma visão didática. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 18., 2009, São Paulo. Anais. 2009. p. 1087-1100. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/conpedi2/anteriores/XVIII+Congresso+Nacional+-+FMU-São+Paulo+(04%2C+05%2C+06+e+07+de+novembro+de+2009).pdf>. Acesso em 19 de mar. de 2016.
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TIMM, Luciano Benetti (Org.); CATEB, Alexandre Bueno. et al. Direito e Economia. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
Notas
[2] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[3] Típico de relações consumeristas. É quando o fornecedor opta pela indenização do consumidor, visto que os custos de precaução de acidentes serão maiores que os da reparação.
[4] Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.